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O poder do lobby dos subsídios nos EUA

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Tese de Thiago Lima da Silva analisa o protecionismo agrícola nos EUA, mostrando o funcionamento da cadeia que privilegia as relações entre grupos de interesse e legisladores. A pesquisa, que ganhou o Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações Internacionais, foi orientada pelo professor Sebastião Carlos Velasco e Cruz (IFCH).

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 9 a 15 de novembro de 2015 - ANO XXIX - Nº 643 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT

Do vento à tomada A Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) vai liderar um projeto cujo objetivo é desenvolver um modelo computacional de grande porte para coordenar toda a operação do sistema nacional de produção e transmissão de energia, contemplando também as fontes emergentes, entre as quais a eólica e a solar. O projeto, que será implementado em parceria com a Princeton University (EUA), terá como coordenadores os professores Paulo Sérgio Franco Barbosa e Carlos Alberto Mariottoni.

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Foto: Reprodução

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Ambiguidade genital é alvo de estudo pioneiro Guia inventaria espécies de área da Mata Atlântica

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Método identifica falta de controle da pressão O potencial da cana como alternativa energética na AL

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A língua literária de Carolina de Jesus


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Campinas, 9 a 15 de novembro de 2015

ARTIGO

por: Jurandir Zullo Jr., Carolina Rodríguez-Alcalá e Simone P. Figueiredo

A interdisciplinaridade em pauta no cenário acadêmico internacional volume 525 da revista Nature, de setembro de 2015, traz uma reportagem especial sobre a interdisciplinaridade, que a aponta como uma tendência crescente no modo de produzir e fazer circular conhecimento no mundo todo. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de países que mostraram maior interdisciplinaridade, com 11% dos artigos de autores de diferentes áreas publicados em 2013. O estudo foi realizado pela editora Elsevier. Essa posição indica a participação do Brasil no esforço atual de reunir profissionais de diferentes áreas em torno de projetos conjuntos e de intervir através destes na formação de recursos humanos em diferentes níveis de especialização, principalmente de pós-graduação. A Unicamp tem uma experiência pioneira nesse sentido, pela criação de estruturas especializadas em pesquisa interdisciplinar já a partir de finais dos anos 1970. Também a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) pôs a interdisciplinaridade em foco, ao instituí-la como um dos principais desafios da universidade atualmente. É o que lemos no relatório da Conferência Mundial sobre Educação Superior: As Novas Dinâmicas da Educação Superior e da Pesquisa para a Mudança e Desenvolvimento Social, de 2009. Dentre os principais deveres das instituições de ensino superior, face a sua responsabilidade social, está “aumentar seu foco interdisciplinar”. O relatório insta os Estados membros da Organização a desenvolverem “políticas e estratégias nos níveis sistêmicos e institucionais” para favorecer a criação de “sistemas de pesquisa mais flexíveis e organizados que promovam a excelência acadêmica, a interdisciplinaridade e sirvam à sociedade”. A interdisciplinaridade passou a orientar as políticas dos organismos internacionais de fomento à pesquisa. Ela foi escolhida como tema do V Encontro Anual do Global Research Council (GRC), a ser realizado em maio de 2016, na Índia. A GRC é uma federação multilateral interessada em melhorar a qualidade das pesquisas e contribuir para a abordagem de questões que exigem um trabalho cooperativo amplo. Herman Chaimovich, presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), é membro do Conselho de Administração da federação, junto com representantes da Fundação Nacional das Ciências (NSF), dos EUA; dos Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK); da Fundação Alemã para a Pesquisa (DFG); e da Academia Chinesa de Ciências (CAS), dentre outras entidades de países como Canadá, Itália, China, Índia, Arábia Saudita, Japão e Rússia.

O CONCEITO A interdisciplinaridade não é um conceito de fácil definição. Ele envolve um debate sobre modos de conceber e praticar as relações entre disciplinas sobre os quais não há consenso. A variada e instável terminologia surgida para nomear tais relações – inter-, multi-, trans-, meta-, pós- disciplinares... – dá prova disso. Dois pontos comuns, entretanto, podem ser identificados nesse gesto de fazer pontes entre disciplinas. De um lado, o valor heurístico do confronto entre objetos e métodos distintos: ele permite realizar novas descobertas e formular novas questões que retroalimentam a produção do conhecimento, inclusive no interior das próprias disciplinas, que expandem seus horizontes e saem fortalecidas desse diálogo. De outro lado, seu impacto social. A abordagem de alguns dos grandes temas da ciência que afetam a sociedade de maneira mais imediata demanda as ferramentas de diferentes especialidades. Em 2014, o relatório do Research Excellence Framework (REF), instituição que avalia as pesquisas e direciona os financiamentos no Reino Unido, apresenta um dado importante: 80% das pesquisas avaliadas no período 2008-2013 que tiveram impacto social significativo fora da academia foram interdisciplinares.

Imagem: Marcos Pereira

ternacional”. A universidade, hoje entre as 100 melhores do mundo, tem centros interdisciplinares sobre temas que vão da resiliência – ecológica e psicológica – à história da ciência medieval. Também a Fundação Nacional de Ciências Naturais da China (NSFC) criou um plano que levou as universidades a lançarem diversos centros transversais na última década e planeja lançar mais projetos como esse nos próximos anos, como indica o vice-diretor geral do Escritório de Política Científica da fundação, Yonghe Zheng.

O PIONEIRISMO DA UNICAMP

Ilustração mostra logotipos de alguns dos Centros e Núcleos da Unicamp

AS PRÁTICAS Embora com aura de novidade, o que chamamos hoje de interdisciplinaridade remonta aos primórdios do desenvolvimento das práticas científicas. Com a consolidação dos paradigmas modernos a partir do século XIX, no entanto, a especialização foi ganhando espaço e, de acordo com a Nature, nos anos 1960 surgiu a necessidade de “religar os saberes”. Na década de 1970 esse movimento tomou impulso, mas somente a partir dos anos 1990 houve uma real disseminação de experiências interdisciplinares, que não param de se expandir ano a ano, como indica o professor Vincent Larivière, da Universidade de Montreal, Canadá. Apesar dessa tendência, as pesquisas que trabalham nas fronteiras entre as disciplinas trazem diversas dificuldades de execução, financiamento, avaliação e publicação. Parte delas decorre de divergências entre o que poderíamos chamar de hábitos ou culturas científicas (acadêmicas). Os modos de formulação das pesquisas, os tempos e os mecanismos de divulgação não são os mesmos conforme as disciplinas. Por exemplo, nas áreas biofísicas assistimos à publicação de um fluxo regular de artigos em periódicos, com resultados parciais das pesquisas, enquanto que nas áreas de humanidades as pesquisas têm frequentemente outros ritmos e não raro culminam na publicação de um livro. O reconhecimento mútuo das normas, teorias e abordagens é um grande desafio para o trabalho conjunto. Há também dificuldades de ordem institucional. Para os especialistas, a estrutura dos departamentos e dos colleges tradicionais nem sempre facilita a condução de um trabalho cooperativo dessa natureza. Isso faz sentido quando pensamos que a estrutura da universidade moderna surge calcada nas fronteiras disciplinares desenhadas a partir do século XIX, como também nos lembra Larivière. O desenvolvimento da interdisciplinaridade trouxe por isso consigo a necessidade de idealizar novas estruturas, mais flexíveis e dinâmicas, que favorecessem a articulação de problemáticas, especialistas e instituições, aponta a Nature. Para Harvey Graff, autor de Undisciplining Knowledge (Johns Hopkings University Press, 2015), pensar na “organização social e física da pesquisa” é fundamental. “As universidades que eu vejo como bem-sucedidas”, afirma Graff em entrevista à Nature, “tendem a usar o modelo de ‘centros’ ou ‘institutos’ transversais”, que permite, para o autor, focar em problemas específicos e melhorar a qualidade da comunicação. Esse novo modelo espalhou-se pelo mundo afora, a partir dos anos 1990, em países dos distintos continentes: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Japão, China, Índia, Singapura, Austrália, entre outros. Uma das experiências relatadas é a da Universidade de Durham, no Reino Unido, que criou estruturas desse tipo para “fazer a pequena universidade brilhar no cenário in-

