Nômades por opcao

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meio ambiente caderno 2

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Brasília, DF

Saúde

Brasília, DF

Saúde

Nômades por opção

Parto como elas bem entendem

Em busca de uma vida sem rotina, brasileiros contam suas experiências em largar tudo e viajar pelo mundo

No país da epidemia de cesáreas, mulheres que optam pelo procedimento normal compartilham histórias

Daniella Bazzi

daniella.bazzi@gmail.com

Leonardo Spencer e Rachel Paganotto resolveram largar o emprego como bancários e a vida em São Paulo para cair na estrada. Hoje, a renda do casal é o blog que criaram para compartilhar as histórias de viagens Priscila Viscardi

prixviscardi@gmail.com

S

eis da manhã e toca o despertador, tem que levantar. Liga o chuveiro. Enxágua o corpo. O desjejum é só café mesmo e à moda brasileira: preto e quente. No máximo, um pingado para amenizar a escuridão da xícara. Pega o carro. Trânsito. Buzina. Semáforo. Acidente. Barulho. Congestionamento. Ofensas. Buzina. Procura por vaga. Não encontra. Para-se longe, caminha até o prédio. Chega ao trabalho. São 7h30; bate o ponto. Anda em direção ao escritório. Papéis, documentos, canetas, post its. De repartição à papelaria, as folhas empilhadas pesam na mesa. Página um, dois, 13, 40. Pausa para o café. Página 56, 78, 84. Horário de almoço: apenas um sanduíche. O chefe chama e cobra o relatório. Página 96, 101, 117. Fim de expediente. Bate o ponto. Pega o carro. Arranharam o veículo. Volta para casa. Liga o chuveiro e enxágua o corpo. É bom ir dormir. O dia foi longo e amanhã não será diferente. Quem nunca pensou em largar tudo e se aventurar pelo o mundo? Esse é o sonho das pessoas que procuram fugir da rotina e ter uma vida minimalista. Embora isso pareça uma ideia utópica ou como muitos definem ser “coisa de gente maluca”, na realidade é uma opção de vida que requer planejamento e coragem. Alguns brasileiros transformaram esse sonho em realidade. Eles trocaram escritórios e uma vida convencional para viajar e conhecer coisas novas. Hoje, sem nenhum arrependimento, compartilham suas jornadas através de blogs e redes sociais. O casal de brasileiros, Leonardo Spencer e Rachel Paganotto, ambos com 30 anos, são um exemplo de como é possível sair da mesmice e cair na estrada. Os dois, bancários, tinham uma vida confortável em São Paulo, mas não se sentiam completamente felizes. Logo, resolveram mudar radicalmente suas vidas. “Estávamos em um momento em que buscávamos reduzir, repensar, rever o que estávamos fazendo com nosso tempo, para onde estávamos indo” contou a viajante.

Estrada

Em maio de 2013, Leonardo e Rachel, saíram rumo a Ushuaia, no extremo sul da Patagônia. Criaram o blog Viajo Logo Existo, que inicialmente utilizavam para manter os amigos e familiares informados sobre suas aventuras pelo o mundo. Hoje, o blog é a principal fonte de renda do casal e é atualizado frequentemente. No espaço online, eles relatam as experiências que tiveram ao longo do caminho e dão dicas para quem pretende seguir os mesmos passos. O casal de aventureiros também publicou dois livros de forma independente, um sobre a América e outro sobre a Europa. “Sabíamos que morar no carro seria uma grande mudança, em todos os sentidos”,

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relatou Leonardo. O automóvel já percorreu diversos lugares, como países da África, México, Estados Unidos, Dinamarca e Turquia. Rachel e Leonardo mostraram que é possível percorrer qualquer lugar e que o mundo não tem fronteiras. “A impressão que nos dá é que as pessoas têm muito medo do incerto, medo do que pode acontecer quando voltarem”, comentou Rachel.

Estilo de vida

A possibilidade que as inovações tecnológicas trouxeram para o mercado de trabalho é a principal aliada nesse estilo de vida. “Ser uma nômade digital, em termos profissionais, é uma consequência e não uma causa. É uma das formas de trabalho possíveis quando não se tem uma base fixa, ou quando a base é em outro país que não o de origem.” afirma Gisele Teixeira, jornalista brasileira de 46 anos que reside em Buenos Aires. Gisele trabalha como colaboradora em sites internacionais, com sedes em Londres e Buenos Aires. “Quando me contrataram para escrever sobre viagens, pensei, é o melhor trabalho freelance do mundo”.

