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Seu alimento tem metal?

Simulação in vitro de células epiteliais do intestino humano, em técnica pioneira, detecta se o organismo absorve elementos metálicos presentes em alimentos. A química Rafaella Regina Alves Peixoto (foto), responsável pelo desenvolvimento do método, testou 34 marcas de achocolatados em pó. A pesquisa foi orientada pela professora Solange Cadore, do IQ.

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Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 7 a 13 de março de 2016 - ANO XXX - Nº 648 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antonio Scarpinetti

6 e7

Tese em forma de ensaio desenvolvida no Instituto de Estudos da Linguagem investiga a formação da identidade narrativa sertaneja. Seu autor, Jorge Henrique da Silva Romero, recorreu a mapas e a obras literárias de diferentes vertentes para fundamentar a pesquisa, que foi orientada pela professora Suzi Frankl Sperber.

S E R T Ã O

Cientistas criam pele para robôs Viés racial em crimes menores Estudos de economia passam por checagem

TELESCÓPIO

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País é coadjuvante no sistema agroalimentar

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Ilustrações em livros didáticos são analisadas

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Mais segurança para bebês abaixo do peso


2 Campinas, 7 a 13 de março de 2016

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Universidade de Kent/Reprodução

Dieta das crianças medievais Uma técnica desenvolvida por pesquisadores britânicos e americanos, descrita no periódico Journal of Archaeological Science, permitiu reconstituir e comparar as dietas de crianças pobres e ricas que viviam na região britânica de Canterbury entre os séculos 11 e 16. Os cientistas usaram uma tecnologia de imageamento em três dimensões para mapear, em detalhes, a topografia da superfície dos dentes, registrando os padrões microscópicos de desgaste. A técnica tem a vantagem de não destruir as amostras em que é aplicada. Os autores encontraram sinais de que as crianças já começavam a ser desmanadas entre 1 e 2 anos de idade, passavam a consumir alimentos mais duros a partir dos quatro anos, e ainda mais duros a partir dos seis. Os resultados indicam ainda que a variação de dieta, segundo status socioeconômico, era menor entre as crianças do que entre os adultos da época.

Conversa no fundo do mar Pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa conseguiram usar as vocalizações produzidas por baleias e golfinhos que vão se alimentar no Golfo do Maine, no Atlântico Norte, para mapear a distribuição espacial e as relações entre as espécies – baleias-comuns, azuis, jubartes, sei, minke, cachalotes, piloto e orcas, além de golfinhos – durante um período de caça intensa, na temporada de reprodução de arenques. Os autores determinaram que a área de cerca de 100 mil quilômetros quadrados é dividida pelos predadores marinhos em setores de caça específicos de cada espécie, ainda que com alguma sobreposição. Esses setores se mantêm por até duas semanas. O ciclo de vocalização dos animais é de 24 horas, com algumas espécies mais “falantes” durante o dia e outras, à noite. O trabalho que descreve a captura e análise dos sons das baleias foi publicado na revista Nature.

Dentes de leite de criança da Idade Média

adaptação para a mudança climática, mostra que as cidades localizadas em países ricos vêm investindo uma proporção maior de seus PIBs do que os municípios de países em desenvolvimento, e sugere que o esforço de adaptação está mais voltado para proteger riquezas do que pessoas. O trabalho, de autoria de pesquisadores britânicos, determinou que as cidades ricas gastaram 0,22% de seus PIBs em ações para se adaptar aos efeitos do aquecimento global, entre 2014 e 2015, sendo Nova York a que mais investiu globalmente (1,6 bilhão de libras, ou R$ 9 bilhões). Paris fez o maior investimento por habitante (398 libras, ou R$ 2,2 mil), enquanto que Adis-Abeba teve o menor gasto global (15 milhões de libras, R$ 83 milhões) e o menor gasto por habitante (4,71 libras, ou R$ 26). “A evidência sugere que as respostas de adaptação atuais têm sido amplamente influenciadas por reações para proteger o capital físico, em vez das populações em perigo”, diz o artigo, publicado no periódico Nature Climate Change. “Em particular, o gasto em preparação para desastres é muito baixo”.

Pele para robôs Pesquisadores da Itália e dos Estados Unidos apresentam, na revista Science, a criação de uma pele artificial capaz de esticar-se, reagir à pressão e emitir luz. O produto final consiste de finas folhas de borracha que mudam algumas de suas propriedades ópticas e elétricas quando deformadas. Segundo nota divulgada pelo periódico, a tecnologia poderá ser adotada em equipamentos eletrônicos flexíveis ou como “pele” para robôs que mudam de forma e cor. A base da invenção é um capacitor elástico emissor de luz criado pela equipe de Chris Larson, do Departamento de Engenharia Mecânica e Aeroespacial da Universidade Cornell, que assina o artigo como autor principal. Esse capacitor usa eletrodos de hidrogel integrados a uma matriz de silicone.

Adaptação para mudança climática protege o capital

Aniquilação de pósitrons Radiação produzida pela aniquilação mútua de elétrons e de pósitrons – a partícula de antimatéria correspondente ao elétron – foi detectada na emissão de energia do microquasar V404 Cygni, localizado na constelação do Cisne, a cerca de 8 mil anos-luz do Sistema Solar. Um microquasar é um sistema binário formado por uma estrela e um pequeno buraco negro. À medida que matéria da estrela cai em direção ao buraco negro, as partículas ganham energia, a ponto de passarem a emitir radiação. Microquasars são conhecidos por produzir jatos de plasma que se deslocam quase à velocidade da luz. O mecanismo de origem desses jatos ainda não é bem compreendido, mas modelos teóricos previam a produção intensa de plasma de elétrons e pósitrons nesses sistemas. A nova observação, descrita na revista Nature, confirma essas conjecturas.

Viés racial

Checando experimentos em economia

Autores de pequenos crimes, onde o dano para a vítima não é grande e o juiz tem maior flexibilidade para determinar a sentença, correm mais risco de acabar presos por mais tempo se forem negros, conclui análise de 17 mil decisões judiciais do Estado da Carolina do Sul (EUA). No entanto, os mesmos registros mostram que, no caso de crimes graves, acusados brancos tendem a pegar sentenças mais duras que os negros. O trabalho, publicado no periódico Journal of Quantitative Criminology, testa a hipótese de que, na ausência de fatores objetivos determinantes – como a gravidade da ofensa ou uma história de reincidência por parte do acusado – juízes acabam permitindo que considerações extrajudiciais, incluindo raça, afetem a formulação da sentença. A maior diferença detectada nesse estudo diz respeito às sentenças dadas a réus primários: nesse caso, negros tinham 43% mais chance de pegar cadeia que brancos. A disparidade desaparece, no entanto, quando tanto negros e brancos já têm fichas criminais extensas.

A ciência deve ser reprodutível: diferentes cientistas, realizando um mesmo experimento com materiais equivalentes, deveriam obter os mesmos resultados. É a confiança na reprodutibilidade que permite transformar resultados científicos em tecnologia. Além disso, o esforço de reprodução é importante para testar e confirmar descobertas. No entanto, a pressão do sistema acadêmico por trabalhos originais e achados espetaculares vem reduzindo os incentivos para esse tipo de iniciativa, o que traz a preocupação de que a literatura esteja sendo contaminada por resultados inválidos, porque irreprodutíveis, mas que se perpetuam porque nunca são checados. Esse temor levou ao lançamento de algumas iniciativas para tentar reproduzir grandes quantidades de estudos em áreas consideradas especialmente vulneráveis a resultados falsos positivos, como ciências sociais e pesquisa médica. Ano passado, o Projeto Reprodutibilidade: Psicologia (RPP, na sigla em inglês) publicou na revista Science o resultado de um esforço para reproduzir 100 importantes experimentos da área. O trabalho só obteve alguma medida de sucesso em cerca de 50% dos trabalhos visados. Agora, a Science publica os resultados de um trabalho semelhante, tratando da tentativa de reprodução de 18 experimentos laboratoriais de economia. Esse número representa a totalidade dos artigos sobre resultados experimentais publicados nos periódicos American Economic Review e Quarterly Journal of Economics entre 2011 e 2014. A taxa de reprodutibilidade, definida como a proporção de estudos onde a tentativa de reprodução gerou um efeito significativo consistente com o trabalho original, ficou em 61%, ou 11 estudos replicados de 18. Outras três tentativas de reprodução chegaram perto de atingir significância, informam os autores, o que levaria a taxa de sucesso a 78%. “Temos todas as razões para sermos otimistas e acreditar que a ciência em geral, e as ciências sociais em particular, emergirão muito melhor depois deste período atual de autorreflexão”, escrevem os autores.

Espontaneidade sob regras estritas Uma equipe de físicos alemães desenvolveu um modelo matemático cujo comportamento, embora baseado em regras precisas, é capaz de apresentar mudanças imprevistas, radicais e aparentemente espontâneas. Esse tipo de modelo, dizem os autores, pode ajudar no estudo de fenômenos como surtos epiléticos. O modelo é uma rede de milhares de elementos individuais interconectados, que se comunicam com os vizinhos, mas também com elementos mais distantes. Embora as regras de interação entre os nodos dessa rede sejam perfeitamente determinadas, as diferentes conexões e o grande número de elementos impõem uma complexidade extra ao comportamento do conjunto. O artigo está disponível na base ArXiv (http://arxiv. org/abs/1602.02177) e será publicado no periódico Physical Review X.

Uma análise dos gastos de dez grandes cidades – Londres, Paris, Nova York, Cidade do México, São Paulo, Pequim, Mumbai, Jacarta, Lagos e Adis-Abeba – em ações de

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


3 Campinas, 7 a 13 de março de 2016 Fotos: Antonio Scarpinetti

Estudo com células mensura toxicidade

em achocolatados Método pioneiro consiste em simulação in vitro que avalia riscos e benefícios de ingestão de alimentos SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

em sempre o teor total de elementos presentes em um alimento, seja ele essencial ou tóxico para a saúde, é absorvido pelo organismo humano. Um achocolatado à base de cacau, por exemplo, pode conter um teor total de determinado elemento metálico, como o níquel e o bário, capaz de causar, em princípio, eventual preocupação do consumidor, embora isso não represente, de fato, que aquela quantidade do elemento será assimilada pelo organismo humano. Uma pesquisa inédita e pioneira no Brasil desenvolvida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp conseguiu simular, em um ambiente fechado e controlado de laboratório, elementos metálicos encontrados em 34 marcas de achocolatados em pó que poderiam ser efetivamente absorvidos pelo organismo. A simulação in vitro utilizou-se de células epiteliais do intestino humano para realizar uma avaliação mais realística do risco e do benefício associado à ingestão destes elementos. O trabalho foi conduzido pela química Rafaella Regina Alves Peixoto, como parte de sua tese de doutorado defendida em agosto deste ano junto ao Programa de Pós-Graduação em Química do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. O estudo foi orientado pela professora Solange Cadore, que atua no Departamento de Química Analítica do IQ. A docente trabalha junto ao Grupo de Espectrometria Atômica (GEAtom) da unidade e coordena linha de pesquisa sobre o tema. A pesquisadora Rafaella Peixoto explica que o emprego de células epiteliais no estudo considerou a função do intestino delgado no organismo humano, responsável por 90% de todo o processo de absorção de nutrientes provenientes da alimentação. O órgão funciona como uma barreira às enzimas digestivas e substâncias não utilizadas pelo organismo, controlando seletivamente a entrada de nutrientes e de xenobióticos, compostos químicos estranhos ao corpo. Embora constatada a presença de elementos metálicos que poderiam representar toxicidade ao organismo nos seus teores totais, sobretudo em achocolatados do tipo diet e light, o estudo demonstrou que, do ponto de vista da absorção destes elementos, não há qualquer risco à saúde. Os resultados mostraram que, em geral, uma pequena fração dos elementos bário (Ba), boro (B), manganês (Mn), níquel (Ni), selênio (Se) e cobalto (Co) foi capaz de atravessar as camadas celulares. Isto sugere, conforme Rafaella Peixoto, que tais elementos seriam absorvidos em uma extensão de fraca à moderada pelo epitélio intestinal humano. “O achocolato pode sim contribuir para a ingestão de alguns elementos essenciais e, do ponto de vista toxicológico, dos contaminantes, este alimento é totalmente seguro. Com relação a esses elementos que nós avaliamos a possível absorção pelo organismo, os resultados mostraram que eles seriam absorvidos em uma extensão de fraca à moderada. Do ponto de vista toxicológico, portanto, isso não representa nenhum perigo”, garante a estudiosa da Unicamp.

