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São Paulo – 2015


Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Capa

Míriam Duarte Teixeira

Diagramação Jacilene Moraes Revisão

Priscila Loiola

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ T265u Teixeira, Luiz Gonzaga Utopia e Marx / Luiz Gonzaga Teixeira. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2014. ISBN 978-85-7923-691-4 1. Marx, Karl, 1818-1883. 2. Socialismo - História - Séc. XX. 3. Filosofia marxista. 4. Teoria crítica. I. Título. 14-11727 CDD: 335.409 CDU: 330.85(09) ________________________________________________________________ 29/04/2014 06/05/2014 Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Sumário Pontos em que marxismo e utopia são diferentes...........................13 Pontos em que marxismo e utopia são semelhantes........................16 Visão de conjunto do marxismo e da utopia..................................17 Topologia......................................................................................20

1. Centro e beiradas.................................................... 27 Generalidades................................................................................31 Topologia......................................................................................31 Metafísica: o centro é o ser............................................................33 Metodologia: espaço, sedução, ardil...............................................37 Abordagem funcional....................................................................50 Abordagem epistemológica............................................................58 Centro e significação (Abordagem linguística)...............................72 Árvore e galhos..............................................................................74 Qual a relação entre o centro e as beiradas.....................................83


2. O método marxista (Introdução).................... 87 O complexo que explica o simples.................................................90 Concreto e abstrato.......................................................................97 Os dois métodos e os dois caminhos............................................113 A questão epistemológica: síntese e representação........................122 Teoria do conhecimento: materialismo versus idealismo..............132 Comentário final do trecho de Marx...........................................151

3. A academia e os Intelectuais............................. 155 A academia e a alienação.............................................................155 Marx e os intelectuais..................................................................172 Os intelectuais e o intelectualismo...........................................196

4. Totalidade.................................................................. 251 A totalidade nas diversas épocas: sinopse.....................................255 A totalidade em Kant e Hegel......................................................266 A totalidade em Marx..................................................................278 Dificuldades e contradições.........................................................305

5. metafísica e dialética........................................... 325 Generalidades: caracterizar e separar metafísica de dialética.........329 A contribuição de Stalin..............................................................330 Duas contribuições de Foucault...................................................382


Ideia e matéria (metafísica e dialética) são inconciliáveis?.............393 Visões panorâmicas das comparações entre dialética e metafísica.....412 Taxonomia das metafísicas................................................................426 O que busca a metafísica?.................................................................431 Projeto de salvamento da metafísica.............................................450 Exclusões: o que rejeitamos na metafísica....................................451 Inclusões: o que gostaríamos de manter ou incluir na metafísica......482

6. Putchismo versus Pedagogia............................ 551 Questões panorâmicas.................................................................551 Movimento.................................................................................567 O conceito de processo: manipulação e tramitação......................580 A virtù de Maquiavel...................................................................632 Tramitação, heroísmo, violência..................................................676 Lenin: princípios e Pedagogia......................................................699

Apêndice: o que é uma Árvore............................... 723

Bibliografia essencial.............................................. 739



Esclarecimentos O autor fica constrangido, como já aconteceu com outros autores, em enfileirar sob este título, ”Esclarecimentos”, em um texto anterior ao livro, um amontoado de observações que podem, em alguns casos, contribuir para a compreensão do livro propriamente dito. São textos curtos, densos e que, principalmente, não reservam espaço algum para discutir, por isso apenas tomam posição em questões que pedem muito mais tempo. Aqui, a exigência de brevidade leva a uma falsa simplicidade. As afirmações ficam como estão e os problemas vão sendo atropelados. A maioria dessas observações, na prática, estaria muito melhor no fim do livro, quando o leitor já estivesse mais ou menos treinado na manipulação de alguns problemas e conceitos. Essas observações foram separadas por linhas em branco e não têm relação ou ordem umas com as outras. Mais adiante, no terceiro capítulo (p. 155), nos deteremos um pouco – não muito, pois não é o nosso assunto – nas relações históricas entre utopia e marxismo. São relatos muito interessantes e que incluem algumas das personalidades mais importantes que a humanidade já produziu. É com pesar que decidimos por não lhes dar espaço; se tivessem sido incluídos, com certeza, passaríamos a ter pelo menos dois volumes. Quanto às relações filosóficas, às comparações entre as duas ideologias, nos basta, por enquanto, afirmar que o marxismo insiste em que o mais importante da sociedade está no centro: sobrevivência, economia e, um pouco afastado do centro, o poder; e a utopia insiste, pelo contrário, em que