A adoção da interdisciplinaridade nas instituições de pesquisa e de ensino superior brasileiras, sobretudo a partir da década de 1990, acompanha essa tendência internacional. Um indício disso é que, desde sua criação, em 1999, a área interdisciplinar da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) é a que apresenta maior taxa de crescimento. A Unicamp tem experiências mais antigas, com a implantação, a partir de 1977, de um sistema de Centros e Núcleos especializados em pesquisa interdisciplinar, que foram, ao que parece, os primeiros desse tipo criados em universidades brasileiras. Os projetos dos atuais 21 Centros e Núcleos se desenvolvem nas fronteiras de todas as grandes áreas do conhecimento, em torno de temas transversais, tais como lógica, pensamento e história, população e ambiente, geoprocessamento, sistemas e modelos biológicos, fitoquímica, educação e informática, saber urbano e linguagem, neurociências, medicina nuclear, climatologia, planejamento energético, divulgação científica. Os projetos articulam pesquisadores de carreira dos quadros dos Centros e Núcleos com docentes e pesquisadores de Departamentos, Institutos e Faculdades da Unicamp e de outras instituições externas, nacionais e internacionais, públicas e privadas, bem como da sociedade civil. A produção de pesquisa interdisciplinar de ponta em estreita relação com a sociedade é o duplo objetivo desses Centros e Núcleos. A Unicamp foi nisso pioneira no cenário nacional, antecipando inclusive um modelo que, como vimos, iria impor-se posteriormente no mundo todo. Vale observar que tais estruturas materializam uma ideia de integração entre disciplinas e de relação com a sociedade que embasou o projeto de fundação da Universidade. No discurso de lançamento da pedra fundamental, em 5 de outubro de 1966, dizia seu primeiro reitor, Zeferino Vaz: “o impacto de conhecimentos científicos conquistados pela inteligência humana no último quarto de século rompe as barreiras artificiais entre as ciências básicas [...]. Em consequência, a Cidade Universitária de Campinas haverá de refletir arquitetonicamente a realidade científica integradora contemporânea.” (AC/SIARQ). Em entrevista um pouco posterior, em 1968, Zeferino completava: “esta Universidade, desde que foi implantada, teve como uma de suas preocupações fundamentais, além da transmissão de conhecimento [...] [e] da promoção do conhecimento novo, pela investigação científica, tecnológica, literária, artística, filosófica, uma terceira tarefa, olvidada pelas Universidades, que é a de buscar detectar e equacionar problemas da comunidade.” (AC/SIARQ) Às vésperas de seu 50º aniversário, diversos frutos desse projeto asseguram à Unicamp um lugar entre as universidades de vanguarda. Jurandir Zullo Jr., matemático e engenheiro agrícola, é pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Carolina Rodríguez-Alcalá, linguista, é pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb/Nudecri) da Unicamp. Simone P. Figueiredo, jornalista especializada em Política Científica e Tecnológica, é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Nudecri) da Unicamp.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Fábio Reis Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Campinas, 9 a 15 de novembro de 2015

Dissertação rende a mais consistente casuística sobre ambiguidade genital LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

mais consistente casuística sobre ambiguidade genital em nível internacional, avaliando a frequência dos diagnósticos, a idade e a definição do sexo de pacientes com o denominado distúrbio da diferenciação do sexo (DDS) é o resultado da dissertação de mestrado da endocrinologista pediátrica Georgette Beatriz de Paula, orientada pelo professor Gil Guerra Júnior e apresentada na Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Foram incluídos todos os casos atendidos entre janeiro de 1989 e dezembro de 2011no Hospital de Clínicas da Unicamp, seguindo o critério de definição de ambiguidade genital proposto pelo Consenso de Chicago de 2006. “Um estudo com esta casuística é pioneiro no mundo: são 408 casos estudados no período de 23 anos, em um único serviço, com a mesma conduta e os mesmos exames”, afirma o orientador Gil Guerra Júnior, que coordena o Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) da FCM. “O principal trabalho existente, publicado no ano passado, envolve 600 casos, mas relacionados a todos os países europeus e a serviços completamente diversos. Esta casuística no Giedds–HC é muito mais homogênea e muito mais importante para analisar resultados no longo prazo.” Georgette de Paula informa que os casos são de pacientes vindos de várias partes do Brasil, principalmente de famílias angustiadas com o fato de o médico, ao nascimento, não conseguir dizer qual é o sexo da criança. “Aqui, através de uma equipe multiprofissional realizamos uma investigação para chegar a um diagnóstico. É importante que os pacientes sejam acompanhados não apenas por um médico, mas por especialistas (em endocrinologia pediátrica, genética, cirurgia pediátrica), psicólogos e assistentes sociais. Temos tudo isso para assessorar a família.” Normalmente, segundo Gil Guerra Júnior, o diagnóstico do sexo de um recémnascido é feito visualmente observando a genitália, mas em alguns casos isso não é possível. “Recebemos dois grupos de crianças: aquelas com evidente alteração genital e que o pediatra não teve condições de saber se era menino ou menina, encaminhando-as ao nosso serviço; e aquela em que a alteração é tão sutil que nem família nem pediatra percebem, nos procurando tardiamente, por vezes até na puberdade. São situações complexas, que causam dois problemas: além da angústia da família, a possibilidade de haver uma doença causando a ambiguidade.” O docente da FCM explica didaticamente que, em uma genitália aparentemente masculina, há três características mais importantes de anormalidade: o pênis pequeno; a hipospádia (abertura do canal da urina não na ponta do pênis, mas geralmente mais abaixo, em direção à região escrotal); e os testículos não palpáveis. E, quando a genitália é aparentemente feminina: clitóris aumentado; os grandes lábios fechados, como se formasse uma bolsa escrotal; e massa na região inguinal, que pode indicar um testículo quando palpada.

MENINOS PREDOMINAM Em seu levantamento, Georgette de Paula avaliou a idade das crianças na chegada ao serviço do Giedds–HC, os cariótipos (união de cromossomos), se já tinham registro civil ou não, mudanças de registro, permanência no mesmo sexo e os diagnósticos. “Dentre os 408 casos de ambiguidade genital, mais da metade dos diagnósticos foi de pacientes de cariótipo 46,XY, com 250 casos (61,3%); 124 pacientes eram 46,XX (30,4%); e 34 com aberração de cromossomos sexuais (8,3%)”, informa a autora da dissertação. Os pesquisadores explicam esta codificação relembrando que o indivíduo, quando é formado, recebe 44 autossomos (22

Estudo feito por médica abrange todos os casos atendidos ao longo de 23 anos no Hospital de Clínicas da Unicamp Fotos: Antoninho Perri

histológica. Com esses exames chegamos a um diagnóstico preciso em mais de 90% dos casos e, por vezes, confirmamos esse diagnóstico com outros exames mais sofisticados, como os moleculares.” O docente da FCM acrescenta que os procedimentos cirúrgicos são complexos para ambos os sexos, porém maior para os meninos. “A dificuldade está em refazer o canal da urina para levar a abertura até a posição correta, o que pode exigir duas ou mais cirurgias; sem isso, o menino não conseguirá urinar em pé, sendo obrigado a adotar a posição feminina, sentado – e mais tarde virá a questão da condução do esperma na relação sexual. Quando o pênis é pequeno, realizamos um tratamento com reposição hormonal na infância para que alcance o tamanho normal na puberdade. Para a menina, a complexidade está em ampliar a vagina para assegurar uma relação sexual adequada no futuro; por vezes, é necessária nova abordagem na puberdade.”

REGISTRO CIVIL

Georgette de Paula, autora do trabalho: “É importante que os pacientes sejam acompanhados não apenas por um médico, mas por especialistas”

cromossomos do pai e 22 da mãe), mais dois cromossomos sexuais: um X da mãe (que é XX) e X ou Y do pai (que é XY, ou seja, o homem determina o sexo). A junção dos cromossomos resulta em cariótipo 46,XX ou 46,XY – e um erro nesta passagem dos cromossomos do pai e da mãe implica linhagens diferentes e anomalias. De forma mais rara, 10% ou 15% dos casos são de aberrações cromossômicas, com crianças que possuem as linhagens masculina e feminina associadas. Gil Guerra Júnior conta que já se esperava encontrar mais pacientes com ambiguidade genital de cariótipo 46,XY e do sexo masculino. “Isso porque a formação da genitália masculina, interna e externamente, é muito mais complexa tanto do ponto de vista genético como hormonal: qualquer erro na produção, na época de produção ou na quantidade de hormônios vai resultar em alguma alteração. A formação da genitália feminina, por outro lado, é mais simples, pois decorre da ausência dos hormônios masculinos.”

OUTRAS MORBIDADES Georgette de Paula aponta outro dado relevante de sua pesquisa e ainda não descrito devidamente na literatura, que é o fato de mais de 20 crianças apresentarem outras morbidades além da alteração genital, como malformações do coração, da coluna vertebral, dos rins e vias urinárias ou outros dimorfismos. “Por isso temos aqui uma equipe multiprofissional, incluindo especialistas muito bem qualificados em genética que têm outro olhar sobre esses pacientes.”

A autora da dissertação observou ainda que, apesar da maioria de pacientes com cariótipo 46,XY, aqueles que chegaram mais precocemente ao serviço do Giedds–HC foram 46,XX, o que ela atribui ao diagnóstico de hiperplasia adrenal congênita (HAC) – doença genética que na sua forma mais grave, chamada perdedora de sal, traz risco de morte; e que no sexo feminino causa uma masculinização da genitália externa e aumento do clitóris. A importância deste diagnóstico levou o Ministério da Saúde a implantar recentemente o exame na triagem neonatal em todo o país, incluído no “teste do pezinho”. De acordo com Georgette, o peso de nascimento abaixo de 2.500g foi registrado em 42 casos de DDS 46,XY testicular, em consonância com a literatura, que indica que o crescimento das células é importante não só para o corpo como um todo, mas também para os órgãos genitais. “Como a diferenciação masculina é mais complexa, algumas explicações estariam em fatores que levam a alteração placentária durante a gravidez, com restrição de crescimento intrauterino, predispondo a maior alteração genital.”