Outros trabalhos coordenados pela professora Solange Cadore vêm sendo desenvolvidos para avaliar a efetiva absorção de elementos presentes em amostras de carnes bovinas cruas e processadas, no café solúvel, chá e em hortaliças utilizadas na dieta do brasileiro, como a alface e a couve. Todos os estudos recebem aporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), tanto para a compra de equipamentos quanto para a concessão de bolsas de estudos. “Este método desenvolvido pela Rafaella pode ser aplicado a todo tipo de alimento. Por enquanto estamos trabalhando com os alimentos separadamente, mas o objetivo, no futuro, é agregar, por exemplo, o achocolatado e o leite e o café com o leite, para analisar como estas interações entre os próprios alimentos podem ou não afetar a absorção de elementos metálicos pelo organismo”, antecipa a orientadora Solange Cadore. A docente da Unicamp desenvolve estudos nesta área desde 2011.

A química Rafaella Regina Alves Peixoto, autora da tese, durante teste no IQ: 34 marcas foram analisadas

PIONEIRISMO

A química Rafaella Peixoto ressalta que a maioria dos estudos nutricionais e toxicológicos com relação à presença de elementos metálicos em alimentos ainda é feita baseando-se nos teores totais dos elementos, desconsiderando suas interações no organismo. O estudo constitui-se, portanto, de acordo com ela, no primeiro do país, na área de química, a trabalhar com células do tipo Caco2, oriundas do intestino humano, e aplicá-las para avaliação do que é denominado de biodisponibilidade e bioacessibilidade de elementos metálicos. Os conceitos consideraram, a partir de determinado alimento, as transformações que ocorrem nos componentes alimentares no trato gastrointestinal e sua absorção através do epitélio intestinal humano. “Nós fomos o primeiro grupo que se tem conhecimento no Brasil, da área de química, a trabalhar com este tipo de células e aplicá-las para avaliação da biodisponibilidade de elementos metálicos. Esse método é muito usado na área farmacológica, mas na área de alimentos ainda é pouco explorado. Esta foi a maior relevância da nossa pesquisa, ou seja, avaliar o teor total, a fração digerida, que é a fração bioacessível, e chegar até a fração biodisponível, que se refere à quantidade de elementos que seriam absorvidos pelo epitélio intestinal.” A estudiosa da Unicamp explica que o termo bioacessibilidade, na área nutricional, é um parâmetro usado como indicativo da quantidade máxima do composto ingerido que pode ser absorvido pelo epitélio intestinal. Já a biodisponibilidade refere-se à fração do elemento que é absorvido pelo organismo humano, alcança a circulação sistêmica e é utilizado para desempenhar funções vitais em seus tecidos alvos.

A professora Solange Cadore, orientadora da pesquisas: “Método pode ser aplicado a todo tipo de alimento”

“O teor total é uma informação importante. A maioria dos trabalhos considera os teores totais. Mas uma avaliação mais adequada, tanto do ponto de vista nutricional quanto da segurança alimentar, precisa considerar que, quando nós ingerimos um alimento, ele tem todo o sistema digestivo para passar. Portanto, neste sistema digestivo vão ocorrer reações químicas de natureza enzimática capazes de influenciar no quanto desse elemento ingerido estará disponível para ser absorvido pelo corpo humano e no quanto efetivamente ele é absorvido”, esclarece Rafaella Peixoto. “Atualmente os órgãos internacionais que regularizam a presença de elementos metálicos em alimentos estão começando a considerar estes dados de modo a estabelecer os níveis seguros de ingestão ou os níveis recomendados para os elementos essenciais. O ‘Codex Alimentarius’, uma comissão que regula mundialmente os padrões sobre alimentos, tem solicitado dados de bioacessibilidade e de biodisponibilidade para estabelecer os limites aceitáveis. Só que os dados ainda são escassos. Portanto, é um trabalho de grande contribuição”, completa a pesquisadora. Ela informa que os estudos de bioacessibilidade foram conduzidos em parceria com o Grupo de Elementos Traza, do Instituto de Agroquímica y Tecnología de Alimentos (IATA) de Valência, na Espanha. O Instituto espanhol, um dos principais nesta área de pesquisa no mundo, pertence ao Conselho

Superior de Investigação Científica (CSIC) da Espanha. A química graduada na Unicamp permaneceu seis meses em Valência. O estudo também contou com a colaboração do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. No momento, Rafaella Peixoto se planeja para dar sequência aos estudos com uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Oviedo, também na Espanha, sobre a especiação, fortificação com nanopartículas, biodisponibilidade e bioacessibilidade dos elementos presentes no leite materno.

DESAFIOS

O desenvolvimento do estudo, que simula os processos digestivos que ocorrem na boca e no intestino, foi bastante desafiante do ponto de vista da pesquisa científica, reconhece a professora Solange Cadore. “No teor total há um número razoável de elementos num determinado alimento. À medida que vai passando para a etapa bioacessível, este número diminui. E quando chegamos à etapa da biodisponibilidade, com o uso das células, a concentração de elementos se torna muito pequena. E aí reside o grande desafio analítico, ou seja, desenvolver métodos para determinar estes valores.”

Publicações PEIXOTO, R. R. A.; OLIVEIRA, A.; CADORE, S. Multielemental determinations in chocolate drink powder using multivariate optimization and ICP OES. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 60, p. 8117-8122, 2012. PEIXOTO, R. R. A.; MAZON, E. A. M.; CADORE, S. Estimation of the bioaccessibility of metallic elements in chocolate drink powder using an digestion method and spectrometric techniques. Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 24, p. 884-890, 2013. Tese: “Elementos metálicos em achocolatados: teores totais e frações bioacessíveis e biodisponíveis” Autora: Rafaella Regina Alves Peixoto Orientadora: Solange Cadore Unidade: Instituto de Química (IQ) Financiamento: Fapesp, INCTAA


4 Campinas, 7 a 13 de março de 2016

Em cena, mas como coadjuvantes Segundo pesquisa do IE, países em desenvolvimento têm participação discreta no Sistema Agroalimentar Mundial

Fotos: Divulgação

Plantações de uva, de manga e transporte de melão, no Nordeste: pesquisador analisou dinâmica dos polos de Petrolina-Juazeiro e de Açu-Mossoró

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

om as transformações ocorridas a partir dos anos 80 no Sistema Agroalimentar Mundial, que se tornou mais flexível, novos agentes [países, grandes atacadistas e redes de supermercados] passaram a participar do comércio internacional de alimentos. Ocorre, porém, que essa inserção foi feita de modo assimétrico, o que manteve as nações compradoras, notadamente Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, na liderança desse processo. A constatação é da tese de doutorado do economista Thales Augusto Medeiros Penha, defendida no início de fevereiro no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O trabalho foi orientado pelo professor Walter Belik. O Sistema Agroalimentar Mundial pode ser explicado como o modelo que coordena os processos de produção e comercialização dos alimentos em plano global. De acordo com Thales Penha, até os anos 70 esse sistema seguia uma lógica fordista, de produção em massa para um mercado ávido por consumir. A base da produção era constituída principalmente por grãos – soja, milho, arroz e trigo. A liderança desse processo era exercida pelos Estados Unidos, considerado até então como o maior celeiro mundial de produtos alimentares, e em menor grau por países da Europa. Na transição dos anos 70 para os 80, entretanto, o sistema sofreu uma significativa transformação. Houve, segundo o economista, uma abertura para a participação de novos agentes no mercado. Os países europeus, recuperados dos danos causados pela Segunda Guerra, cresceram em representatividade. Além disso, outros fatores concorreram para a mudança do modelo. Houve, por exemplo, um forte crescimento da demanda por alimentos diferenciados, provocado pelo aumento da renda da população mundial. “As pessoas passaram a consumir produtos classificados como bens superiores, aqueles que não são de primeira necessidade”, esclarece. Também aconteceu uma alteração no perfil desse consumidor, que começou a dar maior importância a temas como qualidade de vida, valor nutricional dos alimentos e sustentabilidade ambiental. Por fim, ocorreu uma mudança na oferta de alimentos, graças ao avanço tecnológico incorporado principalmente na fase da pós-colheita. “Com isso, produtos que duravam, em média, quatro ou cinco dias, passaram a durar 15 dias, o que permitiu que alimentos produzidos na América Latina chegassem à Europa e pudessem ser consumidos ainda frescos”, pontua Thales Penha. Neste contexto, o Sistema Agroalimentar Mundial assumiu um perfil bem mais flexível, adaptado ao novo cenário. “O que procurei investigar na minha tese foi como os países se comportaram depois dessa transição. Eu queria saber, por exemplo, se os países em desenvolvimento, como o Brasil, realmente haviam sido inseridos no processo e que importância eles tinham nesse grupo de nações exportadoras”, esclarece. Para isso, o pesquisador valeu-se da “metodologia de redes”, que utiliza modelo matemático baseado na teoria dos grafos. Essa metodologia permite a extração, a partir de matrizes adjacentes, de propriedades emergentes. “No meu caso, eu analisei os fluxos comerciais entre os países no período de 1980 a 2012. Dividi esse fluxo em quatro redes, sendo a principal a denominada de FLV [Frutas, Legumes e Verduras], para ver como elas evoluíram. A rede FLV é importante para o Brasil porque foi por meio dela que o país ingressou no Sistema Agroalimentar Mundial, através de dois importantes polos fruticultores, o de Petroli-

Foto: Divulgação

Thales Augusto Medeiros Penha, autor da tese: “Os países centrais, como Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, detêm o maior número de parceiros e respondem pelo maior volume de transações comerciais. Os demais têm participação bem mais discreta, com poucos parceiros”

na-Juazeiro e de Açu-Mossoró, ambos no Nordeste. Um dado curioso sobre o Brasil é que o país é um grande produtor mundial de frutas, legumes e verduras, mas não é um grande exportador, à exceção do melão. Isso se explica devido às dimensões do nosso mercado interno”, detalha Thales Penha. Ao investigar mais profundamente o comportamento dos países que compõem o Sistema Agroalimentar Mundial, o autor da tese de doutorado constatou que, ainda que novos agentes tenham ingressado no processo, a liderança continuou sendo exercida por nações centrais, com destaque para Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. “Esses países detêm o maior número de parceiros e respondem pelo maior volume de transações comerciais. Os demais têm participação bem mais discreta, com poucos parceiros. Em outras palavras, houve de fato uma liberação comercial, mas esta inserção de novos atores no sistema se deu de maneira muito assimétrica”, sustenta. Tal assimetria pode ser comprovada, conforme o economista, a partir da análise do

número de parcerias firmadas pelos polos fruticultores brasileiros. Num período de 20 anos, o de Açu-Mossoró não amealhou mais que 15 parceiros, embora o melão produzido na região, principalmente pela Agrícola Famosa, esteja presente em praticamente todo o mundo. No polo de Petrolina-Juazeiro, o número de parceiras não ultrapassa atualmente um dígito. “Os países líderes controlam o fluxo comercial e os grandes atacadistas cuidam da distribuição. Países como Brasil cumprem um papel coadjuvante no processo”. Em seu trabalho, Thales Penha também analisou o tipo de relação existente entre os produtores brasileiros e as redes de atacadistas e supermercados. O pesquisador aplicou questionários a agricultores instalados nos polos nordestinos para identificar que tipo de contrato é firmado entre as partes. “O que constatei é que temos duas situações muito diferentes. No polo Petrolina-Juazeiro, onde predominam os pequenos agricultores, prevalecem os contratos informais, muitos baseados apenas na palavra ou no aperto de mão. Intermediários compram a produção, oferecendo o preço da semana, para revender os produtos para os entrepostos atacadistas. Isso sem dúvida gera um quadro de muita insegurança aos produtores”, considera o economista. Já no polo Açu-Mossoró, que conta com médios e grandes produtores, e cuja produção atende majoritariamente o mercado internacional, prevalecem os contratos formais, que oferecem um pouco mais de segurança aos agricultores. “Esses contratos normalmente contemplam um preço mínimo e um cronograma mais extenso, o que permite um melhor planejamento da produção por parte do agricultor”, diz. O pesquisador destaca, ainda, que o Brasil conseguiu alguma inserção no Sistema Agroalimentar Mundial por causa das políticas públicas voltadas à implantação e desenvolvimento dos dois polos fruticultores. Ambos foram criados já com o objetivo de ampliar as exportações nacionais, e assim equilibrar a balança comercial brasileira. “As obras de irrigação, que asseguram a produção dos polos, tiveram início nos anos 70. Desde então, o governo federal criou diversos incentivos fiscais e linhas de financiamento para fortalecer Petrolina-Juazeiro e Açu-Mossoró. Atualmente, algumas políticas públicas ainda estão à disposição dos produtores da região, mas elas carecem de maior sincronia. Nem sempre os programas dialogam entre si, o

que traz incertezas principalmente para o pequeno agricultor”, avalia Thales Penha, que contou por dois anos com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento do Ministério da Educação. Atualmente, o economista atua como professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

