Revista Ciano - vol.2, no.2, ano 2012

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ISSN 2237 - 3683


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ciano ISSN 2237-3683

designsimples.com.br/revista ciano@designsimples.com.br

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revista digital colaborativa

corpo editorial

edição atual v.2, n.2, 2012

editor-chefe Eduardo Camillo

edições anteriores v.2, n.1, 2012 v.1, n.6, 2011 v.1, n.5, 2011 v.1, n.4, 2011 v.1, n.3, 2011 mais edições...

idealização e design Rafael Gatti

colaboradores Ana Goyeneche Eduardo Camillo Ernesto Harsi Gustavo Cossio Lucas Colebrusco Marcos Beccari

realização Design Simples

ensaio fotográfico Pedro Ungaretti


Perfil do leitor

Nos últimos 3 meses pudemos receber mais de 60 respostas para o conjunto de perguntas solicitadas na última edição (algo em torno de 2% do total de leitores). Agradecemos a todos que participaram e lembramos que nosso formulário ainda pode ser respondido aqui.

Idade Escolaridade

Formação

Trabalho

Quando lê Seções prediletas Sinto falta...

média 64% 13% 6% 6% 3% 8% 49% 31% 30% 10% 8% 36% 20% 13% 11% 50% 41% 84% 69% 48% 34% + comentado

29 anos Ensino Superior Pós-Graduação Mestrado Ensino Médio Doutorado Demais Programação Visual Projeto de Produtos Designer Generalista Artes Visuais Design de Interfaces Empregados no Setor Privado Autônomos Estagiários Micro Empresários Durante o Lazer Durante o Trabalho Entrevistas Matérias Colunas Vídeos Edição para impressão ou Ipad

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editorial entrevista

Que cara você dá ao design?

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Auresnede Pires Stephan

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Exposição de design, crítica e formação Gustavo Cossio

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História e design por um caminho inverso Marcos Beccari

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PITU 2025, um plano oculto e solitário Lucas Colebrusco

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colunas


Brasilidade: origem e discurso em marcas gráficas Eduardo Camillo

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crítica

matéria

direto ao ponto

A exposição do design entre legitimação e exposição Gustavo Cossio

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Regulamentação da profissão de designer: A agenda positiva Ernesto Harsi

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Cartaz do 26o. Prêmio do Museu da Casa Brasileira Eduardo Camillo

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Que cara você dá ao design?

editorial

editor-chefe

Eduardo Camillo foto

Pedro Ungaretti

Chegamos ao número dois do segundo volume de nossa revista Ciano. E, novamente, vejo com sucesso o registro que aqui fizemos, dessa vez através da pessoa do Professor Aurisnede Pires ou, como é mais conhecido, Professor Eddy. Eddy é figura carimbada no meio expositivo e nos prêmios do design brasileiro, tendo participado de dezenas de mostras e concursos pelo Brasil a fora, dos mais diversos enfoques e portes. É com Eddy, e seu trabalho extremamente volumoso (e uma entrevista igualmente volumosa), que trazemos para o debate a “publicização” do design(er) brasileiro.

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editorial

Nesta entrevista, o professor nos conta um pouco da importância que vê em sua atuação como promotor do design brasileiro, fala sobre o designer na sua relação com os empresários e os problemas do auto-centramento dos cursos de design, que insistem em não se abrirem ao mundo.

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No decorrer da edição, diferentemente do que já fizemos até então, as colunas não foram exclusivamente baseadas no texto do entrevistado. Pelo contrário, demos completa liberdade aos colunistas para abordarem o assunto que quisessem, da maneira que bem entendessem. É interessante, entretanto, que por algum motivo as contribuições seguem, de alguma maneira, a linha de entender a cara que damos ao design, ao nosso design. Gustavo Cossio (única exceção à regra) é convidado especial desta edição.


Tendo concluído seu mestrado com o tema “Design de exposição de design”, chamamos este projetista do Rio Grande do Sul para registrar seu olhar sobre a fala do Prof. Eddy e, ao final da revista, contribuir com uma Crítica aguçadíssima (falaremos dela depois). Colunista já da casa, Marcos Beccari apresenta o texto “História e Design por um caminho inverso”, que versa sobre um aparente paradoxo do design no seu cliché relativista do “há várias histórias do design”, e ao mesmo tempo uma obsessão histórica que insiste em afirmar-se como única. Chama à atenção, assim, sua maleabilidade discursiva: “(...) de um conjunto finito de configurações possíveis surgem infinitos modos de comunicação (...). Tudo não passa de imaginação: além de atribuirmos novas disposições ao que já aconteceu, questionamos sobre o que poderia ter acontecido” (Beccari, 2012).

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editorial

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Lucas Colebrusco vai por outro caminho. Comenta (talvez na verdade, nos apresenta) o projeto PITU - Plano Integrado de Transporte Urbano dentro do contexto de sua pesquisa que relaciona design automobilístico, mobilidade e cidade. Sua crítica ao sistema industrial dos carros e à priorização deste em detrimento de outros modelos de mobilidade fica implícita no texto, que enfoca mais na apresentação do PITU, programa de nós completamente - ou em geral - desconhecido, cuja pretendida atualização nunca aconteceu. Finalizando o conjunto de artigos, eu, Eduardo Camillo, procuro trazer uma das facetas que usamos para apresentar e identificar nosso design: a bendita da brasilidade. Resumi um dos trechos de meu trabalho de graduação, onde analiso diversas marcas gráficas de eventos esportivos em busca de uma estruturalidade e tipologia básica da brasilidade que podemos assumir como um código, o qual é seguido à risca


(mesmo que insconscientemente) por aqueles que pretendem dar uma cara meio brasileira ao seu projeto de marca gráfica. Na sessão de crítica, retomamos Gustavo Cossio. De maneira precisa e muito perspicaz comenta uma linha de móveis produzidos por Hans Donner, que os apresenta em forma de exposição. Cossio denuncia o “estilo de vinhetas” de seus móveis, bem como o uso ideológico do ambiente expositivo, numa tentativa de auto-promoção e não de apresentação de real qualidade de objetos. Contrapõe à lambança de Hans Donner um caso bastante interessante e efetivamente realista do designer Manlio Gobbi. E, fechando a revista, temos na sessão de matérias o utilíssimo texto de Ernesto Harsi - diretor de relações institucionais da ADP sobre a Regulamentação do designer. Com título “Regulamentação da profissão

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editorial

de designer: a agenda positiva”, Harsi aborda a atual tentativa de regulamentação da profissão (já em estágio relativamente avançado, mas ainda sem sucesso garantido) no seu caráter de preservação do profissional, e não da negação da prática a outros (famosa reserva de mercado). Esperamos que esse conjunto de ideias, um tanto quanto espalhadas, sirvam a gerar reflexão e debate em nosso meio e, acima de tudo, conteúdo crítico. Que sejam criticados nossos textos, projetos, ideias, ideais e princípios éticos, pois, sem crítica não há debate, e sem debate, não há qualquer chance de evolução ou aprimoramento do campo.

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Se nem isso for possível, que sejamos ao menos sinceros naquilo que fazemos individualmente. < Retornar ao índice

Boa leitura!


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“Causos” de design

entrevista

por

Ana Goyeneche Eduardo Camillo Rafael Gatti fotos

Pedro Ungaretti

Auresnede Pires Stephan, ou Professor Eddy, como é mais conhecido, é designer e mestre em Educação, Arte e Cultura pela Universidade Mackenzie. Seu envolvimento no design se faz de múltiplas formas: professor em quatro faculdades, curador e co-curador de diversas exposições, também membro de dezenas de juris de concursos nacionais de design. Em nossa entrevista, intencionamos por trazer ao leitor da Ciano um pouco das motivações deste professor e do que vê de importante nessa prática tão característica sua: a divulgação e publicização do design(er) brasileiro.

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É bastante evidente o envolvimento do senhor em atividades que, de alguma maneira, divulgam o design. Realizou publicações coletivas, foi membro de diversas comissões julgadoras e concursos, e também atua na organização de mostras e exposições. Pode nos falar da importância que vê nessa área?

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Acho que a história de feiras e concursos está no meu sangue. Comecei quando tinha cerca de 12 anos, ajudando em um pequeno evento na escola, e não parei mais; é uma coisa que eu sempre gostei. Sempre trouxe comigo esse conceito da competição, não para ganhar ou perder, mas pela vontade de competir. Em 56 começaram a ocorrer no Brasil as grandes feiras – em um conceito importado dos EUA pelo Caio de Alcantara Machado. Quando entrei na graduação na FAAP – em 67 – já ocorriam feiras como o Salão do Automóvel, UD etc. Fez parte da minha graduação a visita às feiras, mostras, exposições e eventos. Era nosso modo


de nos manter atentos e informados quanto às novidades no campo do design. Não me esqueço de que ocorreram neste período (1974), no Masp, uma mostra sobre a Bauhaus e quase no mesmo período tratando do design dos países escandinavos. Encaro a feira como um espaço onde podemos estabelecer contatos, trocarmos informações e definirmos assim o nosso networking junto ao empresariado e aos diversos profissionais de áreas afins. O designer não deve se restringir unica e exclusivamente ao seu meio, tem que dialogar com engenheiros, profissionais de marketing, administradores e consumidores entre outros. Abrir o seu olhar. Não podemos assumir uma atitude centralizadora. Tem que desenhar, tem que produzir, mas tem que entender que tudo isso gira entorno do ser humano. Por outro lado, temos a participação em Júris (em média participo de 10 a 14 por ano), e para mim são as grandes aulas, pois temos a condição de avaliar as tendências.