Blog

Luíza Antunes, Natália Becattini e Rafael Sette Câmara, são amigos de Belo Horizonte e já viajaram por mais de 30 países. Com muitas histórias a contar, decidiram criar o blog 360meridianos, onde buscam estimular as pessoas a se aventurarem pelo o mundo. Tudo começou com um intercâmbio, proporcionado pela Associação Internacional de Estudantes de Ciências Econômicas e Comerciais (AIESEC), que promove intercâmbios no mundo inteiro. Nessa época, eles não pensavam em viajar juntos, mas, por coincidência ou destino, uma empresa ofereceu três vagas na área de produção de conteúdo aos três. Em apenas dois meses deixaram seus empregos, organizaram suas coisas e partiram. “A experiência de seis meses na Índia foi muito transformadora para mim. Ampliou muito minhas perspectivas sobre cultura, relações humanas, machismo e tradições.” contou Luíza. Durante a procura do translado para a Índia, o intercâmbio se transformou em algo muito maior. Com o alto valor das passagens, eles resolveram pesquisar o custo de uma viagem ao redor do mundo. “O intercâmbio para a Índia acabou se tornando uma volta ao mundo de 10 meses” disse Luíza. Em 2011, surgiu o blog 360meridianos, que inicialmente, era só um espaço no qual eles contavam suas experiências. Ao retornarem ao Brasil, os três se mudaram para São Paulo e voltaram para uma rotina convencional de trabalho, mas não se readaptaram. “Apenas um final de semana

fora da rotina tem o potencial de gerar um grande impacto na sua vida, dependendo da forma ou intensidade com a qual você vive.” comentou Luíza.

Recomeço

Em 2013, os amigos largaram novamente os empregos. Mas tinha um detalhe que diferenciava. Os três abandonaram a carreira em escritório para sempre. Para marcar essa nova fase, eles fizeram uma viagem de 60 dias pela Europa e dedicaram integralmente ao blog. Em 2014, o 360meridianos se tornou a única fonte de renda dos viajantes. “Alguns anos atrás, era impossível pensar na possibilidade de trabalhar e viajar ao mesmo tempo. Mas agora, com o avanço cada vez maior da tecnologia, ter esse tipo de liberdade na sua vida pessoal e profissional é possível.” afirmou Luíza. Hoje, os três amigos vivem em lugares diferentes no mundo. Rafael está morando em Belo Horizonte, Luíza está em Portugal e Natália vive na Argentina e trabalha em portais de viagens famosos. Os nômades digitais continuam a se dedicar exclusivamente ao blog, de onde tiram sua renda mensal e já estão na expectativa de uma nova viagem juntos.

A impressão que nos dá é que as pessoas têm muito medo do incerto, medo do que pode acontecer” quando voltarem” Rachel Paganotto

O casal viaja de automóvel para diversos lugares. Eles já estiveram em Marrocos, México, EUA, Turquia

E

la nasceu e já veio para o meu colo. Quando olhei para ela, pensei ‘Eu consegui! Ela é linda, minha filha’”, assim Nahari Terena relembrou do momento em que viu Olga no chuveiro em que estava sentada, exausta, mas acima de tudo, encantada. A mãe da Olga, Nahari Terena, de 23 anos, conta que planejou bem a gravidez e que, inicialmente, queria ter a filha em casa. A família, contudo, não apoiou a ideia, pois ela morava em Sobradinho, longe de um hospital, e caso viesse a precisar de um, o tempo seria vital. Para ter um parto em casa, o gasto seria de R$ 15 mil. Em um hospital particular, o parto normal custaria ao menos R$ 8 mil, segundo Nahari Terena. Na Casa de Parto de São Sebastião, o atendimento é através do Sistema Único de Saúde (SUS). Lá, Nahari teve direito a dois acompanhantes. “No hospital só poderia um. Às vezes nem isso, por esse motivo também escolhi a Casa de Parto. Também tinha total liberdade pra andar, sentar”, relatou. Ela contou que uma conhecida já foi vítima de violência obstétrica. “A enfermeira, ao ver que ela reclamava muito de dor durante o parto, disse: ‘na hora de fazer filho você não sentiu essa dor, então agora aguenta’”, disse. Além disso, o fato de nunca ter sido hospitalizada também a deixava com medo em ir ao hospital. A Secretaria de Saúde reconhece, de janeiro a junho de 2015, o registro de sete óbitos maternos, sendo seis em hospitais da rede privada. Mas informa que todos esses casos estão ainda em investigação.

