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A saúde e a doença nos países em desenvolvimento tem consequências para o mundo inteiro

Catarina Garcia1

1 . Aluna do Mestrado Integrado de Medicina – Universidade do Algarve

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a46845@ualg.pt O Eletivo foi desenvolvido durante 8 semanas em duas instituições: Clínica de Radiologia de Albufeira e Hospital Dr. Ayres de Menezes, Hospital Central de São Tomé e Príncipe.

Se me questionar, para além do contexto de pandemia que vivemos, qual o impacto deste Eletivo na carreira médica, penso que devo dividir em duas grandes componentes.

1. Duas lições importantes a retirar do estágio em Radiologia são que a história clínica é o fio condutor da interpretação de qualquer exame imagiológico e que o doente é sempre a prioridade. A relevância dos achados radiológicos tem sempre que ter em conta a história clínica de forma a não comprometer a utilidade do exame para o diagnóstico. Para além disso, a explicação do exame ao doente – que deve incluir benefícios, riscos e procedimento - e a sua adequação às particularidades do indivíduo é fulcral para o estabelecimento de uma relação médico-doente efetiva, bem como para diminuir a iatrogenia e os gastos em saúde.

2. Devido à falta de especialistas em São Tomé e Príncipe (STP), o funcionamento dos serviços do hospital é assegurado principalmente por médicos santomenses indiferenciados que se empenham diariamente na melhoria contínua dos cuidados ao doente. A presença de equipas médicas internacionais no país e a frequente rotatividade dos médicos especialistas estrangeiros representam uma barreira à comunicação e à criação de espírito de equipa. No entanto, essa multiplicidade de vivências contribui para a tolerância cultural e fomenta o debate de ideias e a discussão de diferentes abordagens clínicas. Uma das convicções reforçadas durante o estágio foi de que um bom médico não resulta apenas da experiência clínica, mas também da capacidade de reconhecer e ultrapassar limitações (no conhecimento e nas competências) e de comunicar eficazmente com os membros da equipa. O Eletivo representa uma experiência diferenciadora na formação do estudante de medicina ao permitir-lhe alargar horizontes, confrontar-se com realidades distintas e desenvolver-se como indivíduo. A vivência de STP e a interação com a comunidade foi indubitavelmente o aspeto mais impactante neste Eletivo, pelo contacto com uma identidade cultural diferente, com uma visão própria da doença e da morte. O contexto de uma população não pode ser descurado, pois tem consequências na sua relação com os cuidados de saúde.

Aqui as clínicas de radiologia são entidades privadas que garantem a realização dos exames imagiológicos dos cuidados de saúde primários, uma vez que as instituições públicas não a conseguem assegurar. Contudo, nalgumas situações estão limitadas no seu trabalho. Por inexistência de equipas médicas específicas – que apenas existem nos hospitais – não estão habilitadas a realizar sedação de doentes (muitas vezes necessária na população pediátrica) ou administração de radiofármacos em doentes com maior risco de reação anafilática. Estes casos são encaminhados para os hospitais públicos. Contudo, os próprios serviços de imagiologia públicos estão assoberbados e sem capacidade de assegurar a realização atempada dos exames hospitalares. É importante refletir sobre este tema e questionar se a área de atuação das clínicas de radiologia terá de ser alargada de forma a dar uma resposta a todos os cidadãos.

Olhando para os cuidados de saúde de STP é difícil não observar semelhanças com a realidade portuguesa de há décadas atrás. Hoje curam-se condições patológicas que há 50 anos não tinham qualquer opção terapêutica, o que é possível graças à evolução técnico-científica e ao investimento feito na saúde. Há que reconhecer que apesar das falhas do SNS português - que devem ser avaliadas e, sempre que possível, corrigidas – este garante a todos os cidadãos, independentemente dos seus recursos, acesso a cuidados de saúde de qualidade. Por falta de recursos, em STP, algumas condições médicas relativamente comuns, como a insuficiência renal ficam sem resposta. Para um estudante de medicina português esta é uma realidade chocante. Felizmente, as missões internacionais de cooperação fazem um importante trabalho, respondendo às maiores necessidades da população e limitando estas situações. Contudo, esta ajuda também deve fornecer ferramentas aos governos para que continuem este trabalho e invistam na saúde. Importa não esquecer que a saúde – ou melhor, a doença – nos países em desenvolvimento tem consequências para o mundo inteiro. Esta é uma das lições aprendidas com a COVID-19.