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o mais importante da sociedade está na beirada: tecnologia, artes, religião, costumes, linguagem, mentalidade, cotidiano e, sobretudo, a educação. Por enquanto, apenas para situar minimamente o leitor, basta lembrar que este livro pressupõe a seguinte teoria histórica. São afirmações bastante discutíveis, mas que estão subjacentes ao desenvolvimento do livro. Mais que uma teoria propriamente dita, perfazem um desenho: as grandes linhas. A utopia e o socialismo vinham se formando muito lentamente durante a antiguidade, pois ambos têm um desenvolvimento razoavelmente independente. Embora inconsistentes e esporádicas, as utopias aparecem primeiro e se organizam primeiro, se comparadas com o socialismo. A República e As leis, de Platão, constituem um caso isolado, que não deixou uma escola nem uma tendência. São grandes utopias, mas não são socialistas. Não são a única utopia. Há muitos outros exemplos, tanto de trabalhos intelectuais quanto de experiências, que podem ser consideradas como utopias, e alguns casos que se pode até discutir se não são também socialistas, como as comunidades dos primeiros cristãos e os conventos católicos. Por fim, no início do século XVI, em 1516, surge a Utopia de Thomas Morus. E desde então, aí sim, são escritas centenas de utopias. Muitas delas apresentando já traços nítidos de socialismo, mas ainda esparsos. No fim do século XVIII e início do XIX, mais ou menos na mesma época da Revolução Francesa, o socialismo e a utopia não só se aproximam, mas apresentam alguns dos seus maiores nomes: Saint-Simon, Owen, Fourier e Proudhon. Embora não haja propriamente um criador que seja unanimidade, pode-se dizer que no início do século XIX o projeto do socialismo já estava razoavelmente claro para a maioria dos intelectuais. Ao mesmo tempo, começa a surgir um novo personagem, que poderíamos chamar de trabalhismo ou proletarismo. Alguns autores vão dando consistência a um socialismo e a um utopismo mais estreitamente sintonizado com os interesses dos trabalhadores. É nesse momento, já na metade do século XIX, que surgem Marx e Engels. Ou seja, antes de Marx e Engels, o trabalhismo era apenas uma tendência entre os utópicos; com os dois, pela primeira vez, com clareza, surge a necessidade de separação: Marx e Engels percebem e verbalizam o fato de que as diferenças se tornaram insuportáveis em termos teóricos e práticos.

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Pouco tempo depois, começa a se consolidar também mais uma das grandes correntes socialistas, o anarquismo. Até o fim do século XIX e início do XX, essas tendências (o proletarismo representado sobretudo por Marx, a utopia e o anarquismo) estão mais ou menos equilibradas dentro do movimento socialista. Até que surge a grande figura de Lenin, o bolchevismo, e o resultado, a Revolução Russa. Com a vitória desse grupo, em 1917, ocorre pela primeira vez na história da humanidade a realização fundamentada, política e de grandes proporções, do socialismo, e mesmo, em linhas gerais, da utopia, ou seja, um projeto amplamente teorizado e discutido se traduz em uma experiência social concreta. A partir de então, todos os socialistas se unem em torno do marxismo e calam-se estrategicamente as diferenças; todos nós passamos a apostar nos resultados e também na primeira grande experiência. Contudo, aos poucos, mesmo que publicamente todos os socialistas defendessem o marxismo, as diferenças começaram a ganhar corpo. Principalmente em torno de duas questões: o economicismo e o autoritarismo. Ao mesmo tempo, surge uma nova etapa na literatura utópica. Pode-se sustentar a tese de que, desde 1905, com a publicação de Modern utopia, de Wells, os utópicos se descobrem e se denominam como tais. Nas Ciências Humanas, a palavra utopia adquire o significado e o status que deve ter no século XX, muito diferente do que tinha no século XIX. Vão ganhando consistência também tendências muito diversas que são mais ou menos utópicas e que minam o Cientificismo do século XIX: geometrias não euclidianas, física quântica, psicologia experimental, linguística, escola nova e pedagogia não diretiva, Nova História (Annales), antropologia, escola de frankfurt,revisionismo soviético, psiquiatria, Nova História, esquerda católica (ação católica), preservacionismo (vegetarianismo, proteção aos animais, às baleias, camada de ozônio)... Até que, aí já na segunda metade do século XX, surgem dois eventos de grande repercussão, a Revolução dos Estudantes, em 1968, simbolizando na verdade uma revolução muito mais ampla da juventude na educação, nos costumes, nas artes; e, em 1989, a queda do muro de Berlim, culminando um processo mais complexo, que passou por Krushov e Gorbachov e por mudanças profundas no interior do socialismo, inclusive do pensamento marxista. E também um amplo movimento, fortemente utópico, que inclui

