Revista Ciano - vol.2, no.3, ano 2012

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ciano ISSN 2237 - 3683

Alexandre Wollner Cinquentenário da manifestação profissional Fiftieth anniversary of professional manifestation


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abcdefghijklmnopqrstuvxz

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ciano ISSN 2237-3683 designsimples.com.br/revista ciano@designsimples.com.br

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revista digital colaborativa collaborative digital magazine edição atual current issue v.2, n.3, 2012 edições anteriores previous issues v.2, n.2, 2012 v.2, n.1, 2012 v.1, n.6, 2011 mais / more...

corpo editorial editorial staff editor-chefe chief editor Eduardo Camillo

idealização e design idealization and design Rafael Gatti iniciativa initiative Design Simples

colaboradores collaborators Ana Goyeneche Eduardo Camillo Felipe Kaizer Rafael Gatti Rodrigo Cury fotografia photography Pedro Ungaretti


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nota release

Com muita alegria comunicamos que a nossa entrevista com o grande designer e teórico Gui Bonsiepe foi publicada em seu mais recente livro “Design como Prática de Projeto”. Ex-aluno e ex-professor na HfG Ulm, Bonsiepe desenvolveu fundamental trabalho na América Latina, com importantes contribuições no Brasil.


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nesta edição current issue

editorial

Autocrítica Self criticism Eduardo Camillo

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Alexandre Wollner

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Produtos na proporção Products in proportion Rafael Gatti

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Malhas construtivas, simetria dinâmica e o design Rodrigo Cury

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entrevista / interview memória / memory

artigos / articles


bate-papo / chat

Algumas perguntas e respostas a partir do texto “Beyond the Ability to Respond” A few questions and answers following the text “Beyond the Ability to Respond” Gustavo Ferreira Felipe Kaizer

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Autocrítica

editorial

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editor-chefe / chief editor

Eduardo Camillo

fotografia / photography

Pedro Ungaretti

Em nossa terceira edição da revista Ciano, é com algum pesar que escrevo esse editorial. Primeiramente, porque ela deveria ter se desenvolvido e aparecido muito mais exuberante do está agora. Deixo claro: não há relação com a qualidade do seu (pouco) conteúdo, mas sim da incapacidade do corpo editorial em desenvolver todas as possibilidades que tinhamos às mãos. Mas optamos por lançá-la assim, curta, a esperar mais tempo, como se o tempo curasse nossas deficiências. Mas o mais grave, talvez, é que erramos justamente agora, no ano de nosso cinquentenário. O ano do cinquentenário


Self criticism

For our third edition of Ciano, it’s with some regret that I write this editorial. First, because it should have been developed and here appeared more exuberant than it is now. I make it clear: there is no relation with the quality of his (little) content, but instead the inability of the editorial staff to develop all the possibilities we had to hand. So, we decided to launch it so, short, rather than wait more time as if time would heal our deficiencies. But the most serious, perhaps, is that we have these problems right now, in the year of our fiftieth anniversary. The fiftieth anniversary of professional design education in Brazil.

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editorial

do ensino profissional de design no Brasil. Em 1962, implantou-se o conjunto de disciplinas de Desenho Industrial na FAU USP, e tambĂŠm em 1962 instaurou-se o curso de Desenho Industrial na Esdi. E nossa homenagem deveria ter sido melhor a essa data, com mais textos e mais explorada.

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In 1962, was implemented a set of disciplines of Industrial Design at FAU USP, and also in 1962 was established up the course of Industrial Design at the ESDI. And our tribute should have been better at that date, with more texts and better explored.

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editorial

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É interessante, ainda assim, para expor a público os problemas que uma revista independente enfrenta: além do já tradicional problema de conciliar uma atividade paralela ao trabalho profissional, houveram também problemas muito mais estruturais de repensar o próprio conteúdo da revista, de rever suas partes, se valeria manter algumas coisas, ou retirá-las por uma aparente incoerência com outros dados de acesso e visualização. E que, enfim, tomou tamanho tempo e energia que todas as demais atividades da revista foram postergadas e atrasaram no cronograma de lançamento. Então aqui fica a lição talvez: o que é possível ser levado em paralelo às indefinições, deve andar. E de forma muito doída para mim, devo minhas mais sinceras desculpas aos nossos colunistas. Não conseguimos nos articular para pedir e receber seus textos, e para a próxima edição, prometemos maior cuidado e cumprimento de cronograma.


It is interesting, yet, to public expose the problems that an independent magazine face: beyond the already traditional problem of reconciling a parallel activity to the professional job, there were also many more structural problems of rethinking the actual magazine content, revising its parts, if a few things would be worth to maintain, or remove them by an apparent inconsistency with the data we have. And, finally, took time and energy to size all other activities of the magazine were postponed and delayed in the release schedule. So maybe here’s the lesson: what can be parallel carried to lack of definition, should walk. Here is so, very painful for me, my very sincere apologies to our columnists. We were not able to articulate to ask and receive your texts, and for the next edition, we promise greater care and schedule compliance.

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editorial

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E outra ainda, do próprio caráter independente da revista, o conflito com o tempo que a atividade profissional demanda é claro, e talvez seja interessante também externar isso: uma atividade como uma revista vai te demandar tempo. E tempo do seu descanso, aquele seu tempo livre, que você gostaria de gastar com outras coisas, mas se quiser fazer uma revista que valha de fato a pena, terá que ser investido nela. Essa é a segunda lição: sem investir tempo e esforço - apesar de outras vontades - uma revista independente não anda. Desabafos à parte, é hora de olhar o conteúdo da edição. O que temos para o leitor é pouca coisa em quantidade, mas de uma profundidade exemplar. Como de costume, abrimos nossa edição com uma entrevista, dessa vez com Alexandre Wollner, e nos pautamos pelo tema da profissão e institucionalização do design em nosso país por meio do ensino. Wollner é um profissional de suma importância para nosso campo, e um dos grandes pioneiros da mesma.


And still another, the magazine’s own independent character, the conflict with the time that the professional activity demand is clear, and it may be also interesting to express it: an activity like a magazine will take you time. And the time of your rest, that free time, you like to spend on other things, but if you want to make a magazine that’s actually worth, it will have to be invested in. This is the second lesson: without investing time and effort although other wills - an independent magazine does not walk. Confidences aside, it is time to return to the issue content. What we have here for the reader is little thing in quantity but exemplary in depth. As usual, we opened our edition with an interview with Alexandre Wollner, focusing very strong at the profession theme and institutionalization of design in our country through education. Wollner is a professional of the utmost importance for our field, and one of it great pioneers.