POLOS

Ainda que tenham sido criados para cumprir um mesmo objetivo, o de ampliar a inserção dos alimentos brasileiros no mercado internacional, os polos fruticultores de Petrolina-Juazeiro e Açu-Mossoró são muito diferentes entre si. No primeiro, predominam os pequenos agricultores, principalmente de manga e uva. Somente o assentamento Nilo Coelho conta com 2.058 produtores. No total, são 33 mil quilômetros quadrados de área. No Açu-Mossoró, ao contrário, prevalecem os médios e grandes produtores. Atualmente, são cerca de 20 propriedades produtoras de manga. No polo está instalada aquela que é considerada a maior exportadora de melão do mundo, a Agrícola Famosa, que foi fundada em 1995. De acordo com dados da própria empresa, a safra de 2010/2011 gerou 100 mil toneladas de frutas destinadas ao mercado externo, principalmente para Reino Unido, Holanda, Itália e Espanha. A mesma safra rendeu outras 30 mil toneladas destinadas ao mercado interno. Segundo a Agrícola Famosa, sua capacidade anual de produção é de 6 mil hectares por ano, entre melão e melancia. A empresa gera cerca de 5 mil empregos diretos.

Publicação Tese: “Estrutura e dinâmica do sistema agroalimentar: uma análise dos mercados de fruticultura dos polos irrigados de Açu-Mossoró e Petrolina-Juazeiro” Autor: Thales Augusto Medeiros Penha Orientador: Walter Belik Unidade: Instituto de Economia (IE) Financiamento: Capes


5 Campinas, 7 a 13 de março de 2016

Pesquisador analisa ilustrações científicas em livros didáticos CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

pesquisador Edson Roberto de Souza, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, investigou em sua tese de doutorado as relações entre o papel desempenhado pelas ilustrações científicas em livros didáticos que abordam temas de geociências e seus respectivos processos editoriais. Ele usou livros produzidos no Brasil, Espanha, Portugal e Itália e elaborou uma proposta de boas práticas para a produção e utilização dos diferentes tipos de ilustrações científicas em livros didáticos. O trabalho foi a primeira pesquisa concluída em regime de cotutela pela Unicamp. Nesse regime, o doutorando pode obter o grau de doutor simultaneamente em duas universidades. No caso, Souza tornou-se doutor em Ciências pela Unicamp e doutor em Ciências Experimentais e Sustentabilidade pela Universitat de Girona, na Espanha. “As imagens são fundamentais para as geociências”, disse ele. “Por exemplo, a gente trabalha com uma extensa escala temporal: vamos desde eventos que podem ocorrer de uma maneira muito rápida, instantânea, até eventos, processos que são muito demorados. Então, como não é possível observarmos uma gama de eventos in loco, as ilustrações desempenham papel crucial”. O pesquisador, que também é professor do Ensino Médio e já publicou um livro com os resultados de uma investigação sobre o papel discursivo dos gráficos em questões das provas do Enem, afirmou que, em sua tese, quis dar “um passo além” da mera enumeração de problemas. Souza estabeleceu, entre outras coisas, uma categorização para as ilustrações que aparecem nos livros, identificando seis grupos: fotografias, representações esquemáticas, gráficos, mapas, ilustrações tradicionais e reproduções de obras de arte – cada um deles com desafios e soluções próprios. “Usei dois referenciais para fazer minhas análises”, explica Souza. “Um é o da análise de discurso, para estudar o funcionamento didático das representações gráficas e também para ser capaz de compreender os discursos gerados pelas respostas dos profissionais vinculados aos processos editoriais. O outro é um referencial das geociências: um documento que foi produzido na Espanha pela comunidade geológica do país”. Esse documento definiu os temas fundamentais das Ciências da Terra e a forma como deveriam ser estudados no Ensino Médio. “Nesse debate, os espanhóis chegaram a dez ideias-chave. E essas dez ideias são divididas em subtemas”.

FOCO A pesquisa reuniu cerca de 120 livros do Brasil, da Itália, de Portugal e da Espanha. “Identificamos um tema que usava, de modo mais uniforme, os diferentes tipos de ilustrações. Esse procedimento foi necessário porque não serie possível olhar o funcionamento das imagens dentro de todos os tópicos da disciplina. O tema a que chegamos foi o da dinâmica interna da Terra”. Entre os assuntos cobertos por esse tema estão questões como a origem do campo magnético terrestre e os terremotos. “Um tipo de ilustração ligada a esse tema pode mostrar, por exemplo, um modelo do interior da Terra. O interior da Terra a gente nunca viu, nunca vai ver”, disse Souza. “Então, a imagem tem esse papel fundamental, porque proporciona uma representação, e é em cima dessa representação que o estudante vai tentar entender os complexos processos que ocorrem no interior do nosso planeta”.

Trabalho desenvolvido no IG foi o primeiro concluído em regime de cotutela Foto: Antonio Scarpinetti

Edson Roberto de Souza, autor da tese: “As imagens são fundamentais para as geociências”

Ele cita, como exemplo relativamente comum de imagem que induz ao erro, a representação do campo magnético da Terra com o desenho de um ímã no interior do globo. “Isso está totalmente em desacordo com as teorias modernas”, disse. A origem do campo magnético terrestre está possivelmente associada ao movimento de cargas elétricas na parte externa, fluida, do núcleo do planeta. Cada categoria de representação apresentou problemas próprios, comuns a todos os países. “Encontramos fotografias desconectadas do texto, sem nenhuma citação nele, então ela está lá apenas como enfeite”, exemplifica. “Ou uma fotografia que ocupa duas páginas de abertura de um capítulo, mas não há comentário que direcione o olhar do leitor, facilitando sua interpretação. Então o aluno vai olhar aquilo e pensar o quê?” Souza explica que, ao analisar ilustrações, ele se fazia uma série de questões, entre elas: “Essa ilustração representa claramente o que se pretende? Um leitor leigo teria condições de interpretar o que a ilustração demanda?”, disse. “E essa é uma questão interessante porque não sou geólogo, sou físico. Não tenho olhar ‘viciado’ de um geólogo, que às vezes passa o olho na imagem geocientífica e já está tão acostumado com o tema que acha que ela é adequada. Ele pressupõe coisas que não estão na imagem”. Outro problema é gerado por ilustrações que criam falsas expectativas. “Por exemplo, a legenda diz que se trata de uma imagem do Monte Olimpo de Marte, o maior edifício vulcânico do sistema solar. Só que o texto apresenta ao aluno uma foto chapada, de satélite. Se o texto afirma que ele é o maior, como podemos esperar que o aluno vá enxergar isso numa imagem de satélite? De que maneira problemas assim poderiam ser evitados?” Neste caso do Monte Olimpo, Souza sugere que um exemplo de boa prática seria associar à imagem de satélite uma ilustração do perfil do vulcão, e uma comparação, em escala, com as maiores elevações da Terra.

“Nas representações esquemáticas também apontei todos os erros que via. Nos mapas, também: falta de legenda, legenda incompleta, mal posicionada, cores muito próximas, falta de título, falta de orientação espacial, e por aí vai”.

DISCURSOS DIVERSOS “Para realizar o trabalho, levantamos um número grande de ilustradores, autores e editores dos diferentes países, montamos os questionários nos três idiomas – português, italiano, espanhol – e aí a gente ficou mandando e-mail para esse pessoal, pedindo para participarem da pesquisa”, relatou Souza. “Na Espanha foi fácil, porque eles têm o hábito de participar de pesquisas, talvez porque vejam uma possibilidade de aperfeiçoamento de processos. Na Itália e em Portugal foi difícil pela escassez de editoras. No Brasil, nem se fala: o pessoal nem responde e-mail”, disse, acrescentando que só conseguiu a cooperação de editores nacionais após a intercessão de uma colega professora, autora de livros didáticos. Depois de receber as respostas, o pesquisador passou a ligar os problemas encontrados às características do processo editorial. “Também é preciso entender que as posições ocupadas pelos profissionais interferem de forma decisiva nos diferentes discursos produzidos”, disse o pesquisador. “Se você conversa com o ilustrador, que normalmente é freelance e não tem compromisso com a editora, ele é bastante crítico: diz que quem encomenda a ilustração muitas vezes não tem clareza do que quer”. Já o autor, de acordo com Souza, tem um olhar mais pedagógico pra obra. O editor, por sua vez, tem um olhar mais comercial. “Então, o processo tem três profissionais com visões diferentes que, de alguma maneira, têm de se entender para produzir a obra. E aí entram várias coisas: falta de recursos financeiros, tempo insuficiente, ilustradores não especialistas – isso é um problema sério, porque o profissional tem que produzir uma ilustração que é científica, mas não tem o conhecimento. Então, acaba produzindo representações que induzem a interpretações distorcidas”.

Muitas vezes, o ilustrador trabalha com base em referências fornecidas pelo editor, recriando uma ilustração já existente sobre o mesmo assunto. Se há erros ou distorções na referência, eles se perpetuam. O pesquisador sugere investimento na formação de ilustradores especialistas. “Não é qualquer ilustrador que serve para qualquer projeto. O que os editores dizem é que não há ilustradores especialistas no mercado, são raros. Uma sugestão que dou é que o próprio editorial deveria trabalhar na formação de ilustradores”.

