Do outro lado da linha

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expediente

@jornalesquina

Brasília, DF

Opinião

setembro • 2015

Brasília, DF

Área RUAL

setembro 2015

carta ao leitor

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@jornalesquina

Cidadania

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Do outro lado da linha

Foto: Vinicíus Brandão

Moradores de comunidades no entorno sofrem com incômodos viários e descaso do Governo do DF

Tainá Arantes

tainareis_a@hotmail.com

Cartas aos leitores

Este é um espaço para registrar impressões, comentários, informações e debates críticos a respeito da nossa produção que tem finalidade pedagogica.

Os refugiados, os isolados, as prostitutas... Produzir essa edição do Jornal Esquina foi como se reinventar a cada linha. Nós, novos repórteres, ao descobrirmos o jornalismo como rumo para o resto de nossas vidas, percebemos que o glamour ou os preconceitos que encarávamos ao vermos séries de televisão e filmes não passavam de apenas ficção. Nesse estágio do curso, já abandonamos essa ideia do prestígio e começamos a apreciar mais dessa realidade: aquela que funciona em nossa volta e da qual a minoria conhece. Assim, começamos a usufruir do mundo aquilo que ele nos dava de melhor: um universo cheio de pessoas diferentes com histórias emocionantes, incríveis, revoltantes ou exemplares para contar. Dar voz a quem não tem voz é mais do que um oásis a se perseguir. Sair de uma bolha de conforto, em salas de aula de faculdade, trajetórias privilegiadas nas quais passamos a vida inteira para desbravar todas as realidades (muito) diferentes que nós ainda não conhecíamos. Nas próximas 31 páginas, não só viramos contadores de histórias de brasilienses (vindos de tantos lugares), como também mergulhamos de cabeça em cada personagem, cada fato e descoberta.

Nós, deficientes, e com lágrimas nos olhos

Depois que o jornal se encerra (será que termina?), vamos levar um pouco dessas pessoas que conhecemos dentro de nós mesmos. Esses são os relatos dos refugiados, dos isolados e das prostitutas. Dos excluídos e dos indefesos. Daqueles que não têm vez. Cada vez que um jornal é publicado torna-se a vez de alguém, é nossa chance. São pessoas que carregaram suas malas e foram atrás de seus sonhos em novos lugares. Em meio a tantas histórias que queremos contar, aprendemos que escrever um pouco sobre os outros é se redescobrir cada vez mais. Para nos encontrarmos como jornalistas e como cidadãos, precisamos nos “perder” no mundo dessas narrativas. Como leitor, convidamos você a se perder por essas páginas. Elas vão lhe mostrar um universo completamente diferente. Nesta edição, há tantos universos que podem ficar exatamente como os encontramos, nossa maior angústia. Mas pode ser que não. Se as páginas completas alteram cenários, cada novo olhar pode encontrar também os caminhos que antes eram apenas sombrios. Fazer jornalismo pode ser uma lanterna. Que seja, então, para refugiados, isolados, prostitutas...

REITOR GETÚLIO AMÉRICO MOREIRA LOPES VICE-REITOR EDEVALDO ALVES DA SILVA PRÓ-REITORA ACADÊMICA ELIZABETH MANZUR PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO GABRIEL COSTA MALLAB SECRETÁRIO GERAL MAURÍCIO DE SOUZA NEVES DIRETOR DA FATECS JOSÉ PEREIRA DA LUZ FILHO