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editorial

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Estudou na Escola de Ulm a convite de Max Bill, e fundou com colegas o primeiro escritório de desenho industrial do país, o Form Inform. A seguir, Rafael Gatti conseguiu para a gente, por meio do site Das Programm, uma seleção de belíssimas imagens de alguns famosos produtos da Braun. Seguindo a edição, temos a seguir o texto de Rodrigo Cury. Cury nos enviou uma proposta de texto fazem alguns meses, e a pedido nosso, desenvolveu um mais focado na entrevista que realizamos. Seu texto trata, entre os diversos tipo de desenho que usamos na profissão, de uma classe especial que é o desenho de Malhas Construtivas, paralelo ao conceito de Simetria Dinâmica, que é um tipo de equilíbrio formal com maior “vida e movimento” que um equilíbrio estático. E, fechando a edição, temos uma entrevista que “colhi” na internet. Recebi o link por recomendação de um amigo, e, depois que li o conteúdo, entrei em contato com seus autores para pedir a publicação na Revista Ciano.


He joined the HfG Ulm by an invitation of Max Bill, and founded with colleagues the first industrial design office of the country, Forminform. Following Rafael Gatti got to us, through Das Programm site, a stunning selection of images of some famous Braun products. Following the issue, next we have the text of Rodrigo Cury. In a few months ago, Cury sent us a draft text and, due our request, developed a new one, more focused on the interview we did. Your text is about different types of design we use in the profession, a special class, which is the design of Constructive Grids, parallel to the concept of Dynamic Symmetry, which is a kind of formal balance with more “life and movement” that a static balance. And, closing the issue, we have an interview I “picked” on the internet. I received the link by recommendation of a friend, and, after reading the content, I contacted the authors to request the publication in the Ciano magazine.

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editorial

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Essa re-publicação se justificaria pelo motivo de a entrevista ser originalmente em inglês, e nós a publicaríamos em português. As personagens da entrevista são Gustavo Ferreira , da Hipertipo, e Felipe Kaizer, designer da Fundação Bienal. A qualidade da mesma fala por si, mas o tema é basicamente sobre alguns aspectos políticos da profissão do designer, que Kaizer havia abordado previamente em outro momento. Finalizo aqui o editorial com um sentimento duplo. Se por um lado fico muito feliz com a evidente qualidade do que estamos apresentando, por outro fico com um gosto amargo na boca por não ter sido capaz nesse momento de desenvolver toda essa qualidade em maiores desmembramentos. O desejo é que consertemos isso para a próxima edição, onde tentarei de fato trabalhar como um editor deve trabalhar, e tomando e conduzindo as decisões no momento oportuno para que não se repita o que aqui aconteceu. Boa leitura!


This re-publication is justified by reason of the interview be in English originally, and we should publish it in Portuguese. The characters of the interview are Gustavo Ferreira, from Hipertipo, and Felipe Kaizer, designer at Fundação Bienal. The quality of it speaks for itself, but the theme is basically about some political aspects of the designer profession, that Kaizer had previously discussed in another moment. I finalize the editorial here with a dual feeling. On one hand I am really happy with the evident quality of what we are presenting, on the other I get a bitter taste in the mouth for not having been able, at this time, to develop all this quality in higher dismemberments. The hope is that we fix this for the next edition, which I will actually try to work as an editor should work, and taking and driving decisions at the appropriate time for not repeat what here happened. Good reading!

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em breve: vers達o ipad coming soon: ipad version eu quero ser avisado(a) I want to be notified

designsimples.com.br

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Formação e informação Formation and information entrevista interview 25

por / by

Ana Goyeneche Eduardo Camillo Rafael Gatti fotografia / photography

Pedro Ungaretti


entrevista / interview

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Autor do projeto visual de grandes empresas presentes em nosso dia-a-dia, Alexandre Wollner é um dos nomes mais importantes do design brasileiro, uma real autoridade quando se trata de rigor gráfico. Designer egresso da Escola de Ulm, fundou o primeiro escritório de design do país e, há 50 anos atrás, participou da fundação da primeira instituição brasileira de ensino superior em design. Wollner, como poucos, preza pela lucidez e tem coragem para se posicionar criticamente, denunciando a apropriação do design pelo marketing e a publicidade. Buscamos, a seguir, provocar uma reflexão entre o design de ontem e de hoje.


Author of the visual design of large companies present in our day by day, Alexandre Wollner is one of the most important names of Brazilian design, a real authority when dealing with graphic rigor. Designer graduated from Ulm School, has established the first design office in the country and, 50 years ago, participated in the foundation of the first Brazilian higher education institution of design. Wollner, as few, stands for lucidity and have the courage to stand critically, denouncing the design appropriation by the marketing and publicity. We seek, then, to provoke the reflection between the design yesterday and today.

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entrevista / interview

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entrevista / interview

Em 53 o senhor foi selecionado por Max Bill para estudar na Escola de Ulm. Sobre este período, contou que chegou a participar de grupos de estudos de física quântica (1). Hoje se afirma ao cansaço a multi/inter/ transdisciplinaridade do design no meio acadêmico e profissional. Como vê a influência destes estudos complementares, realizados em Ulm, na sua formação como designer?

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A oportunidade que tivemos em Ulm foi justamente a de saber o que significa design. Ninguém sabia, nem eu. Sabia que gostava de fazer desenho, mas fui percebendo que o desenho apenas para publicar numa revista ou num jornal não tinha função alguma, a não ser uma coisa puramente estética, sem grandes critérios, algo que é bonito ou é feio, styling, coisa assim. Pouca função. Aí comecei a descobrir, lá na escola do Max Bill, que existia um tipo de conceito, de formação, para a gente fazer projetos adequados às necessidades humanas.


In ‘53 you were selected by Max Bill to study at HfG Ulm. About this period, you told that came to participate in quantum physics studies groups (1). Today is claimed to fatigue, the multi/inter/ transdisciplinary approach of design in academic and professional environments. How do you see the influence of these complementary studies, conducted in Ulm, in your formation as designer?

