Edição 1056

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Diário da Cuesta

NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

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O poema dramático “Morte e Vida Severina” é a obra-prima do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Escrito entre 1954 e 1955, trata-se de um auto de Natal de temática regionalista.

O poeta, que nasceu no Recife, transformou em poesia visceral a condição do retirante nordestino, sua morte social e miséria.

Resumo da Obra

Morte e Vida Severina retrata a trajetória de Severino, que deixa o sertão nordestino em direção ao litoral em busca de melhores condições de vida. Severino encontra no caminho outros nordestinos que, como ele, passam pelas privações impostas ao sertão.

A aridez da terra e as injustiças contra o povo são percebidas em medidas nada sutis do autor. Assim, ele retrata o enterro de um homem assassinado

O CAMINHO DO TEATRO: ÚNICO E MÁGICO

MORTE E VIDA SEVERINA

a mando de latifundiários.

Assiste a muitas mortes e, de tanto vagar, termina por descobrir que é justamente ela, a morte, a maior empregadora do sertão. É a ela que devem os empregos, do médico ao coveiro, da rezadeira ao farmacêutico. Nota, ao vagar pela Zona da Mata, onde há muito verde, que a morte a ninguém poupa. Retrata, contudo, que a persistência da vida é a única a maneira de vencer a morte.

No poema, Severino pensa em suicídio jogando-se do Rio Capibaribe, mas é contido pelo carpinteiro José, que fala do nascimento do filho.

A renovação da vida é uma indicação clara ao nascimento de Jesus, também filho de um carpinteiro e alvo das expectativas para remissão dos pecados.

ANO IV Nº 1056 QUARTA-FEIRA , 27 DE MARÇO DE 2024
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e d i t o r i a l

O TEATRO NELLI...de volta?!?

Será uma vitória da cultura de Botucatu.

Será uma vitória de Botucatu!

No idealismo de Armando Joel Nelli e seus companheiros, fruto do Grupo Teatral ligado à Escola Normal de Botucatu – o TAENCA – a cidade de Botucatu viu realizado o seu sonho de ter o seu TEATRO!

A Pedra Fundamental em 1962.

A inauguração em 1964.

Sediou o Festival do Teatro Amador do Estado (1964).

Depois, o cinema com sessões diárias e apresentações teatrais esporádicas...

Hoje...fechado...

a r t i g o

ERA EU...

Lá na minha terra, tinha um menininho que brincava com pedregulhos miúdos e coloridos e era feliz. Era eu.

Um dia a mãezinha dele, moça morena e bonita, costurou sobras de panos, de muitas cores e fez uma colcha de retalhos pra ele e ele ficou feliz. Era eu.

Um dia o pai dele chegou na mula Pitanga, laço na garupa e faca de palmo na cinta, apeou e chamou por ele e deu-lhe um potro pampa que havia nascido naquela noite no piquete e o menino ficou feliz. Era eu.

Esse menininho tinha um riozinho manso e de água limpinha, um cachorri-

Sim, queremos o TEATRO NELLI de volta!

Já devidamente reincorporado ao patrimônio público municipal PRECISA voltar às suas origens e voltar a ser um importante instrumento para a promoção da arte teatral e da cultura em geral.

Projeto arquitetônico de Ronaldo Passos é considerado da mais perfeita acústica.

É uma preciosidade!

Vamos contar com a compreensão e a vontade política de nossas autoridades municipais...

Teremos, SIM, o TEATRO NELLI DE VOLTA !!!

nho branco manchadinho de preto e um pé de amoras rosadas, roxas e maduras. Era eu.

Mas teve um dia que o menininho deixou o canto de invernada onde nasceu. Naquele dia ele aprendeu a ser triste. Sou eu..

Assim é a vida da gente, cada um sabe de si. Simples assim.

Diário da Cuesta 2 EXPEDIENTE DIRETOR: Armando Moraes Delmanto EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta com br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689
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“Visita
e apresentação de Tarcísio Meira e Glória Menezes no Teatro Municipal, entrevistados pela TV SERRANA de Botucatu. É Registro Histórico! Diário da Cuesta 3

O Caminho do Teatro: Único e Mágico

QUIM MARQUES

Outro dia. sentei-me no banco da Praça Paratodos, para contemplar a vida. como se fazia há muito tempo atrás , quando a televisão ainda não roubara as pessoas de suas cadeiras instaladas nas calçadas de suas cidades, para entender o movimento vivo do mundo.