Feche os olhos e tente andar mais do que cinco metros em algum lugar conhecido, como a sua casa. Mas não abra. Seria, por certo, uma aflição. Imagine agora amarrar uma venda permanente e passar por lugares que nunca andou antes. Em outro dia, tampe os ouvidos e tente se comunicar com alguém. Também não será tarefa das mais simples. No entanto, todos os dias o Brasil da maioria ignora, de diferentes formas, quem tem qualquer tipo de limitação. Fecham os olhos, mesmo com eles abertos. Tampam os ouvidos, mesmo escutando somente o que interessa. A equipe do Jornal Esquina trata sobre os descuidos de cidadania na editoria de “inclusão”. Com tanto desrespeito, bem que poderia se chamar também de “Exclusão”. As reportagens do caderno tentaram mostrar as dificuldades em acessibilidade no Distrito Federal, contar as histórias das pessoas ditas deficientes e acompanhar iniciativa que incentivam a inclusão. Descobrimos um grupo de deficientes auditivos que são músicos. Agitam os palcos com a percussão e ritmos. A equipe descobriu como o esporte pode ajudar pessoas com síndrome de down a se socializarem. Acompanhou uma rede pública sedenta de conhecimento, mas sem estrutura para os estudantes. Revoltou com a falta de acessibilidade na saúde. Pais cegos têm que recorrer a terceiros para poder dar medicamento que só existe em gotas para os filhos.

COORDENADOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HENRIQUE MOREIRA PROFESSOR RESPONSÁVEL LUIZ CLAUDIO FERREIRA MONITOR DE DIAGRAMAÇÃO FERNANDA ROZA MONITOR DE ARTE LARISSA ROCHA NABIL SAMI

Esquina teve diante de si um mundo sem acessibilidade para os excluídos. Mesmo assim, os deficientes também fomos nós. Assumimos que fomos cegos diante às necessidades deles. Fechamos os olhos para uma outra realidade. Nós abrimos os ouvidos, mas ainda ineficientes em dar voz a todos os pedidos de inclusão. Nos surpreendemos em pensar que deficiência auditiva e música não podiam dar certo. Mas o pior, de todas as deficiências de um veículo de comunicação ficar mudo. O Esquina não é mudo, mas ainda fala baixo, muito baixo. Para aumentar os sons dos nossos pios, disponibilizamos todas as matérias do jornal em áudio no site do Esquina. Não haverá tradução para libras nos nossos vídeos. Nossos textos ainda não dialogam com pessoas com deficiência cognitiva. Com o título de porta-voz das minorias, nosso jornal tenta gritar para quem não pode ouvir. Mas ainda só escreveu para quem enxerga ou sabe ler. Nós fomos os deficientes ao publicar esse jornal com uma reduzida e limitada perspectiva de inclusão. Precisamos muito mais. Com lágrimas nos olhos ao assumir nossa falha, o Esquina pede desculpas ao leitor. Esta é uma carta. Mas poderia ser uma errata de um grupo em formação e que sabe o quanto ainda precisa caminhar. Esse é um mea culpa. Tentamos muito, mas conseguimos só um pouco. Mas saiba, leitor, que a editoria de Inclusão foi feita com carinho e lágrimas nos olhos.

EDITORA-CHEFE deborah fortuna jade abreu Editor DE cidadania adriano Nunes DANIELA NOGUEIRA Editor DE meio ambiente Tainá Arantes pRiscila viscardi EDITOR DE SAÚDE GABRIELA cAIXETA Simone cimas Editor DE inclusão jAde abreu vinicius brandão

