Acupuntura no tratamento de colapso traqueal e hepatopatia esteroidal em cão: relato de caso

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FACULDADE DE JAGUARIÚNA

WILLIAM MONTEIRO FILHO

ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DE COLAPSO TRAQUEAL E HEPATOPATIA ESTEROIDAL EM CÃO: RELATO DE CASO

Jaguariúna 2017


WILLIAM MONTEIRO FILHO

ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DE COLAPSO TRAQUEAL E HEPATOPATIA ESTEROIDAL EM CÃO: RELATO DE CASO

Trabalho de Conclusão de Curso de Pósgraduação

lato

sensu

em

Acupuntura

veterinária, apresentado à Faculdade de Jaguariúna, SP. Área de Acupuntura Veterinária.

Orientadora: Nicole Ruas de Sousa

Jaguariúna 2017


WILLIAM MONTEIRO FILHO

Este exemplar corresponde à redação final da Monografia de graduação defendida por William Monteiro Filho e aprovada pela Comissão julgadora em __/__/__.

Nicole Ruas de Sousa Orientadora

Nome do componente da banca

Nome do componente da banca Jaguariúna 2017


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Exame radiográfico mostrando estreitamento de traqueia, e diâmetro normal da traqueia próximo a faringe.

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Figura 2 - Hepatócitos com acúmulo de glicogênio.

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Figura 3 - Imagem ultrassonográfica do fígado com alterações difusas na ecogenicidade.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Classificação do colapso traqueal.

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Tabela 2 - Evolução do caso clínico de um cão, durante quatro semanas, pelo uso da acupuntura para tratamento dos sinais de colapso traqueal e hepatopatia esteroidal.

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Tabela 3 - Resultados comparativos dos achados relevantes nos exames laboratoriais antes e após 22

o

tratamento

com

acupuntura.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURA

% - por cento AIES - anti-inflamatórios esteroides AINES - anti-inflamatórios não esteroides ALT - alanina aminotransferase B - Bexiga BP - Baço Pâncreas CPK - creatinofosfoquinase DNA - ácido desoxirribonucleico E - Estômago F - Fígado FA - fosfatase alcalina GGT - gama glutamil transferase ID - Intestino Delgado IG - Intestino Grosso mg/dl - miligramas por decilitro P - Pulmão R - Rim RNAm - ácido ribonucleico mensageiro UI/l - unidade(s) internacional por litro u/mm³ - unidade(s) por milímetro cúbico VC - Vaso Concepção VG - Vaso Governador



FILHO, W.M. Acupuntura no tratamento de colapso traqueal e hepatopatia esteroidal em cão: relato de caso. 2017. 28f. Monografia (Especialização em Acupuntura Veterinária) – Faculdade de Jaguariúna, Jaguariúna, 2017.

RESUMO

A tosse é um sinal clínico comum aos pequenos animais, o qual tem muitos diagnósticos diferenciais na clínica veterinária, sendo o colapso de traqueia uma comum causa de tosse que atinge a população de pequenos animais, no qual o cão é a espécie mais acometida. O diagnóstico é feito pelo histórico dos sinais apresentados e exames de imagem. O tratamento é apenas sintomático na maioria dos casos, alguns anti-inflamatórios esteroidais são usados e quando utilizados de forma crônica, a corticoterapia pode causar degeneração dos hepatócitos por acúmulo de glicogênio, patologia denominada hepatopatia esteroidal. A acupuntura demonstrou ser uma ferramenta de tratamento eficaz para o colapso traqueal em complemento ao tratamento clínico, sem apresentar efeitos colaterais, que contribuiu para uma melhor qualidade de vida para o paciente neste relato de caso.

Palavras-chave: Medicina tradicional chinesa, acupuntura, traqueia, doença hepática induzida por drogas, cão.


FILHO, W.M. Use of acupuncture in the treatment of tracheal collapse and steroid hepatopathy in dog: case report. 2017. 28p. Monografia (Especialização em Acupuntura Veterinária) – Faculdade de Jaguariúna, Jaguariúna, 2017.

ABSTRACT

Cough have some differential diagnoses in the veterinary clinic, collapsed trachea it’s a common cause that affects small animal population, which dogs are the most affected species. The diagnosis is based on

clinical history and image exams. The treatment is symptomatic in most cases, some anti-

inflammatories are used to control cough, although they cause some collateral effects by chronic use, like hepatocytes degeneration by glycogen accumulation, known as steroidal hepatopathy. Acupuncture proved to be effective treatment for tracheal collapse with clinical treatment, without side effects, which contributed to a better life quality for the patient.

Keywords: Traditional chinese medicine, acupuncture, trachea, drug-induced liver injury, dog


SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................................................... 4 LISTA DE TABELAS ........................................................................................................................................... 5 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURA ............................................................................................................. 6 1

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 9

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REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................................................. 10 2.1

COLAPSO DE TRAQUEIA ................................................................................................................... 10

2.1.1.Anatomia e fisiologia da traqueia ....................................................................................................... 10 2.1.2 Etiopatogenia, diagnóstico e tratamento do colapso traqueal ........................................................... 11 2.2 HEPATOPATIA ESTEROIDAL IATROGÊNICA .................................................................................... 13 2.2.1 Anatomia e fisiologia do fígado .......................................................................................................... 13 2.2.2 AIES: ação como anti-inflamatório, efeitos no metabolismo e sistemas orgânicos............................ 13 2.2.3 Etiopatogenia, diagnóstico e tratamento na hepatopatia esteroidal iatrogênica ............................... 15 3 COLAPSO DE TRAQUEIA NA MEDICINA TRADICIONAL ORIENTAL ........................................... 16 3.1 PULMÃO: FUNÇÃO FISIOLÓGICA NA MEDICINA ORIENTAL ............................................................................ 17 3.2 DEFICIÊNCIA DE QI DO PULMÃO NA SÍNDROME KE-SOU E COMO TRATAR .................................................... 17 3.3 RELAÇÃO PULMÃO E FÍGADO NA MEDICINA ORIENTAL ................................................................................ 17 4 HEPATOPATIA ESTEROIDAL NA MEDICINA TRADICIONAL ORIENTAL ................................... 18 4.1 TRIPLO AQUECEDOR: FUNÇÃO FISIOLÓGICA NA MEDICINA ORIENTAL ......................................................... 18 4.2 AQUECEDOR SUPERIOR: PADRÃO DE DESARMONIA E TRATAMENTO NA HEPATOPATIA ESTEROIDAL ............ 19 4.3 AQUECEDOR MÉDIO: PADRÃO DE DESARMONIA E TRATAMENTO NA HEPATOPATIA ESTEROIDAL ................. 19 4.4 AQUECEDOR INFERIOR: PADRÃO DE DESARMONIA E TRATAMENTO NA HEPATOPATIA ESTEROIDAL ............. 20 5 RELATO DE CASO......................................................................................................................................... 20 6 DISCUSSÃO ..................................................................................................................................................... 23 7 CONCLUSÃO .................................................................................................................................................. 26 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 28


