Errantes da madrugada 15

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São Paulo — 2015


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Diagramação Jacilene Moraes Revisão

Rafael Silvestre

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ N385e Neto, Rubens Errantes da madrugada : velho-oeste, lobisomens e rock & roll / Rubens Neto. - 1. ed. - São Paulo : Baraúna, 2014. ISBN 978-85-437-0186-8 1. Ficção brasileira. I. Título. 14-17440 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 ________________________________________________________________ 04/11/2014 04/11/2014 Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Agradecimentos Agradeço a Deus, a toda a minha família na Terra (incluem-se aqui o Sukata e o Stallone), a toda a minha família no Céu, e à fonte eterna de minha inspiração: minha esposa, Fernanda. Agradeço novamente a todos pela paciência e carinho que me rodearam todos estes anos. Amo vocês do fundo do meu coração. À parte isso, dedico esta obra a todos os amantes, aficcionados, entusiastas, fãs, músicos, artistas, bandas ou devotos do mais puro rock and roll, mundo afora.



Nota do Autor Sempre olhei desconfiado para autores que criavam mundos inteiros com sua imaginação... Na verdade, julgava-os um tanto exagerados, criando lugares, geografia, países, lendas, guerras etc,. e colocando tudo isso num mapa para que pudéssemos nos situar. A todo momento, dizia para mim mesmo: “desta água não beberei”, sempre que virava as folhas para olhar o desenho no apêndice. Mas, como o mundo dá voltas, acontece que literalmente me afoguei em um dilúvio de proporções bíblicas desta “água”... Minha terceira obra é uma verdadeira hipocrisia da minha parte, tentando criar um mundo vasto, complexo e único, onde (acho que) consegui misturar — à minha maneira, é claro –, assuntos de que gosto muito, quais sejam: Velho-Oeste, Lobisomens e Rock And Roll. Ou seja, não é uma mera coincidência o fato de que o subtítulo do presente livro seja exatamente esse. Ah, já ia me esquecendo: esta também é minha primeira tentativa em criar uma trilogia, então, podem esperar por mais dois volumes depois desse! Assim, uma vez mais, fiz algo que me agradasse o suficiente para compartilhar com o mundo. Novamente, são vidas fictícias que consegui alcançar somente pelas palavras. Espero que gostem, pois para mim é indescritível a sensação de mais um livro pronto. Divirtam-se, lembrando-se sempre de que a trilha sonora, da primeira à última página, já está praticamente definida! Rubens Neto.


Em seu passado, ele matou mais homens do que o Inferno tem de almas.


Prólogo “Acabei de matar um homem. Pus a arma contra a sua cabeça; puxei meu gatilho e agora ele está morto.” Bohemian Rhapsody, Queen.



12 de dezembro de 1879, às 23:00 horas. Condado de Floyd, em Nightwish, EUA. O inevitável agora. O garrano cambaleava em razão do frio. Era um bicho velho e teimoso, com pelugem malhada e gasta pelos anos. Suas patas surradas fincavam-se até a metade na neve espessa, que ganhava os arredores de cidade. Mark batia com as esporas na barriga do animal, que nem sequer alterava o seu ritmo lento, mesmo com a dor do metal pontiagudo contra a sua carne. O relinchar do cavalo era um resmungo natural, conforme os flocos gelados desciam do céu escuro. Passavam pelo pórtico, de madeira simples e violentada pelo tempo. Com tintas descascadas e velhas, anunciavam sem orgulho o nome do lugar. Floyd. A “Cidade Rosada”, como chamavam. Tinha esse nome pela terra arroxeada que os primeiros colonos acharam, mas que sumiu nos dois primeiros anos de cultivo. O nome, pelo menos, ficou. Os colonos, não. Depois de muitos minutos gelados, Mark já via as luzes do salloon, de longe, com as lamparinas lutando para permanecerem acesas contra aqueles ventos frisantes de inverno. Realmente parecia ser a única coisa ainda aberta em quilômetros naquela hora da noite. Avançavam sem qualquer velocidade por ruas recheadas de lodo congelado. Mesmo com a pouca claridade, notava os detalhes das paredes, portas e em alguns dos telhados. Tons rosados e descascados dominavam a arquitetura, talvez como uma homenagem ao batismo da cidade. Nome estranho. Cidade mais estranha ainda, pensava. A dupla continuava, no passado ritmado, sem pressa. Como se tivesse destino certo, o bicho malhado parava com o seu trotar lento exatamente na frente da casa de jogos e diversões. Mark descia com certa dificuldade do animal reclamão, auxiliado pelas rédeas. Com passadas sofridas, amarrava-o embaixo de um estábulo vizinho, do outro lado da rua. 11