Foto: Blog Viajo Logo Existo/divulgação

Foto: Blog Viajo Logo Existo/divulgação

SETEMBRO • 2015

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Foto: Arquivo Pessoal

setembro • 2015

na estrada

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“No início, eu achava que parto normal e humanizado era a mesma coisa”, contou. Mas após frequentar grupos de gestantes, começou a entender que eram coisas diferentes. “A mulher vai pesquisando e reconhece se é isso o que ela quer, pois têm pessoas que não querem ou não podem. Aquele momento é do bebê, tem que pensar no bem estar do filho, também”, afirmou. “Quando comentei com uma amiga que queria fazer o parto normal ela perguntou se eu queria sentir dor, se não queria fazer cesárea”, relembrou. Mas apesar de comentários como esse, Nahari não mudou de ideia. Ela ainda queria o parto normal e humanizado. “Passamos por dores muito piores, até mesmo psicologicamente. É passar com muita força de vontade, pois o resultado é magnífico”, disse.

Pelos olhos do pai

Luís Miranda, de 33 anos, pai da Olga e professor, contou que, inicialmente, temia a ideia do parto humanizado. “Depois de pesquisar, conversar e acompanhar a Nahari nos grupos de grávidas, fiquei convencido de que era uma ótima alternativa”, contou. Para o companheiro de Nahari, foi um momento para também conhecer mais a esposa. “Eu fiquei chocado. Era como se ela estivesse em um momento de transe. Nunca a tinha visto de tal forma”, disse. Ele acrescentou que tentou acalmá-la durante o parto, fazendo massagens enquanto a esposa, que ele apelida carinhosamente de Nana, relaxava com a água quente no chuveiro. Luís contou que cortou o cordão umbilical e que em pouco tempo pôde pegar a filha nos braços. “Quando vi a cabeça saindo, foi emocionante. Aquela noção apenas abstrata passou a ser real”, relatou. Ele acredita que a gestante deva estar acompanhada por alguém de confiança. “Hoje, as pessoas tendem a terceirizar as coisas, evitam ter envolvimento. O parto, com certeza, não deveria ser terceirizado”, afirmou. Luís descreve animado

Cesárea

Nahari e seu marido Luís escolhem Casa de Parto em São Sebastião para receber a sua filha Olga e se orgulha de acompanhar o parto. “Foi muito belo, eu estava vivendo aquilo! Fiquei extremamente emocionado”, relembrou.

Casa de Parto

A chefe da Casa de Parto de São Sebastião, Jussara Vieira, 43, contou que são atendidas mensalmente 500 mulheres no local, para acompanhamento médico. Ela está no comando da única casa de parto do Distrito Federal desde o início do serviço em 2001. Segundo a chefe, a média é de 42 partos por mês. Em 2009, a gestão recrutou enfermeiros para reforçar o centro obstétrico e pediatras para prestarem assistência aos bebês. Ainda assim, desde a criação, a Casa preza pelo modelo menos intervencionista. A chefe explicou que há protocolo – que envolve fatores de risco, como o nível de batimentos, a placenta e os sangramentos – para que a mulher possa ter o bebê no local. “Apenas 8% a 10% das mulheres têm de ser removidas”, explicou.

Há diferença?

A chefe da Casa afirma que a diferença entre os hospitais e as casas de parto pode estar na abordagem e na postura profissional. De acordo com ela, a estrutura pode auxiliar, mas a intervenção deve ocorrer apenas quando necessária. “Todo parto deve ser humanizado. A humanização é o respeito às escolhas, às condições, às necessidades e fazer as boas práticas de acordo com cada parto”, afirmou. Jussara Vieira afirmou em relação à epidemia de cesáreas que o país tem vivido e que não vê mudanças a curto ou a médio a prazo. “As pessoas têm de entender que dor é diferente de sofrimento. O conteúdo negativo, em geral, é resultado de uma assistência inadequada. Falta muito para esse quadro mudar”, complementou.