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1 INTRODUÇÃO

O colapso de traqueia é uma doença de importante prevalência na medicina veterinária de pequenos animais, sendo uma comum causa de tosse. Surge pelo colabamento da traqueia, a qual ocorre principalmente por mudanças estruturais na cartilagem hialina devido a origens multifatoriais. Os sinais são observados entre dez a quinze anos, porém o pico de incidência ocorre aos sete anos e não há predileção sexual (MORITZ et al., 2004; FERIAN, 2009; JERRAM E FOSSUM,1997). O diagnóstico é feito principalmente com base no histórico, sinais clínicos, e exames de imagem como: radiografia, fluoroscopia, endoscopia e ultrassonografia, sendo a endoscopia o exame de eleição para confirmar o colapso de traqueia. Porém, a radiografia simples pode ser eficiente como um primeiro exame diagnóstico (NELSON, 2007). O tratamento clínico conservativo é recomendado no caso em que a traqueia tem pelo menos 50% de seu diâmetro preservado e os sinais clínicos não são graves, um dos medicamentos utilizados nesse tratamento são os da classe corticosteroides. O colapso de maior grau, no qual o tratamento conservativo não é eficaz, é recomendável o tratamento cirúrgico (FOSSUM, 2008). O uso de corticoides é frequente na clínica veterinária devido ao seu potente efeito anti-inflamatório. É usado nas síndromes agudas do colapso de traqueia, ou quando há bronquite crônica concomitante. Como efeito colateral do uso crônico, pode causar uma degeneração hepatocelular por acúmulo de glicogênio, enfermidade denominada hepatopatia esteroidal (NELSON & COUTO, 2006; MCGAVIN; ZACARY, 2009). A acupuntura, técnica oriunda da medicina chinesa, é uma forma complementar para tratamento de diversas doenças. A ação da acupuntura já foi relatada como semelhante a dos corticoides, com a vantagem de não apresentar efeitos colaterais, o que faz com que a acupuntura seja eficaz no tratamento de afecções no sistema respiratório (XIE & PREAST, 2011; MEGID et al, 2006). O objetivo deste trabalho é relatar um caso de um cão portador de colapso de traqueia, que desenvolveu hepatopatia esteroidal durante o tratamento clínico conservativo a base de medicamento corticoide.


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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 COLAPSO DE TRAQUEIA

2.1.1.Anatomia e fisiologia da traqueia

A traqueia juntamente com os brônquios formam um órgão tubular e ramificado, onde ocorre a passagem e distribuição do ar através dos bronquíolos para o pulmão. Esse conjunto é chamado árvore traqueobrônquica (DYCE et al., 2010). A constituição da parede traqueal tem três camadas: uma mucosa interna, camada média fibrocartilagínea, e uma mais externa adventícia no pescoço e serosa no tórax. A mucosa traqueal se inicia na parte infra glótica da laringe onde há glândulas mucosas, e o muco produzido é direcionado para laringe por ação ciliar, onde é deglutido. Porém o acúmulo de muco pode ser irritante, e provoca tosse (DYCE et al., 2010). Anéis de cartilagem são formados na camada média e não se fecham dorsalmente, essas extremidades livres são ligadas pelo musculo traqueal liso, que no cão é disposto externamente. Essa constituição fibrocartilaginosa a previne de colapsar, também permitindo ajustes em seu comprimento decorrente de movimentos respiratórios e do pescoço, enquanto que ajustes no diâmetro são de responsabilidade do músculo traqueal. Diferentes espécies de cães (considerando o mesmo porte) podem mostrar diferenças no diâmetro traqueal, sendo que anormalidades no diâmetro podem ser detectadas comparando o diâmentro da traqueia próximo à laringe com o diâmetro traqueal na entrada do tórax (Figura 1). Anormalidades de diâmetro traqueal são mais observadas em raças de cães braquiocefálicos (DYCE et al., 2010; GRANDAGE, 2007; FOSSUM, 2008).


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Figura 1: Exame radiográfico mostrando estreitamento de traqueia (setas verdes), e diâmetro normal da traqueia próximo a faringe (seta branca). Fonte: FERIAN, 2009.

2.1.2 Etiopatogenia, diagnóstico e tratamento do colapso traqueal

Na traqueia normal, o lúmen se apresenta em forma de círculo e é mantido aberto durante todas as fases da respiração, devido aos anéis cartilaginosos. Quando há estreitamento, ocorre turbulência do ar devido a um achatamento dos anéis e/ou aumento de espessura da membrana traqueal dorsal. A região mais comumente colapsada é a da entrada torácica (NELSON & COUTO, 2006). Dois fatores são responsáveis pelo desenvolvimento do colapso, um primário em que se observa fragilidade e enfraquecimento na estrutura dos anéis, e fatores secundários que dão início a progressão da doença: obesidade, intubação recente, infecção respiratória, trauma, cardiomegalia e inalação de substâncias irritantes e alérgicas. No caso de desenvolvimento primário do colapso traqueal, a presença de paralisia de faringe pode facilitar a ocorrência de mudanças na estrutura da traqueia (HERRTAGE, 2009). Não há predileção sexual para o desenvolvimento do colapso, que é mais observado em raças pequenas e nos adultos. O sinais tem progressão lenta e a tosse é a principal