Como não podia deixar de ser, o pensamento foi puxando pela memória e esta, como um fio, veio trazendo as lembranças. Fixei o olhar antigo em nosso Teatro Municipal recém-inaugurado e recordei os primeiros chamados que me conduziram a um caminho único e mágico, de onde jamais se pode voltar. O caminho do teatro.

E me vi menino, ansioso, cruzando o limiar das portas iluminadas dos circos que se instalavam na Rua Rangel Pestana, onde hoje funciona o Mercado Municipal. As tabuletas anunciavam grandes dramas e ingênuas comédias : “O céu uniu dois corações”, “O Conde de Monte Cristo”, ‘’Os Irmãos Corsos”, “Maria Caxuxa”, “Cala a boca, Etelvina”. etc...

Após a primeira parte das apresentações que eram as variedades, o mestre-de-cerimônias anunciava o espetáculo da noite, e nós, espectadores, ávidos do encantamento que se prenunciava, nos atropelávamos com nossas cadeiras par, rapidamente, nos instalarmos dentro do picadeiro, buscando o melhor lugar junto ao palco, para assistirmos às encenações. Após as três célebres marteladas sobre a madeira do palco, ficávamos no mais puro silêncio para poder fluir toda a beleza ingênua, popular e brasileira que se apresentava ali. Como sempre, um telão pintado ao fundo, e, completando o cenário, alguns objetos assinalados pelas múltiplas viagens e abençoados pelo pó de todas os caminhos.

Luzes na ribalta e a casinha do ponto, onde uma pessoa soprava aos atores suas falas, para que não perdessem o fio de seus enredos. Tudo tão ingênuo e tão mágico! Corações de papelão enfeitados de flores de papel cre-

pom desciam do alto para enlaçar os casais enamorados, pais cruéis, donzelas traídas, lágrimas, heróis, vilões redimidos, sofrimentos superados pela nobreza da alma iam formando o caráter das pessoas e um estilo que marcou época.

Hoje, muitos diretores teatrais fazem uma releitura desse gênero, como por exemplo, Gabriel Vilela e seu grupo “Galpão”. O meu aprendizado foi o de entender a alma viajante desses artistas, sua ternura e generosidade, na entrega ao seu oficio. Mambembes e pobres, buscavam transcender-se pelo brilho da alma. Foi sua poesia e sua garra, seu sonho e sua liberdade que os faziam caminhar sempre. Lição maior de minha vida.

néis de anúncio do repertório que apresentavam. Lá estavam expostas as fotos dos atores “botucatuenses mesmo”, em pose, à moda dos grandes astros da época.

Já sonhava estar no palco. Via-me ocupando um espaço daquele painel, me apresentado como um personagem ‘’importante’’ de alguma montagem. Mas, na verdade, era muito mais do que isso. Era entrar para além da porta limiar do circo.

Muitas companhias teatrais, com essa essência passaram por nossa cidade, nas décadas de quarenta e cinqüenta. Lembro-me do Teatro de Alumínio, instalado na Praça do Bosque, onde funcionou o Teatro Espéria, antes do seu incêndio. O Teatro de Alumínio era dirigido e coordenado por Nino Mello, conhecido ator e diretor da época. Suas peças tinham, também, a mesma ótica das representadas nos circos. Quando terminavam os espetáculos, os atores circulavam pela platéia vendendo suas fotos aos espectadores, que as compravam como lembrança e gratidão pelo momento de arte que lhes fora oferecido. Linda cumplicidade! Mais tarde, quando mais moço, cursando o ginásio, comecei a frequentar a casa do Sr.Nelli e de sua esposa, dona Alice, que haviam formado um grupo de teatro amador. Eles traziam o sonho de construir um teatro. E realmente o conseguiram, mais tarde.