www.uniceub.br/jornalesquina

O cenário da Comunidade Bonsucesso se assemelha a de um filme de faroeste. Um pequeno trecho de pouco mais de um quilômetro de asfalto é seguido por longas estradas de terra e quase não há habitantes. Os acessos às chácaras são precários e as identificações dos terrenos são feitas à mão. E apesar das placas que indicam a localização, e da estrada não pavimentada, a única escola do local, o Centro de Ensino Fundamental Bonsucesso de Planaltina, é difícil de encontrar. As irmãs Danielle e Simone Barbosa de 18 e 20 anos, respectivamente, reclamam das dificuldades da locomoção no local. O único transporte público que circula na comunidade é o ônibus escolar e, mesmo assim, com problemas. De acordo com elas, o caminho é longo, com muitas curvas, cheio de altos e baixos e marcado por quebra-molas improvisados. “Quando chove fica muito difícil, tem umas subidas que ele [o ônibus] não sobe porque desliza. E é muito perigoso, aqui mesmo já teve até um acidente por essas bandas aqui”, relatou Simone. Elas também contam que hidrômetros para medir o consumo de água das famílias só foram instalados há pouco tempo. “Colocaram [o hidrômetro] porque tava gastando muita água. Aí eles contaram dois ou quatro anos [de gasto de água] e muitas pessoas aqui nas chácaras começaram a pagar dois mil de água, quatro mil e até cinco mil. E isso foi um prejuízo muito grande”, contou Simone. Quando o assunto é assistência médica ou segurança pública, o desamparo é ainda maior. Conseguir sinal de telefone para pedir socorro é quase impossível. Muitas vezes os moradores precisam contar com a solidariedade dos vizinhos ou dos patrões que tenham carro e até mesmo da sorte. “Se a pessoa estiver passando mal, principalmente à noite, ela morre. Porque aqui não tem como ligar para ambulância”, disse Simone. Para fazer compras de supermercado, os moradores se deslocam até Planaltina e pedem para entregar as compras em casa. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) é responsável por construir e conservar as rodovias que ligam o Distrito Federal a outros Estados, bem como as áreas rurais. De acordo com a Técnica do DER, Ery Brandi, as demandas de asfaltamento são analisadas de acordo com a necessidade do local e outros fatores, como tráfego de carro e circulação de pessoas, são avaliados. “Tem projeto de pavimentação para regiões escolares, o Caminho das Escolas, tem projeto de pavimentação do anel viário para que caminhões de carga não entrem no DF”, completou. Ainda de acordo com Ery Brandi, as metas de pavimentação estão previstas no Plano Plurianual (PPA) e existem várias demandas sendo estudadas pelo Departamento. Porém, o único projeto é o Caminho das Escolas, que ainda está em fase de elaboração.

Morador da comunidade enfrenta dificuldades para se locomover dentro da área rural de Planaltina

dois quilômetros para pegar o transporte. São duas escolas, a Monjolo que vai até o quarto ano do Ensino Fundamental e a Palmeiras, que vai até o nono ano. O coordenador da comunidade, Francisco Cavalcante, busca uma maneira dos estudantes não terem que se deslocar tanto para concluir os estudos. “Eles disseram que vai ter [Ensino Médio] na escola das Palmeiras, que fica lá em cima. Para eles não terem que ir para Planaltina, só do nosso movimento são 22 alunos”. Francisco contou que os sistemas de água e energia, com encanamento e relógios de medição, já foram todos instalados, mas que nada funciona. Para resolver o problema da água, todo mês um caminhão pipa fornece 500 mil litros e, para a energia, a solução foi gambiarra. “Nós queremos uma conta, porque aqui nós temos o direito. Mas não tem oficialmente porque não tem conta de nada. A luz e a água são um papel importante para nós”, completou. A separação dos lotes dos moradores da comunidade foi feita por sorteio. Seu Cavalcante relata que antes todos moravam perto da estrada e, em 2008, eles passaram a ocupar as terras em que estão com a ajuda do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra): “Em 2013 nós fomos sorteados, veio o pessoal do Incra e do Governo e fizeram um sorteio. A gente colocava a mão numa cumbuca lá e tirava o nome e o número da parcela [de terra]. A minha aqui é a 25 e são 64 parcelas, 64 famílias”, disse o coordenador. O líder comunitário também contou que todos na comunidade se dizem irmãos e sempre que aparece alguma emergência,

Projeto Caminho das Escolas

Simone e Danielle saem de casa para ter Wi-Fi

todos se mobilizam para ajudar. “Ontem mesmo uma amiga nossa aqui morreu a mãe dela. Ela passou mal, 93 anos a mãe dela, e me ligaram falando que ela estava morrendo. Tem local aqui que você liga para o 192 e cai no Goiás. Não sei porque, aqui é DF. Mas depende do lugar, cai no Goiás”, finalizou. Francisco Cavalcante, 58, é casado,

