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ESG como valor compartilhado à sociedade

Victor Venâncio Head of Digital Transformation LatAm – IHM Stefanini / Invited professor MIT and UC Berkeley (Digital Transformation) , Cambridge Business School (Strategy for CXO) (by Emeritus) + PUC-RJ (Master Digital Transf).

Dois tópicos fundamentais, para qualquer organização, estão há algum tempo figurando como prioridades absolutas na agenda dos C-levels do setor de energia, óleo e gás: a transformação digital e o ESG (Environmental, Social & Governance).

Tanto a estratégia operacional, como de negócios e corporativa, precisam considerar o impacto da transformação digital em toda cadeia de valor, e o ESG como um fator preponderante para a imagem e reputação da empresa perante a sociedade.

A sustentabilidade deixou de ser uma característica presente em alguns modelos de negócios, para se tornar mandatória em empresas que possuam visão de médio e longo prazo, e que compartilham valor com a sociedade. No setor de energia, onde o óleo & gás está inserido, a questão ambiental se torna ainda mais evidente, na medida em que a agenda Global de redução de emissões de gases de efeito estufa, estabelecida no acordo de Paris, traz desafios enormes às empresas.

O conceito de ESG, ainda sem este termo, foi ventilado pela primeira vez em 2005, quando o então secretário geral da ONU, Kofi Annan, juntou 23 das maiores empresas do mundo para alertar sobre a importância de uma atuação mais incisiva com os pilares socioambientais. Em 2019, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos daquele ano, 181 CEOs, das maiores empresas do mundo, decidiram adotar os fatores de desenvolvimento sustentável e responsabilidade socio-corporativa, em seus balanços anuais e planejamentos estratégicos. Porém, foi em 2020, com o anúncio da BlackRock, maior fundo de investimento do mundo, indicando que somente investiriam em organizações com compromissos claros em ESG, e que venderiam 500 milhões de dólares em ativos relacionados a geração de energia por meio de combustíveis fósseis, que o mercado ligou a luz de alerta e as empresas, não somente do setor de óleo e gás, passaram a considerar a temática de ESG como prioritária, focando ainda mais nas energias renováveis em suas carteiras de investimentos, e também como direcionadores estratégicos de médio e longo prazo.

Um artigo seminal escrito por Michael Porter (à esquerda na foto, com Victor Venâncio) e Mark Kramer, publicado na Harvard Business Review, em 2011, com o título de “Criando Valor Compartilhado”, já trazia uma análise entre economia e progresso social das nações, através das empresas fomentando ondas de inovação e crescimento sustentável. O valor seria gerado e compartilhado com a sociedade por reconceber novos produtos e mercados, prover um realinhamento e redefinição das cadeias de valor, e pelo desenvolvimento de clusters locais. O crescimento econômico, sem o acompanhamento do progresso social, acaba por gerar custos que impedem a evolução das organizações e das nações. “Valores compartilhados não são responsabilidade social, filantropia ou mesmo sustentabilidade, mas sim, um novo jeito de atingir o sucesso econômico” (M.Porter e M.Kramer). E isso pode ser visto pelo valor das ações das empresas que adotaram claras iniciativas de ESG, conforme estudo da Morgan Stanley, XP Investimentos e Bloomberg.

Fonte: Bloomberg, XP Investimentos, MSCI

O conceito de valor compartilhado pode ser definido como políticas e práticas operacionais que elevam a competitividade das empresas, enquanto, simultaneamente, melhoram as condições econômicas e sociais nas comunidades onde as empresas operam. A criação de valor compartilhado tem foco na identificação e extensão das conexões entre o social e o progresso econômico. Tanto o progresso econômico como o social devem ser abordados usando princípios de valor. O valor é definido como benefícios em relação aos custos envolvidos, não apenas aos benefícios. A criação de valor é uma ideia presente no mundo dos negócios, onde o lucro é a

receita auferida com os clientes, extraindo-se os custos totais incorridos nas operações de produção, logística e vendas. Quando falamos da área social, pensar em termos de valor é menos comum. Não é à toa que, entre os três pilares da sigla ESG, o Social seja o que apresente menos importância entre as organizações, conforme demonstrado pela pesquisa conduzida pelo Itaú BBA.