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Trabalho do juri no 25o. Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira créditos

Mariana Chama

Creio que apesar de possíveis erros e questionamentos pertinentes aos critérios de avaliação e características pela forma como os jurados se posicionam, ainda assim a prática de Prêmios e Concursos estimulam o mercado e valorizam os jovens designers. E, neste quesito, promoções como a do Museu da Casa Brasileira, Alcoa, House Gift&Fair, Tok&Stok, SEBRAE de Minas Gerais, Movelsul, Casa Brasil Brinquedos, Embalagem Marca, ABILUX, Mostra dos Jovens Designers, Idea Brasil, Design Excellence, If, Prêmio CNI, Bienal Brasileira de Design, sempre obtiveram êxito. Na verdade, este é um longo trabalho anônimo, desconhecido por muitos, mas que me proporcionou muitas amizades e uma visão panorâmica da produção brasileira. Creio que, com o passar dos anos, estes eventos estão definindo um grande acervo da produção cultural que possibilitará aos estudiosos e pesquisadores futuros uma análise crítica bastante relevante sobre o design brasileiro.

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entrevista

Sua atividade letiva também é bastante intensa, sendo professor ligado à FAAP, ESPM, FASM e IED. Qual a continuidade que vê entre a divulgação do design e a formação de designers?

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Acredito que a importância da relação existente entre a divulgação do design e a formação acadêmica reside no fato de que os currículos escolares (que são de fundamental importância) não suprirem todas as necessidades na formação de um futuro profissional. As escolas ainda na sua grande maioria vivem isoladas do contexto social. As reflexões ainda permanecem num circuito fechado; particularmente tenho muito medo disso. Não que estes encontros sejam descartáveis: é uma conversa boa, com muitas discussões, mas design não está na escola, ele está no mundo. Então é preciso trazer o mundo para o espaço acadêmico. Fazer uma ilustração, um rendering ou uma representação 3D não basta: é preciso


estabelecer diálogo com o consumidor, vivenciar a situação em que esse produto será utilizado, para entender como esse mecanismo funciona. Se você for projetar uma embalagem será necessário entender o PDV (ponto de venda), pois ele é parte da motivação de compra. Entendo que existem várias atividades nas quais também se desenvolve o processo de aprendizagem complementando a formação acadêmica. Internet, livros, DVD’s, revistas especializadas e não-especializadas são alguns dos meios em que este complemento pode ocorrer. O mesmo se aplica a congressos, semanas culturais, simpósios, conferências, workshops e, é claro, mostras e concursos. Ou seja: a formação é horizontal, vertical e transversal. Quer sejamos estudantes ou profissionais, devemos estar atentos, avaliando e questionando, à produção de nosso campo. Os espaços extra-classe são fundamentais para a criação de um diálogo reflexivo, gerando também subsídios para novos projetos.

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entrevista

Uma das publicações que aqui chamamos de coletiva é a série dos 10 Cases do Design Brasileiro, que atualmente lança seu terceiro número, com outros já em planejamento. Quais os pontos, resumidamente, que balizam as escolhas dos casos de sucesso?

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Geralmente o design é anônimo, e grande parte dos alunos não sabem o que está por trás de um projeto. Há muitas histórias e “causos”, que ficam ocultos porque os responsáveis pelos projetos não escrevem – ou escrevem muito pouco. A ideia era “incomodar” esses profissionais, fazer com que quem viveu o processo de concepção do produto retratasse sua atuação e de sua equipe de trabalho. Cada volume pretende demonstrar a diversidade: pequenos, médios e grandes escritórios, departamentos de empresas nacionais e internacionais. Há cases com um perfil mais poético, alguns conceituais e outros extremamente técnicos. Queremos mostrar que o design não é uma única direção e sim


inúmeras formas de definir e conceituar um projeto. É impossível documentar toda a produção existente hoje no país, no entanto estamos tentando registrar o maior número de projetos que nos é possível, principalmente aqueles que não se transformam em manchetes de revistas, que não fazem parte dos modismos das colunas sociais. São produtos muitas vezes anônimos dos quais, direta ou indiretamente, boa parte da população convive no seu dia a dia. 31

Procuramos estar atentos às notas que são veiculadas em jornais e revistas, às feiras industriais, aos comentários de empresários conhecidos, a contatos com escritórios ou departamentos, e à órgãos estatais que sabemos que contribuem de forma bastante profissional no setor, para então estabelecer a seleção. Para mim, esta publicação é a ponta de um iceberg: os relatos dos profissionais podem ser o marco para futuras reflexões de estudiosos e pesquisadores.


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“Design não está na escola, ele está no mundo” Os cases podem ainda reforçar, para empresários e para pessoas descrentes no design nacional, a ideia de que efetivamente existem profissionais competentes, que estão construindo uma identidade brasileira na concepção de produtos. O livro passou a ser referência para reflexão de professores e alunos em salas de aula. O valor da publicação está no sentido de registrar o processo e as metodologias projetuais.

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Falando sobre políticas públicas, sabe-se que é membro do Museu da Casa Brasileira. Como vê a atuação hoje do estado brasileiro na divulgação e promoção dos projetos aqui feitos? Quais são os critérios para escolha desses projetos - comprometimento com a qualidade, fomento a uma identidade nacional do design, inovação, desenvolvimento social etc? Quais seriam os pontos mais buscados pelo governo? 34

Tenho muito prazer em fazer parte do Museu da Casa Brasileira, mas vamos por partes: a atividade do MCB está integrada a Secretaria de Cultura do governo do Estado de São Paulo, e portanto não está vinculada com nenhuma política pública de industrialização. Sua ação está no sentido de promover, debater e regatar a história do design. “Promover”, por meio do concurso anual; “debater”, por meio de seminários e mesas-redonda; e “resgatar” através de mostras nacionais e internacionais, a produção do setor. Queremos estabelecer


junto ao público visitante uma leitura e uma postura reflexiva da produção cultural no segmento do design e da arquitetura. Agora, quando entramos na esfera de uma política governamental para o design, é uma questão muito complexa, a começar pela falta de continuidade política: quando a máquina estatal começa a funcionar, o processo é interrompido, por exemplo no período eleitoral e assim o sistema estaciona e permanece inerte durante longos períodos. Além de não existir uma política industrial sob a óptica do design, ainda nos falta uma vocação nacional de empreendedorismo. Os empresários que temos têm visão a curto e médio prazo, imediatista. Ele não é empresário empreendedor. Quem empreende causa surpresa, quer novidade. Conheço também empresários que nem sabem onde fica a Fiesp, ou nem têm coragem de chegar lá: são pequenas empresas quase sempre familiares, sofrem muito para administrar seu patrimônio. Temos uma imagem

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dos empresários que às vezes é distorcida; muitos deles não conseguem sequer sobreviver com a própria empresa, e para eles qualquer erro é fatal, pois grande parte das leis ainda o penalizam. Eles tem medo de empreender, medo de arriscar e das altas taxas que devem pagar; vivem no fio da navalha, nas suas relações junto as entidades públicas, não é simplesmente pegar um dinheiro com o governo, porque ele não tem garantias de que conseguirá pagá-lo de volta. E existe também os industriais que estão ganhando dinheiro – e não precisam nem pensar em design, pois produzem na China e comercializam em nosso país. Esses nem sabem o que é um programa de design. Ou pior, contratam um pseudo-designer que denigre a imagem dos bons profissionais da área. A sugestão que tenho junto aos designers é de estudarmos o estado atual da indústria brasileira. Todos falam em design, mas o design só sobrevive se existir um sistema de produção.


Não adianta projetar a menos que você, como designer, passe também a ser empresário/industrial. A outra questão é: quem é o industrial brasileiro? Qual o seu perfil e seus desafios? Na realidade, existem políticas, entre elas o Programa Brasileiro de Design, que começou em 95, no governo FHC. Mas esse programa ainda não demonstra o vigor necessário, creio que por falta de um diálogo maior entre as instituições governamentais, empresários e os profissionais da área de design. Muitas vezes o problema nem é o ministro, são os assessores, os funcionários e as visões particulares de cada um. E o empresário tem muito receio disso tudo. É um desafio universal onde a complexidade humana é posta a prova, quando precisamos administrar egos, interesses, incertezas e as inseguranças. Tudo isso faz com que não exista efetivamente uma política pública para o design.

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Sua experiência como professor certamente lhe confere um grande conhecimento em pedagogia do design. O senhor acredita que tanto as faculdades de design, quanto o próprio mercado brasileiro, estariam aptos a lidar com o incentivo do MEC para que os cursos de design tornem-se mais generalistas ao invés de especialistas? Como avalia essa mudança?