PROCEDIMENTOS A investigação diagnóstica, conforme Gil Guerra Júnior, começa com o exame clínico e os exames hormonais e citogenético (cariótipo), que geralmente são suficientes para a definição do sexo. “Se necessário, realizamos cirurgias diagnósticas para observar a genitália internamente: se há útero, ovário, um duto diferente, testículos, etc.; mais raramente, recorremos a biópsias para análise

O professor Gil Guerra, orientador da pesquisa: “Com o atendimento especializado multidisciplinar é possível eliminar a dúvida de forma ágil”

Georgette de Paula constatou que dos 408 casos de ambiguidade genital assistidos na Unicamp, 238 tiveram o sexo de criação final masculino e 170, feminino. Um aspecto agravante nestes casos é que entre 50% e 60% das crianças chegam já registradas (com idade acima de seis meses). “A recomendação ao pediatra é que, na dúvida quanto ao sexo, não deixe os pais registrarem esse bebê antes de encaminhá-lo a um serviço de referência para o diagnóstico correto. Quem não tem conhecimento confunde alteração genital com o que antigamente era visto como hermafroditismo, quando existem muitos diagnósticos para esta situação.” Gil Guerra Júnior pondera que a criança já registrada com um sexo, e que se descobre tardiamente não ser o correto, representa um sério problema não apenas do ponto de vista médico, mas também psicossocial. “Com este atendimento especializado multidisciplinar é possível eliminar a dúvida de forma ágil, em duas ou três consultas, deixando a família segura quanto aos procedimentos que serão realizados. Definido o sexo, conversamos muito com a família sobre a necessidade ou não de modificar a genitália e definir o registro civil. Se a criança já está registrada, evitamos ao máximo a mudança de sexo, principalmente nas maiores, já criadas como menino ou menina.”

NEM TÃO RARA Embora não exista uma incidência de alteração genital definida no mundo, o coordenador do Giedds menciona trabalhos recentes registrando uma proporção de 1 para 2.500 a 4.000 nascidos vivos. “Consideramos ainda como uma doença rara, mas que está no limite de frequência em que os médicos devem conhecê-la. Um aspecto importante deste trabalho é de mostrar ao pediatra, primeiro médico da criança, que a ambiguidade genital não é tão rara, bem como suas implicações. Trata-se de uma casuística grande sobre os diagnósticos corretos e a melhor evolução para cada um deles. O pediatra deve tranquilizar a família, assegurando que aquela criança tem um sexo, sim – e nunca dizer que ela não tem sexo ou que tem dois sexos. E que assim como para os problemas do coração, por exemplo, para a ambiguidade genital também existem exames e tratamento.”

Publicação Dissertação: “Diagnóstico de 408 casos de ambiguidade genital acompanhados por uma única equipe interdisciplinar durante 23 anos” Autora: Georgette Beatriz de Paula Orientador: Gil Guerra Júnior Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


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Unicamp lidera projeto que integra sistemas de energia Pesquisas serão feitas em parceria com a Princeton University sob supervisão da Aneel ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) está à frente de um projeto internacional de pesquisa e desenvolvimento na área de energia supervisionado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Intitulado “Smart Sen: um modelo de simulação do sistema elétrico nacional com presença de geração de renováveis intermitentes – impactos operacionais, regulatórios e custos”, o projeto deverá ter duração de três anos e será desenvolvido em cooperação com a Princeton University, Estados Unidos. A iniciativa já conta com financiamento no valor de R$ 8 milhões de mais de dez empresas do setor elétrico nacional, sob a liderança da AES. A proposta é desenvolver um modelo computacional de grande porte para coordenar a operação do sistema interligado nacional de produção e transmissão de energia. Trata-se de uma ferramenta computacional que permite ao operador nacional do sistema elétrico (ONS) coordenar e planejar ações para evitar sobrecarga no sistema elétrico. A pesquisa é sediada no Departamento de Recursos Hídricos da FEC, em especial junto ao Grupo de Pesquisa em Planejamento Energético e Sistemas Elétricos da FEC, que têm como responsável o professor Carlos Alberto Mariottoni e de onde se originou o Smart Sen. Segundo o coordenador do projeto, o professor da FEC Paulo Sérgio Franco Barbosa, trata-se de um projeto de fôlego já aprovado pelo Departamento de Recursos Hídricos e pela Congregação da FEC, estando em tramitação na Universidade. Deve tratar do problema da exploração de uma variedade de energias renováveis que está aparecendo agora no Brasil e que já apareceu com intensidade em outros países. “Já nos posicionamos bem na nossa matriz elétrica quanto à presença de energias renováveis, até porque temos muito a presença hidráulica, que é uma energia renovável”, situou. No entanto, o Brasil também tem presença nas energias renováveis não hidráulicas, que são a biomassa, a eólica e a solar. Mas, especialmente em relação à eólica e à solar, a tendência ainda é galgar novos patamares, visto que elas estão ainda num estágio modesto. O que se vislumbra é o crescimento expressivo dessas energias na próxima década, aí aparecendo benefícios como por exemplo a redução da emissão de CO2 na atmosfera.

Esse projeto tem como premissa que diversos países, inclusive o Brasil, irão priorizar as energias renováveis. Ocorre que algumas fontes têm característica de intermitência – com produção que se interrompe e se reinicia. Assim, não é possível controlar a produção de energias eólicas porque se depende da variável que está fora do controle, que é a velocidade do vento. A existência ou ausência do vento em determinados momentos faz com que a produção das usinas seja intermitente. Mas qual é o problema disso para um grande sistema? O coordenador explica que a energia elétrica é consumida instantaneamente e tem que ter uma produção na mesma taxa de consumo. Todavia, em horários de pico, de vez em quando, existem problemas na oferta de energia elétrica. Em 19 de janeiro de 2015, por exemplo, cresceu muito a demanda de energia elétrica no país, por ser um dia excessivamente quente. Com isso, muitas pessoas ligaram o ar-condicionado. Por volta das 15 horas, tudo o que se produzia de energia naquele horário era insuficiente para atender aos requisitos do consumo. “E esses requisitos logram com parâmetros de qualidade, a priori o controle da voltagem ou da tensão da rede e da frequência do fornecimento de energia elétrica”, lembrou Mariottoni. Diante dessa instabilidade, o operador nacional do sistema elétrico (que controla as usinas e os fluxos energéticos) optou por fazer o seu desligamento. Logo, uma parte do país ficou horas sem energia. De acordo com Mariottoni, esse problema pode aumentar se não for planejado tendo em vista as eólicas e solares, porque pode faltar vento ou energia solar em momentos críticos do abastecimento de energia elétrica, isso no calor e em estações/anos secos em que o estoque de água estiver menor. Em julho ou agosto, no Brasil, há tipicamente baixas vazões nos rios e portanto o fornecimento a partir das hidráulicas diminui, esclareceu ele. Se houver uma infeliz coincidência de estoque baixo de água e ventos, a situação pode piorar. Quando passa uma nuvem [que também traz incerteza na produção solar], diminui muito a quantidade de energia do sistema fotovoltaico (sistema de energia solar). Logo, o sistema brasileiro tem que usar diferentes fontes de energia, provisionar reservas operativas e tem que lidar com uma estrutura de consumo de energia muito variada ao longo do dia e das estações. “Esse pro-

jeto se apresenta como uma solução para coordenar a operação de todas essas fontes, para atender à demanda com segurança”, sugeriu Mariottoni.

SISTEMA Barbosa enfatizou que essa é uma ferramenta de suporte à decisão e que, com ela, o operador vai se valer de um conjunto de informações (desde as características técnicas de todas as usinas até os consumos de todas indústrias e demais consumidores) para fazer o seu trabalho, alimentando uma base de dados. “Vamos supor que o operador identifique que nas próximas três horas a produção de energia eólica do Nordeste, onde se concentram os grandes parques eólicos do país, vai ter um declínio de 20%. Com essa ferramenta, ele irá identificar que outras usinas do Brasil terão que ser acionadas, incluindo térmicas, de tal maneira a suprir esse deficit da produção eólica”, assinalou Barbosa. Com a previsão de consumo das próximas horas, da velocidade dos ventos e da produção solar, e com a produção hidráulica de todas as outras fontes de usinas, o operador poderá planejar melhor a operação interligada, evitando blecautes e propiciando que a energia seja fornecida nos parâmetros técnicos adequados (voltagem, frequência e outros). Esse é um modelo de simulação com uma escala curta de intervalo de tempo, na faixa de cinco minutos. Não existia no país e interessa muito a outros países, que agora estão avaliando o assunto. Tem um estudo na Costa Leste norte-americana, feito pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, e tem outro que integra todas as fontes renováveis no Continente Europeu. “Temos essa proposta atualizada em termos de tecnologias internacionais. Será inédita no mundo, com potencial de muitas publicações qualificadas”, sublinhou Barbosa. A proposta foi muito bem recebida pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Aneel. O MME se comprometeu a colocar seus técnicos à disposição do projeto, para acompanhar o seu desenvolvimento. O ONS também manifestou interesse em colocar uma engenheira à disposição para fornecer dados e interagir com o grupo da Unicamp. “Vamos representar o que o ONS faz hoje, todas as usinas, todos os dados reais e operacionais. Temos um projeto piloto mas, ao mesmo tempo, muito fidedigno às Foto: Antonio Scarpinetti

Os professores Carlos Alberto Mariottoni (à esq.) e Paulo Sérgio Franco Barbosa, coordenador do projeto: modelo computacional de grande porte

reais condições de operação do sistema interligado nacional. Após concluído, migrar a ferramenta para o ONS, vai ser um passo simples”, garantiu Barbosa.