(1)

André Stolarski, Alexandre Wollner e a Formação do Design Moderno no Brasil, Cosac Naify, 2005

The opportunity we had in Ulm was precisely to know what design means. Nobody knew, neither I did. I knew that I liked to draw, but I realized that drawing just to publish at a magazine or a newspaper had no function, unless something purely aesthetic, without major criteria, something that is beautiful or ugly, styling, something like that. Low function. Then I started to find out that in Max Bill school, there was a kind of concept, of formation, for us to make projects suited to human needs. There was already a definition that design isn’t a random creative

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entrevista / interview

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Otl Aicher (centro) e alguns alunos: Almir Mavignier (esquerda) e Wollner (direita) 1956 33

Otl Aicher (center) and some students: Almir Mavignier (left) and Wollner (right) 1956 autor / author

Hans G. Conrad crĂŠditos / credits

RenĂŠ Spitz


entrevista / interview

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Já havia a definição de que design não é um processo criativo aleatório, de moda, ou qualquer coisa assim. É simplesmente um processo objetivo de necessidades. E, para isso, a gente passou a aprender matemática, geometria, antropologia social, antropologia cultural, física, etc. Nós todos, alunos e professores, íamos aprender o que era design e como se deveria ensinar em design, pois a maioria dos alunos tinha uma tendência estética, artística, e não era possível fazer pintura nem escultura dentro daquela escola. Ela existia para ensinar, justamente, uma nova modalidade de função profissional, que era o design. Os professores deveriam ensinar de acordo com as necessidades de formação dos designers. Se chamassem um semiótico, ele falaria sobre semiótica para o design. Max Bense, que já era profissional de filosofia do mais alto nível lá na Alemanha, aprendeu com os professores o que era design e o que ele deveria ensinar dentro da profissão.


process, fashion, or anything like that. Simply, an objective process of needs. And, for that, we started to learn mathematics, geometry, social anthropology, cultural anthropology, physics, etc. We, students and teachers, would learn what design was and how design should be taught, since most students had an aesthetic, artistic tendency, and it wasn’t possible to paint or sculpt inside that school. It was there to teach, precisely, a new kind of professional function, which was the design. Teachers should teach according to the designers training needs. If a semiotician was called, he would talk about semiotics to the design. Max Bense, who was already a philosophy professional of the highest level in Germany, learned with the teachers what design was and what he should teach within the profession. Their function [teachers] was to fit new information about design into the semiotics, semantics, mathematics, social anthropology, etc. What’s mischaracterizing

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entrevista / interview

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“...nas escolas boa parte das pessoas que dão aula de design não têm a integração com as funções, necessidades do design com outras disciplinas” 37

“...great part of the people who give design classes in schools doesn’t have integration with functions, needs from design with other subjects”


entrevista / interview

A função deles [professores] era adequar novas informações sobre design dentro da semiótica, da semântica, da matemática, da antropologia social, etc. O que hoje está descaracterizando a profissão de designer é que nas escolas boa parte das pessoas que dão aula de design não têm a integração com as funções, necessidades do design com outras disciplinas (o matemático ensina, por exemplo, matemática para design, o físico idem, etc)”. 38

Simplesmente sabem o que é design e fazem uma especulação, normalmente acadêmica, sem a experiência de design. Lá em Ulm não era possível fazer isso. Você tinha que aprender o que era design e não dava aula de semiótica, de semântica ou Gestalt, sem ser em função da profissão. Tanto é que a física também foi mais ou menos orientada neste sentido. Nós não fomos aprender física, mas apenas o conceito da possibilidade do processo criativo quântico. Ninguém se tornou professor de física quântica.


the designer profession today is that great part of the people who give design classes in schools doesn’t have integration with functions, needs from design with other subjects (the mathematician teaches, for example, mathematics to the design, the physicist idem, etc.). “

They just know what is design and make a speculation, usually academic, without design experience. There, at Ulm, wasn’t possible to do this. You had to learn what was design and couldn’t teach semiotics, semantics or Gestalt, without the depending on the profession. So much that physics was also oriented in this direction. We weren’t there to learn physics, but just the possibility of the quantum creative process. Nobody became professor of quantum physics.

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entrevista / interview

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A formação profissional em design chegou ao Brasil pelas portas da Esdi (Escola Superior de Desenho Industrial), fundada em 62, que lhe teve como um dos mentores. Sabe-se que o modelo esdiano de ensino sofreu duras críticas, de diversos autores, dentre eles Aloísio Magalhaes (2). Muitas delas referem-se à implantação de um modelo de profissão que funcionava bem na Alemanha mas que não sofreu grandes modificações para adequar-se ao contexto brasileiro (3), ponto que deve concordar. Hoje, ao atingirmos 50 anos da manifestação profissional do desenho industrial no país, como avalia o ensino de design daquela época em relação à presente? Era muito difícil. Imagine, o tipo de pensamento alemão, americano, ou inglês, daquela época, dentro da comunidade universitária brasileira. Se hoje ainda é difícil, imagine naquele tempo. Então eles diziam: “Você é muito alemão, muito exigente”. Em Ulm, não havia notas, os professores se reuniam a cada três meses,


(2)

Aloísio Magalhães, O que o desenho industrial pode fazer pelo país, Arcos Design nº1, 1998 (3)

Arte Vogue, in Alexandre Wollner, Textos recentes e escritos históricos, Rosari, 2003

The design professional education arrived in Brazil through ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) doors, founded in ‘62, that had you as one of the mentors. It’s known that the esdian model of education has suffered harsh criticism from several authors, among them Aloísio Magalhaes (2). Many of them related to the implementation of a profession model that worked well in Germany but suffered no major modifications to suit the Brazilian context (3), point that you should agree. Today, when we’re reaching 50 years of industrial design professional manifestation in the country, how do you evaluate the design education at that time in relation to the present? It was very difficult. Imagine the kind of German, American or English thinking, at that time, within the Brazilian academic community. If it still hard today, imagine at that time. Then they said: “You’re very German, very demanding.” At Ulm, there wasn’t scores, every three months teachers meet together,

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entrevista / interview

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discutiam o comportamento dos alunos, e aqueles que não podiam frequentar eram convidados em ir embora. Por outro lado, muitos professores também eram convidados a ir embora pelos próprios os alunos se não dessem todas as informações de que necessitavam. Aloísio Magalhães também participou da criação da Esdi, porém era mais orientado à posição da estética cultural da escola francesa, para artes e ofícios. Posteriormente ele teve mais influência dos americanos. Um cara super inteligente, super sensível, e que começou a notar esta diferença no contato conosco. Mas como fazer no Brasil? Como se põe desenho industrial num país que não tem indústria? Até hoje nós estamos com este problema. O Brasil não investe em novos produtos e necessidades industriais. Não temos um grupo cultural, ou de estudantes, que faça um projeto de algo que seja superior. A Esdi, para mim, ainda é a melhor escola de design que temos aqui no Brasil.


discuss the students behavior, and those who were not able to attend were asked to leave. Moreover, many teachers were also asked by the students to leave if they didn’t give all the information they needed. Aloisio Magalhães also participated in the creation of ESDI, but he was more oriented to the French school cultural aesthetic position, to arts and crafts. Later, he had more influence from the Americans. A very smart guy, very sensitive, that began to notice this difference in contact with us. But how to do this in Brazil? How to put industrial design in a country that has no industry? We are with this problem even today. Brazil doesn’t invest in new products and industrial needs.

We don’t have a cultural or students group, that projects something superior. The ESDI, for me, still the best design school that we have here in Brazil.

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entrevista / interview

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Espaço de trabalho: coleção de músicas e fotografia tirada em Ulm (Otl Aicher, Wollner e Fritz Querengässer).