25o. Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira créditos

Mariana Chama

Vejo com bons olhos a ideia de curso generalista, o estudante precisa desta base. Quem diz “vou fazer design” deveria ser considerado herói: a família não tem idéia do que é isso, na escola de nível médio poucos sabem dessa área do conhecimento, então esse jovem necessariamente precisa de alguns anos para entender o que é a carreira, e se adequar ao novo contexto acadêmico e o seu futuro profissional. Essa tentativa de criar uma unidade no primeiro e segundo ano é fundamental: dá embasamento cultural, e permite que

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a escolha posterior – por um ramo – seja feita com mais consciência. Este módulo deveria dar uma sólida formação nas ciências humanas, físicas, e domínio nas artes visuais. Seria uma alfabetização básica, que preenche a lacuna deixada pelo ensino médio. É preciso entender que design não é exatamente dividido em duas áreas independentes e desconexas (gráfico e produto). Digamos que alguém fará um projeto ligado à área aeronáutica, será que ele precisará ter conhecimentos ligados à tipografia? Muitas vezes sim, outras não, no entanto ele necessita de uma formação ampla culturalmente, para saber que informações buscar no momento necessário. O trabalho de graduação já daria um rumo, e depois viriam as especializações, pós-graduações e as atividades profissionais. O processo é longo mesmo, e o tempo se encarrega de fazer sua parte. Só vamos ter um bom designer na faixa dos 35, 40 anos, momento no qual ele vai estar em um grau


de plenitude. Aí sim ele é um jovem designer. A questão da educação é que ela não pode ser avaliada de uma hora para a outra. O ensino é um processo dinâmico, e está intimamente relacionado a um tempo de maturação necessário para que se conheça seus resultados. É preciso acompanhar o processo passados aproximadamente 10 anos e estabelecer uma avaliação contínua para definir novas orientações. Não podemos esquecer que um país como o Brasil de dimensões continentais terá inevitavelmente múltiplas respostas pois existe uma diversidade imensa de opiniões e características culturais. Quanto ao mercado, esse está distante do contexto acadêmico do design, afora alguns poucos privilegiados. O mercado tem certo pragmatismo, ele precisa de um profissional que atenda suas necessidades imediatas. A verdade é que eles não estão preparados culturalmente para avaliar ou sequer notar o impacto destas mudanças acadêmicas.

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O NDesign tem contado com sua participação de longa data. Embora haja alguma controvérsia entre os próprios estudantes de design quanto a validade, funcionamento e prioridades deste encontro, parece-nos que o senhor acredita muito nele. Quais os pontos que o fazem gostar tanto do evento?

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Estou nesta vida de N Design desde 1991, quando foi realizada a primeira edição em Curitiba. Mesmo com todas as possíveis controvérsias, este ano vamos para a 22ª edição, o que não é pouco. Este é o evento de design mais longevo de todos na América Latina, nunca interrompido. Um dos pontos é o empenho das comissões organizadoras que, ao se candidatarem para organizar a próxima edição, desenvolvem um grande projeto que vai além do design de mídias impressas e a digitais. Eles precisam selecionar e treinar colegas para monitoria, dialogar com as diretorias de suas escolas,


encontrar patrocinadores ainda que seja por uma resma de papel sulfite; se envolvem em estratégia e logística, e acabam entendendo mais sobre sua própria cidade e realidade. Organizar um evento de 7 dias, exige uma gestão logistica e administrativa, que possibilita aos envolvidos um crescimento pessoal e profissional. Neste tempo de estrada já voltei nas mesmas cidades, passando pelas mesmas instituições de ensino, ao menos uma ou duas vezes. Não é raro reencontrar ex-alunos das Comissões organizadoras de N Design hoje atuando como excelentes profissionais ou como professores. É entusiasmante constatar que muitos dos que demonstravam liderança na ocasião do evento hoje comandam os melhores escritórios de cada cidade por onde o N passou.

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Eu, particularmente, já fiz um pouco de tudo: fui palestrante, debatedor, oficineiro, colaborador efetivo na realização do 7º N Design em São Paulo.

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Não tenho dúvidas: todo ano estabeleço que a semana reservada ao N no mês de julho. É a minha semana sabática, usada para carregar minhas baterias: assisto as apresentações dos trabalhos de graduação de todo o país, entendo o que a garotada está produzindo, vou às palestras – pois quase sempre tem algum profissional local ou mesmo de outros países – estabeleço contato com professores e coordenadores locais, e acompanho a vivo e a cores as atuais condições de ensino das escolas, conectando-me diretamente com brasileiros do Amapá ao Rio Grande. Para mim o N sempre são momentos de aprendizagem. Já acertei minha estada


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para ler

Auresnede Pires Stephan, 10 Cases do Design Brasileiro Vol. 1, 2 e 3 Editora Blucher

em Belo Horizonte neste ano, e aproveitarei para conhecer o curso da Universidade Federal e fazer uma visita na UEMG, que no meu entender é hoje um dos melhores cursos de design do Brasil com 1.400 estudantes e uma das melhores incubadoras existentes. Sem dúvida o evento poderia ser melhor, mas isso depende muito da intenção de cada um. Precisamos entender que são jovens entre 18 e 24 anos que organizam e realizam tudo, e eles estão correndo em busca de seus sonhos neste mundo tão incerto, inseguro e excitado. Ao final, cada um leva o seu N para a vida: a lembrança da chuva que inundou a barraca, a excelente oficina que participou, o amigo que encontrou, entre tantas outras histórias inerentes ao folclore acadêmico.

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Você nos bastidores da criação

Visite nosso site onde poderá folhear uma amostra do livro

Cases da 3a. Edição: Instituto Nacional de Tecnologia Torneira Twin Coza: Observando o Consumidor Forno Kota A3 Bosch Space Novo design do Fermento Royal Nuança: Mostruário de Papéis Especiais Sementeira: Fartura na Produção Joalheira Família de tesouras FreeStyle

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Exposição de design, crítica e formação

analisando

por

Gustavo Cossio

Teu gravadorzinho na mesa é um objeto ordinário. Na exposição ele é um objeto extraordinário. Claro, tem que entender que aquilo é uma produção relevante para estar numa exposição. Isso é uma coisa que a exposição de design tem que tratar, é a especificidade da exposição e é o mais bacana. Não sei qual é a receita, mas o nosso horizonte ao pensar uma exposição de design é revelar o que é desenhar um objeto que as pessoas usam no dia a dia, sem muita reflexão.

imagem

Banco de imagens do autor

– professor Jorge Bassani, 2011, sobre a exposição FAUForma: designers.

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analisando

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Ao refletir sobre a especificidade de exposições de design, partimos da ideia que a sua finalidade educativa possibilita repensar a atividade e o compromisso de uma ciência social aplicada. Em espaços de mediação, a pesquisadora da Universidade de São Paulo - USP, Lucrécia D’Alessio Ferrara (2002), enumera os modos de entender a cultura que, ao nosso ver, também caracterizam a exposição museológica: conjunto de registros das relações do homem com o mundo e, de outro lado, fator que possibilita a percepção do universo entendido como objeto de conhecimento. Em sua entrevista à Revista Ciano, o professor Eddy afirma que nossa formação é: horizontal, vertical e transversal. Quer sejamos estudantes ou profissionais, devemos estar atentos, avaliando e questionando, à produção de nosso campo. Os espaços extra-classe são fundamentais para a criação de um diálogo reflexivo, gerando também subsídios para novos projetos.


Assim, consideramos a exposição uma atividade pedagógica em design. No que se refere ao objeto musealizado, os docentes da Universidade Complutense de Madrid, Luiz Fernández e Isabel Fernández (2010) postulam que este se converte em um performance linguístico, uma vez que integra uma trama, a história contada – no espaço expositivo e temporal – juntamente com as outras peças de determinada mostra. Pode, dessa maneira, qualquer tipo de objeto, ser musealizado? Os autores defendem que sim, de acordo com os pressupostos da nova museologia, para a qual o patrimônio é material e imaterial, natural e cultural. A exposição de design é relevante para divulgar a abrangência do fazer do profissional no cotidiano, e dar visibilidade ao objeto “ordinário” transformando-o em “extraordinário”, conforme apontou Bassani (2011).

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Deyan Sudjic (2010), diretor do Design Museum, em Londres, faz uma distinção com a exposição de arte, ao sublinhar que, tratando-se de objetos de design, o contexto e o processo são essenciais. A respeito do planejamento e projeto de exposições, o autor exemplifica:

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precisamos saber por quanto tempo uma máquina de escrever esteve em produção e quanto custou, para entendê-la plenamente. Precisamos ver as plantas detalhadas, a propaganda, as ferramentas de produção e a embalagem para ter uma noção de sua importância. Saber como Jackson Pollock fazia seus quadros gotejados por certo é importante. Mas não é uma precondição essencial para se emocionar com a arte dele (SUDJIC, 2010, p. 173). O caráter legitimador da exposição, amparada em pesquisa científica, oportuniza a visualização do projeto no cerne


das questões com as quais se depara o design contemporâneo. Desse modo, a III Bienal Brasileira de Design 2010, em Curitiba – PR (1), foi coerente em seu enfoque na sustentabilidade ambiental, ao oferecer uma oportunidade de reflexão sobre essa temática a todos os seus públicos: visitantes, organizadores e designers.