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queixa, ocorrendo durante excitação, exercício e pressão da coleira. Entretando, sinais sistêmicos não são observados na maioria dos casos (ETTINGER et al, 2014; NELSON & COUTO, 2006). Em alguns casos podem se observar hepatomegalia em associação ao colapso de traqueia, como resultado da congestão por insuficiência cardíaca direita, infiltrações hepáticas em cães obesos e pela hepatopatia esteroidal, que é relatado em casos de colapso traqueal (HEDLUND, 2005). Os sinais clínicos e exames de imagem, mais comumente a radiografia, são os principais pontos a serem considerados no diagnóstico. Radiografia do pescoço é feita durante a inspiração, quando pode ocorrer estreitamento devido a pressão negativa das via aéreas. No caso de estreitamento intratorácico a radiografia é feira durante a expiração, pois nesse caso a pressão é maior no tórax (NELSON & COUTO, 2006). No caso de não confirmação do diagnóstico por meio de radiografia simples, é recomendado a traqueoscopia e broncoscopia. Infecções secundárias podem estar presentes, o que torna útil o uso do exame de lavado traqueal e citologia traqueal (NELSON & COUTO, 2006). Por meio da traqueoscopia, um sistema para classificação do grau de colabamento foi proposto por Tangner e Hobson: Tabela 1: classificação do colapso traqueal. Fonte: Tangner e Hobson, 1982. Grau 1

Diminuição de até 25% do lúmen traqueal. Achatamento discreto do anel.

Grau 2

Diminuição de até 50% do lúmen traqueal. Achatamento moderado do anel.

Grau 3

Diminuição de até 75% do lúmen traqueal. Achatamento grave do anel.

Grau 4

A membrana traqueal toca a superfície ventral da traqueia, ocasionando obliteração luminal total.

O tratamento e manejo clínico é o de escolha para a grande maioria dos casos: dietas para cães acima do peso, uso de coleiras peitorais, evitar expor os cães a ambientes quentes, evitar situações de estresse e de excitação excessiva. Broncodilatadores e supressores da tosse podem ser utilizados em casos mais avançados. Antibióticos somente são utilizados no caso de citologia e lavado positivos para infecção, visto que suas concentrações não são altas no lúmen traqueal nas doses normais, o que requer um tratamento mais prolongado em doses elevadas. Corticoides podem aliviar os sinais clínicos, porém causam imunossupressão e aumento de peso, devendo ser usado somente em condições respiratórias agudas e quando há bronquite crônica. Em outros casos devemos dar prioridades a outros fármacos que não apresentam estes efeitos colaterais como supressores da tosse e broncodilatadores (NELSON & COUTO, 2006).


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Atualmente, existem diferentes técnicas cirúrgicas para diferentes tipos de casos. Essa modalidade de tratamento deve ser feita em animais que tenham anormalidades anatômicas nasais e faríngeas, com o objetivo de obter um melhor fluxo de ar nessas regiões, levando a um alivio de pressão na traqueia. Outros casos que não respondem ao tratamento clínico também podem ser beneficiados pelo tratamento cirúrgico. A broncoscopia é uma maneira para identificar os casos cirúrgicos (NELSON & COUTO, 2006; SURA E KRAHWINKEL; 2008).

2.2 HEPATOPATIA ESTEROIDAL IATROGÊNICA

2.2.1 Anatomia e fisiologia do fígado

As principais células hepáticas são parenquimatosas e hepatócitos. Os hepatócitos são semelhantes e realizam várias funções metabólicas, que envolvem o metabolismo proteico e lipídico. Na periferia das veias terminais é onde ocorre o metabolismo dos fármacos pelo sistema citocromo P450 (ROTHUIZEN, 2001). Insulina e glucagon são os principais hormônios que regulam o metabolismo hepático, que também é influenciado pelos glicocorticoides, hormônios da tireoide, hormônio do crescimento e catecolaminas. O fígado é responsável pela concentração plasmática de glicose, armazenamento de glicogênio, metais e vitaminas, faz também o metabolismo proteico, tem funções hematológicas, e é responsável pela biotransformação ou detoxificação de vários agentes endógenos e exógenos (ROTHUIZEN, 2001).

2.2.2 AIES: ação como anti-inflamatório, efeitos no metabolismo e sistemas orgânicos

Os anti-inflamatórios esteroides (AIES) sintéticos surgiram a partir dos hormônios esteroides, estes produzidos na zona cortical das glândulas adrenais. Ambos têm atividades anti-inflamatórias e imunossupressoras, porém essas ações acontecem em maior escala nos sintéticos. O que tornaram seu uso bastante comum no dia a dia da clínica