Dando uma última boa olhada para a sua montaria, já aninhada contra o frio, Mark atravessava aquela passagem de terra batida e neve grudenta. Suas botas de couro escuro pisavam com passos mancos, pouco acostumados, mesmo depois de tanto tempo. O sobretudo negro, que abrangia grande parte de seu corpo, lhe ajudava bem contra a baixa temperatura. Chegava à calçada alta, esforçando-se para subir dois degraus com a perna direita, problemática e vagarosa. Nunca imaginava que, com trinta e poucos anos, estaria parecendo um velho moribundo. Franzia a testa, pensando nisso. Postava-se à porta do salloon. Olhava a placa rosada, pintada há muitos anos atrás. “Teatro dos Sonhos”, dizia. O nome lhe importava tanto quanto a cidade. Os sons de piano e de carteado ecoavam pelos vidros maltratados do lugar, entoando a diversão de todos lá dentro. Provenientes do andar de cima, gemidos, falas e vozes femininas chegavam aos seus ouvidos, quase sumidos pelo uivar da noite. Mas nada daquilo era o seu objetivo. Nada daquilo... Ele fitava a maçaneta, de ferro escuro. Ia com a mão para abri-la. Estava tremendo. Não era o frio que lhe deixava assim. Era o nervosismo. O ódio... Principalmente quando sentia falta dos dois dedos. O indicador e o dedo médio eram apenas lembranças rasgadas, antigas. Olhava o anelar, portando tristemente sua aliança, acompanhado dos outros dois. Sentia seu pingente, batendo contra o peito, por dentro da camisa. O dólar de prata furado, trespassado pelo cordão, que levava no pescoço, era seu lembrete diário. Ora, segundo após segundo o recordava... Controlava-se no que podia para não chorar. Mas não conseguia... Mesmo depois de oito anos, as pequenas lágrimas desciam por suas bochechas, hidratando sem sentido as cicatrizes no seu rosto. Eles iriam pagar... Cada um deles iria pagar..., rangia os dentes quase dizendo os pensamentos em voz alta. Chacoalhava a cabeça tentando se livrar da raiva iminente e da neve em seu chapéu preto. Ajeitava o longo lenço marrom que lhe cobria a face até o nariz, vendo os vapores que escapavam com seu respirar. 12


E, com a mão faltante de dedos, virava a maçaneta. A porta abria-se com pouca vontade, rangendo como uma velha rabugenta. No momento em que seus pés o colocavam lá dentro, uma onda de calor lhe acariciava a pele, proporcionada pela lareira vívida e quente. Ninguém parecia se importar com sua presença, dispersos em seus afazeres libidinosos, gananciosos ou viciantes. Mark fitava o amplo salão por completo. Suas paredes eram de madeira vergonhosamente pintada de rosa, decoradas aqui e ali com cabeças empalhadas de dois veados e um urso. Uma escada munida de mulheres cortava o local pelo lado direito, subindo até o andar das diversões mais “adultas”. Um piano tocava sem parar, embalado por um músico um tanto alegre, em um dos cantos. Três ou quatro mesas redondas espalhavam-se pelo resto do local, recheadas de bêbados e de prostitutas. No fundo ele via uma mesa de cartas. O feltro verde era velho e desgastado, cercado por cigarros, bebidas e cinco jogadores. Quatro deles, pela postura e pelas vestes, definitivamente alugavam suas armas por dinheiro. Mas era o quinto, em especial, que lhe chamava a atenção. Imediatamente. Estava mais bem vestido, mais bem tratado. Suas costeletas loiras estavam maiores e mais destacadas no seu rosto franzino. Vestia um terno preto, impecavelmente costurado e aparentemente caríssimo. Na cabeça, um pequeno chapéu escuro, redondo e moderno. Na aba do paletó era possível perceber a corrente dourada que terminava num relógio exclusivo, de extremo bom gosto. O mesmo mijo de cavalo de sempre, mas em outra garrafa, Mark pensava. O infeliz não estava sozinho. O quarteto mercenário, jogando com ele, era o seu aparente novo bando. Nenhum deles parecia perceber sua presença, entretidos no pôquer. Mark continha seus lábios para não gritar o nome dele. Cerrava os dentes, mordendo parte da boca, tentando conter o ódio, mas, mesmo assim, a fala saía involuntariamente, ainda que sussurrada para si mesmo. — Johnny... 13