(1)

Em 2012, a IV Bienal Brasileira de Design ocorre em Belo Horizonte – MG, sob o tema da diversidade brasileira.

Vale salientar que a exposição registra uma época e também escreve a história do design. Adélia Borges (2010), curadorageral da III Bienal, destacou que as mostras históricas de design possibilitam ao público conhecer o passado, visando trazer à luz, rememorar e compartilhar legados que nos ajudam a compreender em que estágio o design nacional se encontra. Histórica ou contemporânea, a exposição fortalece a consciência de que já somos detentores de um patamar projetual de excelência.

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Panorama da mostra Design, Inovação e Sustentabilidade, e a exposição histórica sobre a indústria paranaense Móveis Cimo, na III Bienal Brasileira de Design. créditos

Banco de imagens do autor.

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Nesse sentido, o professor Eddy assevera: “com o passar dos anos, estes eventos estão definindo um grande acervo da produção cultural que possibilitará aos estudiosos e pesquisadores futuros uma análise crítica bastante relevante sobre o design brasileiro”.

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No caso dos estudantes de design, tal identificação favorece o comprometimento social no exercício da atividade, ao incentivar uma continuidade à trajetória iniciada anteriormente. Certamente, para que tais objetivos sejam alcançados, é necessário levar em conta os discursos político e de poder das instituições que organizam as mostras. A efetiva comunicação visual traça uma linha tênue que separa as exposições destinadas à promoção de determinado deusigner (2), daquelas destinadas à promoção de novos valores para a sociedade.


(2)

Termo utilizado pela designer Fernanda Martins para se referir aos profissionais desconectados com a realidade social, e que desenvolvem seus projetos sem dar voz ao demandante. (3)

Jogo de xadrez com foco em usabilidade, cognição, segurança e portabilidade. Por poder ser usado tanto por pessoas com deficiência visual como videntes, promove socialização por meio do esporte e do lazer.

Nesse aspecto, é sintomático o exemplo do projeto de Amanda Iyomasa. Trata-se de uma proposta de jogo de xadrez para cegos (3), entre os doze trabalhos de conclusão de curso da primeira turma de formandos em Design da USP, reunidos na exposição FAUForma: designers, organizada por alunos e professores, no Museu da Casa Brasileira – MCB, em 2011. Em que medida projetos como esse, quando musealizados, contribuem para uma acepção de design orientado para as reais necessidades sociais, por parte de quem projeta, organiza e visita a exposição? Os designers responsáveis pelo projeto expositivo, André Noboru e Eduardo Ferreira (2011) esclarecem as intenções: “rever o que foi o curso e mostrar que o nosso curso tem um foco que acaba sendo o usuário [...] quando a gente pensou o espaço expositivo, foi a mesma coisa. O espaço expositivo não pode se sobrepor aos projetos de maneira nenhuma”.

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FAUForma: designers, material promocional com imagem do jogo de xadrez para cegos. À direita, vista da exposição créditos

BRAGA; COSTA; BASSANI (2011) e banco de imagens do autor.

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Assim, a equipe também constitui o público e, no caso das exposições de design, “os professores e os estudantes refletem sobre a sua identidade” – parafraseando o professor Marcos Braga (2011), um dos responsáveis pela organização da FAUForma: designers – além de possíveis caminhos, ainda para serem traçados.

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Estes fatores configuram a exposição como atividade pedagógica, que contribui para que estudantes e profissionais estabeleçam um diálogo reflexivo sobre a produção na área. O envolvimento de instituições públicas para a realização de exposições de design, dos centros culturais aos museus, das universidades ao apoio de órgãos como o Ministério da Cultura, descortina uma era na qual a profissão passa a ser reconhecida como estratégica para o bem estar coletivo. Esse (re)conhecimento também passa pelo espaço de crítica e formação da exposição de design.


autor Gustavo Cossio é designer e Mestre em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professor do Curso de Design da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo - RS. referências BASSANI, J. A organização da exposição FAUForma: designers. Entrevista ao autor. São Paulo, 20 de setembro de 2011. BRAGA, M. C. A organização da exposição FAUForma: designers. Entrevista ao autor. São Paulo, 19 de setembro de 2011.

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BRAGA, M. C.; COSTA, Z. C.; BASSANI, J. (orgs.) FAUForma: designers: mostra dos primeiros graduados do curso de design da USP = FAUForma: designers: exhibition of the first graduates in USP’s design course.

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Vistas da exposição FAUForma: designers créditos

Banco de imagens do autor.


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São Paulo: Blücher, 2011. BORGES, A. A celebração do melhor momento do design brasileiro. In: III Bienal Brasileira de Design. BORGES, A. (Org.) vol 1, 1ª. ed., Curitiba: Centro de Design Paraná, 2010.

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COSSIO, G. Design de Exposição de Design – três estudos sobre critérios projetuais para comunicação com o público. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PGDesign/UFRGS, 2011. FERNÁNDEZ, L. A.; FERNÁNDEZ, I. G. Diseño de Exposiciones: concepto, intalación y montaje. Madrid: Alianza Forma, 2010. FERRARA, L. D. Design em espaços. São Paulo: Rosari, 2002. FERREIRA, E. O projeto da exposição FAUForma: designers. Entrevista ao autor. São


Paulo, 17 de setembro de 2011. NOBORU, A. O projeto da exposição FAUForma: designers. Entrevista ao autor. São Paulo, 17 de setembro de 2011. SUDIJC, D. A linguagem das coisas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010. Entrevista do Professor Eddy para a Revista Ciano vol.2, número 2, ano 2012. 69


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Maior congresso na América Latina na área do Design, é um evento bianual voltado para a discussão da pesquisa e ensino de design no Brasil. Este evento científico vem se apresentando como um importante fórum de divulgação e discussão de questões pertinentes ao avanço do conhecimento resultante de pesquisa aplicada e pesquisa básica na área do design.


Dias 10, 11, 12 e 13 de Outubro Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Campus Universitário do Bacanga Centro de Ciências Exatas e Tecnologia (CCET) Av. dos Portugueses, s/n, Bloco 6, sala 216 – CEP 65085-580 São Luís – MA

peddesign2012.ufma.br

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História e design por um caminho inverso

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Marcos Beccari ilustrações

Guilherme Henrique (1)

Killing Time: the autobiography of Paul Feyerabend. Chicago: University of Chicago Press, 1996, p. 163, tradução minha.

“Eu evito análises sistemáticas: os elementos se arranjam bem, mas o argumento propriamente vem do espaço sideral, por assim dizer, exceto se for conectado com as vidas e os interesses de indivíduos ou grupos. Por certo, eles já têm essas conexões, de outra forma não poderiam ser compreendidos, mas elas ficam escondidas, e portanto, estritamente falando, toda análise sistemática é uma fraude. Porque então não evitar a fraude usando as histórias diretamente?” – Paul Feyerabend (1). Em qualquer tipo de estudo ou discussão sobre o ser humano, recorrer a fatos históricos

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(2)

Cf. QUINTAVALLE, A. C. Design: o falso problema das origens. In: Design em aberto: uma antologia. Centro Português de Design: Lisboa, 1993. 74

(3)

De acordo com o autor (idem), o problema da forma ligado à função sempre existiu e a noção de “objeto industrial” é bastante ambígua (e existente desde os gregos e romanos).

e a aspectos contextuais que os circunscrevem é um argumento que não costuma falhar. Contra esse artifício histórico-cultural, temos outro (mas que provém do mesmo): o recorrente discurso “antiessencialista” que diz que todas as formas sociais, ideológicas e culturais são históricas, contingentes e relativas – todas, exceto aquelas que sustentam esse discurso. Especialmente no Design, não é novidade dizer que não há somente uma história do design, mas sim várias histórias do design que se baseiam, cada qual, nesta ou naquela ideologia (2). Significa que a Bauhaus não inventou o slogan da forma que segue a função, o design não está necessariamente atrelado à produção em série e a própria industrialização moderna talvez não tenha influenciado de modo significativo os projetos de produtos (3). Mesmo assim, há uma obsessiva valorização histórica no campo do Design: seja como


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argumento moral ou simplesmente como “repertório formal”, acreditamos na História do Design acima de tudo. O que me incomoda nessa história é que, mesmo quando encarada como contingência de si mesma (escrita pelos vencedores), corremos o risco de assumir que houve uma história no passado e que agora não há mais história nenhuma. Arriscamos esquecer que, nas palavras de Slavoj Žižek (4), “só há história na medida em que persistem resíduos de essencialismo a-histórico”. 77

(4)

Primeiro como tragédia, depois com farsa. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 31.