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veterinária, sendo que em muitos casos seu uso é superestimado, e utilizado de maneira exacerbada (SPINOSA, 2011). Os corticoides agem sobre os mediadores imunoestimulantes e próinflamatórios inibindo-os, sendo essa sua principal função sobre o processo inflamatório. Enzimas chaves dos processos inflamatórios são inibidas, são elas: fosfolipase-2, ciclooxigenase e a síntese de histamina. Os corticoides dificultam a passagem dos neutrófilos para o tecido lesionado por promover mudanças estruturais nessas células e os macrófagos também são influenciados, pois tem sua capacidade de fagocitose diminuída. A imunidade celular também fica comprometida, pois há interferência no processo de apresentação de antígenos (SPINOSA, 2011). Alguns efeitos metabólicos gerais importantes são de responsabilidade dos corticoides: aumento da glicemia que ocorre por meio da inibição da captação e utilização da glicose nos tecidos periféricos, promove a gliconeogênese feita a partir de aminoácidos e ácidos graxos livre, aumento do glicogênio hepático, aumento do catabolismo proteico e queda da síntese proteica. Outro importante efeito é a lipólise de determinados hormônios, o hormônio de crescimento é um deles (SPINOSA, 2011). Os AIES também apresentam atividade semelhante aos mineralocorticoides em concentrações presentes nas doses farmacológicas: fazem a expansão do volume extra celular pela retenção do sódio e aumento na excreção de potássio, aumento da taxa de filtração glomerular e inibição do hormônio antidiurético (fazem com que haja sinais como polidipsia e poliúria). Além de agir sobre os minerais sódio e potássio, também tem ação sobre o cálcio, o qual tem sua excreção aumentada via renal e intestinal (MADDISON, 2010). A administração crônica ou em dose alta dos corticoides é capaz de alterar o funcionamento adequado de alguns sistemas no organismo do animal: há aumento da secreção de ácido gástrico, pepsina e sucos pancreáticos no trato gastrointestinal, no fígado a isoenzima fosfatase alcalina sofre aumento, na pele o material conjuntivo tem sua síntese inibida, também ocorre atrofia de glândulas sebáceas e folículo piloso, pode causar hiperpigmentação, nos músculos ocorre atrofia e fraqueza devido ao efeito proteolítico, nos ossos existe aumento de reabsorção com diminuição da produção de matriz, no sistema cardiovascular causa hipertensão por aumento do tônus vascular e débito cardíaco e no sistema endócrino ocorre supressão endógena do hormônio pela adrenal em dose-dependente, provocando atrofia da adrenal. Outras alterações sistêmicas envolvem vários outros hormônios que também apresentam suas taxas reduzidas, como: tireotropina, hormônio do crescimento, hormônio luteinizante e prolactina (MADDSON, 2010 ;SPINOSA, 2011).


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2.2.3 Etiopatogenia, diagnóstico e tratamento na hepatopatia esteroidal iatrogênica

Hepatopatia esteroidal ou hepatopatia induzida por esteroide é a degeneração hepatocelular induzida pela uso de corticoides, que podem ser de origem endógena ou exógena. A forma iatrogênica (origem exógena) da hepatopatia esteroidal é mais frequentemente observada, sendo os cães mais susceptíveis, pois em seu organismo há mais receptores para corticoides (MCGAVIN; ZACARY, 2009). A degeneração hepatocelular acontece devido ao excessivo acúmulo de glicogênio nessas células, causado pela indução da enzima glicogênio sintetase. Esse acúmulo excessivo leva a um dos principais sinais da doença, hepatomegalia, pois os hepatócitos podem ter seu tamanho aumentado em até dez vezes (MCGAVIN, 2011). O diagnóstico é feito a partir da anamnese, exame físico, exames laboratoriais e de imagem. Com o objetivo de descobrir alguma fonte exógena de corticoides (MCGAVIN; ZACARY, 2009) e comportamentos anormais do animal como polidipsia, poliúria e apetite aumentado (SPINOZA, 2011). No exame físico, é notável aumento de volume abdominal (THOMPSON, 1988), queda de pelo, pele delgada e atrofia muscular (SPINOZA, 2011). Em exames laboratoriais, observa-se aumento da atividade enzimática da fosfatase alcalina (MEYER et al., 1995), leucocitose por neutrofilia com desvio a esquerda, eosinopenia, linfopenia e monocitose (MEYER et al., 1995; NELSON & COUTO, 2006). Em exames de imagem, é observado na imagem ultrassonográfica: aumento da ecogenicidade hepática de maneira difusa, em comparação com o córtex renal e baço, perda de visibilidade de eco nas paredes portais e hepatomegalia (LAMB, 1990; BILLER et al., 1992; NYLAND et al., 2005) e atenuação do feixe sonoro (SYAKALIMA et al, 1998). Na histopatologia do fígado, a confirmação do diagnóstico se dá pela aparência característica em que o fígado se encontra, com vacuolização aparente do epatócito por acúmulo de glicogênio, com o núcleo na periferia da célula (figura 2) (MCGAVIN; ZACARY, 2009).


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Figura 2: Nas pontas das setas observa-se hepatócitos com acúmulo de glicogênio. Fonte: College of Veterinary Medicine, North Carolina State University, 2009.

O tratamento se baseia em remover a causa, que no caso é a corticoterapia, com suspensão gradativa do medicamento, pois se uma terapia crônica ou em doses elevadas for interrompida bruscamente, sinais de privação podem ocorrer, condição conhecida como hipoadrenocorticismo (NELSON & COUTO, 2006; SPINOZA, 2011).

3 COLAPSO DE TRAQUEIA NA MEDICINA TRADICIONAL ORIENTAL

A medicina oriental denomina as condições em que há tosse de síndrome kesou. A tosse seca é denominada “ke”, “sou” significa quando há secreção respiratória sem necessariamente a presença de tosse. Existem três padrões que podem originar a tosse: invasão de fatores patogênicos externos (vento, frio e calor), deficiência de Qi do pulmão e deficiência de Yin do pulmão. Padrões mistos também podem acontecer (XIE & PREAST, 2011). Na síndrome ke-sou por deficiência de Qi do pulmão e Yin do pulmão, os sinais observados são comuns aos do colapso de traqueia, entre eles: tosse prolongada, tosse que pode piorar durante o dia, que é o momento de maior atividade, fadiga e intolerância a exercícios (XIE & PREAST, 2011).


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3.1 Pulmão: função fisiológica na medicina oriental

O pulmão está conectado a garganta e sua abertura é no nariz. É o órgão que está localizado acima de todos os outros, protegendo e abrigando o Zang-Fu. É passível de ataques por vento, frio, calor e secura. Suas funções são: governar o Qi e respiração, dominar ascensão e descensão do Qi, regular a passagem de água e controlar a superfície do corpo (pele e pelo) (MACIOCIA, 1996).

3.2 Deficiência de Qi do pulmão na síndrome ke-sou e como tratar

Na deficiência de Qi do pulmão, a função de governar a respiração estará prejudicada, pode ocorrer dispneia durante os momentos de maior atividade. Tosse crônica, que é um sinal relatado no colapso de traqueia, e asma devido a função de ascensão e descensão estar prejudicada (MACIOCIA, 1996; XIE & PREAST, 2012). O tratamento consiste em tonificar o Qi do pulmão e cessar a tosse, alguns pontos utilizados para tonificar o Qi do pulmão são: VC-17, B-13, E-36, P-9, P-8 e os principais pontos para cessar a tosse são: Ding-chuan e VC-22 (SCHOEN,2006).