GANHOS O professor Mariottoni ressaltou que o projeto Smart Sen terá profissionais das mais diferentes áreas e instituições de energia. É uma iniciativa que deverá trazer benefícios imediatos à comunidade brasileira através de melhores condições e introdução mais adequada de energias renováveis no sistema. O fato de o projeto contar com a ajuda de diferentes parcelas da sociedade científica e tecnológica faz com que ele seja aplicado, não sendo teórico somente. “Terá aplicação prática e definitiva, e, pelo que temos visto, já começa muito bem, contando com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) e de algumas unidades da Unicamp, entre elas o Instituto de Economia (IE) e a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)”, revelou Mariottoni. Ele acredita que esse projeto terá muito respaldo técnico e científico e, sendo assim, a possibilidade de êxito também será grande. Por outro lado, Barbosa informou que esse é o primeiro convênio que a Unicamp estabelece com a tradicional Universidade de Princeton, que tem sido, por anos, a número ‘1’ das universidades norte-americanas, conforme ranking da revista US News & World Report, que é realizado há 30 anos. Para a Unicamp, ter um convênio de cooperação acadêmica com a Universidade de Princeton representa muito, comentou Barbosa. É a oportunidade de enviar alunos para estudarem lá e fazerem doutoradosanduíche, e vice-versa. Os professores oferecerão workshops, treinamentos e estarão colaborando para as pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais da FEC. Essa será uma cooperação científica plena que terá um projeto em comum. Trabalho semelhante foi efetuado para um sistema americano, mas com diferenças marcantes. Os três Estados contemplados foram New Jersey, Pensylvannia e Maryland, nos quais está havendo, no momento, a penetração de energia eólica e solar. Trata-se do sistema do PJM, com capacidade instalada de 183.000 MW, onde a equipe de Princeton fez estudo similar. A capacitação com este sistema se somará à capacitação da equipe da Unicamp em sistema de grande porte, ainda predominantemente hidráulico. Esse projeto é inovador e conta com uma soma de esforços, salientou Mariottoni. “Estaremos desenvolvendo uma investigação que fará com que mais uma vez a Unicamp se aproxime da comunidade externa, mostrando o seu potencial na pesquisa. Sentimos que esse projeto vai gerar contribuições de inestimável valor.”

PARCEIRO O Departamento de Pesquisa Operacional e Engenharia Financeira da Princeton University, parceiro da Unicamp nesse projeto, é reconhecido pelo seu prestígio acadêmico, muito embasado também na figura do professor Warren Powell, líder na escola de engenharia daquela instituição, frisou Barbosa. Não é somente isso. Esse departamento tem excelência acadêmica internacional e possui em seus quadros professores da envergadura de John Forbes Nash, que recebeu em 1994 o prêmio Nobel de Economia. Nash, pai da “Teoria dos jogos”, inspirou o filme Uma mente brilhante, ganhador de quatro estatuetas no Oscar de 2002. “Então é uma grande honra estar interagindo com pessoas dessa estatura científica”, destacou Barbosa.


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Foto: Divulgação

Guia identifica espécies da Mata Atlântica

Vista parcial da área onde foram feitas as pesquisas: Mata Atlântica conta com mais de 20 mil espécies vegetais

Foto: Antoninho Perri

Publicação ilustrada revela aspectos da riqueza da biodiversidade do bioma CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

caba de ser lançado o Guia ilustrado para identificação das plantas da Mata Atlântica - Legado das Águas - Reserva Votorantim. Votorantim Essencialmente constituído por fotografias acompanhadas de notas explicativas, o livro pretende servir de guia para identificação de espécies vegetais ocorrentes na Floresta Ombrófila Densa, tendo como cenário o Legado das Águas – Reserva Votorantim, com 31 mil hectares, uma das maiores propriedades particulares voltadas para a conservação da Mata Atlântica. As espécies apresentadas foram amostradas durante quatro expedições realizadas na área por uma equipe de seis pesquisadores vinculados à Universidade de São Paulo (Esalq – Piracicaba), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Instituto Florestal (IF), acompanhados por 25 alunos de pós-graduação, das duas primeiras instituições. Os pós-graduandos cursavam a disciplina “Taxonomia de Campo”, oferecida pelo Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp e coordenada pelos professores Ricardo Ribeiro Rodrigues e Vinicius Castro Souza, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq – USP–Piracicaba) e do Programa de Pós-Graduação de Biologia Vegetal, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, que contou com a participação dos professores convidados Alexandre Salino (UFMG), Natália M. Ivanauskas (IF) e Jorge Yoshio Tamashiro, professor aposentado da Unicamp. Além deles, foram primeiro e segundo organizadores da publicação Thiago Bevilacqua Flores e Gabriel Dalla Colletta, alunos de doutorado da Universidade. A maior parte do trabalho de campo foi realizada durante uma expedição, de cerca de 15 dias, de que participaram todos os docentes e discentes do grupo, organizada para a coleta e identificação preliminar de material botânico. Essa etapa se completou em 30 dias no Laboratório de Sistemática do Departamento de Ciências Biológicas da Esalq e no Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp, onde as identificações preliminares foram confirmadas através de bibliografia especializada, comparação com material de herbário e consulta a especialistas. Posteriormente, três outras expedições, com duração em torno de 15 dias cada uma, constituídas por alunos da pós-graduação, foram realizadas para obtenção de imagens fotográficas de plantas em floração e/ou frutificação. Nas quatro ocasiões coletaram-se cerca de duas mil amostras de plantas, representando 768 espécies vasculares, grande parte delas apresentadas no guia. A propósito, Thiago Flores, aluno de doutorado da Unicamp, lembra que um país com tamanha biodiversidade como o Brasil precisa de ferramentas que facilitem a identificação de plantas. Ele acredita que a publicação traga contribuições para que isso ocorra mais facilmente, permitindo maior agilidade e qualidade dos diagnósticos ambientais. Apaixonado por plantas, ele particularmente espera que o livro mude a visão das pessoas sobre a floresta: “Que a floresta não seja vista apenas como “mato” ou uma área desocupada. É preciso mostrá-la como o lugar de que se extraem milhares de informações decorrentes da sua enorme biodiversidade, que podem vir a ser utilizadas, por exemplo, na formulação de medicamentos e de alimentos funcionais. É fundamental que as pessoas sejam informadas da importância e da riqueza das florestas, porque não se conserva o que não se conhece. O conhecimento leva as pessoas a dar valor e a conscientizar-se da necessidade da preservação. Ninguém preserva o que não conhece. Possibilitar o conhecimento das florestas é parte do nosso trabalho”.

Conhecer o nome popular, o nome científico e ter acesso a outras informações proporcionam familiaridade, valorização e, consequentemente, estimulam a preservação das espécies, acreditam eles. Consideram que conhecer e divulgar a biodiversidade da Mata Atlântica de forma didática, como adotada no guia, constituem uma grande contribuição para a conservação dos remanescentes florestais. O Legado das Águas – Reserva Votorantim, inserida nos municípios de Juquiá, Tapiraí e Miracatu, é uma das maiores reservas privadas de Floresta Atlântica que, somada às unidades de conservação estaduais, representa valioso corredor ecológico na Serra de Paranapiacaba, possuindo grande potencial para se transformar em um laboratório vivo, em que estudos de fauna e flora, ecologia, entre outros, podem ser conduzidos e gerar grande valor científico.

CONJUGAÇÃO DE FATORES

Thiago Bevilacqua Flores, um dos organizadores da publicação: coleta de cerca de duas mil amostras de plantas

MATA ATLÂNTICA

O bioma Mata Atlântica é um dos locais de maior biodiversidade do planeta, contendo mais de 20 mil espécies vegetais, das quais oito mil são endêmicas, isto é, só ocorrem nesse ecossistema. Além do que, abriga sete das maiores bacias hidrográficas brasileiras, sendo também fonte de alimentos e recursos diversos. Originalmente a cobertura vegetal de Mata Atlântica distribuía-se por 17 estados brasileiros em toda a costa, chegando à Argentina e ao Paraguai. Atualmente a área remanescente representa apenas 7,5% de sua cobertura original, sendo seu desmatamento ainda um dos maiores desafios para a sociedade. Além do que, com a acentuada urbanização, que levou mais de 80% da população brasileira a viver nas cidades, o convívio com a vegetação nativa tornou-se distante da maioria da população. Apesar desse quadro, os organizadores do guia lembram a existência de iniciativas louváveis na contramão do desmatamento, a exemplo do Legado das Águas – Reserva Votorantim, que transformou uma área de 31 mil hectares de Mata Atlântica no Estado de São Paulo em um espaço aberto às práticas sustentáveis. O Grupo Votorantim protegeu essa área, a partir da década de 1950, para garantir a conservação das nascentes da bacia do Rio Juquiá, onde estão instaladas sete de suas usinas hidrelétricas, utilizadas na produção de alumínio. A conservação da floresta teve como propósito a manutenção da regulação climática e a proteção do ecossistema. Além da proteção de grandes porções da floresta, com o passar do tempo, ocorreu também recomposição natural da mata em áreas degradadas, criando um maciço florestal que se integra harmonicamente com parques estaduais da região e compõe um corredor riquíssimo de Mata Atlântica no sudeste do país. Os organizadores da publicação entendem que, embora existam alguns livros relativos a esse bioma focados principalmente nas árvores, outras formas de vida como arbustos, ervas e lianas continuam pouco divulgados e, portanto, de difícil identificação, principalmente para o grande público.