BRASIL E ESPANHA As geociências não constituem uma disciplina específica no currículo do Ensino Médio brasileiro. Seus conteúdos se distribuem entre os programas de outras matérias. “Sempre se fala que não tem geociências nos livros brasileiros. Mas elas estão ali, só que diluídas. Aquelas dez ideiaschave, que nos livros espanhóis, italianos e portugueses vão aparecer em uma única disciplina, nos nossos livros vão aparecer um pouco em física, um pouco em biologia, um pouco em geografia”, relata Souza. “Tem um problema isso, porque cada professor está trabalhando os conceitos e métodos segundo seu olhar de especialista em sua área”, e não segundo um modelo estabelecido pelas Ciências da Terra. Os livros brasileiros se destacam, de acordo com o pesquisador, na qualidade dos mapas. “Nossos mapas são imbatíveis”, disse. “Todos eles têm título, escala, orientação espacial. Esteticamente são mais pobres, mas tecnicamente são perfeitos. Creio que é porque, e isso é uma suposição, como esses esquemas aparecem na geografia, e o mapa é uma linguagem do geógrafo, acaba sendo muito bem feito. E nos livros lá fora isso não ocorre, sendo comuns mapas sem uma série de requisitos fundamentais. Para mim, foi uma surpresa bem legal e um resultado importante, esse dos mapas brasileiros”. Para o futuro, Souza pretende levar a pesquisa à sala de aula, para investigar como as ilustrações científicas são interpretadas pelos alunos. “Ainda não existe uma pesquisa ampla nas geociências sobre isso: como os alunos interpretam as ilustrações científicas em contextos didáticos. No pós-doutorado pretendermos avançar e complementar a pesquisa desenvolvida no doutorado adicionando a análise da ponta final do processo, ou seja, o funcionamento da imagem no ambiente de leitura em sala de aula”. O pesquisador também pretende retornar à Espanha, onde permaneceu durante parte do doutorado, para apresentar os resultados do estudo. “Nós nos comprometemos com as editoras. Elas nos apoiaram muito, enviando livros para análise, atendendo aos questionários. Porque têm interesse em melhorar, sabem que têm problemas”. No Brasil, diz ele, não temos essa cultura. As editoras parecem estar mais focadas na comercialização do que na qualidade do livro. “O editor brasileiro vai muito pelo mercado, e não pensa tanto na questão da qualidade. Ele quer ter um produto novo, está de olho na legislação, nas novas diretrizes curriculares do governo. Essa é a preocupação. Esperamos que a divulgação da nossa investigação sensibilize as editoras.” Souza teve dois orientadores e uma coorientadora nesse trabalho: no Brasil, Denise De La Corte Bacci, da Unicamp. E na Espanha, David Brusi Belmonte, de Girona, e a coorientadora Maria Amelia Calonge García, da Universidad de Alcalá.

Publicação Tese: “O potencial didático das imagens geocientíficas em livros de textos do ensino secundário: representações gráficas da dinâmica interna da terra” Autor: Edson Roberto de Souza Orientadores: Denise De La Corte Bacci e David Brusi Belmonte Coorientadora: Maria Amelia Calonge García Unidade: Instituto de Geociências (IG) e Universitat de Girona (Espanha)


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Campinas, 7 a 1

Ensaio investiga formação da i Pesquisador analisa mapas, obras literárias e até cordéis para fundamentar tese desenvolvida no IEL LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

Sertão: palavra de enorme riqueza no imaginário, na história e cultura(s) do Brasil. Lugar desértico, paisagem árida e desoladora, onde vive uma população em constante processo migratório, lugar de uma rica cultura popular e também um espaço de barbárie, misticismo e miséria? O sertão se apresenta sob diversos aspectos, despertando sensações e sentimentos, evocando imagens e apresentando-se como resultado de uma longa experiência sócio-histórica e ficcional. Este trabalho investiga a formação da identidade narrativa sertaneja, percorrendo assim uma trajetória que tem como característica central a multiplicidade de autores, gêneros e discursos que formam as veredas de um processo em contínua transformação.” É assim que Jorge Henrique da Silva Romero resume sua tese de doutorado “Sertão, sertões e outras ficções: ensaio sobre a identidade narrativa sertaneja”, orientada pela professora Suzi Frankl Sperber e defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Um diferencial nesta pesquisa é a sua apresentação em formato de ensaio. “É um formato muito pouco usual, que vai contra a corrente acadêmica, mas considerei uma boa estratégia para focalizar este espaço tão fugidio, que escapa a cada momento de uma classificação. A ousadia valeu a pena. Como o objetivo era trabalhar com o imaginário, ganhei inúmeras possibilidades em termos ficcionais”, justifica o autor. Na opinião de Jorge Romero, existe um transbordamento do imaginário sobre o sertão, hoje geograficamente demarcado pelo Polígono das Secas, que compreende os Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais. “O tema está presente em nossa história desde a vinda dos colonizadores portugueses. Raimundo Faoro, em “Os donos do poder”, afirma que o sertão era então

‘outro mar ignoto’, outro espaço a se conhecer. Sérgio Buarque de Holanda destaca as estratégias distintas da colonização espanhola e da lusitana: a espanhola entrou terra adentro, devastando e povoando o interior; a portuguesa fortaleceu os domínios no litoral e conservou intacto o sertão, até as entradas dos bandeirantes atrás de metais e pedras preciosas.” O autor da tese lembra que o primeiro dicionário brasileiro, “Vocabulario portuguez e latino” (publicado entre 1712 e 1721), do padre Raphael Bluteau, já trazia a palavra sertão, ainda que grafada de diferentes formas: “certão”, “sertam”, “sertaão”. “A palavra existia mesmo antes da colonização, tanto que Caminha expressou assim seu assombro com a vastidão daquelas terras: ‘pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender os olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa’. A palavra também aparece relacionada a territórios africanos, conservando esta propriedade do desconhecido.” Jorge Romero contou com a participação na banca examinadora do professor Berthold Zilly, que traduziu para o alemão “Os sertões”, de Euclydes da Cunha, e agora está traduzindo “Grandes sertões: veredas”, de Guimarães Rosa. “O fascínio pelo sertão fez com que o professor Zilly viajasse para o Brasil a fim de conhecer as terras de suas leituras. Ao chegar às comunidades perguntando onde ficava o sertão, a resposta era sempre: ‘é mais pra lá, é mais pra lá’. O que temos é um espaço de indeterminação, em que o sertão passa a ser o espaço do outro (de alteridade) e, via de regra, opondo civilização e barbárie – esta é a tônica quando se fala de litoral e sertão.” Nascido em Fortaleza, mas de família do sertão, o pesquisador afirma que seu objetivo na tese foi justamente problematizar esta vastidão da região no imaginário e também no presente, percorrendo a historiografia e a literatura brasileira

desde a “Carta de Caminha”. “Analisei mapas, imagens e cordéis. E, para viabilizar a ideia de um ensaio, recorri a autores fundamentais como Jean Starobinski, que diz: ‘O ensaio nunca deve deixar de estar atento à resposta precisa que as obras ou os eventos interrogados devolvem às nossas questões. Em nenhum momento ele deve romper seu compromisso com a clareza e a beleza da linguagem’. A clareza e a beleza foram preocupações presentes o tempo todo na redação do texto.”

MITOS

CIVILIZATÓRIOS

Na primeira parte da tese, Romero procura explorar aspectos do sertão presentes na história do Brasil, como o “mito da conquista” pelos primeiros exploradores, os bandeirantes. “Utilizo uma epígrafe de Walter Benjamin que resume bem essa questão: ‘Nunca houve um monumento da cultura que também não fosse um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura’. Transitando entre história e literatura, procuro mostrar que civilização e barbárie estão presentes neste movimento dos bandeirantes.” O pesquisador atenta que a questão dos mitos civilizatórios é bastante perceptível nos mapas dos séculos 16 e 17, dando o exemplo do conhecido mapa de Reinel (1519), confeccionado a mão. “Nele, o litoral descrito é em detalhes, enquanto o interior traz figuras de dragão, animais exóticos e indígenas – elementos míticos com os quais cartógrafos representavam o desconhecido e o perigoso. Há gravuras em que o mar também é preenchido com essas figuras.” No mapa “Brasilia Barbarorum” (Brasil Bárbaro), acrescenta Jorge Romero, elaborado pelo cartógrafo alemão Georg Seutter em 1740, o litoral é igualmente descrito em detalhes, enquanto um vazio representa o sertão, indicando vastas extensões e ausência de civilização. “Ao ser inserido no interior das fronteiras portu-

O sertão está em toda É múltiplo Invisível O sertão pula de n E vai parar nos outr O sertão está nas cid Nos homens e mulhe Às vezes eu fico tão inu Que transborda ser Pra todo lado! (“Ser tão sertões”, poema do

Foto: Divulgação

O mapa de Reinel, de 1519: enquanto o litoral é descrito em detalhes, o interior é repleto de figuras que remetem ao perigoso e ao desconhecido

O mapa “Brasilia Barbarorum” (Brasil Bárbaro), elaborado pelo cartógrafo


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13 de março de 2016

identidade narrativa sertaneja Foto: Antonio Scarpinetti

guesas, o sertão adquiria um sentimento de pertença e um status de território à espera da integração pelo colonizador. É um espaço que Euclides da Cunha vai preencher com a narrativa de uma guerra entre a civilização e este Brasil bárbaro; para isso, vai ter que descrever esse outro tipo humano, completamente diferente do homem do litoral.”

HÉRCULES-QUASÍMODO “Dualidade Hércules-Quasímodo” é o título da segunda parte da tese, em que o autor introduz o elemento da “identidade narrativa”, conceito do filósofo Paulo Ricoeur que o ajudou a lidar com a imensa quantidade de obras e interpretações sobre o sertão. “Por exemplo, em ‘Os sertões’, Euclides da Cunha utiliza uma metáfora belíssima sobre dois sentimentos em relação ao sertanejo: primeiro, ele descreve o homem da caatinga, Hércules-Quasímodo, montado em seu cavalo como se formasse a imagem de um centauro, um corpo metade homem e metade cavalo, desgracioso e fatigado na sua imobilidade; de repente, um novilho escapa e o sertanejo se transforma em figura titânica, acossando o boi fugitivo. Esta metáfora oferece duas dimensões: uma de rebaixamento, do corpo torto e desengonçado, e outra da idealização, presente em folhetos de cordel com a imagem de Lampião como herói.” Romero considera que Euclides da Cunha consegue oferecer uma síntese de toda a literatura sobre este espaço exótico, unindo a sua própria experiência no sertão. “Alguns escritores voltaram-se para esses lugares recônditos para mostrar a seus concidadãos, da república das letras, que existia um outro Brasil. Desde José de Alencar com ‘O Sertanejo’, passando por Taunay com ‘Inocência’, até as obras regionalistas tratando da fome e da

Foto: Divulgação

a parte

nós tros dades eres... undado rtão

Obra de Ângela Almeida usada pelo autor para ilustrar a tese

o autor da tese)

seca, como ‘A fome’ de Rodolfo Teófilo e ‘Os retirantes’ de José do Patrocínio; e mesmo a literatura de viagem, que vai ser tema do livro ‘O Brasil não é longe daqui’, de Flora Süssekind, pensando a importância desse estilo de narrativa para a constituição do sistema literário brasileiro.”

MICROFÍSICA

Na última parte da tese, o autor apresenta a sua noção de “microfísica poiética”, tomando como referência a “microfísica do poder” de Foucault, sobre a horizontalização do poder – que não está localizado em um lugar, visto que existe uma teia de relações de poder. “‘Poiesis’, aqui, é o conceito fundamental que se refere à cri(ação), sugerindo a atividade sempre reveladora, onde narrativas diversas encontram espaço privilegiado para aflorar. A ‘microfísica poiética’ pressupõe um movimento sempre aberto à incorporação de novas produções artísticas.” Por esta noção, esclarece Jorge Romero, o sertão deixa de ser território do letrado, como no século 19, e sim um território primordialmente da obra de arte. “Antes, conhecíamos o sertão apenas através dos seus representantes, como Alencar, Taunay, Patrocínio e Euclides. Com a ‘microfísica poiética’ introduzi outros elementos a partir de Guimarães Rosa e Patativa do Assaré [Antônio Gonçalves da Silva], que tratam de sertões diferentes: ‘Grande sertão: veredas’ é um sertão do norte de Minas, de jagunços, em que temos um sertanejo como narrador, explorando muito bem as contradições metafísicas e sociais ali presentes; e a obra de Patativa do Assaré é o sertão cearense, das contradições políticas por conta do seu esquecimento, mas não na perspectiva centralizada do letrado da cidade e sim do próprio sertanejo.”