Workspace: music collection and photograph taken in Ulm (Otl Aicher, Wollner e Fritz Querengässer).


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entrevista / interview

Sabe-se que é grande conhecedor de sistemas de proporção. Podemos citar Fibonacci, Villard de Honnecourt, Dürer, Da Vinci, Alberti, Vitrúvio, Le Corbusier. No entanto, poucos profissionais ou acadêmicos brasileiros demonstram valorizar tal conhecimento. Com sorte, nos lembraremos de alguma breve menção à proporção áurea nas aulas de faculdade. Pode nos falar da lógica que existe nestas proporções, e por que usá-las em projetos? 48

Uma folha quando nasce, cresce na proporção de Fibonacci. Cachorro, minhoca, borboleta,tudo cresce assim. Fibonacci está em tudo. Igual quando você estuda gramática. Como você transmite uma informação sem lhe dar uma proporção adequada a mente humana? Assim ela não persistirá e desaparecerá logo. Há um ótimo professor, Luiz Barco, que fez vários DVDs sobre Matemática. Todas estas informações existem, mas os professores não te informam e nem coordenam com o processo criativo de design dos alunos.


It’s known that you’re great connoisseur of proportioning systems. We can cite Fibonacci, Villard de Honnecourt, Dürer, Da Vinci, Alberti, Vitruvius, Le Corbusier. However, few Brazilian professionals or academics show to appreciate this knowledge. With luck, maybe we’ll remember some brief mention of the golden ratio in college classes. Can you tell us the logic that exists in these proportions, and why to use them in projects? A leaf when it is born, grows in proportion to Fibonacci. Dog, worm, butterfly, everything grows like that. Fibonacci is everywhere. It’s like when you study grammar. How do you communicate information without giving it a proportion proper the human mind? So it doesn’t persist and will soon disappear. There is a great teacher, Luiz Barco, who made several DVDs about mathematics. All this information exists, but teachers don’t inform nor coordinate them with the creative process of design students.

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entrevista / interview

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Malha construtiva para as marcas Itaú (esq) e Coqueiro (dir). Construção da marca Eucatex (próximas páginas) Constructive grid for Itaú (left) and Coqueiro (right). Eucatex logo construction (next pages). autor / author

Alexandre Wollner


entrevista / interview

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entrevista / interview

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entrevista / interview

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Como já mencionamos, a manifestação profissional do design no país completa 50 anos. Podemos dizer que poucas coisas permanecem tão iguais quanto o desentendimento que sempre existiu acerca do real papel do designer e seu campo de atuação. A cada novo curso técnico ou superior surgem novas definições, ainda mais abrangentes que a anterior, que tendem a abarcar as mais diversas atividades, colocando-as sob o guarda-chuva do design. Hoje se fala em Design Inteligente, Design Estratégico, Motion Design, Branding, Design de Games, Design de Superfícies, Design Thinking - última moda - dentre muitos outros. O que pensa disso? Há denominador comum para tantas frentes de trabalho diferentes? Não, não existe. É simplesmente uma maneira de consumismo. É claro que existem as novas tecnologias, que você tem que aprender. Mas você não pode misturar funções


As already mentioned, the professional manifestation of design in the country turns 50. We can say that few things remain as equal as the misunderstanding that has always existed about the real role of the designer and his field of expertise. With each new technical or college course, new definitions, even more broad than the previous ones, tend to encompass the most diverse activities, placing them under the design umbrella. Today it comes to Intelligent Design, Strategic Design, Motion Design, Branding, Games Design, Surface Design, Design Thinking trendy - among many others. What do you think? There is a common denominator for many different work areas? No, there isn’t. It’s simply a way of consumerism. Of course, there are new technologies, you have to learn. But you can’t completely mix different functions such as advertising, marketing, design and so on. Most of the designers

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entrevista / interview

totalmente diferentes como publicidade, marketing, design e etc. São marqueteiros a maioria dos designers que fazem branding, e estão desvirtuando a função do design. Isto porque ninguém sabe o que é design. Em Ulm, design não era uma coisa nova, mas até hoje, se você perguntar para qualquer um “o que é design”, ninguém sabe responder.

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Existem várias outras formações ou informações de acordo com objetivos de mercado ou possibilidade de você fazer um enfoque diferente, mas que não tem nada a ver com design. Poucos profissionais diplomados nas nossas escolas têm uma verdadeira possibilidade de desenvolver profissionalmente design. Eles não têm a possibilidade de desenvolver o design como deve ser, estruturalmente”.


who make branding are marketeers, and they’re distorting the role of design. This happens because nobody knows what design is. At Ulm, design wasn’t a new thing, but today, if you ask anybody “what is design”, no one knows the answer.

There are several other formations or informations according to market objectives or the possibility to make a different approach, but that has nothing to do with design. Few professional graduated in our schools have a real opportunity to professionally develop design. They don’t have the possibility to develop the design as it should be, structurally.

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entrevista / interview

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para leitura / for reading

Alexandre Wollner, Design Visual 50 anos, Cosac Naify Entrevista de André Stolarski, Alexandre Wollner e a Formação do Design Moderno no Brasil, Cosac Naify Alexandre Wollner, Textos Recentes e Registros Históricos, Rosari

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Produtos na proporção Products in proportion

memória memory 63

seleção / selection

Rafael Gatti

agradecimentos / acknowledgments

Dr. Peter Kapos - Das Programm.org


memória / memory

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Para atingirmos o bom desenho, uma boa proporção é inevitável. Segundo nosso entrevistado, Alexandre Wollner, as proporções devem estar adequadas a mente humana, do contrário não persistirão, desaparecendo em pouco tempo. A durabilidade da forma também foi um dos princípios defendidos por Dieter Rams, diretor de design na empresa alemã Braun por quarenta anos. Temos a seguir, uma série de belas imagens de produtos Braun fabricados durante este período. Agradecemos a cortesia do Dr. Peter Kapos, responsável pelo Das Programm, loja on-line onde são comercializados estes e muitos outros produtos de design Braun para colecionadores. Confira.


In order to achieve good design, a good proportion is inevitable. According to our interviewee, Alexandre Wollner, proportions should be appropriate to the human mind, otherwise it will not persist, disappearing in a short time. The durability of the form also was one of the principles defended by Dieter Rams, head of design at the German company Braun for forty years. Next, we have a series of beautiful images of Braun products, manufactured during this period. We appreciate the courtesy of Dr. Peter Kapos, responsible for Das Programm, an online store where this and many other Braun design products are sold for collectors. Check out.