O Projeto Caminho das Escolas, do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do Distrito Federal (DF), tem o objetivo de asfaltar regiões próximas a escolas em áreas rurais. Ao todo, 166 km serão asfaltados. De acordo com a Técnica do DER, Ery Brandi, o projeto não resolve só o problema de chegada às escolas. “Quando resolve o problema de acesso à escola, está resolvendo vários problemas de saída da agricultura e escoamento de produção. Não é só o caminho da escola, abrange todas as rodovias que, naquela região, vão dar acesso à escola”, finalizou. Escolas em Planaltina, Sobradinho, Brazlândia, Ceilândia, Paranoá, São Sebastião e Gama serão beneficiadas e com cobertura para cinco distritos rodoviários de responsabilidade do DER/DF. No total, 22 escolas terão suas imediações asfaltadas. Incluindo o Centro de Ensino Fundamental Bonsucesso de Planaltina e as Escolas Classe Monjolo e Palmeiras, da comunidade Marcia Cordeiro Leite. Por enquanto, o projeto ainda não saiu do papel. Foto: Vinicíus Brandão

A equipe do Jornal Esquina em dia de fechamento

As irmãs do Bonsucesso

Foto: Maria Clara Monteiro

Fernanda Roza

O

s problemas das comunidades da capital federal não se resumem a falta de saneamento básico ou iluminação pública. São muitas as dificuldades que a população mais carente enfrenta, além da falta de água encanada e rede elétrica precária. A ausência de asfalto nas vias públicas e pavimentação adequada é um tormento para as pessoas que precisam se locomover de carro ou até mesmo a pé para a sua residência ou trabalho. Esse é o caso dos residentes das comunidades Bonsucesso e Marcia Cordeiro Leite, localizadas na DF128 em Planaltina.

pai de duas filhas e agricultor. Mora na comunidade Márcia Cordeiro Leite há 11 anos e é coordenador há oito. Ele ajuda resolver problemas entre os moradores, levar as demandas da vila para as autoridades competentes e promover reuniões com as entidades que tenham interesse em ajudá-los. “Eu cheguei aqui no final dos anos 90 e em 2004 eu comecei a fazer comida para o povo e até hoje faço. Me chamaram para ajudar e já tem oito anos. Eu gosto e o pessoal aqui gosta de mim. A gente se comunica bem”, conta. Seu Cavalcante garante sua sobrevivência e a de sua família cultivando mudas de pimenta e criando galinhas caipiras para vender e fazendo bicos no Lago Sul. Ele conta que o que ganha mal dá para sustentar a família. “Não pode plantar porque o Ibram não deixa. Eu quero só um hectare para trabalhar. Dois mil metros de [plantação] pimenta dá para você viver tranquilo. Mais dois mil metros de galinha e dá para você colocar muita galinha”, finalizou. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informou, em nota, que a comunidade recebeu uma Licença Prévia – o licenciamento ambiental é composto por três licenças, a prévia, a de instalação e a de operação, uma dependente da outra – em junho de 2011, com validade de quatro anos. Portanto, atualmente, estão em situação irregular. Até o momento não foi solicitada nenhuma prorrogação e não foi atendida nenhuma das condições para permanência da Licença Prévia, caso o pedido de prorrogação fosse efetuado, e para a concessão da Licença de Instalação.

Comunidade Márcia Cordeiro Leite

Já na comunidade Márcia Cordeiro Leite, localizada na DF-031, a locomoção se torna uma tarefa complicada por causa das vias estreitas e acidentadas. Os moradores ainda dependem de fossa séptica para conseguir fazer o tratamento de esgoto. O ônibus escolar circula nas vias principais da vila e as crianças que moram em chácaras mais afastadas chegam a andar www.uniceub.br/jornalesquina

Líder da Comunidade Márcia Cordeiro Leite, Francisco Cavalcante, tenta resolver os problemas do assentamento localizada há 37km do PLano Piloto


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