Publicação Tese: “Sertão, sertões e outras ficções: ensaio sobre a identidade narrativa sertaneja” Autor: Jorge Henrique da Silva Romero Orientadora: Suzi Frankl Sperber Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

Foto: Divulgação

alemão Georg Seutter, em 1740: sertão representado pelo vazio

POIÉTICA

Foto: Antoninho Perri

Jorge Henrique da Silva Romero, autor da tese: “Como o objetivo era trabalhar com o imaginário, ganhei inúmeras possibilidades em termos ficcionais”


8 Campinas, 7 a 13 de março de 2016

Uma história do jogo do bicho POR DIEGO GALEANO dgaleano@puc-rio.br

livro Leis da sorte, da historiadora Amy Chazkel, é uma genealogia e uma arqueologia fundamentais do jogo do bicho no Brasil. A autora traz à tona uma série de questões centrais para compreender a conturbada história da vida pública no Rio de Janeiro. Questões, aliás, de uma notável atualidade: a relação entre os projetos urbanísticos e a especulação imobiliária; a tensão entre os grandes negócios e a economia informal na cidade; a intervenção da polícia nas formas de existência e de sobrevivência das classes populares, e a ilegalidade rotineira da ação policial. As páginas iniciais do livro, sobre as “origens do jogo do bicho”, seguem a história de como esse jogo saiu dos muros do zoológico, escapando das mãos do seu progenitor, o Barão de Drummond, e invadindo a cidade do Rio de Janeiro. Esse começo permite ao leitor pensar a complexa interação entre o empreendedorismo privado – atrelado às transformações urbanas da Belle Époque carioca – e as políticas do governo municipal, abordando o complexo dilema entre a proibição e a regulamentação de atividades frequentes e visíveis na vida pública urbana (tensão presente tanto no jogo clandestino como na prostituição). O livro continua com uma análise das “regras do jogo”, ou seja, dos códigos explícitos e implícitos que regulavam sua existência nos espaços da cidade. Regras que se constroem nos encontros e disputas entre a codificação penal, o funcionamento concreto da justiça criminal e a ação co-

SERVIÇO

Título: Leis da sorte — O jogo do bicho e a construção da vida pública urbana Autora: Amy Chazkel Editora da Unicamp Páginas: 360 Área de interesse: História Preço: R$ 86,00 www.editoraunicamp.com.br

tidiana da polícia. A partir de 1895, explica a autora, a polícia prendia pessoas envolvidas com o jogo do bicho. Muitos eram detidos, alguns tinham dinheiro para pagar fianças, outros permaneciam algum tempo na Casa de Detenção, mas quase nenhum era efetivamente condenado pelos juízes. Essa evidência empírica é certamente resultado de um trabalho muito sério, que coteja os volumes encadernados dos Registros de Sentenças Criminais do Arquivo Nacional e os livros manuscritos de entradas na Casa de Detenção do Arquivo Público do Estado. Talvez o mais interessante desse capítulo não seja tal evidência em si, mas a forma com que a autora a interpreta. Fugindo da ideia de que a lei “fracassava”, Chazkel explica a maneira pela qual a lei era praticada e a ilegalidade ambivalente do jogo do bicho. E a lei não era praticada só pelos juízes: seus usos estratégicos se estendiam desde os policiais até os comerciantes, bicheiros e banqueiros. Os policiais usavam a criminalização do jogo para pedir dinheiro aos bicheiros em troca de proteção e estes podiam também usá-la para punir um intermediário que não cumprisse com suas obrigações. Assim, a lei que punia o jogo do bicho tinha efeitos e usos estratégicos que iam muito além do suposto “fracasso” na sua aplicação. Leis da sorte tem ainda muito a dizer sobre questões fundamentais da vida pública urbana do Rio de Janeiro e avança na direção de uma história do pequeno comércio popular e do mercado informal. A notável capilarização do jogo do bicho acompanha a própria onipresença do mundo do comércio varejista. A conexão entre o jogo do bicho e o comércio de rua era de uma intimidade absoluta. As inquietações morais com o jogo do bicho não surgiram porque ele fosse um tipo de

jogo, mas porque era uma modalidade de comércio. A primeira campanha geral contra o jogo do bicho (1913) refletia a própria geografia moral do comércio no Rio de Janeiro: a grande presença, por exemplo, de imigrantes portugueses entre as detenções policias revela que a perseguição seletiva espelhava conflitos sociais existentes, como a hostilização do comerciante português. Especulação imobiliária, grandes empreendimentos urbanos e pequeno comércio varejista; vendedores ambulantes, policiais perseguindo práticas das classes populares e construindo redes de ilegalidade: todos, temas de enorme relevância histórica e atual. Além de ser um grande aporte para a história das práticas ilegais, da polícia e da justiça criminal no Brasil, o livro de Amy Chazkel sugere outra forma de pensar a monetarização da vida social e econômica na Primeira República, na qual o dinheiro já não era apenas um demolidor de vínculos e significados sociais, como para a sociologia clássica. A autora propõe compreender um paradoxo: a monetarização da vida carioca, longe de padronizar o comércio e a economia, inventou novas formas de improvisação, como o jogo do bicho. O dinheiro e, em particular, a circulação de valores em forma de papel, em vez de fazerem a vida do povo mais enfadonha, “deram às pessoas algo com que brincar”. Diego Galeano é professor do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Formado em sociologia na Universidad Nacional de La Plata, Argentina (2004), é doutor em história social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012).

Urbanização de favela é analisada Fotos: Divulgação

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

cientista social Maria Encarnación Moya Recio, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, analisou, em seu estudo de pós-doutorado, como os moradores da favela paulistana Vila Nova Jaguaré têm interagido com o processo de urbanização em curso desde 2006 na ocupação. A sua pesquisa buscou compreender, sob a perspectiva das famílias, a importância da casa na favela, bem como o impacto de melhorias que só mais recentemente foram promovidas pelo poder público, como asfalto e esgoto. “Esta urbanização da favela vem conformando, ao mesmo tempo, um campo de oportunidades e constrangimentos. Com este processo de urbanização a casa ganha ‘mais valor’, tanto material, quanto simbólico. Isso também pode viabilizar a saída de uma situação de extrema precariedade habitacional. Mas, por outro lado, este processo pode impor novos custos associados à ‘formalização’ da moradia, como contas e parcelas a pagar. Isso pode ainda incentivar a ‘venda da chave’ nas situações de maior vulnerabilidade socioeconômica”, considera. Encarnación Moya explica que o objetivo do estudo foi examinar de que maneira a urbanização da maior favela da cidade de São Paulo em área contínua (150 mil m²) tem impactado as condições, modos de vida, projetos familiares e individuais dos habitantes do local. Ela informa que o processo de regularização fundiária na Vila Nova Jaguaré, ainda em curso, deve conceder aos moradores um título de posse por 99 anos. Na pesquisa, a cientista social utilizou uma abordagem biográfica, baseada em entrevistas em profundidade com membros de 11 domicílios, além da observação direta. “Os moradores ainda se perguntam se todo esse processo quer dizer ‘casa própria’ ou ‘não’. Até o momento da urbanização, muitos entrevistados consideravam que tinham melhorado de vida, tanto do ponto de vista das melhorias que realizaram em suas casas, como do ponto de vista socioeconômico. Os que não experimentaram isso - eles nunca saíram da condição do barraco - haviam pensado na possibilidade de voltar para a terra natal. Mas sendo moradores mais antigos, acabaram recebendo a verba do aluguel social repassada pela prefeitura e aguardaram a mudança para os conjuntos habitacionais.” Ainda conforme Encarnación Moya, o processo de urbanização, com a construção dos conjuntos habitacionais na área da favela e arredores, tem impacto no que ela denomina de trajetórias habitacionais. A estudiosa explica que, dentro da favela, hoje oficialmente chamada de “núcleo urbanizado”, as trajetórias habitacionais possuem o sentido das mudanças que a casa e as condições de moradia vão assumindo ao longo do tempo. São trajetórias ligadas às estratégias de sobrevivência e melhoria de vida.

“Trajetórias habitacionais relacionam-se às necessidades que vão surgindo no seio do próprio grupo doméstico. Os filhos crescem, constrói-se mais um cômodo, a laje dá lugar a um sobrado, e assim vai. Mas essas trajetórias não são lineares: houve famílias que sequer saíram da condição de barraco até o momento do processo de urbanização. Nesses casos em parte influiu o fato de que ocupavam uma área extremamente precária sobre um córrego. Mas, além disso, a própria trajetória do grupo doméstico - separações, novas uniões, idas e voltas da terra natal em fases de desemprego ou pela vontade de estar perto dos familiares –, tudo isso influi no que é feito com a casa”, analisa.

NOVA JAGUARÉ

Aspectos da favela Vila Nova Jaguaré, a maior em área contínua de São Paulo

Maria Encarnación Moya Recio, autora da pesquisa: “Trajetórias habitacionais relacionam-se às necessidades que vão surgindo no seio do próprio grupo doméstico”

A Vila Nova Jaguaré, mais conhecida atualmente como Nova Jaguaré, situa-se no distrito do Jaguaré, pertencente à subprefeitura da Lapa, no centro expandido de São Paulo. Conforme dados do Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a comunidade contava com 8.650 habitantes em 2010. Está localizada numa região crescentemente valorizada da cidade, de acordo com a pesquisadora da Unicamp. “Às margens do Rio Pinheiros, próxima à Universidade de São Paulo e fazendo limite com os bairros Alto de Pinheiros, Vila Leopoldina, Butantã e Rio Pequeno, a favela teve sua ocupação iniciada nos anos de 1960. Houve um adensamento no ritmo da intensa industrialização e rápida urbanização dos anos de 1960 e 1970, com a chegada de migrantes, em sua maioria do Nordeste do país, em busca de chances de vida”, acrescenta. A Vila Nova Jaguaré sofreu outro adensamento intenso durante a crise dos anos de 1980 e a fase de restruturação produtiva de 1990. Este crescimento foi reflexo do empobrecimento da população e da tentativa de fuga do aluguel, mas também da ausência de políticas públicas para a população de baixa renda, aponta a estudiosa da Unicamp, que recebeu bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Publicação Pós-doutorado: “Trajetórias habitacionais e desigualdades na pobreza: interações entre as trajetórias da ‘Nova Jaguaré’ e o programa de urbanização de favelas na cidade de São Paulo” Autora: Maria Encarnación Moya Recio Unidade: Núcleo de Estudos de População (Nepo) Financiamento: Fapesp


9 Campinas, 7 a 13 de março de 2016

Pesquisadora desenvolve dispositivos para o transporte seguro de recém-nascidos

Mais segurança para bebês abaixo do peso

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

egundo dados de 2014, estimase que cerca de 16 mil crianças de zero a um ano morrem anualmente no Brasil em decorrência de acidentes em transportes veiculares. Em 2012, constataram-se no país 233 mil recém-nascidos de baixo peso (RNBP) - assim considerados os bebês com menos de 2.500 gramas - dos quais em torno de 80% sobrevivem e que, depois de receberem alta, devem retornar à maternidade periodicamente para exames de controle, ocasiões em que são transportados em veículos particulares ou públicos. São então conduzidos nos chamados bebês-conforto ou cangurus disponíveis no mercado, não adequados aos seus reduzidos tamanhos e que, além de submetê-los a maiores riscos de acidente, causam sérios problemas de postura, que podem ser de difícil correção futura e causar, durante o uso, lesões cerebrais e, em casos extremos, até a morte. Com o objetivo de minimizar os riscos nos transportes desses bebês nos equipamentos disponíveis e torná-los mais confortáveis, Cindy Janneth Rondón Cachopo, oriunda do departamento de Santander, na Colômbia, graduada em Desenho Industrial pela Faculdade de Engenharia FísicoMecânica, da Universidade Industrial de Santander, desenvolveu dois dispositivos para o transporte de RNBP, com massas entre 1.600 e 2.500 gramas, a partir da alta hospitalar. Um dos dispositivos foi projetado para adaptação às cadeirinhas infantis ou bebês-conforto utilizados em automóveis, de dimensões maiores às necessárias e inadequadas aos RNBP. O outro, que substitui os cangurus existentes, possibilita o transporte seguro dessas crianças junto ao corpo das mães, particularmente em veículos coletivos. Para a pesquisadora, “os resultados mostraram que o dispositivo projetado para ser insertado nas cadeirinhas infantis permite que os RNBP sejam retidos com segurança e conforto em uma posição sentada ergonomicamente correta”. Por sua vez, o dispositivo destinado ao uso em veículos coletivos possibilita a manutenção das mãos livres de quem carrega a criança, em geral nos braços, diminuindo seu risco de queda quando do emprego das mãos para atender outras necessidades. Contribui, também, para um posicionamento natural do recém-nascido junto ao peito da pessoa que o conduz. Ela considera que o estudo traz significativa contribuição para o conforto e a segurança de um grupo vulnerável da população neonatal durante seu transporte e evita ainda posturas incorretas e consequentes problemas de saúde. A autora, que se decidiu pela Unicamp quando pretendia especializar-se em tema ligado ao transporte, por sabê-la situada entre as melhores da América Latina, recebeu orientação do professor Antônio Celso Fonseca de Arruda, que de longa data mantém linhas de pesquisa nessa área. Ela ingressou então no Projeto Criança e Segurança, desenvolvido junto ao Departamento de Materiais e Processos da FEM, onde existe um grupo interessado na segurança veicular de crianças. Parte do estudo, financiado pela Capes, teve a colaboração do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp.