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a música popular, comunidades utópicas, movimento hippie, entre outros, que podem ou não ser considerados como o mesmo movimento de transformação da juventude e dos estudantes de 1968. Citamos entre os autores marxistas – ou mais ou menos marxistas – típicos da transformação operada pelo socialismo do século XX: o próprio Lenin, Gramsci, Lukács, Marcuse, Paulo Freire e, o mais utópico de todos, Ernst Bloch. Vivemos agora, no fim do século XX e início do XXI, uma época de transição e de profundas reestruturações ideológicas. O que vai acontecer a seguir? A hipótese na qual este livro aposta é que depois do intervalo de 1917 a 1989, em que o marxismo se reestruturou e a utopia também, as diferenças e semelhanças entre essas duas ideologias ficaram muito mais claras. E que a utopia passou aos poucos a ocupar dentro do socialismo a posição que antes era ocupada pelo marxismo. É possível dividir a produção intelectual de Marx em dois períodos. O primeiro, já convencionado como o Marx jovem, e o Marx maduro, que alguns preferem chamar de Marx propriamente dito. O primeiro estava muito mais próximo da utopia. A mudança do Marx jovem para o maduro ocorre entre 1846 e 1848. Marx nasceu em 1818, já tinha aproximadamente trinta anos de idade nessa época; e a partir de seus contatos com Proudhon, em Paris, foi levado a compreender suas diferenças em relação aos utópicos. O que contribuiu muito, inclusive, para que Marx se encontrasse e compreendesse a sua própria proposta. Formalmente, nosso assunto é o marxismo, e não a utopia. A utopia é abordada aqui apenas indiretamente. Este livro é um olhar utópico sobre o marxismo. Não é uma crítica simplista, que procura alertar os interessados para os perigos do marxismo. Pelo contrário, aqui procuramos objetividade, simpatia, devendo a utopia funcionar apenas como um pano de fundo e uma fronteira esclarecedores. Mas se algum leitor afirmar o contrário, que este é um livro sobre utopia, que apenas finge falar do marxismo, quer dizer, onde o marxismo é apenas o pretexto para se falar da utopia, somos obrigados a dizer que ele também tem razão. Sim, aqui se fala muito de utopia, mas sempre sobre questões que estão marcadas pela interlocução com

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o marxismo. Ou, corrigindo, somos obrigados a dizer que está errado, mas não totalmente, que tem uma parcela de razão. E até um leitor que afirme que este livro é sobre ambos, indiferentemente... O presente livro não pode ser comparado com outro livro, Compreender o liberalismo, que efetivamente combate o liberalismo. A utopia se opõe ao liberalismo, mas tem fronteiras muito mais intensas e complexas com o marxismo, que critica e distingue sempre com profunda simpatia. Utopia e liberalismo são inimigos, apesar de que há pontos de contato, principalmente em torno dos conceitos de liberdade e de estado de direito, mas a proximidade pode ser exagerada se observada com pressa. Em compensação, utopia e marxismo são vertentes dentro do mesmo socialismo e têm profundas semelhanças. Embora haja também alguma tendência para exagerar as inegáveis diferenças.

Pontos em que marxismo e utopia são diferentes A seguir, nos dois próximos blocos, está uma listagem despretensiosa dos pontos em que utopia e marxismo são diferentes ou semelhantes (despretensiosa, também um pouco caricatural e equivocada na medida em que busca um desenho resumido e simplificado). O mais importante é que fique claro, para nós, que são diferenças e semelhanças que se organizam em torno dos conceitos de centro e beiradas, ou seja, que centro e beiradas são conceitos eficientes como organizadores das diferenças e semelhanças. 1) O preponderante para o marxismo é o econômico, o político, e o resto das relações sociais se organizam a partir daí. Digamos que a sociedade tem um centro e uma beirada, o centro é o econômico, e, quase no centro, um anel em torno do centro, o político. As margens são a família, a educação e os costumes. O marxismo dá mais importância para o centro, tanto quando procura compreender a sociedade (como ela é), como quando propõe mudanças (como deveria ser). A revolução socialista, para o marxismo, só pode ocorrer a partir de mudanças econômicas e políticas. Outras figuras poderiam ser utilizadas: ou que a sociedade é uma árvore com tronco e galhos, ou que a sociedade é