O grupo TAENCA, como era chamado, foi formado inicialmente por alunos da Escola Normal. Lembro-me de como ficava fascinado, quando passava pela Rua Amando de Barros e via os pai-

Deixar de ser espectador e fazer parte de um elenco, o que dá a permissão de colocar o pé neste caminho. Conheci e convivi com o Sr.Nelli, esse batalhador das artes de Botucatu, e com ele aprendi que é importante acreditar nas propostas que se pretende realizar. Sua vontade e determinação me impressionaram muito. Seus ensaios eram feitos de forma acadêmica, sem as oficinas, laboratórios e aquecimento que se fazem nas montagens atuais. Decorava-se os papéis e íamos direto para as marcações. Mas havia bastante rigor e disciplina, seriedade no trabalho, elementos importantes para o fazer artístico.

Mais tarde, no começo da década de sessenta, mudou-se para Botucatu o Dr. Otávio Moralles Moreno, com uma certa experiência no profissionalismo teatral de São Paulo. Formou um outro grupo, do qual fiz parte, e nos ensinou novas formas de representar, indicando-nos novas linguagens, novas soluções. A Secretaria de Cultura Estadual começou, nessa época, a promover concursos de teatro amador, e no primeiro certame. Luzia Carmello Ferraz, que depois tornou-se atriz profissional, ganhou o prêmio de melhor atriz em 1963.

Pela cidade, começaram a surgir outros grupos, fomentando ainda mais a atividade cultural de teatro em Botucatu. Surgiu um grupo da Faculdade de Filosofia. Ciências e Letras, dirigido pelo professor Cury, do qual participavam a professora Maria Lúcia Dal Farra e sua irmã Maria Silvia, o Dr. Marcos Garita, as irmãs Caminhoto, Marlene e Cida. Formou-se ainda nesta década o grupo do hoje famoso dramaturgo Alcides Nogueira, do qual fez parte também a profa.Marly Bonomi, hoje diretora teatral e mestra em Teatro pela USP.

Em 1964, ano da revolução, decidi-me. Fui para São Paulo.

Queria ser ator. Queria entender esta arte e sobretudo fazê-la. Por lá fiquei 27 anos. Fiz escola, atuei. Tomei-me profissional. Senti todas as alegrias e dificuldades que o palco traz. Em 1975, casei-me e tive filhos. Afastei-me do teatro profissional e passei a dedicar-me ao teatro-educação. Tornei-me professor. Descobri então outras maravilhas. Através de meus alunos, retomei meu lugar de espectador. Mas, com outro olhar. Com eles, foi-me dado observar e perceber como o teatro nasce dentro do homem, e como num determinado momento se toma tão necessário a ponto de ser eleito como profissão de fé em uma vida. Entender a sua gênese ampliou-me mais ainda a visão de seu misterioso universo. Foi-me dado, nesse exercício, o presenciar de momentos milagrosos: como um ator fazendo seu primeiro vôo, abrindo sua primeira porta, descobrindo sua maneira de derramar-se em gestos dadivosos para revelar as verdades humanas no ritual pungente que sempre é uma encenação. Foi-me dado a possibilidade de encontrar os meios e as chaves que auxiliam esses seres-atores a se encontrarem. Foi-me dado ver esse começo para entender o fim, que é a busca tão intensa e intrigante desta arte, que é a de representar.

Até que um dia voltei. Feliz, constatei que em minha terra havia uma efervescência das artes cênicas. Isto em 1991. Soube que os universitários que aqui chegavam, participavam bastante dessas iniciativas, que muitos outros grupos também vinham se exercitando, nestes vinte e sete anos que estive fora e que, ainda neste período, por aqui passaram companhias famosas, vivificando ainda mais a vida cultural da cidade.

Soube ainda que muitos lutaram por espaços, não só os físicos, mas o de serem aceitos e vistos na dignidade de seu trabalho.

Nestes últimos quatro anos, não sei se por força das marés ou sei lá o quê, os grupos foram se dissipando. Foi um momento triste, mas que acontece sempre, nos movimentos da vida.

E agora, sentado aqui, em frente ao Teatro Municipal, revejo o dia da sua inauguração e ele, festivo, recebendo um mar de gente, gente da Praça Paratodos e todas as praças, artistas desta praça e de todas as praças, num espaço que deve pulsar para todos. E, sejam quais forem as marés, que sejam sempre as do sentimento da comunhão, que acompanha a Arte. Sempre. (Acervo Peabiru)

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A REVOLUÇÃO NO TEATRO NACIONAL

O teatro brasileiro vem desde os primórdios da colonização portuguesa. Mas só nos anos 50, começa a tomar forma a retratar a sociedade paulista com Jorge de Andrade enquanto Ariano Suassuna inova no teatro regional Em 1948, Alfredo Mesquita funda a Escola de Arte Dramática - EAD, em São Paulo e Maria Clara Machado, em 1950, abre o Tablado, no Rio de Janeiro.