Fonte: Itau BBA

As empresas raramente abordaram questões sociais em uma perspectiva de valor, as tratando de forma periférica nas estratégias corporativas das empresas. Entretanto, com a temática ESG, as conexões entre preocupações econômicas, ambientais e sociais, estão cada vez mais presentes nas organizações.

Neste contexto, e alguns anos depois do artigo de Michael Porter, o ESG se tornou a resposta das empresas que possuem esta visão de sustentabilidade ambiental e dos negócios, preocupação com o progresso social, e primam por uma governança corporativa que garanta a integridade em suas operações.

As empresas compartilham valor com a sociedade além do que é notadamente percebido por funcionários, acionistas e demais partes interessadas (salários, impostos, dividendos e filantropia), e também compartilham valor quando reduzem as emissões de gases de efeito estufa e demais poluentes, quando otimizam o uso de insumos e recursos naturais, quando reduzem o consumo de água ou usam energias renováveis, inovando e gerando crescimento através de novos produtos e/ou serviços aos mercados existentes, ou mesmo criando novos mercados, assim como já vislumbrava Michael Porter, em seu artigo lá em 2011, quando não se falava sobre o termo ESG ainda.

A sociedade valoriza organizações que são responsáveis e mitigam seus impactos no meio ambiente e nos negócios. Os cidadãos querem ser tratados como uma parte interessada ativa, com poderes para dirigir e decidir os rumos das comunidades onde vivem. Não é à toa que o IDH (índice de Desenvolvimento Humano), das áreas de influência onde as empresas atuam, é um dos KPIs usados para medir a efetividade de uma agenda de ESG. E o mercado e a sociedade premiam essas atuações. Empresas e instituições que seguem boas práticas ambientais, sociais e de governança são mais estáveis, e podem gerar mais valor no longo prazo.

As iniciativas de ESG precisam ter uma perspectiva abrangente, que partem de uma simples ação de filantropia e caridade, até o compartilhamento efetivo de valor perante a sociedade e partes interessadas.

Fonte: Stefanini Group

Ter estratégias de geração e compartilhamento de valor, através da agenda ESG, é um imperativo para todas as organizações atuantes em setores extrativistas e de processos industriais de transformação, devido ao grande impacto de suas operações em toda sociedade, seja pelo ponto de vista ambiental, social e de governança. É requerida uma visão 360o da organização, que abrange o back office (área industrial), o middle office (área corporativa) e o front office (área de negócios) das empresas, impactando toda cadeia de valor onde ela está inserida.

Fonte: Stefanini Group

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) estabelecidos pela ONU, indicam os pontos em que as organizações impactam a sociedade, e que devem ser monitorados constantemente, para cumprir a agenda de ESG, servindo, entre outros fatores, como direcionadores para iniciativas concretas perante a sociedade, constando nos respectivos relatórios anuais de sustentabilidade e ESG.

Estamos vivendo um momento de transição, da terceira para a quarta revolução industrial. Estes movimentos trans-

formacionais que temos visto com a transição energética, a eletro mobilidade, a própria transformação digital, entre outras, exigem que as organizações estejam preparadas para superar enormes desafios, e se manterem perenes em seus mercados.

O sucesso das organizações exige que as empresas operem num ambiente de inovação aberta, colaboração, e cooperação entre ecossistemas, mudando a forma como as empresas e concorrentes trabalham, para alcançar o progresso social e dos negócios. Atuar nos pilares de tecnologia, processos, cultura e estrutura organizacional, preparando-os para o período da quarta revolução industrial, e uma sociedade 5.0, é o que possibilitará a manutenção e geração de vantagens competitivas sustentáveis, e compartilhamento de valor.