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mem贸ria / memory

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ET 55 design

Dieter Rams Dietrich Lubs ano / year

1981

copyright

Dasprogramm.org 67


mem贸ria / memory

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SM 31 Sixtant design

Gerd Alfred Muller Hans Gugelot ano / year

1962

copyright

Dasprogramm.org 69


mem贸ria / memory

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EF 2/NC Hobby design

Dieter Rams ano / year

1958

copyright

Dasprogramm.org 71


mem贸ria / memory

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MPZ 22 Citromatic design

Dieter Rams Jurgen Greubel ano / year

1972

copyright

Dasprogramm.org 73


mem贸ria / memory

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PC 3 - SV design

Dieter Rams Gerd Alfred Muller Wilhelm Wagenfeld ano / year

1960

copyright

Dasprogramm.org

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mem贸ria / memory

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SK5 design

Dieter Rams Hans Gugelot ano / year

1958

copyright

Dasprogramm.org 77

veja mais / see more

Flickr: Das Programm

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Malhas Construtivas, Simetria Din창mica e o Design desenhando

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por

Rodrigo Cury imagem

Logotipo Braun: baseado em ret창ngulos din창micos


desenhando

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Ao conceber e desenvolver ideias para produtos industriais, é necessário mobilizar diferentes faculdades mentais e equacionar diversos fatores que compõem o projeto. Quem trabalha desenhando projetos de produtos, muitas vezes, utiliza essas capacidades mentais simultaneamente para a tomada de decisões em diversas situações de projeto. Junto a isso, um elemento chave para o desenhador é o desenvolvimento das habilidades manuais, para expressar e comunicar graficamente o desenvolvimento de seu processo criativo (MONTENEGRO, 2007) ou de seu raciocínio projetual (MEDEIROS, 2004).


Para contextualizar o tema principal desse texto, é interessante entendermos a importância de discussões a cerca do Conhecimento em Desenho, campo do saber situado ao lado de outras duas grandes áreas do Conhecimento Humano: área das Humanidades e das Ciências (ARCHER, 1966). imagem

Áreas de Conhecimento propostas por Bruce Archer (adaptado de GOMES, BROD Jr e MEDEIROS, 2010)

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desenhando

A partir dos estudos do professor Bruce Archer, vem se tentando organizar o conhecimento na Área dos Desenhos, tal como as tradicionais Taxonomias das Ciências.

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No Brasil, em 1996, o professor Vidal Gomes publica o livro Desenhismo, inaugurando um movimento no sentido de organizar e sistematizar um conhecimento genuinamente brasileiro em Desenho. Neste livro é apresentada a divisão de três diferentes tipos: O Desenho Espontâneo; o Desenho Artístico e o Desenho Industrial. Com relação ao desenho de projetos para produtos industriais, há uma outra classificação que é muito útil, tanto para a prática quanto para o ensino de projeto: Desenho Expressional, Desenho Operacional e Desenho Projetual, sendo os dois primeiros imprescindíveis para a concepção, desenvolvimento e fabricação de produtos.


(i) Desenho expressional (Conceptual Sketching): é todo tipo de grafismo que reflete, registra e assiste, com flexibilidade e rapidez, o pensamento ágil do desenhador nas etapas conceituais e criativas do projeto (MEDEIROS, 2004).

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(ii) Desenho Operacional (Operational Drawing): é dividido em Desenho de imitação (Sketch Renderings), ou seja, ilustrações sofisticadas que representam características perceptivas e físicas do produto; Desenho de Convenções Técnica (Conventional Rendering) ou então Desenho de Definição Geométrica (Geometrical Drawing) (GOMES 2011).


desenhando

O Desenho de Definição Geométrica, pertencente à classe dos desenhos operacionais, é aquele tipo de Desenho que auxilia na visualização de detalhes relativos à geometria e às proporções de um produto. É nesse tipo de desenho que as malhas construtivas desempenham um papel decisivo. Podemos, entretanto, fazer algumas distinções entre os diferentes tipos de malhas construtivas, de acordo com sua função. As principais são a Malha estrutural, a Malha Filosofal e, no Design Gráfico, a Malha Diagramacional(¹).

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(1)

Para saber mais, vide GOMES, L. Vidal; MEDEIROS, Ligia S. Ordem e Arranjo em Desenhos Industriais: Malhas e Grelhas, Revisão e Retomada. Graphica, 2005.

O professor Marcos Brod, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ensina que as malhas construtivas representam uma das nove essências do Desenho de Produtos, sejam eles industriais ou gráficos. Ressalta, também, que elas são muito úteis para resolver problemas de projeto e imprescindíveis para dotar estética industrial ao produto. Isto é, as malhas facilitam a aquisição de Alta Ordem Formal: geometria


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bem definida, compreensível e controlada; e Alto Arranjo Funcional: desenho visando o ótimo desempenho a que o produto é destinado; em um desenho.

(2)

Para saber mais, vide texto de Diego Jucá, edição v.1, n.2 da Revista Ciano.

A partir da análise do logotipo da Braun, pode-se perceber que seu desenho tem como base os retângulos dinâmicos(²), especificamente o diágono (1:√2). É nítido, também, que esse conhecimento foi utilizado para definir a proporção geral da composição e detalhes principais do arranjo. A partir da malha filosofal, portanto, foi possível definir o módulo mínimo (1:1) para a malha estrutural, que apresenta uma mudança da proporção desse módulo na letra A, possivelmente com intenção de quebrar o rítmo natural da composição, caracterizando, por que não, a identidade do logo. Outros bons exemplos de aplicação de malhas construtivas são os logotipos desenhados por Alexandre Wollner. A composição dos

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elementos evidencia a inteligência e a fabulação com que eles são arranjados, agregando ritmo e harmonia ao conjunto.

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O objetivo do uso de Malhas Filosofais é dividir harmonicamente o espaço e isso conduz à Simetria Dinâmica. Para isso, existem diferentes técnicas: utilização de pontos áureos, traçado regulador, a diagonal recíproca, o diagrama de Villard de Honnecourt, retângulos dinâmicos, entre outros. Na antiguidade clássica, os gregos, que provavelmente aprenderam técnicas de composição com os egípcios, por volta de 600 a.C., foram os primeiros a aplicar esse conhecimento de forma sistemática, desenhando malhas filosofais com alto rigor matemático em seus prestigiados vasos, ornamentos e projetos arquitetônicos. Na maioria das vezes, os esquemas tinham como base os pontos áureos, as diagonais recíprocas e os retângulos dinâmicos (HAMBIDGE, 1920).