3.3 Relação pulmão e fígado na medicina oriental

Uma importante função do fígado é manter o fluxo suave do Qi. No fígado o fluxo de Qi apresenta movimentos em várias direções no organismo, o fluxo ascendente auxilia na função do pulmão de exalar o ar e o fluxo descendente auxilia o pulmão a inalar o ar, o que evita o aumento excessivo do Qi do fígado. Quando o fígado sofre um aumento exagerado em seu Qi, este aumento se transforma em fogo, que pode invadir o pulmão (XIE & PREAST, 2012). O excesso de Qi do fígado que aumenta, torna-se estagnado e é transformado em fogo, o qual causa lesão no Yin do pulmão, causando sinais de tosse, asma, hemoptise, olhos vermelhos, hiperatividade e raiva. Como consequência, o calor gerado no pulmão pela lesão do


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Yin, causa estagnação de Qi do fígado, os sinais observados nesse caso são: tosse, dor hipocondríaca, respiração com mal odor e depressão (SCHOEN, 2006). No colapso de traqueia, a função de inalar o ar está prejudicada, pois o fluxo de ar é menor em uma traqueia colabada, e a passagem de ar torna-se turbulenta (NELSON & COUTO, 2006). Como a inalação está prejudicada, o Qi descendente do fígado tende a estagnar e gerar calor no pulmão, provocando tosse e respiração dificultada, sinais do colapso traqueal (XIE & PREAST, 2012). No tratamento também deve-se remover estagnação de Qi do fígado, para auxiliar a inalação do ar, pontos comumente utilizados para remover estagnação do Qi do fígado são: F-1, F-3, F-5 e VB-34 (XIE & PREAST, 2012).

4 HEPATOPATIA ESTEROIDAL NA MEDICINA TRADICIONAL ORIENTAL

Na medicina oriental a inflamação é uma condição de Yang e calor, visto que na inflamação há aumento de temperatura local e rubor, por conseguinte é notável que os corticoides são medicamentos utilizados para tonificar o Yin e remover calor (XIE & PREAST, 2012), em razão de que os AIES são eficientes para tratar processos inflamatórios (SPINOSA, 2011). O uso crônico de corticoides pode causar um desequilíbrio com estagnação do Qi do fígado e consequentemente obstrução no triplo aquecedor, pois uma das funções do fígado é garantir o fluxo tranquilo do caminho das águas e umidade, quando o Qi do fígado está estagnado essa função é comprometida, dessa forma são observados sinais de poliúria, polidipsia e aumento de volume na região hipocôndrica (XIE & PREAST, 2012), os quais são sinais evidentes de uso prolongado ou dose aumentada de AIES (SPINOSA, 2011) Os sinais presentes na hepatopatia esteroidal são semelhantes aos encontrados em algumas síndromes metabólicas e hormonais (NELSON & COUTO, 2006). Poliúria, polidipsia, apetite aumentado, são alguns dos sinais presentes na condição classificada na medicina chinesa como Xiao-ke, no qual há alterações nos três aquecedores (superior, médio e inferior). Ocorre deficiência de Yin, Qi-Yin e Yang (XIE & PREAST, 2011).

4.1 Triplo Aquecedor: função fisiológica na medicina oriental


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Ainda não existe um consenso quanto a forma e natureza do triplo aquecedor, denominado Sanjiao. Sua localização difere dos órgãos Zang-Fu no organismo. É divido em aquecedor superior, médio e inferior. Tem função parecida com os outros sistemas Yang: recebe, transforma, transporta e excreta alimentos e líquidos. Auxilia no movimento do Qi póscelestial, e também do Qi pré-celestial para o funcionamento ideal do Zang-Fu (MACIOCIA, 1996; XIE & PREAST, 2012). A principal característica do aquecedor superior é a distribuição dos fluidos corpóreos (Jin Ye) pelo corpo, abriga o pulmão e o coração. No aquecedor médio ocorre a digestão e transporte de alimentos e líquidos, nele estão presentes estômago e baço-pâncreas. A função fisiológica do aquecedor inferior é separar as frações puras das impuras oriundas dos alimentos, e posteriormente excretar a fração impura, essa excreção é feita pela bexiga, intestinos e rim, os quais estão presente no aquecedor inferior (MACIOCIA, 1996).

4.2 Aquecedor superior: padrão de desarmonia e tratamento na hepatopatia esteroidal

O Yin no organismo tem como algumas de suas funções nutrir e umedecer (MACIOCIA, 1996). Poliúria, polidipsia, pelagem e pele secas são sinais de deficiência de Yin. No aquecedor superior se manifesta como deficiência de Yin, tendo como consequência calor no pulmão (XIE & PREAST, 2011). Calor no pulmão também pode ser de origem do fígado, por meio do Qi estagnado ou em excesso no fígado, que por fim é transformado em calor e sobe para o pulmão, pois o calor no fígado apresenta movimento em ascendência (XIE & PREAST, 2011). Esse padrão e tratamento já foram discutidos neste trabalho. Como estratégia de tratamento, devemos eliminar o calor do pulmão, aumentar a produção dos fluidos corpóreos, melhorando os sinais de poliúria e polidipsia (MACIOCIA, 1996). Os pontos de acupuntura escolhidos para eliminar o calor no aquecedor superior são: IG-4, VG-14 e IG-11 (XIE & PREAST, 2011), e os pontos para tonificar o Yin geral, e o Yin especificamente no aquecedor superior escolhidos são: BP-6, VG-17, VG-4, VC12, B-13, B-43 (MACIOCIA, 1996).