Fotos: Divulgação

Antes (à esquerda): coluna incorretamente posicionada e pescoço dobrado inapropriadamente; depois: coluna bem posicionada e cabeça alinhada com o pescoço

Antes (à esquerda): postura instável e incorreta, e risco de queda; depois: postura estável e ergonomicamente correta, e criança retida

Participação do Caism nas pesquisas foi fundamental Cindy contou com a colaboração de funcionários, pessoal de enfermagem e, particularmente, do pediatra Sérgio Marva, do Caism, para inicialmente observar e inteirar-se dos problemas relacionados ao transporte em veículos particulares e coletivos dos RNBP por ocasião de suas liberações. Essa participação, afirma ela, foi fundamental para o desenvolvimento de um protocolo a ser submetido ao comitê de ética em pesquisa da Unicamp que, aprovado, lhe permitiu realizar o acompanhamento efetivo do transporte particular e público dessas crianças. Para garantir a participação das mães dos RNBP no desenvolvimento do trabalho o grupo do Caism que participou da pesquisa informava-lhes a natureza do trabalho e solicitava-lhes a concordância. Esse acompanhamento iniciou-se no ambulatório neonatal do Caism, local em que as crianças recebem altas e retornam para controle. A autora considera que nesta fase a participação do Caism foi fundamental principalmente para a formulação e o desenvolvimento do processo de pesquisa de acordo com as exigências técnicas. Ela então acompanhava, no caso do transporte particular, a saída da mãe que portava a criança no bebê-conforto até sua fixação no veículo e documentava os procedimentos através

de fotos que permitiam o registro da posição e das diferentes posturas adotadas pela criança. Depois de aventadas as soluções, com a colaboração do Caism, para os problemas detectados ela desenvolveu junto à FEM os conceitos que deveriam orientá-la na procura das soluções. Definidos os conceitos ela retornou ao Caism para que os resultados fossem submetidos à apreciação dos familiares e enfermeiras que mantêm contato com os RNBP com vistas a colher sugestões para aperfeiçoamento do projeto que levaria à construção dos protótipos. O mesmo foi feito em relação ao canguru. Com base nessas contribuições foram desenvolvidas várias alternativas para o desenho dos projetos. Elas foram então submetidas novamente às mães e enfermeiras do Caism e, paralelamente, consultados outros participantes da pesquisa e engenheiros ligados à FEM para que se pudesse chegar aos resultados mais adequados, incorporados aos projetos e protótipos finais. A pesquisadora considera que as soluções desenvolvidas apresentam um rendimento satisfatório. No caso do bebê-conforto, os usuários manifestaram 97,3% de satisfação, que foi de 95,3% no transporte com a utilização do canguru. Foto: Antonio Scarpinetti

Cindy Janneth Rondón Cachopo, autora da tese: equipamentos evitam posturas incorretas

Publicação

OS DISPOSITIVOS O uso de dispositivo de retenção para crianças, a cadeirinha infantil, é de uso obrigatório em veículos particulares. Mas as versões comercializadas, desenvolvidas em L, não permitem a acomodação adequada da coluna do bebê, que tem uma curvatura contínua, de convexidade posterior, denominada cifótica, diferente da do adulto. O dispositivo desenvolvido permite manter a criança em posição ergonomicamente correta de forma a manter a coluna em posição natural e as vias respiratórias desobstruídas.

Além disso, diferentemente dos produtos de mercado, projetados para utilização em climas de temperaturas mais baixas, foi elaborado em tecido com 100% de algodão, que facilita o fluxo mais livre do ar e evita a sudação excessiva e o desenvolvimento de alergias. O dispositivo criado é adaptável a qualquer bebê-conforto disponível no mercado. Em relação ao canguru normalmente utilizado, o modelo desenvolvido para RNBP garante também uma posição estável e ergonomicamente correta, que as versões comercializadas não permitem, pois as crianças ficam com a cabecinha para trás e com as pernas abertas, o que causa deformação que muitas vezes perdura quando as crianças começam a caminhar e torna-se de difícil correção. A pesquisadora esclarece ainda que no transporte coletivo os principais problemas observados são hiperextensão e flexão inapropriada do pescoço da criança e sustentação precária quando a pessoa que a carrega precisa usar as mãos. O canguru desenvolvido possibilita que a mãe utilize os veículos coletivos com as mãos livres e, equilibrando-se melhor, possa atender necessidades paralelas ao carregamento da criança. Inicialmente, lembra a pesquisadora, foram necessários estudos para estabelecer o estado de arte dos produtos existentes no mercado bem como caracterizar o público alvo e conhecer o ambiente de uso. Na sequência, o processo de design envolveu quatro etapas: especificar o contexto de uso; identificar os requisitos; produzir soluções de design; e avaliar o design. Estas fases do estudo permitiram identificar as necessidades de conforto e de segurança dos usuários e estabelecer os parâmetros para elaboração dos projetos. As várias etapas do trabalho foram progressivamente avaliadas interativamente por meio de entrevistas com membros da FEM e, com a colaboração do Caism, por pessoal de saúde da área de neonatologia e mães de RNBP, que procederam a testes de usabilidade. Nessa abordagem, que envolveu os RNBP, seus familiares e pessoal técnico e de enfermagem que os atendem, foi utilizada uma metodologia denominada Design Centrado no Humano. Estes três grupos participaram de todo o processo de design.

Além do que, como os RNBP são muito pequenos em relação às cadeirinhas comumente utilizadas, os cintos de segurança nelas disponíveis se mantêm frouxos e acima dos ombros. Isso leva a criança a pender a coluna para os lados, entortando-a em relação à observação frontal, ou ainda, a pendê-la para frente, provocando sua torção quando observada lateralmente. Neste

segundo caso, em consequência da cabeça pendida para frente, o queixo encosta no peito, comprometendo sua capacidade respiratória, com risco de lesões cerebrais ou mesmo morte. O dispositivo desenvolvido para ser acoplado à cadeirinha elimina estes problemas. Um nível de bolha adaptado lateralmente à cadeirinha permite ainda que a mãe verifique se sua inclinação está correta.

Dissertação: “Dispositivos para transporte de recém-nascidos de baixo peso: uma abordagem de Design Centrado no Humano” Autora: Cindy Janneth Rondón Cachopo Orientador: Antonio Celso Fonseca de Arruda Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)


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Painel da semana 

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Eventos futuros 

Destaque do Portal 

Destaque do Portal

Eventos marcam os 50 anos Unicamp retomou, no último dia 2, os eventos em comemoração aos seus 50 anos, iniciados em setembro do ano passado. Neste dia, ocorreu a abertura da temporada artística da Orquestra Sinfônica da Unicamp (OSU), que apresentou ao público em geral a ópera “O Empresário Teatral”, de W. A. Mozart, no Teatro Municipal Castro Mendes. Na quinta-feira, a obra foi apresentada à comunidade universitária, a partir das 19h, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Na sequência, ao longo do ano, serão realizados diversos outros eventos de caráter cultural, artístico, festivo e científico. Um dos destaques é o workshop internacional que reunirá, entre os dias 8 e 10 de setembro, representantes de oito universidades que também estão completando 50 anos em 2016 e que integram o grupo das melhores instituições de ensino com até de cinco décadas existência, segundo o ranking QS. Na oportunidade, será discutido o papel dessas escolas de ensino superior no decorrer dos próximos 50 anos e formulada uma proposta de interação científica e acadêmica entre elas. Participarão do workshop as seguintes universidades, além da Unicamp: Calgary (Canadá), Heriot-Watt (Escócia), Bath (Inglaterra), Brunel-London (Inglaterra), Loughborough (estas três na Inglaterra), Ulm (Alemanha) e Konstanz (Alemanha) e Universidade do Sul da Dinamarca. Antes desse encontro, no dia 12 de março, sábado, será realizada a primeira edição do ano dos Colóquios Unicamp Ano 50 – De professor para Professor, entre 8h30 e 13h, no Centro de Convenções. A palestrante convidada é a professora Maria Bernadete Abaurre, que falará sobre o tema “Os espaços da leitura e da escrita: Desafios de um mundo conectado”. Em seguida, no dia 15 de março (terça-feira), durante todo o dia, ocorrerá a primeira edição de 2016 do even-

Painel da semana  Economia solidária - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), órgão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), organiza, dia 8 de março, das 9 às 17 horas, a primeira edição de 2016 da Feira de Economia Solidária. A Feira será realizada na rua dos Flamboyants, localizada entre o Restaurante Administrativo (RA) e o prédio da Engenharia Básica. No local, além da comercialização de comidas típicas, bebidas e produtos orgânicos/ artesanais, ocorrem atividades musicais e roda de capoeira. A Feira pertence à Rede de Economia Solidária de Campinas, associação que está sob a responsabilidade da Secretaria de Trabalho e Renda da Prefeitura do município. Seu objetivo é promover a inclusão de pessoas que produzam algum tipo de produto artesanal com vistas à sua comercialização a preço justo. A Feira é aberta ao público em geral. Outros detalhes podem ser obtidos mediante contato com o telefone 19-3521-2936 ou e-mail cac@reitoria.unicamp.br.  Palestra com Claudio Willer - No dia 8 de março, às 14 horas, no Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), o professor Claudio Willer, especialista em surrealismo, profere a palestra “Cruz e Souza e outros simbolistas sob o ponto de vista surrealista”. O evento é organizado pelo professor Paulo Vasconcellos e é aberto à comunidade em geral. Mais detalhes podem ser obtidos na página eletrônica www.facebook.com/centrocultualdoiel ou e-mail odoricano@gmail.com.  Novo Marco Legal da C&T - Mesa-redonda com os professores Helena Nader (SBPC) e Carlos Américo Pacheco (CNPEM e IE) debaterá, no dia 9 de março, às 9 horas, no Auditório da Faculdade de Engenharia Elétrica (FEE), o novo Marco Legal da C&T, sancionado recentemente pela presidenta Dilma Rousseff. A Lei recebeu vários vetos e estes também serão objeto de debate. O evento é organizado pelo Programa de Pós-gradução do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT). Mais detalhes podem ser obtidos no link http://www.ige.unicamp.br/pos-graduacao/wp-content/ uploads/sites/2/2016/02/Boas-Vindas-2016.pdf, pelo e-mail dpct@ ige.unicamp.br ou telefone 19-3521-4555.  Práticas contraceptivas no estado de São Paulo - O próximo encontro do “Tempo de Debate”, evento científico organizado pelo Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo), acontece no dia 9 de março, às 12h30, no auditório do Nepo/Nepp. Nele, a professora Tania de Giacomo do Lago e a pesquisadora Suzana

Foto: Antoninho Perri

A professora Ítala Maria Loffredo D’Ottaviano, presidente da comissão responsável pela organização dos eventos comemorativos dos 50 anos da Unicamp

to Perspectivas Unicamp 50 anos- Da Universidade para a Sociedade. O tema central será “Economia Brasileira: Retomada possível do crescimento?”. Especialistas discutirão sobre desindustrialização e as alternativas para a crise brasileira. “Convidamos a sociedade em geral a acompanhar essas atividades, mas queremos convidar especialmente os professores dos ensinos fundamental e médio da região a participarem dos Colóquios, visto que o evento é dirigido a eles”, observa a professora Ítala Maria Loffredo D’Ottaviano, presidente da comissão responsável pela organização dos eventos comemorativos dos 50 anos da Unicamp.