Infelizmente, por alguma razão, após a Grécia Antiga, esse conhecimento só reapareceria com expressão séculos depois, em obras de grandes artistas do Renascimento, como Leonardo da Vinci, que baseavam a composição de suas obras em estudos matemáticos similares, tornando-as agradáveis aos olhos dos apreciadores. A simetria dinâmica é construída visando o equilíbrio dinâmico, que, diferentemente do equilíbrio estático, “sugere mais vida e movimento” (HAMBIDGE 1926). O traçado e os pontos de interseção, resultantes desse processo, geram áreas proporcionais e um esquema intrinsecamente harmônico (RIBEIRO, 2007). O procedimento é muito simples. O desenhador deve dominar os elementos básicos de composição para a obtenção de formas harmônicas e bem proporcionadas. Infelizmente e, por que não, curiosamente, esse conhecimento não é disseminado entre estudantes brasileiros.

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A Malha Filosofal ĂŠ uma importante ferramenta que auxilia na ordem e arranjo de partes, componentes e elementos de projetos de qualquer complexidade e, arbritariamente, em diferentes nĂ­veis de rigor matemĂĄtico.


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referências: ARCHER, Bruce. Systematic Methods for Designers. London: The Council of Industrial Design, 1966 // GOMES, L. V. Criatividade & Design: um livro de desenho industrial para projeto de produto. Porto Alegre: sCHDs, 2011// GOMES, L. V. Desenhismo. Santa Maria: Ed. UFSM, 1996 // GOMES, L. V.; BROD JÚNIOR, Marcos; MEDEIROS, L. M. S. Sobre Metódicas, Metodologia e Métodos para Projeto e Desenho de Produto Industrial. In: 9 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design/P&D Design 2010, 2010, São Paulo // HAMBIDGE, Jay. The Elements of Dynamic Symmetry. New York: Dover, 1926 // HAMBIDGE, Jay. Dynamic Symmetry: The Greek Vase. New Haven: Yale University Press, 1920 // MONTENEGRO, G. A. Desenho de Projetos. São Paulo: Blucher, 2007 // MEDEIROS, L. M. S. Desenhística: a ciência da arte de projetar desenhando. Santa Maria: sCHDs, 2004 // RIBEIRO, Milton. Planejamento Visual Gráfico - 10. ed. rev. e atualizada. Brasília: LGE Editora, 2007.

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Algumas perguntas e respostas a partir do texto “Beyond the Ability to Respond”(1) bate-papo chat 94

perguntas / questions

Gustavo Ferreira respostas / answers

Felipe Kaizer

No texto ‘Beyond the Ability to Respond’, você analisa a dimensão política da atividade de design, e introduz uma noção de política como ação, baseada na obra da pensadora alemã Hannah Arendt. Qual é a história deste texto? O que te levou a escrevê-lo? De certa forma ele é uma revisão de um trabalho maior chamado ‘Design Ex Machina’, que apresentei no final da minha graduação em 2006. Resumindo, ele aponta somente um dos problemas encontrados no meu trabalho sobre a dimensão política do design: a lógica dos meios-pelos-fins intrínseca ao argumento do design-por-uma-causa.


A few questions and answers following the text “Beyond the ability to respond”(1) In your text ‘Beyond the Ability to Respond’, you look into the political dimension of designing, and introduce the notion of politics as action, based on the work of German thinker Hannah Arendt.What is the story of your text? What prompted you to write it? (01)

Entrevista originalmente publicada em inglês neste site. Interview originally published in English on this site.

It is somewhat a review of the much larger work I presented under graduation in 2006, called ‘Design Ex Machina’. As a brief review, it aims solely on one problem found during my investigations on the political dimension of design: the means-to-an-end logic intrinsic to the design-with-a-cause type of argument.

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Eu criei a oportunidade para escrevê-lo quando descobri o site ‘Design Philosophy Politics’. Basicamente eu me convidei para participar do editorial da Anne-Marie Willis. Mas o que me levou a escrevê-lo foi a necessidade de tornar rapidamente entendível um dos pontos principais da minha pesquisa – por isso o artigo é mais instrutivo e mais provocativo do que a minha monografia.

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Nos anos entre esses dois textos aprendi bastante sobre o modo como designers e arquitetos pensam, sobretudo por causa de um grupo de estudo que mantive com amigos. Descobri, naquele contexto, que apresentar as ideias através dos autores não funciona. Por isso, nesse artigo eu começo por noções muito básicas – presentes já em conversas cotidianas –, e continuo em direção aos problemas mais fundamentais, de carácter filosófico.


I made myself an opportunity to write it when I found the ‘Design Philosophy Politics’ website, basically inviting myself to contribute to AnneMarie Willis’ editorial. But what urged me to write it was the need to quickly make one of my key points understandable to anyone – that’s why it is written in a much more provocative and instructive way in relation to my monograph. During the years between these texts I learned a lot about the way designers and architects think, mainly because of the study group about the same issue I maintained with some friends. I found out that the way I used to present ideas directly through authors was effectively wrong in that context. So, in this small article, I tried to start from some basic notions expressed on daily talks and to move on towards the fundamental problems of a philosophical consideration.

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Mas a sua graduação foi em design gráfico, certo? E mesmo assim você escolheu trabalhar com a ‘razão pura’, e produziu uma longa argumentação racional na forma de um texto. Por que você escolheu esse formato para comunicar as suas idéias? Por que não usar ilustrações, imagens em movimento ou sons, por exemplo? O que é especial e único em relação ao formato texto?

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Curiosamente você já colocou ‘texto’ entre outros meios, sem nenhum privilégio. Isso é um bom começo. Talvez eu pudesse _defender o meu ponto_ através de outra mídia, mas, considerando que “o meio é a mensagem”, isso seria _defender outro ponto_. Eu concordo com você que escrever foi uma opção, entretanto eu não acredito que há uma diferença entre fazer algo e pensar sobre o que é feito – a argumentação racional também é uma ação. Mesmo pintura, por exemplo, “è cosa mentale”.


But your graduation was in graphic design, right? And yet you chose to work with ‘pure reason’ and produced a long rational argumentation in form of text. Why did you choose this particular format to communicate your ideas? Why not for example use illustrations, moving images, sounds? What is so special and unique about text? Curiously, you have already put ‘text’ without any privilege among other media. That’s a good start. Maybe I could make my point in any other way, but, considering that there is no message free from media, this would be to make another point. I agree with you that writing was a choice, nevertheless I don’t believe there’s a difference between doing something and thinking about what is done – rational argumentation is also an action. So painting, for instance, is a kind of reflection.

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A graduação em design gráfico deveria não só aceitar a escrita como meio, mas também encorajar em todas as ocasiões o uso da ‘razão pura’. Afinal, qual é o princípio fundamental da Universidade?