Thiago esclarece que o projeto do livro nasceu em decorrência do programa da disciplina “Taxonomia de Campo” oferecida a cada dois anos no curso de pós-graduação de Biologia Vegetal do IB da Unicamp. A ideia da disciplina é a de levar os alunos, acompanhados dos professores, para uma área específica e estudar a flora do lugar e treiná-los em botânica sistemática. Ele conta: “Logo na segunda semana do curso, com todo o grupo reunido no Legado das Águas, vislumbrou-se a possibilidade e a oportunidade da publicação. Ocorria a conjugação de vários fatores favoráveis: estávamos diante de um ecossistema riquíssimo, que é a Reserva Votorantim; constituíamos um grupo com mais de vinte pós-graduandos com competências em várias áreas da botânica, mas que estavam lá para serem introduzidos em outras áreas que ainda não dominavam; contávamos com professores altamente especializados; e, além disso, o professor Vinicius Castro Souza e eu tínhamos sido coautores, juntamente com Harri Lorenzi, do livro Introdução à Botânica – Morfologia (editora Plantarum), destinado a cursos superiores. Essa feliz conjugação permitiu o desencadeamento do projeto”. Sua experiência editorial e o envolvimento com o trabalho o levaram à condição de primeiro organizador. Em decorrência ainda do estudo, está para ser publicado em periódico internacional um artigo liderado por Gabriel Dalla Collettanicamp, relacionando todas as espécies encontradas na Reserva da Votorantim nas várias incursões do grupo. Thiago Flores enfatiza que o mérito da publicação que resultou do levantamento das espécies nativas na Floresta Ombrófila Densa é de todos os professores e alunos de mestrado e doutorado da USP e Unicamp liderados pelos professores Ricardo Ribeiro Rodrigues e Vinicius Castro Souza. Para ele, “além da produção de um trabalho útil o projeto possibilitou um grande aprendizado e treinamento para todos nós alunos da pós-graduação”. Para a realização do trabalho, o grupo todo ficou inicialmente 15 dias hospedado em Tapiraí, nos alojamentos da Votorantim. Thiago conta com entusiasmo o desenvolvimento do estudo: “Começávamos as atividades de campo às oito horas, almoçávamos um lanche e voltávamos no fim da tarde. Depois do jantar tínhamos aulas e seguíamos até as dez na noite identificando os materiais coletados. Foi uma imersão maravilhosa”. Cansativo? “Não, quando você faz o que gosta”, responde. Para ele esse tipo de trabalho muda a percepção dos pósgraduandos sobre a atividade científica e leva a um olhar diferente do adquirido quando se observam as plantas secas de um herbário. O projeto da publicação não se finalizou na disciplina, pois precisava de mais aporte científico e de mais dados. Então, depois de sua conclusão ele, Gabriel e um grupo menor de alunos o continuaram, realizando mais três incursões de 15 dias cada uma à área estudada, em grupos de cerca de dez alunos. Por tudo isso ele considera que a realização constitui um grande trabalho de grupo, que não foi simples e exigiu grande esforço, energia e envolvimento de todos os participantes.


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Campinas, 9 a 15 de

Estudo analisa rede que sustenta Pesquisa foi contemplada com Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações Internacionais LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

professor Thiago Lima da Silva é autor da pesquisa vencedora do Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações Internacionais, que ele receberá em cerimônia marcada para dezembro. Trata-se de uma análise do protecionismo agrícola nos EUA feita a partir de uma perspectiva que vai além das relações entre grupos de interesse e legisladores, assim como os ambientes institucionais nos quais a legislação agrícola é elaborada. “Embora essas relações sejam da maior importância, a política agrícola [não só a estadunidense] deve ser examinada num contexto maior e mais complexo, posto que a atividade agrícola em si, no interior das fazendas, é apenas uma pequena parte da produção de alimentos e fibras”, sustenta o pesquisador. A tese de doutorado é intitulada “A resiliência da política de subsídios agrícolas nos Estados Unidos” e foi orientada pelo professor Sebastião Carlos Velasco e Cruz, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “A escolha do tema decorreu de uma conversa com meu orientador, algum tempo após a banca do meu mestrado, da qual ele participou. Na dissertação eu examinei a questão do protecionismo via subsídio agrícola pelas relações entre grupos de interesse de produtores agrícolas e os políticos. Mas o professor Sebastião Cruz me disse: ‘Quando vamos ao mercado, vemos muita comida industrializada. É provável que os setores industriais e as cadeias produtivas tenham algo a ver com isso’. E aí decidimos que eu faria um projeto de doutorado sobre isso”, explica o autor da tese. Thiago Lima da Silva é professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI). Atua também como pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Sobre o Prêmio Capes, afirma: “Só não fiquei mais feliz do que surpreso! Não tinha a mínima expectativa de vencer. Já consi-

derava a indicação do Programa de Ciência Política como o prêmio máximo. Enfim, fiquei muito contente e muito grato a todas as pessoas e instituições que me apoiaram desde a graduação.” Abaixo, uma entrevista com o autor da tese, concedida por e-mail. Jornal da Unicamp – Quais são os principais mecanismos de proteção agrícola nos EUA? Quanto eles custam ao governo americano? Thiago Lima da Silva – Tradicionalmente os EUA recorrem a cotas, medidas de defesa comercial com critérios algumas vezes questionáveis, como o antidumping, além de diversos tipos de subsídios de apoio à produção e comercialização. Não posso dar uma resposta mais precisa no momento, pois o marco temporal da minha tese avança até 2008 e em 2014 os EUA aprovaram uma nova lei agrícola, que não analisei. Essa lei traz mudanças relevantes na política de subsídios. Uma breve descrição das mudanças pode ser lida no relatório da OMC denominado “Trade Policy Review – United States”, disponível em https://www.wto.org/english/ tratop_e/tpr_e/s307_e.pdf. No caso específico dos subsídios, calcular o custo para o governo é extremamente difícil, pois há subsídios de diversos tipos e agregar isso é bastante complexo, até mesmo para o próprio governo dos EUA. Além disso, muitos subsídios são (ou eram) contra-cíclicos em relação aos preços de mercado, isto é, variam ano a ano, em função do mercado de commodities. A questão pode se complicar ainda mais se o termo ‘proteção’ for reservado aos mecanismos considerados ilegais perante a Organização Mundial do Comércio, ou se for atribuído a barreiras consideradas injustas. Por exemplo, muitos países consideram justo proteger uma parcela da agricultura familiar da competição das grandes corporações do agronegócio. Dito isso, a OCDE realiza algumas estimativas do custo da proteção. Uma delas é o Producer Support Estime, que somou os gastos do governo estadunidense em apoio aos seus produtores agrícolas em USD 28.821 bi em 2013 e USD 41.461 em

2014. Para efeito de comparação, o Brasil somou USD 13.366 e 20.522 para os mesmos períodos. Esses dados podem ser acessados em http://www.oecd.org/tad/ agricultural-policies/producerandconsumersupportestimatesdatabase.htm. JU – De que forma o Brasil, particularmente, é afetado? Quais as principais commodities envolvidas? Thiago Lima da Silva – Os produtores de commodities do Brasil, assim como os de outros países, são afetados porque competem com fazendeiros que não precisam garantir sua solvência pelas suas vendas no mercado. Em outras palavras, competem com produtores que podem continuar aumentando a sofisticação e a inovação da sua produção, por meio da aquisição de pacotes tecnológicos cada vez mais avançados e caros, e que contam com a segurança do Tesouro dos Estados Unidos. Se os seus custos de produção forem mais altos do que a renda decorrente das vendas no mercado, o Estado pagará a diferença. JU – Qual o peso da agricultura, por si, na economia americana? Quais são as principais culturas e quanto de terras ocupam? Thiago Lima da Silva – O peso de setor agrícola, considerado de forma isolada, isto é, medido exclusivamente por aquilo que sai das fazendas, não chega a 1% do PIB dos EUA. O problema é que esse dado estatístico não é muito preciso, pois a atividade dentro das fazendas é altamente interdependente dos setores industrial e de serviços. O melhor seria saber o peso do complexo agroindustrial. Contudo, realizar uma medição que leve em conta esse agregado também é bastante complexo e dificilmente se encontra dados consensuais a esse respeito. Quanto à produção, os EUA são, no geral, o maior produtor agropecuário do mundo. Suas principais culturas são arroz, milho, trigo, soja, sorgo, algodão, cevada e sementes oleaginosas. Quanto às propriedades, é interessante notar que tem havido concentração de terra nos EUA, década após década. Uma

explicação relevante para isso é o crescente custo da produção, aliada a necessidade constante de aumento de escala para viabilizá-la. JU – Que agentes formam o complexo agroindustrial? Thiago Lima da Silva – Os complexos agroindustriais são formados pelos diversos setores que se relacionam com a produção dentro das fazendas. Daí, inclusive, a dificuldade de mensuração estatística. São setores industriais, de serviços e o próprio Estado, além do agrícola. São, em geral, os setores de 1) máquinas e equipamentos; 2) produtos químicos; 3) biotecnologia; 4) indústria alimentícia; 5) comerciantes de commodities; 6) empresas de logística; 7) supermercados; 8) setor imobiliário; 9) bancos; 10) seguradoras; 11) centros de pesquisa; 12) legisladores; e 13) burocratas etc. Enfim, quando a produção agrícola ocorre em larga escala e com uso intensivo de alta tecnologia, muitos outros setores da sociedade participam do processo. Foto: Divulgação

O professor Thiago Lima da Silva, autor da pesquisa: “Os fazendeiros americanos investem além daquilo que o mercado os remuneraria”