O essencialismo reside precisamente na crença de que a verdadeira história existe somente em nível de “verdade-sem-significado”, seguindo a lógica de que ninguém pode mudar aquilo que já aconteceu. É uma lógica equivocada. Mudamos a história toda vez que ela nos muda – ela é, para nossas histórias particulares, um reservatório de significado, assim como o inverso. Mas a grande obsessão histórica é acreditar literalmente nela, o que nos leva a crer que o presente, se não for o melhor dos


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mundos possíveis, é o menos pior (ou o mais evoluído), de modo que “repetir a história” só poderia piorar a situação. O paradoxo é que a crença na história é a própria causa da suposta ameaça de a história se repetir. A história exige fé. E eu acredito na história. Sou da opinião, inclusive, de que a humanidade anda em círculos (5) (onde redescobrimos algumas quinquilharias que chamamos de “avanços técnicos”), mas sem jamais sair de um mesmo solo afeto-narrativo. Ademais, parafraseando nosso eterno Fiodóro, “se não existe história, tudo é permitido”.

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(5)

Cf. O riso de quem anda em círculos, texto do autor: http://wp.me/p14i7VS7

Mais importante do que a história, entretanto, é a maneira como a contamos: o design das histórias. Se o conceito de história refere-se a uma “eternidade circunstancial” – um infinito que só pode ser assim entendido por homens vivos e finitos –, limitações do ato narrativo são inevitáveis. No entanto, essas limitações


também podem funcionar como uma bússola para orientar nosso olhar e mesmo para ampliálo em direções novas. Explico.

(6)

“Invenção” no sentido antropológico de Roy Wagner: “Nós, antropólogos, não acreditamos nas coisas; nós acreditamos a partir delas”. Cf. http://issuu.com/ cosac_naify/docs/ roy_wagner

A partir do momento em que algo já aconteceu, nós tendemos a negligenciar por completo alguns aspectos e a enaltecer outros. Reinventamos o passado para que ele nos pareça mais verdadeiro. De modo semelhante, nós designers atribuímos expressão (forma e significado) às coisas, de modo a torná-las passíveis de comunicação. Quando fazemos design, estamos contando uma história, e quando contamos uma história, estamos a inventando (6). Assim, de um conjunto finito de configurações possíveis surgem infinitos modos de comunicação. A história nos serve como potencialidade latente de um “hoje” a ser inventado. Tudo não passa de imaginação: além de atribuirmos novas disposições ao que já aconteceu, questionamos sobre o que

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poderia ter acontecido (e que talvez não tenha sido observado). Em resumo, acredito que o design é um potencial imaginativo inerente ao homem, sendo a história uma das possíveis realizações desse potencial.

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A maior dificuldade é a de imaginar o imaginado. E desta responsabilidade o discurso “antiessencialista” se isenta: reduzir a história a uma contingência de si mesma implica reafirmar certa solenidade intocável do passado, evitando assim substituí-lo por uma nova narrativa (a negação de critérios é um critério também). Acontece que o ontem pode ser muito parecido com o hoje e com o amanhã – e geralmente não é nada do que estávamos esperando. Mesmo assim, levamos algumas histórias conosco. Elas nos fazem lembrar quem somos e o que queremos ser um dia. Elas nos dizem o que fazer e como navegar neste mundo.


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Não podemos esquecer, contudo, que somos nós que as inventamos. Afinal, conforme nos ensina um famoso ditado junguiano, “todas as verdades tendem a mudar, e somente aquelas que mudam permanecem verdadeiras”.

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ilustrações Guilherme Henrique, portifólio em: guilhermeh.tumblr.com

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autor Marcos Beccari é graduado em Design Gráfico e (quase) mestre em Design, ambos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Interessa-se por Filosofia, Psicologia, Ficção Científica, Tarot e outras conspirações, o que o levou a pesquisar sobre Filosofia do Design e a encarar o designer como um “articulador simbólico”. Atualmente coordena o blog Filosofia do Design, além de participar do projeto AntiCast e colaborar com os blogs Design Simples e Formas do Consumo.

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PITU 2025, um plano oculto e solitário

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por

Lucas Colebrusco

Encontro-me atualmente desenvolvendo o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para me formar em Design na Universidade de São Paulo. “Repensando a indústria automotiva e sua relação com a cidade”, esse é o título do trabalho. Não sei se é o que se espera de um designer, mas para mim faz muito sentido. Escolhi a profissão pensando em projetar carros, mas, para estudar, me mudei para São Paulo, onde carros deveriam ser a última prioridade. E isso se repete por centenas de grandes centros urbanos pelo mundo, se tornando um problema mundial. Tendo a cidade de São Paulo como objeto de estudo,

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durante a fase de pesquisa entrei em contato com o PITU 2025 – Plano Integrado de Transportes Urbanos da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Governo do Estado de São Paulo, uma luz em meio aos absurdos que incentivam a venda de mais automóveis na cidade.

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“Enquanto muitas cidades no mundo apostam no fim do automóvel, por seu impacto ambiental baseado no individualismo, e reinvestem no transporte público, mais racional e menos impactante, São Paulo continua a promover o privilégio exclusivo dos carros.” (WITAKER, 2012). Porém, provavelmente você nunca tenha ouvido falar em PITU. Diferente de como deveria ser, o projeto não conta com o apoio nem com a participação da população. Apesar de estar disponível, não está amplamente divulgado.


Segundo Norman, “quando alguém toma decisões sem explicação ou consulta, as pessoas não confiam nem gostam do resultado, mesmo que o procedimento seja idêntico ao que elas fariam depois de discussões e debates.” (NORMAN, 2007 - p.13). João Whitaker, em seu texto São Paulo vai morrer para O Correio da Cidadania, destaca que São Paulo é uma cidade onde há tempos não se discute mais democraticamente seu planejamento. O PITU se mostra um projeto isolado, que não dialoga com a população nem com a indústria automotiva, que sem dúvidas poderia potencializar sua capacidade de mudança efetiva entrando como parceira e não como problema, semelhante ao que acontece hoje no Experiments in Motion, um projeto que discute a mobilidade urbana fruto de uma parceria entre a Columbia University Graduate School of Architecture, Planning

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and Preservation (GSAPP) e a Audi (mais informações no site http://www.experimentsinmotion.com). Junto com o Sistema de transporte de passageiros, o PITU 2025 envolve diretrizes de política de uso do solo, política habitacional, de logística urbana de cargas, de financiamento expandida e de base fundiária e, por fim, de desenvolvimento. 88

O transporte focaliza as dimensões econômica, social e ambiental e está dividido em questões de infraestrutura, medidas de gestão e políticas de preços e financiamento do projeto. Algo grande e complexo. “A visão de uma cidade mais sustentável (...) só será alcançada se houver apropriada interação de várias funções urbanas, regidas pelas correspondentes políticas públicas e dinamizadas pelas forças de mercado. Para obter esses resultados novas estratégias


podem e devem ser mobilizadas, usando tecnologias e instrumentos mais poderosos.” (SECRETARIA DOS TRANSPORTES METROPOLITANOS, 2006 - p.6). Na prática, o PITU 2025 visa remodelar a logística urbana de cargas, expandir a rede de Metrô, acrescentar “Terminais Chave” na cidade providos de estacionamentos e recursos de tecnologia da informação e de programação operacional. Procura também melhorar o deslocamento dos pedestres e ciclistas nas proximidades das estações e terminais, e fazer uso dos pedágios urbanos como ferramenta para desestimular o uso do transporte individual motorizado (automóvel). O projeto é definido como um processo permanente que sofre constante atualizações, mantendo os seus objetivos básicos. No entando, a última publicação data de dezembro de 2006, em um formato

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de relatório que está no site da Secretaria dos Transportes. Consideremos agora que estamos em 2012 (6 anos depois da última publicação) e que um site, e não um relatório, poderia ser um formato muito mais adequado a um projeto que se propõe a ser constantemente atualizado e colocado em discussão.

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Retomando a justificativa do meu TCC, não sou ingênuo ao ponto de achar que isso tudo é design. Mas a questão é que é também design. Um projeto complexo como o PITU envolve planejamento urbano, engenharia, gestão de sistemas... e, do design, engloba comunicação visual, serviços e produtos. Caio Vassão afirma que construir o ambiente urbano não é necessariamente sair construindo mais edifícios na cidade (Palestra Ecologias de Interação: Criando o Ambiente Interativo Futuro, ISA11, 2011). Eu acredito que fazer design não é necessariamente projetar um carro novo. Um novo conceito de mobilidade


urbana se faz necessário e está sendo colocado em pauta no mundo todo. As novas soluções afetam diretamente o papel do designer, modificando consideravelmente todas as fases de seu trabaho: pesquisa, requisitos de projeto, metodologia, soluções, processo de produção e comercialização.

autor 91

Lucas Colebrusco é graduando no curso de Design da USP, participou do Projeto Revale, atualmente trabalha com mobiliário e tem interesse por design de produto, inovação e tecnologias.


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referências

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Experiments in Motion http://www. experimentsinmotion.com/ (acessado dia 30/05/2012). NORMAN, Donald. O design do futuro. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. SECRETARIA DOS TRANSPORTES METROPOLITANOS. PITU 2025 - Plano Integrado de Transportes Urbanos. São Paulo, 2006. Disponível no site: http://www.stm.sp.gov. br/ (acessado dia 28/04/2012).


WHITAKER, João. São Paulo vai morrer. Correio da Cidadania. São Paulo, 2012. Disponível no site http://www.correiocidadania. com.br/ (acessado dia 01/06/2012). VASSÃO, Caio Adorno. ISA11 - Palestra Caio Vassão. 40min 55s. Belo Horizonte, 2011. Disponível no site http://www.youtube.com/ (acessado dia 20/04/2012).