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Pode-se argumentar (como muitos o fazem) que o design não pertence à Universidade, e sim às oficinas e aos ateliês; que está mais próximo do artesanato e da produção manual do que das ciências. (A diferença: a produção manual pode se amparar em regras prontas e hipóteses, enquanto a ciência por definição requer verificação empírica.) Essa discussão – ‘o design é Arte ou Ciência?’ – parece continuar indefinidamente em um _loop_ infinito, pois o design não se enquadra nessas definições e separações. Em uma conversa anterior, você estava me contando que prefere usar o termo ‘designing’ ou ‘projeto’ ao invés de ‘design’. Isso é para indicar que design é uma dimensão essencial de tudo o que fazemos? Que o ‘projetar’


Graduation in graphic design should not only accept writing as a media, but encourage the use of ‘pure reason’ in all occasions. After all, what’s the underlying principle of University?

One could argue (as many do) that design does not belong in the University, but in the workshops and ateliers; that it is closer to the arts & crafts than to the sciences. (The difference being that crafts can rely on rules-of-thumb and hypotheses, while science by definition requires empirical verification.) This discussion – ‘is design Art or Science?’ – seems to go on forever in an infite loop, because design doesn’t fit into these definitions and separations. In a previous conversation, you were telling me how you prefer to use the term ‘designing’ instead of ‘design’. Is this to indicate that design is an essential dimension of everything we do? That ‘designing’ is as fundamental as ‘thinking’ or ‘communicating’? Or, paraphrasing Descartes

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(designing) é tão fundamental quanto o ‘pensar’ ou o ‘comunicar’? Ou, parafraseando Descartes e Watzlawick: ‘Projeto logo existo.’ / ‘Não podemos não projetar.’?

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Eu não iria tão longe a ponto de dizer que projetar é tão fundamental assim para nossa existência – algo como ‘só sou enquanto projeto’. É óbvio que existem outras formas de ser. Mais modestamente, é possível dizer que o projeto tem uma lógica própria, que torna inapropriada a pergunta sobre se ele é Arte ou Ciência. Ou, como argumentou Herbert Simon, se o design é uma ciência, então ele é radicalmente diferente das ciências naturais – assim ele defendia o design como ciência do artificial. De qualquer forma, o que está em jogo é o propósito de uma atividade humana que não é simplesmente teórica. Hegel disse que “tudo o que é humano só o é na medida em que o pensamento está aí em ação”. É a questão da educação, então, que acompanha a redefinição do projeto


and Watzlawick: ‘I design therefore I am.’ / ‘We cannot not design.’ ? I wouldn’t go so far as to say that designing is most fundamental for our mind existence – something like ‘I only am while I design’. Frankly there are other ways of being. We could modestly say that designing has its own logic, which renders the question whether it’s Science or Art quite inappropriate. Or, as Herbert Simon argued, if design is a Science, then it is radically different from the Natural Sciences – he defended design as an Artificial Science. Either way, what’s at stake here is the purpose of a human activity that is not merely theoretical. Hegel said that all we do is human only because then thinking is in action. The education issue then follows the reconsideration of designing as autonomous activity. Probably the first lesson is to recognize the difference you pointed out: ‘design’ can be ambiguous, meaning sometimes a professional activity or a discipline, while ‘designing’ is just

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como atividade autônoma. A primeira lição, provavelmente, é reconhecer a diferença que você indicou: ‘design’ pode ser ambíguo, significando ora uma atividade profissional ora uma disciplina, enquanto ‘projeto’ (designing) é apenas uma forma de agir. Portanto, mesmo que nós neguemos a presença do design nas nossas universidades como uma disciplina, ainda assim nós podemos discutir o projeto em si. Para além de qualquer erudição, nós somos necessariamente parte de uma comunidade de seres racionais, que fazem uso público da razão – isso está no coração do Iluminismo. O público não é o mercado, nem a escola. O design/projeto é restrito à humanidade? De que forma a atividade humana e as coisas produzidas pelo homem são diferentes daquelas produzidas por outras espécies? Autores como Edgar Morin e Maturana & Varela parecem ter argumentado na direção oposta, desenvolvendo teorias sobre a humanidade


a kind of action. So, even if we deny design into our Universities, we are still able to talk about designing in itself. Regardless of any kind of scholarship, we are necessarily part of a community of rational beings, which make public use of reasoning – that’s at the core of the Enlightenment. The public is not the market nor the school.

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Is design/ing restricted to humanity? In what way are human activity and human-made things different to those of other living species? Authors such as Edgar Morin and Maturana & Varela seem to have argued in the opposite direction, developing their theories about humanity ‘up’ from the physical and biological


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a partir dos mundos físico e biológico. Uma teoria não-antropocêntrica do design/ projeto é possível, ou desejável?

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Como teoria ela já é “humana, demasiada humana”. Não há, estritamente falando, como tratar da natureza de um ponto-de-vista absolutamente neutro – sempre existe interesse no discurso. ‘Realidade’ independente de qualquer artifício humano é uma contradição, assim como ‘natureza’ é um conceito derivado das nossas atividades. Nesse sentido eu diria que o design é o oposto dos processos encontrados em sistemas autopoiéticos. Mesmo que o gene tenha aparecido por acaso, nossas cidades são ainda assim consequência dos nossos atos. Imaginar que existe um mecanismo histórico ou biológico que se manifesta em nossas ações é muito perigoso. Se não há escolha, não há ação. Mesmo que a autopoiesis seja a causa da autonomia, a última supera a primeira por meio da sua própria atividade.


worlds. Is a non-anthropocentric theory of design/ing possible, or desired? As theory it is already ‘human, all too human’. Strictly speaking there’s no way we can talk about ‘nature’ from an absolute neutral pointof-view – there’s always interest in discourse. ‘Reality’ independent of any human artificiality is contradictory. ‘Nature’ is already a derived concept from our activities. In that sense I would say that design is opposed to the process found in autopoietic systems. Although we believe the gene appeared by accident, our cities are still a consequence of our choices. It is very dangerous to think there’s a historical or natural mechanism manifesting itself through our actions. If there’s no choice, then there’s no action. Even if autopoiesis is the cause of autonomy, the latter surpass the former through its own activity. Autonomy is the process of self-relating, despite its cause. The son is not fully contained in the father, otherwise, there’ll never be any newness.

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Autonomia _é_ o processo de se relacionar consigo mesmo, a despeito da origem desse processo. O filho não está completamente contido no pai. Se estivesse, jamais haveria qualquer novidade.