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Estudo analisa rede que sustenta Pesquisa foi contemplada com Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações Internacionais LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

professor Thiago Lima da Silva é autor da pesquisa vencedora do Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações Internacionais, que ele receberá em cerimônia marcada para dezembro. Trata-se de uma análise do protecionismo agrícola nos EUA feita a partir de uma perspectiva que vai além das relações entre grupos de interesse e legisladores, assim como os ambientes institucionais nos quais a legislação agrícola é elaborada. “Embora essas relações sejam da maior importância, a política agrícola [não só a estadunidense] deve ser examinada num contexto maior e mais complexo, posto que a atividade agrícola em si, no interior das fazendas, é apenas uma pequena parte da produção de alimentos e fibras”, sustenta o pesquisador. A tese de doutorado é intitulada “A resiliência da política de subsídios agrícolas nos Estados Unidos” e foi orientada pelo professor Sebastião Carlos Velasco e Cruz, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “A escolha do tema decorreu de uma conversa com meu orientador, algum tempo após a banca do meu mestrado, da qual ele participou. Na dissertação eu examinei a questão do protecionismo via subsídio agrícola pelas relações entre grupos de interesse de produtores agrícolas e os políticos. Mas o professor Sebastião Cruz me disse: ‘Quando vamos ao mercado, vemos muita comida industrializada. É provável que os setores industriais e as cadeias produtivas tenham algo a ver com isso’. E aí decidimos que eu faria um projeto de doutorado sobre isso”, explica o autor da tese. Thiago Lima da Silva é professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI). Atua também como pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Sobre o Prêmio Capes, afirma: “Só não fiquei mais feliz do que surpreso! Não tinha a mínima expectativa de vencer. Já consi-

derava a indicação do Programa de Ciência Política como o prêmio máximo. Enfim, fiquei muito contente e muito grato a todas as pessoas e instituições que me apoiaram desde a graduação.” Abaixo, uma entrevista com o autor da tese, concedida por e-mail. Jornal da Unicamp – Quais são os principais mecanismos de proteção agrícola nos EUA? Quanto eles custam ao governo americano? Thiago Lima da Silva – Tradicionalmente os EUA recorrem a cotas, medidas de defesa comercial com critérios algumas vezes questionáveis, como o antidumping, além de diversos tipos de subsídios de apoio à produção e comercialização. Não posso dar uma resposta mais precisa no momento, pois o marco temporal da minha tese avança até 2008 e em 2014 os EUA aprovaram uma nova lei agrícola, que não analisei. Essa lei traz mudanças relevantes na política de subsídios. Uma breve descrição das mudanças pode ser lida no relatório da OMC denominado “Trade Policy Review – United States”, disponível em https://www.wto.org/english/ tratop_e/tpr_e/s307_e.pdf. No caso específico dos subsídios, calcular o custo para o governo é extremamente difícil, pois há subsídios de diversos tipos e agregar isso é bastante complexo, até mesmo para o próprio governo dos EUA. Além disso, muitos subsídios são (ou eram) contra-cíclicos em relação aos preços de mercado, isto é, variam ano a ano, em função do mercado de commodities. A questão pode se complicar ainda mais se o termo ‘proteção’ for reservado aos mecanismos considerados ilegais perante a Organização Mundial do Comércio, ou se for atribuído a barreiras consideradas injustas. Por exemplo, muitos países consideram justo proteger uma parcela da agricultura familiar da competição das grandes corporações do agronegócio. Dito isso, a OCDE realiza algumas estimativas do custo da proteção. Uma delas é o Producer Support Estime, que somou os gastos do governo estadunidense em apoio aos seus produtores agrícolas em USD 28.821 bi em 2013 e USD 41.461 em

2014. Para efeito de comparação, o Brasil somou USD 13.366 e 20.522 para os mesmos períodos. Esses dados podem ser acessados em http://www.oecd.org/tad/ agricultural-policies/producerandconsumersupportestimatesdatabase.htm. JU – De que forma o Brasil, particularmente, é afetado? Quais as principais commodities envolvidas? Thiago Lima da Silva – Os produtores de commodities do Brasil, assim como os de outros países, são afetados porque competem com fazendeiros que não precisam garantir sua solvência pelas suas vendas no mercado. Em outras palavras, competem com produtores que podem continuar aumentando a sofisticação e a inovação da sua produção, por meio da aquisição de pacotes tecnológicos cada vez mais avançados e caros, e que contam com a segurança do Tesouro dos Estados Unidos. Se os seus custos de produção forem mais altos do que a renda decorrente das vendas no mercado, o Estado pagará a diferença. JU – Qual o peso da agricultura, por si, na economia americana? Quais são as principais culturas e quanto de terras ocupam? Thiago Lima da Silva – O peso de setor agrícola, considerado de forma isolada, isto é, medido exclusivamente por aquilo que sai das fazendas, não chega a 1% do PIB dos EUA. O problema é que esse dado estatístico não é muito preciso, pois a atividade dentro das fazendas é altamente interdependente dos setores industrial e de serviços. O melhor seria saber o peso do complexo agroindustrial. Contudo, realizar uma medição que leve em conta esse agregado também é bastante complexo e dificilmente se encontra dados consensuais a esse respeito. Quanto à produção, os EUA são, no geral, o maior produtor agropecuário do mundo. Suas principais culturas são arroz, milho, trigo, soja, sorgo, algodão, cevada e sementes oleaginosas. Quanto às propriedades, é interessante notar que tem havido concentração de terra nos EUA, década após década. Uma

explicação relevante para isso é o crescente custo da produção, aliada a necessidade constante de aumento de escala para viabilizá-la. JU – Que agentes formam o complexo agroindustrial? Thiago Lima da Silva – Os complexos agroindustriais são formados pelos diversos setores que se relacionam com a produção dentro das fazendas. Daí, inclusive, a dificuldade de mensuração estatística. São setores industriais, de serviços e o próprio Estado, além do agrícola. São, em geral, os setores de 1) máquinas e equipamentos; 2) produtos químicos; 3) biotecnologia; 4) indústria alimentícia; 5) comerciantes de commodities; 6) empresas de logística; 7) supermercados; 8) setor imobiliário; 9) bancos; 10) seguradoras; 11) centros de pesquisa; 12) legisladores; e 13) burocratas etc. Enfim, quando a produção agrícola ocorre em larga escala e com uso intensivo de alta tecnologia, muitos outros setores da sociedade participam do processo. Foto: Divulgação

O professor Thiago Lima da Silva, autor da pesquisa: “Os fazendeiros americanos investem além daquilo que o mercado os remuneraria”


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Campinas, 9 a 15 de novembro de 2015

Para manter a pressão controlada Fotos: Antonio Scarpinetti

Farmacêutica desenvolve método simples que identifica casos de falta de controle da PA CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp é um dos poucos centros no Brasil que atende especificamente pacientes com quadro de hipertensão arterial de difícil controle, dispondo para tanto do Ambulatório de Hipertensão Resistente. A hipertensão arterial resistente (HAR) se caracteriza por apresentar valores acima de 140/90 mmHg, apesar dos tratamentos não farmacológico e farmacológico, e seu controle demanda a utilização de no mínimo três classes de anti-hipertensivos em doses otimizadas, inclusive um diurético. Incluem-se na categoria dos portadores de HAR os indivíduos que apresentam pressão arterial (PA) controlada, mas que necessitam de quatro ou mais classes de fármacos anti-hipertensivos. O diagnóstico da HAR exige monitoramento ambulatorial da PA para que possam ser excluídos os pacientes que revelam a hipertensão do jaleco branco e os que não a têm controlada porque não aderem ao tratamento prescrito. A não adesão ao tratamento é um dos grandes problemas de saúde pública e causa maior da falta de controle pressórico. A verificação de aderência deve ser feita quando o médico suspeita de resistência ao tratamento para que possa excluir os pseudo-resistentes. A identificação dos pacientes com HAR é essencial já que sujeitos a maiores riscos cardiovasculares se comparados aos falsos resistentes. Estudos envolvendo pacientes com HAR mostram altas taxas de não adesão ao tratamento, o que reforça a importância da sua correta identificação para que possam ser submetidos ao devido acompanhamento clínico. Estas constatações levaram a farmacêutica Nathália Batista Corrêa a pesquisar métodos práticos e baratos que permitam identificar os casos em que a falta de controle da PA nos casos de HAR resulta na realidade da não aderência ao tratamento. A ideia se consolidou em conversas com seu orientador, professor Heitor Moreno Júnior, docente do Departamento de Clínica Médica da FCM, e com colegas do Laboratório de Farmacologia Cardiovascular, do Departamento de Farmacologia da FCM. O trabalho foi seguido de perto pelo seu coorientador Rodrigo Gimenez Pissutti Modolo, especializado em cardiologia clínica e em hemodinâmica e cardiologia intervencionista, e atualmente orientador junto ao Departamento de Farmacologia da mesma unidade. A adesão pode ser caracterizada como o grau em que o paciente cumpre corretamente a prescrição médica e envolve o comportamento do indivíduo perante as recomendações médicas tanto farmacológicas quanto não farmacológicas. É fato universalmente comprovado que a eficácia e o benefício da medicação são alcançados desde que o paciente cumpra corretamente as prescrições médicas. Estima-se que a adesão ao tratamento de doenças crônicas em países desenvolvidos seja de 50%, mas estudos realizados no Brasil reportam a taxas de 19,7% a 65,7% para pacientes hipertensos. Atualmente se considera que há adesão quando o uso das drogas é superior a 80% da prescrita. Mas como determiná-la nos portadores de HAR diante da falta de ferramentas práticas para uso diário na clínica? A pesquisadora considera que o problema pode ser enfrentado com o estudo de novas técnicas confiáveis e acessíveis e também através do aperfeiçoamento de métodos existentes, que podem direcionar a elaboração de estratégias para aumentar a adesão dos pacientes, contribuindo para melhor controle da PA e reduzindo riscos cardiovasculares nessa população. Rodrigo lembra que vários são os fatores que podem comprometer a adesão do paciente ao tratamento como o grande número de comprimidos que deve ingerir ao longo do dia; a disponibilidade das medicações nos sistemas de saúde ou impedimentos que não permitiram retirá-la no devido tempo; a dificuldade de acessibilidade,

Nathália Batista Corrêa, autora da dissertação: “O método da fluorescência atua como um tira-teima”

Rodrigo Modolo, coorientador: “O método apresentou altíssima sensibilidade e especificidade”

por faltas de recursos, às drogas que devem ser compradas; os efeitos colaterais e desagradáveis que podem provocar nos pacientes e que os levam a interromper o tratamento. Muitas vezes, para manter um bom relacionamento com o médico, o paciente omite essas dificuldades. Esses problemas podem ser minimizados quando o médico estabelece com o paciente uma relação de empatia que o leve a ter coragem e liberdade de expor as dificuldades que enfrenta, possibilitando-lhe a informação, esclarecimento e conscientização sobre os riscos que corre pela não adesão às prescrições. Diante disso, Nathália se interessou em desenvolver métodos objetivos e confiáveis, além de práticos, que permitam ao clínico identificar os casos em que PA é de fato de difícil controle.