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Brasilidade: origem e discurso em marcas gráficas reatando

por

Eduardo Camillo

O assunto da brasilidade no design gráfico nacional é algo que causa ainda muita controvérsia, com poucas opiniões efetivamente embasadas, e, inclusive, até pouco material publicado sobre o assunto com um conteúdo efetivamente crítico e analítico. Temos alguns livros de coletâneas de imagens e exemplos de nossa produção. Quando há algum conteúdo escrito, normalmente resume-se a afirmações descompromissadas, ou que partem de pressupostos como o “é claro que...” ou “é evidente que...”, que não demonstram de fato uma apreciação efetivamente cuidadosa sobre o tema, no máximo uma opinião formada sobre impressões.

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Em 2011 pesquisei para meu TCC uma pequena parte desse universo, que é o de marcas gráficas de eventos esportivos, como uma maneira de introduzir-me ao assunto e tentar mapear preliminarmente alguns pontos interessantes sobre o mesmo. Tentarei resumir aqui, de forma bastante esquemática, alguns resultados, em especial naquilo que concerne aos pioneiros de nosso design gráfico, constantemente citados como os primeiros designers efetivamente Brasileiros de nosso campo. Por marcas gráficas entendemos, seguindo Mariana Jorge, “um dos elementos que compõem a identidade visual de uma organização, produto ou serviço. Faz parte do plano físico dessa identidade”, e que compreende “(...) designar o conjunto de símbolo e logotipo”. Escolheu-se o recorte de Marcas Gráficas para iniciar o estudo e tentar, posteriormente, ampliar seu escopo a outras manifestações gráficas.


Por brasilidade entendemos as manifestações gráficas que identificam o design por brasileiro com características que deveriam remeter de maneira exclusiva e bastante difundida os trabalhos de nossos designers. Com o objetivo de identificar os primórdios desse discurso (pois não chegamos a analisar uma ontologia, ou seja, se existe uma real adequação entre o conteúdo dito brasileiro e o homem brasileiro em si, portanto, detivemo-nos apenas nos aspectos discursivos da mesma, daquilo que se afirma por brasileiro e se usa para justificar a brasilidade dos projetos), é interessante que se lance um olhar inicial à produção daqueles que são tidos pioneiros de nosso design gráfico, e que, desde aquele período, já eram identificados como designers com um “quê” de brasileiro. Entre eles, detivemo-nos em Aloisio Magalhães, Emilie Chamie e Ruben Martins, contrapostos a João Carlos Cauduro e Alexandre Wollner, tidos como mais universais e aculturais.

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Embora de princípio seja difícil encontrar algo que se possa tomar como evidentemente brasileiro nos mesmos, como podemos perceber na imagem ao lado, um olhar mais acurado e demorado nos faz perceber que existem particularidades entre os trabalhos deles que, de fato, os diferencia de uma matriz mais Concreta e Suiça.

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Reconstrução e montagem dos símbolos pelo autor.

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Os trabalhos de Aloisio possuem uma desenvoltura maior em curvas complexas e com jogos de simetria. 101

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Montagem a partir do livro “A herança do olhar - Leite, 2003â€?


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Superior: Sabo, 2011 Inferior: Montagem a partir de “Rigor e Paixão”, Chamie, 1998

Ruben Martins, por outro lado, trabalha de maneira bastante interessante com figurações e ícones de seus clientes (poucos trabalhos são abstratos, normalmente são imagens geométricas que remetem à natureza de seus clientes), e Chamie demonstrava um uso constante de linhas e trabalhos abertos (formas não fechadas, mas com linhas que indiciam um fluxo além do símbolo, como é o caso de seu logo à Jutamazon ou ao Centro Cultural São Paulo) e de movimento.

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Wollner, por outro lado, possui uma abordagem geométrica muito mais “primária” no sentido de trabalhar com formas básicas e volumes simples, recorrendo pouco à sensações de três dimensões, e mais próximo à arte concreta, movimento do qual fez parte. Cauduro é mais próximo dessa linha também, usando bastante de formas cheias, circunferências etc.

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Montagem a partir de Stolarski, 2005

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Importa, entretanto, retomar brevemente elementos da vida dos designers para se ter uma pista a sanar nosso problema. Tanto Aloisio quanto Ruben e Emilie foram autodidatas no design, e desenvolveram uma carreira artística nalgum momento da vida. Ruben antes de exercer a profissão, e Emilie e Aloisio antes e durante. Do outro lado, Wollner e Cauduro obtiveram formação acadêmica no design, Wollner em Ulm e Cauduro na FAU USP (Wollner ainda, no início de seus estudos, fez parte do movimento concreto da pintura). Há, obviamente, uma ligação clara entre a diferença de formação destes que influenciou a maneira de trabalho de cada um. Wollner e Cauduro obtiveram uma forte formação não apenas estética como também metodológica, enquanto os demais não. Se podemos, assim, identificar alguma diferença entre eles é graças a esse fator, e o que se caracterizaria por brasilidade não é nada a priori senão as idiossincrasias de projeto de cada um.


Junto a isso, observamos o contexto político. Década de 60/70, o Brasil encontrava-se sob regime ditatorial que, como nos afirma Ricardo Ortiz, procurava de alguma maneira criar um ambiente de identidade nacional que se confrontasse com os “rivais” soviéticos, de forma a estabelecer um “(...) antagonismo entre cultura ‘para todos’ ou ‘soviética’ e ‘cultura para cada um’ ou ‘democrática’” (ORTIZ, 2006). Consequente a esse interesse de diferenciação, aconteceu um processo de busca por uma identidade brasileira, em grande parte apoiada em ideias de sincretismo, convivência de antagônicos, multiculturalismo etc. Essa busca, certamente, refletiu-se no design, e aprofundou-se ao longo do tempo. Acreditamos que essas individualidades desses três designers, Aloisio, Ruben e Emilie (entre outros contemporâneos que não estudamos nessa pesquisa), tornaram-se de alguma maneira uma referência a algo

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que se almeja por brasileiro, pelo simples motivo de diferenciarem-se da linha estritamente funcionalista e concreta, como podemos observar na fala de Livio Levi sobre Ruben Martins: “Sua gráfica não surgiu no rastro daquelas suiçadas que no Brasil tem um certo sabor de neve em flocos, aos 40 graus do trópico” (LEVI, 1968). Assim, o uso de linhas, curvas complexas, “excesso” de cores (ao menos para a época), variações tipográficas além das grotescas, iconizações etc, criaram uma espécie de repertório daquilo que viria a ser o “design brasileiro”, como um código ou linguagem de brasilidade.

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Observemos nos casos ao lado, que foram estudados em nossa pesquisa.

Reconstrução e montagem dos símbolos pelo autor

Dentre os itens elencados, boa parte encontra-se em todos os exemplos, como a exaltar alguma falta de rigor

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de nossa cultura e povo, a mesma “falta de rigor” (entre diversas aspas) da produção autodidata daqueles primeiros designers que comentamos, muito diferente dos projetos ditos acadêmicos de Wollner, Cauduro e demais designers que desenvolveram-se dentro de um contexto modernista.

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Nossa hipótese é, assim, que aquilo que atribuímos ao termo brasilidade é uma espécie de código (ou unidades estandartizadas na teoria da semiótica da cultura), que precisam existir a que se identifique qualquer coisa por brasileiro. Se adequam-se de fato ao humor local, não ousamos dizer ainda, precisaríamos de um estudo muito mais aprofundado. Serve-nos, por enquanto, tudo que apresentamos para compreender a influência entre momento histórico, político, e os desenvolvimentos dos pioneiros e subsequentes da chamada brasilidade nas marcas gráficas.


autor Eduardo Camillo é designer formado pela USP, sócio fundador da Mínimo Design, idealizador do projeto Design em Artigos e editor-chefe da Revista Ciano. 111

referências CHAMIE, Emilie. Rigor e Paixão: poética visual de uma arte gráfica. São Paulo: Senac, 1998

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JORGE, Mariana. O redesenho de sistemas de identidade visual brasileiros da escola racionalista de design dos anos 1960. São Paulo: FAU-USP (Dissertação de Mestrado), 2009


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LEITE, João de Souza (org). A Herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, Rio de Janeiro: Editora Senac, Artviva, 2003 LEON, Ethel. Memórias do design brasileiro. São Paulo: Senac, 2009 MELO, Chico Homem de. O design gráfico brasileiro: anos 60, São Paulo: C. Naify, 2008

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ORTIZ, Ricardo. Cultura Brasileira & Identidade Nacional, Editora Brasiliense, São Paulo: 2006 PINI, Marilena. Designers gráficos brasileiros da década de 50. São Paulo: FAU-USP (Dissertação de Mestrado), 2001 – DVD com entrevistas SABO, André Lacroce. Ruben Martins: Trajetória e Análise da Marca Rede de Hotéis Tropical. São Paulo: FAU USP (Dissertação de Mestrado), 2011


SCHNAIDERMAN, Boris. Semiótica Russa. São Paulo, Ed. Perspectiva: 1979 STOLARSKI, André. Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil. São Paulo, Cosac Naify, 2005 LEVI, Livio. O designer Ruben Martins. In: Mirante das Artes, Etc. Nº11, Setembro e Outubro 1968, São Paulo. 113


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A exposição de design entre legitimação e subversão crítica

por

Gustavo Cossio imagem

Casa Brasil.com.br

Frequentemente mencionado quando se trata de renomados profissionais de design, Hans Donner subverte a atividade, e a exposição é parte da estratégia de auto-promoção. No primeiro semestre de 2011, o designer (sic) divulgou para a imprensa sua nova linha de móveis. Para tanto, participou de feiras de mobiliário como Casa Brasil, em Bento Gonçalves – RS, e Casa Cor, em São Paulo – SP, para as quais, além da exposição de produtos, concedeu palestras e entrevistas: Responsável pelas vinhetas de abertura da Rede Globo, Donner é um apaixonado pelo Brasil e quer levar esse orgulho nacional

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aos lares do mundo. As peças, que custarão entre R$ 800 e R$ 3 mil, são fruto de uma parceria entre o artista e a indústria Chair Brasil, de Farroupilha [no Rio Grande do Sul] (1).