A cultura exerce um papel fundamental nesta transformação, e precisa ser ajustada para um ambiente de negócios completamente distinto do que estávamos acostumados durante o período da terceira revolução industrial.

Fonte: Stefanini Group

Mudanças na forma como geramos, transportamos e consumimos energia estão impactando modelos de negócios por cadeias de valor de diversos segmentos de mercado. Isto exigirá investimentos em fontes de energias renováveis, afetando a forma sobre como pensamos o uso dos recursos naturais e os impactos que as externalidades das operações geram ao meio ambiente e à sociedade.

A transição energética não se limita apenas às empresas de energia ou petróleo e gás. Há necessidade de termos uma visão isenta e abrangente sobre o tema. O hidrogênio é uma fonte muito interessante, mas, se a eletricidade utilizada no processo for gerada através de fontes limpas. O setor de mineração também deve considerar sua pegada de Carbono gerada nos processos de extração dos minérios, como o lítio, essencial para tecnologias aplicadas nas baterias de armazenamento de energia e fundamentais nas estratégias de descarbonização. Com o processo de eletrificação por que estamos passando, a demanda por este tipo de minério tende a crescer ainda mais, e precisamos todos sermos críticos, e termos uma visão mais abrangente sobre o tema, já que as metas de emissões de carbono incluem os escopos 1, 2 e 3, e as emissões para extração e processamento destes minérios também impactam o meio ambiente e a sociedade.

Os investimentos em energias renováveis, como eólica e solar, continuarão a crescer exponencialmente, nos próximos anos.

A energia gerada através do gás natural desempenha um papel vital neste momento de transição, fornecendo soluções flexíveis, energia despachável, acessível e confiável, com pegada de Carbono inferior à do carvão.

A energia nuclear continuará a ser uma fonte a ser considerada na jornada de descarbonização, com desenvolvimento de pequenos reatores modulares, reduzindo os custos operacionais, e com sistemas de segurança cada vez mais confiáveis.

O avanço no desenvolvimento de tecnologias e soluções de armazenamento de energia potencializam os investimentos em energias renováveis. A descarbonização do setor de energia exige uma abordagem holística, considerando todo o sistema e as cadeias de valor, que são impactadas com suas operações, desde a geração, distribuição, armazenamento e consumo de energia.

É é nesse momento que a transformação digital entra em cena para agilizar as agendas de ESG e de descarbonização das empresas de energia, óleo e gás!

As empresas precisarão integrar e otimizar seus ativos, usando estrategicamente os dados que já são disponíveis em suas operações, ou obtendo novos dados, através da adoção massiva de sensores, impactando, tanto o back, como o middle e o front offices das empresas do setor. A convergência OT-IT é o primeiro passo na execução da jornada de transformação digital em organizações de base industrial, e esta convergência de dados dos sistemas OT (Operational technologies) e IT (Information Technologies), tem potencial de acelerar as agendas de ESG por toda organização.

A transformação digital desempenha um papel vital para melhorar a produtividade e a confiabilidade das operações e dos ativos das empresas geradoras de energia, promovendo o compartilhamento de valor de forma mais ágil, efetiva e num menor espaço de tempo. É um dos fatores que impactam a competitividade das organizações e das nações.

A Pandemia impactou a mentalidade das pessoas, empresas e toda sociedade, trazendo a temática do ESG à tona com ainda mais notoriedade, e acelerando a transformação digital.

Neste contexto, vimos que ESG e Transformação digital, embora administrados por profissionais e departamentos distintos na maioria das empresas, precisam atuar de forma integrada, para que o compartilhamento do valor seja o mais efetivo possível. Não é à toa que figuram como prioridade absoluta nas agendas dos C-levels. Uma jornada fundamental para toda a sociedade e para os negócios.

Na sua empresa, estes assuntos estão integrados ou continuam atuando em seus silos organizacionais?