4.3 Aquecedor médio: padrão de desarmonia e tratamento na hepatopatia esteroidal


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Polifagia, fezes secas, perda de massa muscular e hepatomegalia são sinais de origem no aquecedor médio, quando há calor no estômago com deficiência de Qi-Yin (XIE & PREAST, 2011). Calor no estômago pode secar os líquidos e gerar sede, causando polidipsia, pois os fluidos corporais (Jin Ye) se originam no estômago (SCHOEN, 2006). A corticoterapia crônica também levam a sinais de estagnação de Qi do fígado com consequente bloqueio no caminho da água-umidade, para tratamento desses sinais causado por este bloqueio, como: aumento de volume na região hipocôndrica, polidipsia e poliúria, devemos remover a estagnação do Qi do fígado, utilizando os seguintes pontos: F-1, F-3, F-5 e VB-34 (XIE & PREAST, 2012). Nessa condição do aquecedor médio o objetivo do tratamento é remover o calor no estômago, tonificar o Yin e fluidos corpóreos (XIE & PREAST, 2011; MACIOCIA, 1996). Os pontos de acupuntura escolhidos para remover calor no estômago são: VC-12, E-25, E-44, B-21, E-36 (XIE & PREAST, 2011; MACIOCIA, 1996), e os pontos de acupuntura escolhidos para tonificar Yin e fluidos são: R-3, BP-3, BP-6, BP-8, BP-9 (XIE & PREAST, 2011; MACIOCIA, 1996).

4.4 Aquecedor inferior: padrão de desarmonia e tratamento na hepatopatia esteroidal

O rim está situado no aquecedor inferior e é a fonte de todo Yin e Yang do corpo (MACIOCIA, 1996). Sinais de deficiência de Yin previamente citados estão presentes assim como também sinais de deficiência de Yang: polidipsia, poliúria e hepatomegalia (XIE & PREAST, 2011). No tratamento é fundamental tonificar o Yin no aquecedor inferior: R-3, R10, B-23, BP-6. O Yang e o Qi no aquecedor inferior também devem ser tonificados: VG-4, Bai-Hui, E-36, B-26 (XIE & PREAST, 2011; MACIOCIA, 1996).

5 RELATO DE CASO


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No dia 19 de agosto de 2016 foi atendido um cão, fêmea, da raça Maltês, de 12 anos de idade, que apresentava histórico de tosse crônica. Colapso traqueal foi diagnosticado e confirmado por meio de exame radiográfico simples e tratado por um colega médico veterinário. Porém, a queixa do proprietário durante a consulta foi que o animal apresentava os seguintes sinais: abdômen com aumento de volume, polifagia, polidipsia, poliúria, fraqueza e a tosse ainda era persistente. Proprietário relatou que o animal foi medicado com dexametasona injetável, de duas a três vezes por semana, durante um mês, e após esse tratamento os sinais relatados apareceram, portanto resolveu interromper o tratamento. O tratamento foi feito com o objetivo de diminuir as crises de tosse que o animal desenvolveu pelo colapso traqueal e apresentou resultado favorável após a aplicação de dexametasona injetável. A anamnese e exame físico confirmaram os sinais observados pelo proprietário. Exames complementares foram requisitados: hemograma, bioquímico, e ultrassom. Foram encontradas algumas anormalidades nos exames (Tabela 3). No laudo do exame ultrassonográfico constou que o fígado apresentou alteração na ecogenicidade, tamanho, volume e localização, o sistema porta e veias hepáticas estavam com calibre aumentados e apresentaram distribuição não anatômicas, condizente com hepatomegalia (Figura 3).

Figura 3: imagem ultrassonográfica do fígado do paciente objeto de estudo, mostra alterações difusas na ecogenicidade. Fonte: acervo pessoal, 2016.


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Acupuntura em sessões semanais foi o tratamento escolhido para substituir o tratamento medicamentoso. O proprietário foi instruído a não utilizar mais do tratamento com corticoides injetáveis e o manejo clínico do colapso traqueal foi mantido. Os ponto utilizados para tratar os sinais do colapso traqueal foram: VC-22, Ding-chuan, P-1 e B-13, e os pontos para o tratamento dos sinais causados pela hepatopatia por esteroides foram: B-18, B-23, VG-4, VG-14, R-3, R-7, BP-6, Bai-Hui, E-36, IG-4. A evolução do caso é mostrada na tabela na tabela 2.

Tabela 2: - Evolução do caso clinico de um cão, durante quatro semanas, pelo uso da acupuntura para tratamento dos sinais de colapso traqueal e hepatopatia esteroidal. Tosse e crises agudas de tosse, polifagia, poliúria, polidipsia, abdômen abaulado,

Dia 0

fraqueza, sobrepeso (4,85 kg) e apatia. Tosse, proprietário observou que o tempo da crise de tosse está diminuído, polifagia,

Dia 7

polidipsia e poliúria, leve emagrecimento, não apresenta estar apático. Tosse, proprietário observou que crise de tosse e tempo de crise apresentam

Dia 14

diminuídos, ausência de polifagia, polidipsia e poliúria, não apresenta sobrepeso (4,2 kg), comportamento está normal. Tosse presente em momentos esporádicos do dia, crises agudas de tosse são raras.

Dia 28

Exames laboratoriais foram repetidos 35 dias após o início do tratamento, todos os parâmetros se encontravam normais (Tabela 3), com exceção do cálcio que se encontrava no mesmo valor. Foi recomendado suplementação de cálcio na dieta. As plaquetas estavam no dentro do valor referencial no primeiro em exame com 200 mil u/mm³, no segundo exame houve um aumento para 394 mil u/mm³. Os achados relevantes dos exames laboratoriais feitos antes e após o tratamento com acupuntura podem ser comparados na Tabela 3.

Tabela 3: Resultados comparativos dos achados relevantes nos exames laboratoriais feitos antes e após o tratamento com acupuntura. R. U/C

ALT

FA

GGT

CPK

Cálcio

Plaquetas

Dia 30/7

82,85

136 UI/l

854 UI/l

15 UI/l

440 UI/l

6,5 mg/dl

200.000 u/mm³

Dia 24/9

30

36 UI/l

100 UI/l

4 UI/l

180 UI/l

6,5 mg/dl

394.000 u/mm³

Foi também recomendado sessões de acupuntura em intervalos quinzenais com o objetivo de controle dos sinais do colapso traqueal.