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Outra reportagem menciona que: O projeto é fruto da parceria com a indústria farroupilhense Chair Brasil, especializada na produção de móveis em fibra de vidro com pintura automotiva. São poltronas, cadeiras e bases para mesa que utilizam formas geométricas e fazem alusão ao conceito da brasilidade através das cores azul, verde e amarelo (2). Ainda no mesmo ano, a empresa anunciou falência e, sob a alegação de falta de recursos financeiros, entregou as sobras dos móveis para os ex-funcionários, como parte do pagamento devido (3). Em sua entrevista para a Revista Ciano, o prof. Eddy menciona: “Os empresários que temos têm visão a curto e médio prazo, imediatista.


Ele não é empresário empreendedor”. Neste caso, não houve empreendedorismo por nenhuma das partes.

(1) e (4)

Extraído de Casa Brasil.com.br (2)

Extraído de Pioneiro. clicrbs.com.br (3)

Extraído de Móveis de Valor.com.br

Hans tirou partido de soluções óbvias, como se as cores da bandeira e o formato da bola dessem conta de nossa riqueza cultural e pudessem representar uma noção artificial de brasilidade. Além disso, os valores das peças restringem esta suposta brasilidade para poucos, especialmente pela declaração de que “quem quiser ter um exemplar não precisa substituir todo o mobiliário pela linha completa. O ideal das peças é que elas sejam tratadas como joias” (4). Ora, é bastante incoerente a sugestão de idolatrar uma cadeira, ainda mais em um país tão desigual. Seu autor demonstra ignorar conhecimentos indispensáveis ao projeto de mobiliário, especialmente sobre ergonomia e materiais. Ao se valer dos antigos estilos formais das vinhetas, fez a insólita promessa de que seria possível sentar em uma abertura de novela.

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Fonte

Na exposição, a emblemática frase “o Brasil é o país do futuro...”, e os ex-funcionários carregando sobras da fábrica, como parte do pagamento.

Móveis de Valor.com.br


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Já por parte da indústria, é notável o deslumbramento com um nome global. Além do pagamento de royalties, a Chair Brasil provavelmente teve despesas com maquinário e espaços comerciais nas feiras, com a aposta de que a assinatura de uma personalidade midiática seria suficiente para uma aceitação instantânea. O caminho do empreendedorismo, aqui, poderia ser uma pesquisa sobre as demandas de mercado. Após estudo investigativo, o designer demonstraria uma compreensão sobre a cultura da empresa e as oportunidades de desenvolvimento de produto. Neste aspecto, é possível estabelecer um contraponto em relação ao caso protagonizado por Manlio Gobbi (Porto Alegre, 1933-), designer com formação na área econômica. A partir de 1958, iniciou um processo profundo de análise dos móveis de terceiros que vendia em sua loja, no centro da capital gaúcha. Argumentou que, na maioria dos casos, faltava


no projeto daqueles produtos cumprir com os requisitos de funcionalidade, qualidade e ergonomia. Em última instância, Gobbi (2011) destaca que o cumprimento desses quesitos denota respeito ao consumidor. Assim, buscou preservar a essência estético-funcional e eliminar soluções supérfluas e, ao mesmo tempo, de custo elevado. De acordo com o designer, o gaveteiro convencional representava um custo adicional no preço final no móvel, escondia o péssimo acabamento das gavetas, sustentava sem a desejável eficiência e mascarava seu diminuto tamanho útil. Entretanto, ponderou que não poderia eliminá-las, pois constituem o melhor meio de ganhar espaço vertical sob a mesa. Em resposta a essa problemática, Gobbi narra: Criamos um gaveteiro inovador, feito em metalon que possuía incorporadas corrediças para as gavetas, formando um reticulado metálico que já funcionava como pé da mesa.

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MaGnalínea, exemplo de inovação em design de móveis. fonte

Gobbi (2011)


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Projeto MaGnalĂ­nea. fonte

Gobbi (2011)


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As gavetas foram feitas com a mesma largura do tampo principal da mesa, aproveitando ao máximo o espaço vertical disponível. Foram construídas em cedro maciço e cada gaveta era fechada, em seus quatro vértices, por malhetes (rabos de andorinha), com a parte externa arredondada e com o fundo em Duraplac branco, encaixando nas quatro faces, conferindo uma rigidez ideal ao conjunto. Fim dos pregos nas gavetas! Criamos também um tampinho com as medidas da gaveta para eventualmente esconder seu conteúdo ou, isoladamente, funcionar como prateleira no novo gaveteiro (GOBBI, 2008, p. 26). Nesse projeto, colaborou o arquiteto Günter Weimer – então recém-chegado de um estágio na Escola de Ulm – além dos arquitetos Eduardo Warlich e Armênio Wendhausen. Weimer apresentou uma proposta de redesign que mantinha as características inovadoras do produto e o grupo preparou o chão


de fábrica para produzir a MaGnalínea, uma linha de móveis para escritório. Gobbi (2011) afirma que a versatilidade do projeto resultou em uma racionalização da produção: com apenas vinte elementos básicos era possível montar 336 modelos de mesas. O Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – IPE, a Assembleia Legislativa, as agências do Banco do Estado do Rio Grande do Sul – Banrisul, e as agências da Varig no país, foram algumas das organizações que passaram a adotar a linha de produtos desenvolvidos por Manlio Gobbi e sua equipe. Em 1972, a MaGnalínea foi selecionada pelo Itamaraty para ser exposta na Feira Internacional de Lisboa – FIL e, em seguida, na embaixada do Brasil em Londres (CURTIS; COSSIO, 2011). Ou seja, essas exposições legitimaram seu projeto como um verdadeiro caso de inovação no projeto de mobiliário, ocorrido em âmbito local.

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No caso dos móveis assinados por Hans, o composto de marketing incluiu a exposição, que pouco acrescentou aos seus visitantes e, provavelmente, contribuiu para a manutenção da imagem do designer como um profissional excêntrico e manipulador.

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Devem ser questionadas as exposições promotoras dos designers society – que reforçam o estigma da atividade vinculada unicamente ao styling e ao lucro imediato. Sobre nosso contraponto, Gobbi compreende que adequação é palavra-chave em design, e respeito ao consumidor é o exemplo que Hans poderia ter seguido. Em sua subversão, na qual vaidade importou mais do que adequação, o prejuízo foi dobrado: para os trabalhadores daquela fábrica e para uma acepção de design genuinamente brasileiro, pautado pela ética e orientado às reais necessidades.


autor Gustavo Cossio é designer e Mestre em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professor do Curso de Design da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo - RS. referências CURTIS, M. C. G.; COSSIO, G. Manlio Gobbi, um pioneiro do mobiliário no Rio Grande do Sul. Anais do Desenhando o Futuro – Congresso Nacional de Design. Bento Gonçalves: SENAI/CETEMO, 2011.

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crítica

GOBBI, M. Designare, um sonhar acordado. In: Pensando Design 2, BOZZETTI, Norberto e BASTOS, Roberto (org.), Porto Alegre: Ed. Uniritter, 2008, pp.14-49. GOBBI, M. Design e Tecnologia: resgatando ícones de inovação em móveis para escritório via arqueologia industrial. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Design, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PGDesign/UFRGS, 2011. 130

Entrevista do Professor Eddy para a Revista Ciano vol.2, número 2, ano 2012.


foto: Danilo Hideki 131


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Regulamentação da profissão de designer: A agenda positiva matéria

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Ernesto Harsi imagem

Sessão de Votação pela Regulamentação da Profissão de Designer, em Brasília créditos

Canal de Bruno Porto no Youtube

Como eu estou escrevendo para uma revista de designers não vou aqui entrar na definição do que é um designer. Não vou me estender a respeito da multiplicidade de origens da atividade do design, seja vindo de artesãos e artistas, sendo descendendo diretamente de arquitetos, engenheiros e grandes inventores ou mesmo da atividade de pessoas comuns que fazem seus objetos de uso próprio ou passam suas mensagens visuais com recursos imediatamente a seu dispor. Também seria talvez redundante lembrar que com a Revolução Industrial e a necessidade de uma interface entre o “artista” e a produção,

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surgiu um profissional especializado com metodologias e habilidades específicas, estes sendo formados por escolas destinadas à sua preparação para o trabalho.