Em junho, conforme a docente, a Unicamp inaugurará uma grande exposição documental sobre sua história, em espaço da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL). “Essa exposição, de caráter itinerante, será montada também em Piracicaba e em outros espaços, tanto dentro quando fora da Universidade”, adianta. Posteriormente, entre os dias 11 e 19 de setembro, será aberta à visitação pública a Mostra de Ciência, Tecnologia e Inovação da Unicamp. Todas as unidades de ensino e pesquisa e centros e núcleos interdisciplinares de pesquisa apresentarão os seus principais estudos e inventos produzidos ao longo das

últimas cinco décadas. “Estes são alguns dos eventos que vamos promover até 5 de outubro. A programação completa pode ser consultada no site Unicamp ano 50”, destaca a professora Ítala. Além dessas iniciativas, a presidente da comissão organizadora também enfatiza a importância do lançamento de uma série especial composta por 50 livros, que serão editados pela Editora da Unicamp. “Nesta série, a ênfase é para obras que tenham relação com a história da Universidade. Até outubro, todos os 50 títulos já terão sido lançados”, assegura a professora Ítala. (Manuel Alves Filho)

Kalckmann abordam o tema “Práticas contraceptivas no município de São Paulo: resultados preliminares de um inquérito populacional”. O evento é aberto à comunidade acadêmica. Interessados em participar podem fazer inscrição no link http://143.106.156.39/site/. Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail pesquisa@nepo. unicamp.br ou telefone 19-3521-5898.  Programa UniversIDADE - A cerimônia de acolhimento aos alunos do Programa UniversIDADE acontece no dia 10 de março, das 9 às 12 horas, no Espaço Cultural Casa do Lago, à Av. Érico Veríssimo 1011, no campus da Unicamp. Para o primeiro semestre, 600 pessoas devem participar das 127 atividades oferecidas pelo Programa. Além da cerimônia de recepção, o evento contará com o Circuito Saúde, que é organizado pelo Centro de Saúde da Comunidade (Cecon). Nele, os alunos poderão realizar avaliações de diabetes, colesterol, IMC, odontológica, visual e auricular. Mais detalhes podem ser obtidos no site www.programa-universidade.unicamp. br, pelo telefone 19-3521-8059 ou e-mail programa.universidade@ reitoria.unicamp.br  Curso do Cescon - O Centro Estudantil Social de Convivência (CESCON), em parceria com a Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da Unicamp, prorrogou, até 10 de março, as inscrições de um curso preparatório para o vestibulinho das escolas técnicas do ensino médio de Campinas. Mais detalhes no site www. preac.unicamp.br/cac/cescon  A utilidade do inútil - No dia 10 de março, às 18 horas, no Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), o professor Nuccio Ordine profere palestra e autografa o livro “A utilidade do inútil”. O evento tem como público-alvo a comunidade acadêmica e interessados. A palestra será proferida em italiano. Ordine é professor, filósofo e crítico literário italiano. Mais detalhes podem ser obtidos no link www.facebook.com/centrocultualdoiel ou e-mail odoricano@gmail.com  Colóquios Unicamp Ano 50 - Em comemoração aos 50 anos da Universidade, entre os dias 12 de março e 1 de outubro, o Centro de Convenções da Unicamp recebe a série “Colóquios ¬¬Unicamp Ano 50 - de professor para professor”. A série traz sete palestras, a serem realizadas aos sábados e proferidas por docentes da Unicamp, que discutirão temas da atualidade com professores do Ensino Fundamental e Médio. Entre diversos assuntos relevantes para a educação, as artes, a ciência e a cultura, destacam-se “Desafios de um mundo conectado”, “Políticas públicas e segurança alimentar”, “Política agrária e agricultura familiar brasileira”, “Vírus e bactérias: surpresas no nosso cotidiano”, “Água na cidade saudável, salubre e

sustentável”, “As origens do Brasil” e “Universidade e Sociedade”. O primeiro encontro da série de 2016 acontece no dia 12 de março, das 8h30, às 13 horas. Será com a professora Maria Bernadete Marques Abaurre, do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Aborda: Os espaços da leitura e da escrita: desafios de um mundo conectado. A entrada é franca para participação e as inscrições podem ser feitas pelo site Unicamp ano 50 (http:// www.50anos.unicamp.br/congressista) ou no dia do evento. O Centro de Convenções fica à rua Elis Regina, 131, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Barão Geraldo, Campinas · SP. Mais informações: no site www.50anos.unicamp.br/eventos

“O amor como suplência na ausência de um significante feminino” (mestrado). Candidata: Camilla Mariana Rehem Ferreira. Orientadora: professora Nina Virgínia de Araújo Leite . Dia 11 de março de 2016, às 10h30, no anfiteatro do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Estudo do impacto da separação de dados para a estimativa do coeficiente de difusão para problemas ecológicos” (mestrado). Candidata: Camile Fraga Delfino Kunz. Orientador: professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer. Dia 8 de março de 2016, às 14 horas, na sala 226 do Imecc. “A série theta e a função de sigilo de um reticulado” (mestrado). Candidata: Giselle Ribeiro de Azeredo Silva Strey. Orientador: professor Antonio Carlos de Andrade Campello Junior. Dia 9 de fevereiro de 2016, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Sobre lugares de blow-up de instantons em dimensões superiores” (mestrado). Candidato: Daniel Gomes Fadel. Orientador: professor Henrique Nogueira de Sa Earp. Dia 10 de março de 2016, às 14 horas, na sala 221 do Imecc. “Algoritmo branch-and-prune para escalonamento multidimensional” (doutorado). Candidata: Ana Camila Rodrigues Alonso. Orientador: professor Aurelio Ribeiro Leite de Oliveira. Dia 11 de março de 2016, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. “Relaxação lagrangiana aplicada a um modelo de alocação de navios em berços” (mestrado). Candidata: Fernanda Bia Peteam. Orientadora: professora Márcia Aparecida Gomes Ruggiero. Dia 11 de março de 2016, às 14 horas, na sala 325 do Imecc. “Um estudo sobre a mudança da qualidade da água de um rio e possibilidade de tratamento: abordagem utilizando equações de difusãoadvecção” (mestrado). Candidata: Ana Carolina Vieira. Orientador: professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer. Dia 12 de março de 2016, às 16 horas, na sala 253 do Imecc.  Química - “Dispositivos microfluídicos para manipulação de células e detecção de componentes celulares” (doutorado). Candidato: Richard Piffer Soares de Campos. Orientador: professor José Alberto Fracassi da Silva. Dia 8 de março de 2016, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “Desenvolvimento e validação de metodologias empregando eletroforese capilar para determinação de precursores da serotonina em suplementos alimentares e polióis em chocolates dietéticos” (doutorado). Candidata: Aline Guadalupe Coelho. Orientador: professor Dosil Pereira de Jesus. Dia 11 de março de 2016, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

Teses da semana  Engenharia Elétrica e de Computação - “Estratégias ótimas para manutenção de redes de distribuição de energia elétrica” (mestrado). Candidato: Mateus Pereira Martin. Orientador: professor Christiano Lyra Filho. Dia 7 de março de 2016, às 14 horas, na sala PE01 da FEEC. “Eletrificação de pequenas vilas próximas das linhas de transmissão usando acoplamento capacitivo dos cabos para-raios” (mestrado). Candidato: Joan Sebastian Chaves Huertas. Orientadora: professora Maria Cristina Dias Tavares. Dia 10 de março de 2016, às 10 horas, na sala PE11 da FEEC. “Ampliação da capacidade de transmissão de linhas aéreas melhorando a geometria dos feixes” (mestrado). Candidato: Jhair Stivel Acosta Sarmiento. Orientadora: professora Maria Cristina D. Tavares. Dia 11 de março de 2016, às 10 horas, na sala PE11 da FEEC. “Impacto da congestão da transmissão no planejamento da operação energética de sistemas hidrotérmicos de potência” (doutorado). Candidato: Cassio Hideki Fujisawa. Orientador: professor Secundino Soares Filho. Dia 11 de março de 2016, às 14 horas, no prédio da CPG da FEEC.  Linguagem - “Objetos educacionais digitais, multiletramentos e novos letramentos em livros didáticos de Ensino Fundamental II” (mestrado). Candidata: Juliana Vegas Chinaglia. Orientadora: professora Márcia Rodrigues de Souza Mendonça. Dia 10 de março de 2016, às 9h30, na sala dos colegiados do IEL.


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Karatê previne doenças

ósseas, aponta dissertação Foto: Divulgação

Estudo da FCM mostra que prática do esporte auxilia no ganho de massa magra e perda de peso ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

prática de esportes de combate melhora significativamente a saúde dos seus praticantes em todas as idades, sendo altamente recomendada para prevenir doenças ósseas, entre as quais a osteopenia (diminuição leve da massa óssea), a osteoporose (diminuição grave da massa) e possíveis fraturas. Esta foi a principal conclusão da dissertação de mestrado de Camila Justino de Oliveira Barbeta, abordando o karatê. O trabalho foi desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e orientado pelo docente Gil Guerra Júnior. A autora do estudo constatou que o karatê favorece a saúde e o crescimento principalmente na infância e na adolescência e, como qualquer esporte de alto impacto que ocasiona tração, beneficia tanto o estado ósseo como muscular no ganho de massa magra, perda de peso e disciplina. “Os profissionais devem incentivar o karatê porque, embora muitos pratiquem artes marciais hoje, eles acabaram perdendo a base do esporte. Perderam as suas raízes, filosofia e valores, que são referenciais universais.” Camila, que é profissional de educação física, avaliou os efeitos do karatê no tecido ósseo de jovens de ambos os sexos com idade entre sete e 15 anos, em pesquisa transversal realizada em 2013. O estudo foi realizado em academias de sete cidades da região oeste do Paraná. Durante a coleta de dados, Camila avaliou a antropometria (peso e altura) das crianças e adolescentes, chegando ao Índice de Massa Corporal (IMC). Fez uma avaliação óssea mediante o uso de um ultrassom quantitativo de falanges (QUS) – um método não invasivo indicado para avaliar a massa óssea durante o crescimento e a maturação de crianças e adolescentes, bem como de adultos e idosos. “Fizemos essa avaliação na metáfise distal (onde se situa a cartilagem de conjugação que assegura o crescimento em comprimento do osso) da falange sempre na mão dominante. Todos os participantes do estudo eram praticantes de karatê, não atletas”, informou a mestranda. O QUS fornece vários parâmetros, entre eles o Bone Transmission Time (BTT), cuja tradução significa o tempo de transmissão no osso. Avalia tecido ósseo para ver especificamente o efeito do karatê. “O BTT foi significativamente maior em praticantes de karatê em relação aos não praticantes de karatê da mesma idade e sexo. Notamos então que esse esporte tem ação direta na massa óssea”.

Praticante de karatê durante competição: originária da ilha japonesa de Okinawa, essa arte marcial é uma das mais praticadas no mundo

Conforme a pesquisadora, o ultrassom quantitativo de falanges surgiu na Europa na década de 1990, solidificando-se no campo investigativo. Mostra alguns diferenciais em relação à densitometria óssea (considerada padrão-ouro para avaliar a massa óssea), como baixo custo do exame, isenção de radiação ionizante e portabilidade. Permite que as avaliações sejam mais rápidas e realizadas em locais diferenciados. É amplamente usada para o diagnóstico, prevenção e monitoramento da osteoporose. Segundo a pesquisadora, o tecido ósseo passa por um processo de maturação que inicia desde as primeiras semanas de vida embrionária até as duas primeiras décadas da vida adulta (por volta dos 20 a 25 anos). Mas, entre os nove e os 20 anos, estima-se que seja o período crítico para atingir o pico de massa óssea (PMO). Do nascimento aos 16 anos, o osso cresce rapidamente e promove a modelação óssea. Após este período, inicia um constante processo de remodelação. Estima-se que, na infância, em torno de 40% a 50% da densidade mineral óssea seja acumulada, durante a adolescência 50% e 60% e uma pequena quantidade na terceira década de vida. Mas ainda não está claro durante a infância e a adolescência quais são as recomendações mais adequadas ao exercício físico para melhorar a massa óssea (tipo, intensidade, frequência e duração). Conforme Camila, nem todo esporte influencia no tecido ósseo. “Os de médio e alto impacto são mais eficazes porque causam microfraturas e geram uma osteogênese no

osso. Com isso, ele fica mais forte e ajuda a prevenir doenças”, relatou. “Minha ideia era apontar o valor das artes marciais para o desenvolvimento físico e mental da criança, demonstrando o valor da prática para o estado ósseo e para o bem-estar.”