PONTO DE PARTIDA

Existem diferentes métodos empregados atualmente para descobrir se o paciente toma ou não as medicações. Os métodos laboratoriais são confiáveis e permitem uma verificação precisa através de exames de sangue ou de urina, mas são pouco aplicáveis no dia-a-dia da clínica porque caros e demorados. Existem, também, os métodos indiretos, simples e rápidos, que envolvem a aplicação de questionário que permite, através de pontuação estabelecida, confirmar a informação fornecida pelo paciente, mas eles são de fidedignidade limitada porque podem ser burlados. Tentando superar essas dificuldades a autora se propôs a pesquisar métodos que possibilitassem um acesso rápido à informação e de fácil aplicação na prática diária. Com essa preocupação ela compulsou a literatura especializada e encontrou pesquisas, da década de 1980, que propunham a determinação da fluorescência da urina com essa finalidade. O paciente toma determinado anti-hipertensivo e essa droga e seu metabólito conferem luminosidade à urina quando sobre ela incide luz ultravioleta. Como são poucas as substâncias que provocam esse efeito, então a ideia é combiná-las a um diurético normalmente prescrito para verificar a aderência ao tratamento, embora ainda sem a certeza de que o paciente toma todas as outras medicações indicadas. Mas, segundo Nathália, é possível inferir que um indivíduo aderente a uma medicação prova-

velmente também o é em relação às demais. Uma das substâncias que viabilizam esse procedimento é o triantereno, diurético anti-hipertensivo fraco, muito pouco utilizado hoje, que é adicionado a outro de maior potência. Para se certificar da validade da inferência a pesquisadora utilizou paralelamente a escala de adesão de Morisky, consagrada na literatura e de comprovada eficiência. Trata-se de um questionário muito utilizado em pesquisas para estabelecer o índice de aderência a medicações. Esse procedimento mostrou uma correspondência de cerca de 80% entre os dois métodos selecionados. “O método da fluorescência atua como um tira-teima, já que não há como mentir diante de uma confirmação biológica”, diz ela.

O QUE FOI FEITO

Como havia poucas publicações na literatura sobre o teste da fluorescência e pretendia-se avaliá-lo junto a um público que não fosse portador da HAR, a primeira parte do trabalho serviu como piloto e o triantereno foi aplicado em doze pacientes dos quais nove eram normotensos e três apresentavam hipertensão moderada. Depois da ingestão da medicação foram feitas coletas da urina de duas em duas horas, durante doze horas. Os testes indicaram a fluorescência na urina, que atingiu seu pico depois de seis horas, comprovando a validade do método para a avaliação pretendida. Rodrigo afirma que “o método apresentou altíssima sensibilidade e especificidade nos casos analisados, revelando-se de grande acurácia. Munidos dessas constatações passamos a testá-lo em pacientes com pressão de difícil controle”. A pesquisadora selecionou então 21 pacientes com hipertensão grave, acompanhados no Ambulatório de Hipertensão Resistente do HC, que tomaram a medicação durante 30 dias. Todos eles passaram previamente por avaliação médica para que pudessem trocar o diurético que lhes havia sido prescrito por outro que continha também o triantereno. Nesse período ela fez duas coletas de urina para exame da fluorescência, próximas à sexta hora depois da ingestão do medicamento, sem que os pacientes fossem avisados. No universo estudado ela encontrou nove pacientes aderentes e 12 não aderentes, ou seja, 57% não seguiram o tratamento. Ela

constatou ainda que os aderentes conseguiam manter a pressão mais controlada enquanto os demais apresentavam PA mais alta, o que comprova a importância de seguir o tratamento e não apenas consultar o médico, diz Rodrigo, que enfatiza: “Usar o medicamento de forma irregular é perigosíssimo, pois o remédio tem um prazo de atuação. Existem estudos na literatura mostrando que tomá-lo de forma irregular aumenta a possibilidade de AVC, porque essa inconstância provoca oscilação da pressão aumentando o risco de derrame”. Ele destaca, ainda, que no processo de tratamento a educação do paciente, o acompanhamento e a regularidade nas consultas são muito importantes porque o convívio com o médico, com o farmacêutico, com o enfermeiro, com toda a equipe de saúde ajuda a conscientizá-lo da importância de tomar a medicação com regularidade, principalmente em uma doença na maioria das vezes assintomática. Diante desse quadro ele considera fundamental a acessibilidade de toda a equipe de atendimento, particularmente do médico. “Aqui na Unicamp existem pesquisas que estudam as consequências da empatia entre médico e estudantes de medicina e pacientes. Elas mostram que quando o médico mantém um contato mais próximo, com maior atenção e estabelece uma relação de empatia com o paciente consegue passar as informações necessárias com mais eficácia e angaria a sua confiança. É o que procuramos em nosso Ambulatório”, afirma o coorientador.

DECORRÊNCIAS

Para Nathalia, o desenvolvimento de um método fácil, aplicável, barato, rápido e confiável agilizaria o dia-a-dia do clínico na localização do paciente com efetiva HAR. No Ambulatório do HC os pacientes para lá encaminhados seriam submetidos inicialmente ao questionário de Morisky e depois a uma avaliação mais segura através do teste da fluorescência. O próximo passo do trabalho, segundo Rodrigo, é simplificar essa metodologia de forma que a urina colhida por ocasião da consulta seja imediatamente analisada. A propósito da evolução desse procedimento ele acrescenta: “Em nosso trabalho não desenvolvemos um novo método, mas utilizamos ideias que podem ser progressivamente elaboradas como, por exemplo, adicionar a substância que leva à florescência dentro das drogas já prescritas para hipertensão, bem como desenvolver maneiras mais práticas de aplicar o método proposto. Esperamos que a publicação do trabalho desencadeie uma colaboração multidisciplinar para concretização das próximas etapas”.

Publicação Dissertação: “Análise de fluorescência na urina como avalição de adesão farmacológica em hipertensos resistentes” Autora: Nathália Batista Corrêa Orientador: Heitor Moreno Júnior Coorientador: Rodrigo Gimenez Pissutti Modolo Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


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Campinas, 9 a 15 de novembro de 2015

Cana, uma alternativa energética para a América Latina e Caribe Fotos: Antonio Scarpinetti

Estudo do Nipe conclui que há grande potencial de aproveitamento da planta como fonte para produção de bioenergia

ÁFRICA

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

exceção do Brasil, os demais países da América Latina e Caribe que plantam cana-de-açúcar utilizam a cultura para produzir prioritariamente o açúcar. Estudo desenvolvido pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, no contexto do projeto temático Contribuição de Produção de Bioenergia pela América Latina, Caribe e África (LACAf), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), acaba de concluir que a planta também apresenta grande potencial para a geração de bioenergia (etanol e eletricidade) na região. De acordo com a pesquisa, quase todos os 15 países analisados teriam condições de substituir 10% da gasolina por etanol, caso o biocombustível passasse a ser produzido a partir de um subproduto gerado pela fabricação do açúcar, o melaço. As conclusões da pesquisa foram apresentadas no último mês de setembro em um congresso científico realizado em Cali, na Colômbia, pelos pesquisadores Simone Pereira de Souza e Luiz Augusto Horta Nogueira. O estudo foi premiado como o melhor trabalho estrangeiro do evento. De acordo com Simone de Souza, o objetivo da investigação foi apresentar o potencial da cana-de-açúcar como fonte de energia, bem como os consequentes benefícios sociais, ambientais e econômicos que o seu melhor aproveitamento traria para os países da região. O ponto de partida do estudo, conforme a pesquisadora, foi analisar o atual contexto energético dos países. Assim, foram consideradas a dependência de cada um deles da gasolina e as necessidades de importação de eletricidade e açúcar, entre outros pontos. A partir dessa avaliação, os pesquisadores traçaram dois cenários distintos. No primeiro deles, foi avaliado o aproveitamento do melaço, subproduto gerado pela fabricação do açúcar, para a produção do etanol. Atualmente, esse resíduo tem tido destinação menos nobre, como o uso para o enriquecimento da alimentação animal. Após as análises, os pesquisadores concluíram que quase todos os países poderiam misturar pelo menos 10% de etanol à gasolina utilizada pelos veículos automotores, sem a necessidade de promover grandes mudanças em sua infraestrutura energética. Algumas nações, como Colômbia, Guatemala, Nicarágua e Cuba poderiam ir além desse índice, produzindo excedentes do biocombustível. No segundo cenário, os pesquisadores do Nipe projetaram uma expansão de 1% da área de cultivo de cana sobre pastagens. “Seria uma expansão pequena, que não traria impacto à produção de alimentos”, garante Simone de Souza. Pela proposta, a produção de metade dessa área expandida seria destinada à produção de açúcar e a outra metade, para a produção direta de etanol. “Nesse cenário, o que identificamos foi que a maioria dos países conseguira promover uma mistura de 20% de etanol na gasolina. No caso da Nicarágua, por exemplo, o país teria condições de produzir um volume de etanol quase três vezes maior que a demanda para E10 (mistura de 10% de etanol). Obviamente, para alcançar essas misturas seria necessário que os países analisados implantassem políticas públicas que favorecessem esse avanço”, pondera a pesquisadora.

os fabricantes a promover adaptações nos motores. Aqui no Brasil, essa mistura é de 27% atualmente, mas o país tem larga experiência no uso do etanol. Um dado curioso é que a Guatemala exporta todo o álcool que produz, mas importa toda a gasolina que consome”.