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A autononomia do ser humano está portanto no centro da sua definição de design. Isso é muito bom. E me leva a mais uma pergunta: Como designers, precisamos balancear nossa autonomia individual com a daqueles que nos contratam, e com a de seus clientes. Esse processo, como você indicou no artigo, é essencialmente político e complexo. É comum entre os profissionais de design igualar ‘servir o cliente’ com ‘abrir mão da autonomia para conduzir o projeto’. Isso leva a uma instrumentalização do design e dos designers por outras áreas (em particular marketing, propaganda e economia). Ao mesmo tempo, há um amplo entendimento e uma aceitação por parte da sociedade, de que autonomia individual é essencial


So, you put human autonomy at the center of your definition of design. This is great. And it raises another question: As designers, we need to balance our individual autonomy with that of our clients, and their customers. And, as you have indicated in your article, this is essentially a complex political process. It is not uncommon for professional designers to equate ‘serving the client’ with giving up their individual autonomy to conduct the design process. This leads to an instrumentalization of designers and design by other fields (in particular marketing/propaganda and economy). At the same time, there is a well-established understanding and acceptance in society that individual autonomy is essential to the Arts.

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para as Artes. A ponto de ser tentador para os designers re-enquadrar o próprio trabalho como ‘arte’, em busca de maior autonomia. Gostaria de ouvir o que você pensa sobre as relações entre arte, design e autonomia. Quais as suas estratégias pessoais para trazer mais autonomia para a sua prática de design? É por esse motivo que você escreve?

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Fica claro com a filosofia arendtiana que não existe algo como autonomia individual. A liberdade não é negativa. Isto é: liberdade não é apenas aquela para fazer tudo aquilo que não vai contra a liberdade de outrem. Nossa ações acontecem na pluralidade. As pessoas pensam e reagem de maneiras diferentes, do contrário elas seriam versões da mesma pessoa – nós precisamos aceitar essa condição se vamos projetar. Nesse sentido, afirmar que existe uma diferença fundamental entre designers e clientes é encarar a questão de forma corporativista: o designer, como especialista cuja _expertise_


To the point that it is tempting, for designers, to reframe their work as ‘art’, in search for greater autonomy. I am interested in hearing your thoughts about the relationships between art, design, and human autonomy. What are your personal strategies to bring more autonomy to your design practice? Is that the purpose of your writing? With Arendt’s philosophy it becames clear that there is no such thing as an individual autonomy. Freedom is not negative, that is to say, freedom is not just freedom to do whatever is not against others’ freedom. Plurality is where our actions take place. People think and react differently, or else they would be versions of the same person – we need to fully accept this condition in order to design. In that sense, to assert a fundamental difference between designers and clients is to face the question as a matter of corporatism: designer is then an specialist to be blindly followed, whose mastery should not be

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é inquestionável, deve então ser obedecido cegamente. Ou, simetricamente, a opinião do cliente é sempre a verdade, e ao designer resta apenas a execução das decisões das quais não participou. No entanto, o projetar não é exclusividade de uma profissão. Muitas pessoas projetam com frequência, apesar de não serem consideradas designers. Na verdade é errôneo perguntar quem é _o responsável_ pelo projeto – o seu cliente está projetando junto com você. Trata-se essencialmente de um esforço coletivo, com muitas dimensões. Uma grande amigo meu, João Doria, uma vez falou “o projeto aconteceu porque aconteceu um encontro”. Não deveríamos nos preocupar com um equilíbrio de forças ou com a igualdade de direitos; o projeto não é um campo de batalha. E a arte não é um campo de refugiados para os derrotados. Muito menos uma propriedade privada. Talvez uma imprecisão no conceito de autonomia já esteja presente no Arts &


questioned. Or, symmetrically, clients’ opinions would always count as truth, and designers should only execute decisions in which they didn’t take part. However designing is not exclusive of any profession. Many people often do design, although they are not recognized as designers. In fact, it is misleading to ask who is responsible for a project – your client is also designing with you. It is essentially a collective effort, with many dimensions. João Doria, a great friend of mine, once said something like ‘there is a project only because people met.’ We should not pursue a balance of forces or an equality of rights. The project is not a battlefield. And art is not refugee camp for the defeated, nor a private property. Maybe our misconjecture about the concept of autonomy is already present in the Arts & Crafts movement: architects and designers should then behave as if the rest of the world was in need of aesthetic paladins. But can we define beauty objectively? Under whose

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Crafts: arquitetos e designers se comportavam como se o resto do mundo precisassem de paladinos da beleza. Mas será que nós podemos definir ‘beleza’ objetivamente? Sob que autoridade atestamos a funcionalidade de alguma coisa? Existe uma classe especial de pessoas para quem o Bom se manifesta puramente, cientificamente? Existe ‘o mais belo’ ou ‘o mais adequado’? Além disso tudo, lembremos que autonomia não é autoria, e que nós não podemos esperar recompensas ou aplausos. Autonomia é o livre exercício entre pares. Eu estou mais interessado em entender as preocupações dos outros. Como projetista eu preciso ser capaz de ouvir, mas também de julgar. Não posso apenas responder às demandas dos outros; eu preciso também compartilhar a minha visão do projeto. É um processo sem garantias. O risco de fracassar está sempre presente, e tudo bem. Eu devo confiar nas pessoas com as quais eu trabalho, a despeito dos títulos


authority functionality is attested? Is there a special class of people for whom goodness manifest itself purely, scientifically? Is there something like ‘the most beautiful’ or ‘the fittest form’? Besides, autonomy is not authorship, and we should not expect to be rewarded or applauded for it. Autonomy is a free exercise among peers. I am most interested in meeting people’s considerations. As a designer I must be able to listen, but also to judge. Not only to respond to others’ claims but also to propose and to share my views about the project. There are no guarantees in the process. There is always the risk of failure, and that’s ok. Despite being a professional I must trust those with whom I work, and not their titles and positions. In fact, is better to distrust them if credentials are constantly shown – you see what I mean? To consider yourself nothing more and nothing less than a professional is to fall in bad faith. Each and every step, in each and every case, could ask for a political kind of reevaluation: ‘Is it worthy? Should we

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e das posições. Na prática, é melhor desconfiar daqueles que constantemente mostram as credenciais – concorda? Considerar a si mesmo nada além de um profissional é incorrer em má-fé. Cada passo, cada caso, pode ser reavaliado politicamente: ‘Vale a pena? Por que não desistir agora? Podemos mudar o curso dos nossos planos? Podemos tomar novas decisões?’ Comparado a isso, escrever pode ser uma atividade extremamente solitária. Mas eu posso compartilhar o que eu escrevo: isto não é apenas pensamento. E eu posso falar sobre o que escrevi. No final das contas, eu estou tentando me fazer entender diante de um público. E justamente por tentar, conversas como esta eventualmente surgem.


quit now? Can we change the course of our decisions? Can we make new decisions?’ Comparing to this, writing can be extremely solitary. But I can share what I write: these are not just my thoughts. And I can talk about my writings. At end, I’m trying to make myself understandable to a public. And eventually, because of my attempts, conversations like this can rise.

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DĂŠcio Pignatari 1927-2012


Goebel Weyne 1933-2012

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Até a próxima edição! See you in the next issue! ciano@designsimples.com.br revistaciano.wordpress.com © design simples


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