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6 DISCUSSÃO

O colapso traqueal é uma importante causa de tosse na clínica de pequenos animais, acomete principalmente as raças: Poodle, Yorkshire Terrier e Maltês, sendo esta última a raça do cão objeto de estudo deste trabalho. Anormalidades anatômicas da traqueia são encontradas em até 70% dessas raças (FERIAN, 2009). Os sinais do colapso inicialmente observados são variáveis e aparecem mais em animais adultos a idosos, no presente caso relatado estes sinais ocorreram aos 12 anos de idade do cão: tosse seca e crônica que se agravou com o tempo, sugerindo que anormalidades na cartilagem pioraram, dificuldade respiratória em momentos de excitação e início agudo de tosse sem sinais anteriores. Em alguns casos podem ocorrer melhora espontânea, intercalado com quadros de piora. Apesar de estarem presentes esses sinais no sistema respiratório, os animais acometidos por essa doença apresentam normorexia e comportamento normal (JERRAM & FOSSUM, 1997), caso esses parâmetros não estejam normais, devemos suspeitar de uma enfermidade ocorrendo concomitantemente ao colapso traqueal. Outros animais portadores mesmo em um grau avançado, podem não apresentar quaisquer desses sinais citados anteriormente no sistema respiratório e o colapso traqueal pode ser apenas um achado nos exames de imagem, pois supostamente são animais que se mantém em repouso e o fluxo de ar mesmo que diminuído consegue suprir suas necessidades fisiológicas (SUN et al., 2008). Ao fazer o diagnóstico deve-se atentar aos outras patologias que podem ocorrer juntamente com o colapso de traqueia. Bronquite e insuficiência cardíaca direita também são encontrados em muitos casos de colapso de traqueia devido a congestão do fluxo sanguíneo, eletrocardiograma foi feito no paciente e nenhuma alteração digna de nota foi encontrada, o que sugeriu um provável diagnóstico para colapso traqueal. Hepatomegalia, lipidose hepática e hepatopatia esteroidal também são condições patológicas encontradas nos portadores de colapso de causa ainda não elucidada, no presente caso a doença hepática por esteroides possivelmente foi iatrogênica devido ao histórico com uso de corticoterapia injetável e prolongada. Entretanto, mesmo na presença dessas enfermidades, caso o paciente esteja no grupo predisposto ao colapso traqueal essa condição ainda deve ser pesquisada. Em um estudo feito por White e Williams (1994), o exame radiográfico simples diagnosticou 94 cães com colapso traqueal de um total de 100 animais que eram portadores da doença, apresentando assim eficácia para realização do diagnóstico, todavia


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o exame de eleição para diagnóstico definitivo é a traqueoscopia, em que se observa o lúmen traqueal e também possibilita a classificação do grau de colapso, entretanto é um exame oneroso e de difícil acesso em comparação ao exame radiográfico simples, tornando a radiografia simples a principal técnica utilizada para diagnóstico do colapso traqueal, sendo esse o exame em que confirmou o diagnóstico neste caso relatado (HEDLUND, 2005; BAUER et al., 2006). A maioria dos casos se beneficiam apenas do tratamento e manejo clínico (WHITE E WILLIAMS, 1994), que são os pacientes presentes nos grupos com colapso leve a moderado (grau 1 e 2), pois o colabamento de grau elevado (grau 3 a 4) não está presente nessa maioria, ou que alguns cães tem pouca atividade e metabolismo, em que o fluxo de ar diminuído é suficiente (SUN et al., 2008). Ferian (2009) confirma que grande parte dos cães se beneficiam do tratamento clínico, pois em seu estudo, em que foram classificados 67 cães nos distintos graus que foram propostos por Tangner e Hobson (1982), desses cães cerca de 63% foram classificados em grau 1 e 2, apenas 9% estavam na classe de grau 4, e presente nessa classificação de grau 4, um cão da raça Yorkshire Terrier não apresentava sinais clínicos. O paciente deste caso possivelmente era portador de grau 2, pois apresentava achatamento da traqueia em exames de imagem radiográfica e se beneficiou do tratamento clínico, em razão de que no grau 1 achatamento traqueal é de difícil observação em exames radiográficos por ser uma anormalidade discreta, para confirmar o grau exato um exame de traqueoscopia seria necessário. O tratamento medicamentoso para a causa da doença, que consiste em corrigir o metabolismo e a estrutura da cartilagem nos diferentes graus de colapso, ainda não está disponível na rotina do clínico veterinário. Adamama-Moraitou et al. (2011) estudaram o uso de um anabolizante, o stanozolol que é derivado da testosterona para o tratamento de colapso traqueal em cães, que obteve cura em alguns casos e melhora em outros, porém somente em animais com colapso de menor grau. Contudo o tratamento medicamentoso, que consiste em controlar a inflamação, suprimir a tosse e dilatar os brônquios, pode controlar a doença em até 70% dos pacientes por um longo período de tempo (WHITE E WILLIAMS, 1994). A principal classe usada para controlar a inflamação é da classe dos corticoides, pois apresenta boa resposta no sistema respiratório, estabilizam mastócitos, e controlam a produção de muco, o qual pode ser irritativo na traqueia e produzir tosse caso esteja em excesso, os corticoides também têm ação sinérgica com broncodilatadores (SPINOSA, 2011). Todavia, caso o uso do corticoide seja suspenso, a inflamação retorna pois a causa ainda está presente, portanto a dependência de seu uso torna-se necessária em muitos casos de colapso que são progressivos e não apresentam melhora somente com o com o manejo clínico, como foi descrito nesse caso, o uso de corticoides foi benéfico e controlou a inflamação na traqueia controlando assim os sinais