Mas ainda não era hora. Ainda não, pensava. Tente saborear o momento... Ele fechava os olhos, refrescando como podia aquela vontade. Angariava o ar com os pulmões, que vinha com o odor fétido de um piso que não era limpo havia meses. Seus olhos, surrados pela viagem e pela vida, vislumbravam o bar, longo e vistoso. Rumava para lá, com seus passos lentos e coxos. Chegava ao balcão, passando por um homem completamente embriagado, que tentava se manter em pé. O barman já se direcionava para atendê-lo, sem qualquer distinção, caminhando pelo pequeno espaço que separavam os consumidores, colocando um pano ligeiramente sujo sobre o ombro. Ele encarava Mark, sem grandes alterações, como se já tivesse visto de tudo naquele emprego. — O que vai ser? — o lenço posando como máscara não o incomodava, pelo visto. Colocava sua mão direita sobre a madeira manchada, como descanso. Abaixava o pano que lhe cobria o rosto até o pescoço, para que pudesse falar sem grandes problemas. O olhar do barman se alterava completamente, ao visualizar os ferimentos cicatrizados permeando todo o semblante daquele homem misterioso. Mesmo depois de anos, Mark ainda estava se acostumando com aquelas reações... Suspirava, indignado, mas ainda assim, pedia a bebida. —Uísque. — a voz que saía era rouca, mas imperativa. O barman hesitava, momentaneamente, mas acatava o pedido. Não respondia nada, no entanto. Era como se quisesse manter o mínimo contato com aquele cliente deformado. Ele simplesmente se virava para uma das prateleiras, pegando um copo limpo. Enquanto o homem desrosqueava a garrafa, Mark continuava ali, na mesma posição. De costas para todos, voltado inteiramente ao bar. Recebia do atendente o copo, que prontamente segurava com a mão esquerda, faltante de dedos. Mais uma vez o homem que lhe servia se impressionava com as deformidades presentes, arregalando os olhos. Engolia seco enquanto derramava o líquido amarelado no copo, até quase transbordá-lo. 14


Um bêbado, ao lado dos dois, parecia voltar à consciência no instante em que ouvia o uísque batendo contra o vidro. Como abutre quanto à carniça, ele imediatamente se virava, intrometido. Por alguns segundos encarava o forasteiro com olhos vermelhos e remelentos. Até que finalmente falava, com voz torta e embargada. — Mas você é o cara mais feio que já vi em toda a minha vida... — ele dizia, fitando o semblante de Mark, inédito para sua embriaguez. — (...). — o viajante não se dava ao trabalho de responder, mostrando um nítido desdém. Cobria o rosto com a mão livre, em razão da baforada fedida que saía junto das palavras. Mas o bêbado continuava, chegando cada vez mais perto. — Me dá uma dose de uísque também, Mike... — a fala saía recheada do vai – e vem típico, de uma boca repleta de dentes careados e tortos. Mark, no entanto, não via isso, pois em nenhum momento se dava ao trabalho de colocar-se de frente ao cambaleante homem. — Além de estar bêbado, está sem dinheiro, senhor LaBrie. — o barman respondia como se estivesse feliz por ter se livrado de qualquer tipo de contato com o forasteiro, distanciando-se alguma coisa. — Mostre as moedas que eu lhe servirei o que quiser. — o bêbado enrugava a testa, visivelmente nervoso. Com movimentos lerdos e descontrolados, puxava uma arma sabe-se lá de onde. Batia com força o cabo de uma pistola enferrujada no balcão, arranhando a madeira propositalmente. Olhos encharcados em álcool fitavam tanto o barman quanto Mark, que ainda permanecia de frente para o bar, segurando a sua bebida. — Você tem coragem de servir o homem mais feio que já andou por essa Terra, mas não tem coragem de me servir? — ele gritava da forma tipicamente embriagada, remexendo o cano cravejado de ferrugem para cima e para baixo, na direção de Mark. Alguns habitués chegavam a conferir o bar, mas percebiam imediatamente que era apenas ladainha de bêbado. O barman, por outro lado, tentava contê-lo no que podia.

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