No final da década de 50 e início dos anos 60, a prioridade do então poderoso TBC - Teatro Brasileiro de Comédia para as peças e autores estrangeiros, leva os autores e atores nacionais a procurarem outro caminho vendo, no teatro, um meio válido para buscar a transformação da sociedade brasileira.

A Revolução Cultural do Teatro Brasileiro, na década de 60, a nosso ver, está marcada pela atuação teatral e política de dois grupos teatrais: o TEATRO DE ARENA, de São Paulo, sob a direção de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho; e o GRUPO OPINIÃO, do Rio de Janeiro, sob a direção de Paulo Pontes , Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa. Na verdade, atuavam em perfeita simbiose

SHOW OPINIÃO – LIBERDADE/LIBERDADE/ MORTE E VIDA SEVERINA

Em 1965, assistimos no Rio de Janeiro a apresentação revolucionária do “Show Opinião”, com Zé Kéti, João do Vale e Maria Bethânia (substituindo Nara Leão). Era a estréia da novata Maria Bethânia no teatro. A sua interpretação dramática e a força que ela impôs à personagem repercutiram por todo o país: nascia uma estrela ímpar! Os autores do espetáculo, Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes deixaram claro que “...é preciso restabelecer o teatro de autoria brasileira - não somente o teatro do dramaturgo brasileiro - o espetáculo do homem do teatro brasileiro É preciso que finalmente e definitivamente nos curvemos à nossa força e à nossa originalidade».

Com direção geral de Augusto Boal e direção musical de Dorival Caymmi Filho, o espetáculo trazia a música

de Zé Kéti e João do Vale em cima de ampla pesquisa na autêntica música popular brasileira.

No mesmo ano de 1965, ainda no Rio, numa promoção do Teatro de Arena/Grupo Opinião, assistimos a apresentação de “Liberdade, Liberdade”, peça de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, era o chamado teatro de protesto, criticando o movimento militar de 1964. A peça estreou no dia 21 de abril, Dia de Tiradentes. Era emblemática. Com Paulo Autran, Tereza Rachel, Nara Leão e Oduvaldo Vianna Filho.

“Liberdade.Liberdade”, reunia textos de vários autores sobre o tema-título: Sócrates, Marco Antônio, Platão, Aristóteles, Abraham Lincoln, Martin Luther King, Castro Alves, Vinicius de Moraes, Anne Frank, Danton, Winston Churchill, Cecília Meireles, Geraldo Vandré, Jesus Cristo, William Shakespeare e Carlos Drumond de Andrade.

Na sequência, ainda em 1965, mas agora em São Paulo, assistimos a peça “Morte e Vida Severina”, baseada no livro do mesmo nome do poeta João Cabral de Melo Neto, retratando a vida de um retirante que desce do sertão nordestino ao litoral em busca de uma vida melhor. A peça foi montada a pedido do escritor Roberto Freire, Diretor de teatro da PUC/SP. Era o TUCA (Teatro da Universidade Católica) a marcar a sua presença pela história do teatro brasileiro. Os poemas foram musicados por Chico Buarque de Hollanda. A peça representou o Brasil no Festival de Nancy/França, onde arrebatou o maior prêmio.

Na segunda metade dos anos 60 , a realidade política brasileira já estava mudada. O regime militar que se instalara no Brasil em 1964 recebera, no início, apoio expresso da sociedade brasileira ( marcha dos cem mil ) preocupada com os desmandos e falta de rumo seguro do Governo de João Goulart . Após a fuga do presidente, toda a classe política apoiou a eleição do Marechal Castelo Branco, para Presidente do Brasil, inclusive o PSD (oposição), de Juscelino Kubischeck , que por iniciativa do ex-presidente, indicou seu primo e correligionário José Maria Alckmin para o cargo de Vice-Presidente da República do Brasil. (AMD)

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