Lei do Acompanhante

A Secretaria de Saúde informa que vigilância desta Lei é feita pelo Ministério da Saúde (MS), pelo Grupo Condutor Central da Rede Cegonha-DF, pelos Grupos Condutores Regionais da Rede Cegonha e pelos próprios usuários. Existem reuniões semanais dos grupos condutores, que possuem também representantes do MS, onde há um monitoramento dos partos e das situações que o envolvem, inclusive a presença do acompanhante. Dentre os 11 locais onde acontecem os partos na rede SES-DF, existe um único hospital em que não existem essas divisórias no ambiente do parto e portanto não é possível que o acompanhante esteja presente neste momento, mas antes e logo após o parto sim. Essa limitação à presença do acompanhante somente no momento do parto é explicada para a família na admissão da gestante e é facultado à mesma a opção de ter seu parto ali ou não, informa a Secretaria de Saúde.

Doular

Jaíne Lellis, 22 anos, disse que fez um curso para virar doula. Para a formação, são lecionados tópicos como as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), montagem do plano de parto e anatomia à respiração, posições, entre outros. Ela explicou que há duas categorias de doula: a na tradição e a urbana. Jaíne Lellis explicou que parto humanizado é respeitar as opções da mulher ao virar mãe.

Dar suporte “ para as escolhas da mulher. Assegurar que suas vontades sejam respeitadas” - Jaíne Lellis, 22

Segundo a doula, o curso tem uma formação específica diferente de enfermagem e de medicina. “A doula dá suporte físico, emocional, espiritual. É uma educadora. Além disso, visa o lado mais humano, tem mais contato e diálogo com a gestante”, afirmou. Com o olhar deslumbrando, Lellis contou que o curso foi o motivo para mudança de visão de mundo que possuía. Para ela, os estudos desconstruíram ideias relacionadas ao corpo, sexualidade, liberdade e forma de expressão.

Segundo pesquisa da OMS sobre taxas de cesáreas no mundo, divulgada no primeiro semestre de 2015, o Brasil ficou em 1º lugar. A doula Lellis acredita que esse resultado é derivado de questões culturais e econômicas, e que pode mudar com iniciativas jurisdicionais, educação e conscientização. “Fomos educadas e depois reeducadas para pior. Antigamente, o hábito era um. Hoje, com a evolução da medicina e tecnologia, a cesárea tornou-se rotina, que em muitos casos não é necessário ou é consequência de outras intervenções”, afirmou. Jaíne Lellis reforçou que, independente de qualquer tipo de parto, todos podem ser humanizados. “A césarea, por exemplo, pode sim ter traços de humanização. Evitar medicação, procedimentos rotineiros desnecessários, abaixar a tela para que a mãe possa ver o nascimento são alguns exemplos”, falou. Ao ser questionada do porquê as mulheres acabam temendo o parto normal, Jaíne já tem uma opinião formada. “A mulher foi deixando de acreditar em si própria, que é capaz, que parir é fisiológico. A dor é um mecanismo biológico, é necessária, pois informa o que está acontecendo. A dor é subjetiva, varia muito de mulher para mulher”, disse. Mas ela fez questão de explicar que a cesárea é um procedimento importante também, que salva muitas vidas. “A mulher que faz a cesárea não é menos mulher, nem menos mãe. Não podemos ditar que só há uma forma correta, temos que respeitar as vontades e o limite da pessoa”, apontou. A coordenadora de Ginecologia Obstétrica da Secretaria de Saúde, Marta Teixeira, explicou que o parto humanizado não é uma modalidade. “A questão da humanização do parto é colocar a gestante junto ao acompanhante, evitar o uso de medicamentos, entre outras ações. Não é uma classificação à parte”, afirmou. A especialista reforçou que a cesárea também pode ser um procedimento mais humano. “O parto cesárea pode ser humanizado dependendo das condições de atendimento a gestante”. A coordenadora acredita que estamos passando por um momento da judicialização da medicina, e que isso influencia tais valores da pesquisa. “Muitos médicos preferem realizar logo a cesariana para evitarem futuros problemas. Outros já não possuem tanto tempo. O parto normal leva muitas horas”, disse.

Normal: é o parto vaginal, que teve alguma intervenção (como a utilização de fórceps, realização da episiotomia ou utilização de medicação) Natural: sem nenhuma intervenção Cesárea: cirurgia na região pélvica

Casa de Parto é alternativa para nascimentos

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