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respiratórios, porém a causa não foi removida e esse tratamento era constantemente necessário pois haviam recidivas dos sinais. O uso crônico da corticoterapia deve ser monitorado, pois são notáveis os efeitos indesejáveis no metabolismo do organismo, principalmente no caso dos corticoides de uso injetável, visto que apresentam efeitos colaterais mais graves por causa do efeito prolongado e de depósito. Nesse caso de uso crônico é recomendado a terapia de uso oral em doses decrescentes de acordo com a expectativa de melhora dos sinais (LUCAS et al., 2010). Durante o tratamento, o proprietário observou que apareceram algumas alterações físicas e comportamentais em seu animal de companhia, sinais típicos de uso prolongado ou em doses altas de corticoides: aumento de peso e volume abdominal, polifagia, polidipsia, poliúria (SPINOSA, 2011). Algumas alterações nos exames complementares foram observadas, a relação ureia/creatinina estava acima de 30 o que pode demonstrar diminuição do anabolismo proteico causado por corticoides (THRALL, 2007; SPINOZA, 2011); ALT, FA e GGT são enzimas encontradas no fígado e podem indicar lesões no mesmo e também ficam aumentadas nas terapias medicamentosas, sendo que no relato de caso estavam aumentadas, sugere-se que esse aumento foi devido a terapia longa com dexametasona (THRALL, 2007); Cálcio estava diminuído pois um dos efeitos da terapia por corticoides é seu aumento na taxa de excreção (SPINOZA, 2011); CPK é uma enzima encontrada nos músculos, seu aumento indica lesão muscular, sendo que no relato de caso possivelmente estava aumentada por uso de medicamentos injetáveis pela via intramuscular (THRALL, 2007). O exame ultrassonográfico mostrou alterações na ecogenicidade e hepatomegalia, esse achado no exame ultrassonográfico em conjunto com o exame laboratorial, no qual mostrou aumento de enzimas hepáticas e redução na taxa de cálcio, juntamente com o histórico de uso prolongado de corticoides pelo paciente, sugerem que o mesmo é portador de hepatopatia esteroidal (MCGAVIN; ZACARY, 2009; THOMPSON, 1988), motivo pelo qual o proprietário foi instruído a não utilizar mais terapias a base de medicamentos corticoides para controlar as crises de tosse. O tratamento cirúrgico não é indicado em condições de colapso em que há melhora no tratamento clínico. Caso necessário, o cirurgião deve estar atualizado a técnicas não rotineiras da clínica veterinária que apresentam um risco importante. Moritz et al. (2004) avaliaram os resultados no pós operatório de dois tipos de técnicas existentes para correção de colapso traqueal, de 24 animais dois vieram a óbito por meio da técnica de prótese extra-luminal, e resultado semelhante foi observado para a técnica de prótese intra-luminal, ainda assim em casos de uma cirurgia bem sucedida cerca de 16% dos animais podem se manter sintomáticos. Portanto a terapia complementar com acupuntura foi sugerida, pois poderia aliviar os sinais, sem efeitos colaterais.


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A acupuntura, técnica milenar oriunda da medicina oriental, é conhecida por seus efeitos antálgicos e anti-inflamatórios, com estudos científicos consolidados no meio acadêmico. Neste caso, essa técnica utilizada teve como objetivo promover um efeito antiinflamatório no sistema respiratório e normalizar o metabolismo que estava alterado devido a terapia medicamentosa anteriormente instaurada. Megid et al. (2006) relata que a acupuntura no tratamento de alergias desencadeada no sistema respiratório em humanos, tem efeitos antiinflamatórios semelhante aos corticosteroides, e afirma não observar efeitos colaterais. O uso de alguns dos pontos para tratar os sinais do colapso e hepatopatia esteroidal nesse caso relatado: P-1, VC-22, VC-17, Ding-Chuan, B-13 e R-3 também já foram descritos em um estudo controlado no tratamento da síndrome respiratória causada pela asma em crianças (CARNEIRO, et al., 1999), o grupo representado pela acupuntura apresentou melhora significante em comparação ao grupo que estava sendo tratado por broncodilatadores. Esses pontos de acupuntura podem ter auxiliado no tratamento por facilitar o processo respiratório do paciente presente nesse caso relatado, diminuindo assim a pressão sobre a traqueia. Em relação ao processo inflamatório da traqueia, os pontos presentes na raiz dorsal da coluna, mais conhecidos como pontos de assentimento, são capazes de inibir a produção de substância P, o qual é um neurotransmissor facilitador de processos inflamatórios, reduzindo assim inflamação das vias aéreas (FENG et. al, 2007), o que explica também redução da tosse. Os pontos de assentimento usados nesse relato de caso foram: B-13, B-18, B-23. Outro estudo mostra o tratamento feito apenas por intermédio da acupuntura, utilizando principalmente o ponto E-36, com a hipótese que esse ponto trata hipofunções presentes no organismo, com sucesso em cães com síndrome de Cushing iatrogênica, condição que ocorre por meio da terapia crônica e não monitorada com corticoides, sendo de causa e sinais semelhantes a hepatopatia esteroidal, e também não apresentou efeitos indesejados (LIN, 1991), neste relato de caso esse ponto foi utilizado e possivelmente também contribuiu no tratamento para melhora dos sinais resultantes da hepatopatia esteroidal. O tratamento com acupuntura neste relato, mostrou melhora progressiva dos sinais do paciente em quatro semanas, não foram observados efeitos indesejáveis com o uso desta técnica.

7 CONCLUSÃO


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O colapso de traqueia é uma causa comum de tosse observada na rotina da clínica de pequenos animais, tem muitos diagnósticos diferenciais e muitas vezes pode estar presente juntamente com outras enfermidades, devendo sempre ser investigado em grupos de risco. O tratamento clínico não visa a cura, e o paciente será dependente de medicações e manejo clínico durante toda vida, sendo que medicamentos como os corticosteroides apresentam efeitos indesejáveis devido ao uso crônico e não monitorado, capaz de desenvolver novas condições patológicas como a hepatopatia esteroidal. O tratamento cirúrgico é complexo e apresenta alto risco para os pacientes não responsivos ao tratamento clínico. O uso da acupuntura mostrou bons resultados nesse caso relatado como complemento ao tratamento e manejo clínico do colapso traqueal, e também para a hepatopatia desenvolvida pela terapia com corticoides, especificamente a dexametasona.


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REFERÊNCIAS

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