ATLETA

O karatê é uma arte marcial antiga que nasceu na ilha de Okinawa, no Japão. Posteriormente, após os japoneses conquistarem esta ilha, que sofria muita influência cultural chinesa, as armas foram confiscadas. A luta, que passou a ser desenvolvida a mãos livre, é a arte marcial mais adotada no mundo. Camila escolheu o karatê para estudar no mestrado motivada pelo pai, que tem uma academia, e pelo irmão. “Principalmente meu irmão foi sempre meu grande incentivador, há mais de 15 anos”, contou. “Nesse tempo, fui convocada três vezes para a seleção brasileira. Fui a dois campeonatos internacionais: em Buenos Aires, onde me sagrei vice-campeã sul-americana, e em Assunção, no Paraguai, onde fiquei com a terceira colocação.” Ela também foi convocada para o Campeonato Mundial da África do Sul. Acabou não indo, pela falta de patrocínio. Além dos títulos conquistados, Camila obteve oito títulos de campeã estadual do Paraná. Foi a primeira mulher nesse Estado a entrar para a seleção brasileira de karatê pela World Karate Federation (WKF). Também obteve outros títulos pela seleção do Paraná e por alguns outros Estados. Foto: Antonio Scarpinetti

Publicação Dissertação: “Efeitos do karatê praticado por crianças e adolescentes na massa óssea avaliada pela ultrassonografia quantitativa de falanges” Autora: Camila Justino de Oliveira Barbeta Orientador: Gil Guerra Júnior Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Camila Justino de Oliveira Barbeta, autora da dissertação: “Minha ideia era apontar o valor das artes marciais para o desenvolvimento físico e mental da criança”

Camila é faixa preta do segundo Dan karatê. Seu pai é quarto Dan e, seu irmão, também segundo. Quando a jovem entrou para a seleção brasileira, participou de competições ao lado do seu irmão. “Ele não passou, mas me treinou arduamente para o campeonato em Buenos Aires. Consegui chegar lá e conquistar esse sonho para ele”, salientou.

VALOR A mestranda enfatizou que o ideal é que a pessoa seja inserida no universo do karatê ainda na infância, para que o esporte atue na prevenção de problemas ósseos. “É nessa fase que a criança atinge o maior pico de massa óssea, que vai delinear o seu estado ósseo para o resto de sua vida. Então deve ser estimulada a praticar diversos esportes, fazer atividades que aprecie, ser bem-instruída por profissionais da área e praticar atividades que favoreçam todo seu potencial.” Camila dá alguns conselhos para quem deseja optar pelo karatê: “crianças e adultos devem praticar artes marciais, não necessariamente o karatê. A pessoa tem que se dedicar aos treinos. Tem que ter disciplina e deve praticar o esporte o quanto antes. Ela vai ampliar sua autoestima, aprender autodefesa e compreender a filosofia das artes marciais e os diversos benefícios que trazem”. Por outro lado, a pesquisadora reconhece que toda prática de esporte, não somente do karatê, necessita ser regular, encorajada pelos pais e ministrada por bons profissionais. A pesquisadora explicou que o karatê utiliza vários princípios pedagógicos, não somente exercícios, para aprender a dar soco, chutar, rolar, empurrar, derrubar o colega no chão. Nessas espécies de “tutoriais” também se ensinam valores. “Sempre digo que o karatê é um esporte militar, porque as crianças precisam seguir valores e ter muita disciplina. Na aula, não tem bagunça, não tem conversa e não tem nota baixa. E o principal: o karatê proporciona vários ganhos, sobretudo à qualidade de vida.” A importância desse estudo no âmbito científico é que é uma das primeiras pesquisas do mundo. Atualmente, somente se registra um artigo que se refere ao karatê e QUS, feito com uma faixa etária de sete a 60 anos. Estudos com esportes são encontrados em larga escala na literatura, porém, envolvendo karatê e esse público, é um algo pioneiro”, assinalou a mestranda. No momento, Camila, que fez sua graduação em Educação Física pela Faculdade Assis Gurgacz (FAG), em Cascavel-PR, atua em uma academia de Campinas, ministrando aulas de ginástica e de musculação. Pretende fazer seu projeto de doutorado relacionado a lutas, quando trabalhará com diversas modalidades. “O karatê é tudo pra mim, porque a base que tenho de disciplina tem colaborado com meu trabalho, meu cotidiano, meus estudos, minha vida.”


12 Campinas, 7 a 13 de março de 2016 Fotos: Antonio Scarpinetti

Eliane Cristina Gallo, autora da tese, diz ter identificado seis momentos distintos na trajetória do escultor grego, cada um marcado pela prevalência de distintos temas, formas, técnicas e materiais

O professor Marco do Valle, orientador do trabalho: “Vlavianos é um artista muito importante, que contribuiu para o avanço da escultura, em particular, e das artes plásticas, em geral, no Brasil”

O escultor grego Nicolas Vlavianos, que continua produzindo e compartilhando conhecimentos como professor da FAAP: artista sempre trabalhou com diferentes materiais

Nicolas Vlavianos em seis atos

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

esquisa desenvolvida para a tese de doutorado da arquiteta e artista plástica Eliane Cristina Gallo Aquino, defendida no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, promoveu pela primeira vez no âmbito acadêmico um levantamento histórico da obra de Nicolas Vlavianos, escultor grego radicado no Brasil desde a década de 1960. O trabalho, orientado pelo professor Marco do Valle, identificou na extensa produção de Vlavianos a existência de seis diferentes períodos, cada um deles marcado pela predominância de temas, materiais, formas e técnicas. A proposta de investigar a obra de Vlavianos partiu do professor Marco do Valle, que trabalhou com o escultor na década de 1970. Na oportunidade, o então estudante ajudou a soldar peças e a cortar moldes para as obras do artista plástico grego. “Foi uma experiência muito valiosa e que deu início à minha amizade com o Nicolas, que dura até hoje. Aliás, foi ele quem me aconselhou a fazer o curso de Arquitetura, como forma de ampliar o meus conhecimentos e repertórios na área da arte”, conta. Ao tomar contato os trabalhos de Vlavianos, a quem não conhecia, Eliane imediatamente se apaixonou pela obra dele, sentimento que se aprofundou ao entrevistar o artista plástico para a tese. “Vlavianos é um escultor de grande virtuosismo técnico e uma pessoa extremamente acolhedora”, afirma a autora da pesquisa. De acordo com ela, o escultor grego deu importante contribuição ao desenvolvimento das artes plásticas no Brasil, país que adotou a partir de 1961, quando aqui desembarcou para representar a Grécia na VI Bienal de São Paulo. Em sua tese, Eliane buscou identificar os repertórios presentes na obra de Vlavianos, vários deles recorrentes ao longo da carreira do artista plástico. Após exaustiva investigação, a pesquisadora identificou seis momentos distintos na trajetória do escultor grego, cada um marcado pela pre-

valência de distintos temas, formas, técnicas e materiais. Assim, a autora da pesquisa classificou como a primeira fase na carreira de Vlavianos o conjunto de obras produzidas em Paris, cidade para a qual se transferiu para estudar escultura na Académie de La Grande Chaumière, com Ossip Zadkine, e na Académie Du Feu, com Laszlo Szabo. Naquele instante, conforme Eliane, Vlavianos trabalhava com bronze e latão, com partes soldadas. “Os volumes eram fechados e as formas das esculturas, orgânicas”, explica. O segundo momento também ocorre em Paris, quando o escultor produz obras com formas geométricas, ainda em bronze e latão. Depois disso, Vlavianos vem ao Brasil para participar da Bienal. Aqui, ele adota a mitologia e alguns personagens como temáticas. Entre as figuras frequentes em sua obra estão o pássaro, referência à tradição mitológica da Grécia, e o astronauta, alusão à chegada do homem à Lua. É no Brasil que o artista plástico grego passa a trabalhar com outros materiais, como o aço e o alumínio. Neste contexto, surge o terceiro momento na carreira de Vlavianos, caracterizado tanto pelo maior nível de detalhamento quanto pela ampliação da escala das peças. “Nicolas passa a produzir obras públicas de grandes dimensões, que são expostas ao ar livre, como a escultura chamada ‘Progresso’, que pode ser vista no Largo do Arouche, em São Paulo”, detalha Eliane. No quarto momento, Vlavianos retoma a figura do astronauta, mas adota também a planta e a nuvem como temas de suas obras. “Nessa fase, Nicolas começa

a associar a solda à prensa, demonstrando um virtuosismo técnico impressionante”, relata. No quinto momento, emergem como temas das esculturas as máquinas e os instrumentos hieráticos (relativos ao sagrado), algumas produzidas em aço inoxidável e latão. A sexta e última fase da carreira de Vlavianos, conforme a hipótese da tese, é caracterizada pela produção de elementos com formas geométricas e carregados de referências mitológicas. “Além disso, nesta fase as peças também são mais leves. Ele opta pela utilização de parafusos, encaixes e dobras nas suas esculturas”, informa a autora da tese. De acordo com o professor Marco do Valle, o estudo sobre a carreira de Vlavianos está perfeitamente inserido em sua linha de pesquisa, que trata da “Produção Contemporânea do Objeto e Escultura Brasileira”. “Vlavianos é um artista muito importante, que contribuiu para o avanço da escultura, em particular, e das artes plásticas, em geral, no Brasil. Como eu não acompanhava a rotina dele nos últimos anos, fiquei impressionado com a quantidade de trabalhos que ele realizou em período mais recente. Trata-se de uma produção ampla e de extrema qualidade”, destaca. Estudar personagens como Vlavianos, continua o docente do IA, é importante porque muitos artistas que se estabeleceram na academia têm se dedicado ao estudo dos próprios trabalhos. “Isso vem da

tradição norte-americana. Ocorre que, quando isso surgiu, há cerca de 100 anos, os artistas tinham história e trabalhos consagrados. Atualmente, não é mais assim. É possível estudar a arte a partir da própria prática? Sim, mas não considero que isso seja a melhor maneira de fazêlo. No Brasil, ainda temos que dar conta de estudar os nossos grandes artistas. Temos que continuar falando da história da arte e da poética do artista, e foi isso o que a tese da Eliane fez com bastante competência. Tanto é assim que a banca recomendou o trabalho para publicação”, afirma Marco do Valle.

O

Nicolas Charilaos Vlavianos nasceu em Atenas, capital da Grécia, em 1929. Em seu país, ele se dedicava inicialmente à pintura. Mais tarde, porém, mudouse para Paris para estudar escultura. Em 1961 estabeleceu-se em São Paulo, depois de participar da VI Bienal. Vlavianos tinha um irmão que já morava no Brasil. Em 1969, assumiu a posição de docente de Expressão Tridimensional da Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo. Atualmente, é professor emérito daquela instituição, onde ainda atua. Vlavianos esteve na Unicamp para acompanhar a defesa da tese que tratou da sua obra, acompanhado de alguns de seus atuais alunos. “Foi uma honra tê-lo aqui. Ele ficou muito emocionado”, relata Eliane, autora do trabalho.

Escultura de Vlavianos exposta durante a defesa da tese de doutorado: virtuosismo técnico

Foto: Antonio Scarpinetti

Publicação Tese: “Nicolas Vlavianos: uma poética de tradição hierática e moderna na escultura” Autor: Eliane Cristina Gallo Aquino Orientador: Marco do Valle Unidade: Instituto de Artes (IA)

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