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semelhante a uma casa com alicerces, paredes, telhado, bibelôs. Nesses dois casos, em vez de se dizer centro, se diz parte de baixo, infraestrutura. E, em vez de se dizer beirada, se diz, aí, superestrutura. Ou tronco e galhos. Para a utopia, tanto quando procuramos compreender a sociedade quanto quando queremos propor mudanças, o nosso espaço preferencial são as margens. Outra forma de expor a diferença entre margens e centro é dizer que a utopia se interessa por todos os três níveis da sociedade: dentro das pessoas, pelas relações entre as pessoas e pela sociedade como um todo (chamado, este último, de nível econômico e político). Nessa divisão, mais uma vez, o lado de dentro das pessoas corresponde à beirada, enquanto que o todo − a economia e a política, mais a economia do que a política − corresponde ao centro. Pois é dentro das pessoas, nas mudanças psicológicas, costumes, mentalidade, portanto, nas margens, e pelas margens, que a utopia faz a abordagem onde se sente mais à vontade. 2) Como consequência, a revolução para o marxismo, principalmente para o marxismo mais ortodoxo, é autoritária, violenta, e para a utopia é um “ocupar de espaços”, é a engenharia de novas instituições, se dá no espaço problemático da educação. A violência da concepção marxista está em sua direção, que é de cima para baixo (há, neste ponto, alguma confusão, pois do ponto de vista da estrutura, o poder está em baixo, na base, mas do ponto de vista do exercício do poder, o que é representado por uma pirâmide onde os poderosos ocupam a ponta de cima da pirâmide, o poder já ocupa o topo e o povo a base). E a não violência utópica vem de sua direção, que é de baixo para cima. Fica para o leitor curioso a indicação de um ótimo livro sobre o tema: De baixo para cima, de Carlos Aveline, Petrópolis, Vozes, 1984. Para o marxismo, a revolução se manifesta como uma ação no ambiente da luta de classes. Para a utopia, a violência só teria razão em uma situação de tamanha opressão que não nos deixasse nenhum espaço que pudesse ser aproveitado. Se estivéssemos tão sufocados, ou espectadores de tanta injustiça, que a violência fosse a única saída. Fora essa situação extrema e desagradável, a utopia sempre vai procurar uma forma não violenta para transformar a sociedade. O que não significa, contudo, que a revolução utópica seja mais lenta. Paciente, sim, mas não necessariamente lenta. 3) O marxismo é científico e a utopia é técnica. O marxismo acredita ser uma verdade absoluta; a utopia também, talvez, mas se apresenta como

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uma disposição de espírito muito humilde e muito crítica que busca explorar tudo que houver para ser explorado na realidade. Marx pretendia desenvolver uma ciência da sociedade, compreender como as coisas aconteciam de fato, tal como se punha o problema para o século XIX, e nunca como se pôs no século XX; nunca pronunciou com clareza a intenção de compreender o que fazer, como proceder como indivíduo, ou como partido. Uma das diferenças mais essenciais entre ciência e técnica pode ser posta como: compreender o que é e compreender o que se deve fazer. O marxismo pretendia ser objetivo e a utopia pretendia desenvolver os meios. Marx estava preocupado em compreender como a sociedade funciona e como se transforma, e assim deu uma importância muito pequena para duas questões interligadas, o movimento ou partido, ou seja, como organizar ou como deve proceder um movimento marxista, e o problema pedagógico, a transformação das pessoas, em termos de mentalidade, afetividade, atitudes, para que elas sejam mais conformes com o socialismo e menos com o capitalismo. Contudo, o marxismo depois de Lenin, que inclusive costuma ser chamado de marxismo-leninismo, passou a se preocupar com o problema da organização do movimento. Lukács dá um passo importante no sentido de se constituir um marxismo mais consciente das mudanças ideológicas. E Paulo Freire pode ser citado como uma tentativa muito importante para avançar no rumo da transformação pedagógica das pessoas pelo socialismo. Lenin, Lukács e Paulo Freire estão mais próximos da utopia do que Marx nesse sentido. O marxismo, na medida em que termina o século XIX e avançamos pelo século XX, se aproxima da utopia. A utopia se preocupa também com o problema da catequese, como conquistar uma pessoa para a nossa ideologia. Por esse ângulo, o marxismo é mais (parecido com) uma teoria sobre a história e a sociedade, e a utopia é mais uma ideologia, uma engenharia de ideias e uma técnica para se desenvolver um movimento. 4) A utopia se dá melhor (tem maior proximidade ideológica) com a modernidade, embora não com a face liberal da modernidade (globalização, neoliberalismo). As mudanças profundas pelas quais a humanidade vem passando no último século, revolução de costumes, universidade, tecnologia, administração, são mais utópicas do que marxistas. Enquanto o

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