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É justamente por esse aspecto multidisciplinar que é impossível reservar o mercado dessa atividade exclusivamente a um tipo de profissional. Arquitetos, engenheiros, publicitários, artistas plásticos e artesãos têm algo em comum, e podem realizar alguns aspectos particulares do ofício do design. Da mesma forma, não podemos impedir um leigo de projetar um objeto ou peça de comunicação para um conhecido seu ou para seu uso próprio, se a responsabilidade desse projeto é limitada. As consequências e a avaliação da adequação desse projeto feito dessa forma “amadora” são de responsabilidade de quem encomendou, do mercado, e não da sociedade como um todo.


Para quê regulamentar então? A resposta está na importância cada vez maior desse profissional especializado na economia e na competitividade do país. Não só na economia criativa, cultural, mas na economia de mercado e na atividade dos serviços públicos e sociais. A regulamentação é um reconhecimento de que é necessário um profissional específico e bem preparado para muitas das atividades prioritárias que constroem o bem estar da população e a pujança de sua economia. Não temos que impedir que outros façam design, mas mostrar que para os casos de necessidade de grande conhecimento específico temos um profissional que é formado, reconhecido e registrado adequadamente nos órgãos competentes. Hoje, por causa das leis em vigor, em muitos casos não se pode contratar designers em licitações públicas, ou como profissionais específicos em concurso para órgãos públicos, porque para certificação de responsabilidade

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profissional exige-se um registro profissional em conselho da área. Isso só com regulamentação é possível. O designer regulamentado, caso queira, ou precise, poderá obter seu registro profissional necessário para participar de concorrências públicas na área, para ser perito em assuntos relativos a design, para poder assinar um termo de responsabilidade técnica por um projeto. 136

A regulamentação equipara o designer formado a outros profissionais de projeto (como arquitetos e engenheiros) que já têm essas prerrogativas. A regulamentação, tal como está sendo proposta, só vai alterar a vida profissional do designer nos seguintes aspectos: só poderá se identificar como designer quem estiver formado em cursos de graduação na área, ou quem possa comprovar que já atuava


profissionalmente com isso no momento da regulamentação e tiver o registro aprovado. Todos os outros, arquitetos, engenheiros, artistas plásticos, publicitários, artesãos, leigos, não serão impedidos de fazer os projetos de design que quiserem, mas não poderão se identificar como designers. Também só poderão ter o nome Design na denominação de suas empresas, aqueles que tiverem a maioria dos sócios como designers. Mas ninguém impedirá que um escritório de arquitetura faça um projeto de sinalização, ou um conjunto de mobiliário urbano ou institucional. A regulamentação não trará nenhuma desvantagem para quem é formado ou já atua, além do “trabalho” de ter que se registrar no Ministério do Trabalho em um primeiro momento ou no futuro Conselho de Design que vier a ser criado. Quanto a ser obrigado a se registrar, mesmo sendo formado na área, para se denominar designer, essa questão

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“Grupo que elaborou a minuta que foi transformada em projeto de lei e apresentada pelo Deputado Penna, agora em tramitação no Congresso” créditos

“Regulamentem o Designer Já“ - no Facebook

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ainda está em aberto e sendo discutida nas alterações que estão sendo propostas no texto inicial apresentado.

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Se reservarmos todas as nossas atividades somente aos designers, estamos impedindo outros, com pleno direito de exercerem seu ofício, de trabalharem. Isso seria totalmente inconstitucional. Motivo suficiente para ter o projeto vetado. Portanto esses não são nossos objetivos e temos que ter uma lei bem genérica, aberta em relação às especialidades e que não vá de encontro a outras profissões com sobreposição de atividade. Se não vamos impedir também que até leigos façam projetos de design, não podemos também ter em nossa lei mecanismos para punição de “exercício ilegal da profissão” para esses casos. O artigo que cita esse aspecto no projeto está sendo alterado em sua redação para dissipar dúvidas a respeito. Só estará ilegal quem


não tiver os requisitos necessários e se denominar designer. Para aqueles que têm em seus diplomas nomenclatura profissional mais antiga como desenhista industrial, programador visual e outras especializações já existentes, está previsto o reconhecimento dessas especializações também. A regulamentação não limita nenhuma designação futura de especialidade de design, desde que esteja sob o “guarda-chuva” ou do design de produto ou do design gráfico. Tem design no nome e é reconhecido pelo MEC, é designer. Design de interiores é outra área, que está em outra linha paralela, não é coberto por esse projeto, pelo menos não na forma atual do texto. Nossa agenda é positiva, não de exclusão. De agregar valor à profissão especializada, de reconhecimento legal dessa especialização, não de impedir qualquer um de exercer o ofício que quiser livremente como prevê a Constituição.

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Com a criação futura de um Conselho específico podemos cuidar melhor de especificidades do exercício profissional, valorizando no longo prazo o designer como profissional especializado e bem preparado. A formação desse futuro Conselho partirá de outra lei e terá que obedecer todos os procedimentos legais para isso. Os futuros membros eleitos desse Conselho serão profissionais reconhecidos como designers ou por sua formação, ou por atividade na área, comprovada no momento da aprovação da regulamentação. O projeto de lei da regulamentação do designer (PL 1391-2011) já foi aprovado pela Comissão de Trabalho e está neste momento sendo discutido na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara de Deputados. Neste exato momento são discutidas algumas alterações para tirar ambiguidades do texto, em conjunto com o relator e o proponente, o deputado Penna.


acompanhe o andamento do projeto

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Regulamentem o Designer Já!

Em seguida, segue para votação na Comissão. Se aprovado, segue para o Senado, onde passa pelas mesmas comissões, indo depois disso para sanção presidencial. Muitos são os obstáculos ainda, muitos são os “lobbies” de pessoas desinformadas ou mal-intencionadas, mas a luta continua. Temos pessoas de várias associações de design presentes em Brasília fazendo o corpo-a-corpo com os parlamentares para não deixar a peteca cair e nem desviar de seu caminho. autor Ernesto Harsi é Designer, diretor de relações institucionais da ADP – Associação dos Designers de Produto.

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eharsi@gmail.com / facebook.com/ernesto.harsi

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“Em edição de exposição, nos surge, a tempo, o resultado do Concurso do Cartaz do Prêmio Design MCB. Concurso tradicional para um prêmio tradicional, temos como vencedor o trabalho da Oficina Free. Para mais informações, remetemos a este link que dá conta de explicar os detalhes mais burocráticos. Aqui, cabe apenas o comentário: este trabalho efetivamente quebra com uma constante na linha de cartazes dos últimos prêmios, em diversos sentidos.

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Eduardo Camillo

Não a considero uma peça de design: não há presença efetiva de seus critérios de projeto. Talvez algo como uma obra, uma composição, algo que está muito mais pra lá, nas artes plásticas, do que pra cá, no design. Conceitualmente, até onde observei, é muito interessante de fato: usa a linguagem visual da conhecida e cultuada escola suíça, que para alguns é sinônimo do funcionalismo no design gráfico.


Como tipografia, a Helvética, para datar mais ainda o projeto. Dentre os dizeres, escolhe-se destacar as letras “USE” da palavra “MUSEU”. Julgo correto o entendimento do juri: “(...) extrair da palavra MUSEU uma premissa fundamental de todo objeto de design: a sua usabilidade”. O que eles não comentam, entretanto (não sei se conscientes ou não), é uma sutil ironia que, de tão fina, só posso crer que foi premeditada: se por um lado poder-se-ia criticar (crítica essa que fiz a priori mas que fui convencido do contrário logo depois) a contradição de um cartaz de linguagem funcionalista e que exalta a usabilidade, porém usa cinza claro sobre branco (ou seja, leitura zero), por outro, vemos que as palavras ressaltadas são USE no ceio do MUSEU. Se a brincadeira não está clara, explicamos. Difícil contradição maior em exposições de design do que a impossibilidade do visitante utilizar, manusear, experimentar, os trabalhos expostos (eu mesmo já sofri desse embate na exposição FAU Forma: Designers, optamos

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pelo não-uso). O objeto eleva-se à aura de obra de arte, passível apenas de admiração. Não quero aprofundar o assunto, mas apenas citá-lo. É posta em suspensão, de alguma maneira, a função de fato de uma mostra de design e do papel do museu na aura que se agrega ao projeto (o convidado da edição Gustavo Cossio aborda o assunto em seu texto, não cabendo a mim prosseguir). Fica apenas a pulga atrás da orelha: sabia o Juri, de fato, o que estava endossando, a uma crítica bastante afiada aos tradicionais moldes de exposições de design, justamente na maior casa do maior prêmio de design do Brasil, o Museu da Casa Brasileira? Na exposição do ano passado (2011) algumas peças já podiam ser tocadas. Será que, desta vez, para o deleite do público, se universalizará tal proposta? A crítica implícita será efetivamente assumida pelo Museu?

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Assistiremos.


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