Colheita de cana no Estado de SP: conforme a pesquisa, quase todos os 15 países analisados teriam condições de substituir 10% da gasolina por etanol, caso o biocombustível passasse a ser produzido a partir de um subproduto gerado pela fabricação do açúcar, o melaço

Na África, a produção de etanol ajudaria a difundir os fogões a álcool, que substituiriam os equipamentos a lenha que prejudicam a saúde da população e degradam o meio ambiente

Simone Pereira de Souza, uma das autoras da pesquisa: é preciso que os países elaborem políticas públicas que favoreçam a alternativa energética

Além disso, o estudo também analisou o potencial de geração de eletricidade por meio do aproveitamento do bagaço da cana. Mais uma vez, a conclusão foi de que essa capacidade é bastante expressiva. Nesse caso, foram igualmente considerados dois cenários: um sem e outro com expansão da área plantada de cana-de-açúcar. No primeiro caso, sem qualquer incremento na produção canavieira, a Guatemala teria condições de suprir 43% da sua demanda residencial. Com a expansão de 1% da área cultivada, atingiria 100% da demanda. A Argentina, com a sua produção atual, poderia suprir 13% da demanda de eletricidade com o aproveitamento do bagaço. “Como se vê, o potencial do uso da cana como fonte de energia renovável é muito grande tanto na América Latina quanto no Caribe. Em relação ao aproveitamento da cana pelo segmento elétrico, é preciso lembrar que isso dependeria de uma alteração no sistema, para que ele possa receber esse tipo de energia. Outra providência seria

tornar as caldeiras das usinas mais eficientes. Por fim, seria preciso criar, ainda, um mercado cativo, de maneira a garantir que a eletricidade produzida seja efetivamente vendida”, adverte Simone de Souza. Mas se o uso da cana-de-açúcar como fonte energética é tão promissor assim na América Latina e Caribe, por que essa alternativa não tem sido considerada pelos países da região, à exceção do Brasil? A resposta, segundo Simone de Souza, está no fato de o açúcar gerar mais lucros que o etanol e de os países ainda não disporem de infraestrutura para o aproveitamento adequado da planta, como mencionado anteriormente. Além disso, existem barreiras políticas a serem superadas e setores que resistem fortemente ao uso do etanol. “Na Guatemala, por exemplo, a indústria automobilística se posiciona contrariamente ao uso do biocombustível para abastecimento da frota de automóveis. O argumento é de que a mistura do etanol na gasolina poderia comprometer o desempenho dos carros, o que obrigaria

Pesquisa semelhante à realizada na América Latina e Caribe também foi feita na África pelos pesquisadores do Nipe, mas em contexto diferente. O foco do estudo foi o uso do etanol em substituição à lenha utilizada pelas populações pobres para a cocção de alimentos. Simone de Souza destaca que a utilização da lenha pelos africanos traz duas consequências importantes. A primeira é o dano à saúde das pessoas, visto que os fogões são precários e produzem fumaça potencialmente nociva ao organismo. A segunda é o avanço do desmatamento, uma vez que a extração de árvores é que garante o preparo das refeições de um grande contingente da população. Em Angola, por exemplo, mais de 50% dos moradores dependem da lenha para preparar seus alimentos. Em Moçambique e no Malawi, quase 100% das pessoas cozinham em arcaicos fogões a lenha. Ademais, nesses países somente uma pequena parcela dos moradores tem acesso à eletricidade. Assim como no estudo que contemplou a América Latina e o Caribe, a pesquisa envolvendo a África também considerou dois cenários possíveis para o melhor aproveitamento da cana-de-açúcar como fonte para a produção de bioenergia. No primeiro, somente com o uso do melaço obtido a partir da produção do açúcar, seria possível atender 50% de demanda (meta pré-estabelecida) para cocção e ainda utilizar o excedente para abastecimento veicular. Na Suazilândia, o subproduto da fabricação do açúcar atenderia metade das necessidades da população para uso na cozinha e ainda permitiria misturar 10% de álcool à gasolina. No segundo cenário, que prevê a expansão de 1% da área plantada de cana, é possível ir ainda mais longe. “Nesse caso, daria para atender à mesma demanda para cocção, promover uma mistura de 20% de etanol na gasolina e ainda gerar excedente, que poderia ser vendido para países vizinhos que importam gasolina”, aponta Simone de Souza. A questão do uso da madeira para cocção pelos africanos tem sido objeto de um programa desenvolvido pelo Projeto Gaia, iniciativa global para o desenvolvimento e utilização de fogões a etanol. O objetivo da ação é substituir os fogões a lenha nos países africanos, de forma a reduzir os danos à saúde das populações carentes e também ao meio ambiente. Atualmente, segundo o projeto, cerca de 40 mil refugiados etíopes têm utilizado essa tecnologia na preparação diária de suas refeições. Quanto ao potencial africano de geração de eletricidade a partir do aproveitamento do bagaço, o maior destaque ficou por conta de Moçambique, onde metade da população não tem acesso a esse tipo de energia. Num primeiro cenário, sem qualquer expansão da área cultivada de cana, o país poderia suprir toda a demanda nacional. Segundo a pesquisa, Zâmbia e Zimbábue também apresentam potencial elevado nesse sentido. A expectativa dos pesquisadores do Nipe, conforme Simone de Souza, é de que esses estudos contribuam para a discussão e formulação de políticas públicas que permitam aproveitar o potencial da cana-de-açúcar como fonte energética nas regiões analisadas. “O professor Luiz Augusto Horta Nogueira, que coordena a pesquisa sobre a América Latina e o Caribe, esteve recentemente na Guatemala, onde se reuniu com representantes do governo e do setor produtivo justamente para mostrar essa capacidade. A Guatemala, junto com a Colômbia, são os países onde há maiores possibilidades da proposta avançar na América Latina, por causa dos contatos que já temos. Na África, nossa prioridade tem sido Moçambique, pelo mesmo motivo”, adianta a pesquisadora do Nipe.


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novembro, no auditório da Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp). A abertura do evento ocorre às 12 horas. O Congresso é aberto à participação de funcionários, da Unicamp, Funcamp, terceirizados, professores e estagiários. Interessados em se elegerem como delegados (as) devem participar das assembleias setoriais específicas nas unidades, até 9 de novembro. Cada unidade pode eleger um determinado número de delegados, proporcional à quantidade de funcionários do local. Para o evento estão inscritas cinco teses. São textos que refletem sobre a situação atual da universidade e os principais desafios e perspectivas dos trabalhadores para o próximo período. As teses a serem apresentadas e debatidas no evento são as seguintes: Tá na hora de um sindicato para a categoria – CUT; Unidade de luta! – Construindo vamos à luta nacional?; Vamos à luta!; Base de luta, e Alerta Unicamp: compromisso com os trabalhadores – CTB. Mais detalhes sobre o Congresso podem ser obtidos pelo site www.stu.org.br  Poderemos construir um computador quântico? A questão será respondida no dia 12 de novembro, às 16 horas, no auditório do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW), por Belita Koiller, professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ganhadora do Prêmio L’Oréal Unesco 2005 em Física. O evento é organizado pelo professor Eduardo Granado e tem como público-alvo estudantes de pós-graduação e professores. Mais informações pelo telefone 19-3521-5275 ou e-mail orlando@ifi. unicamp.br

Painel da semana  Inovações curriculares - Com o tema “Por um currículo atento aos desafios do século XXI”, evento organizado pelo Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA2) acontece nos dias 9 e 10 de novembro, no auditório da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. A abertura oficial será às 9 horas. Mais detalhes no site http://inovacoes.ea2.unicamp.br/  Três visões em aquarela - De 10 de novembro a 3 de dezembro o Saguão da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp estará com a exposição “Três Visões em Aquarela”, das artistas Fátima Lourenço, Marilu F. Queiroz e Graciela Wakizaka, com curadoria do artista plástico Norberto Stori. Serão apresentadas ao público três formas distintas de se trabalhar a técnica da aquarela; cada artista com seu estilo único. O horário de visitação é das 9 às 20 horas, de segunda a sexta-feira. Mais informações pelo telefone 3521-1732.  Congresso dos Trabalhadores da Unicamp - O XIII Congresso dos Trabalhadores da Unicamp acontece de 12 a 14 de

 As presepadas de Damião - A Coordenadoria de Desenvolvimento Cultural (CDC), por meio do projeto Conexão Cultural, levará ao campus da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), dia 12 de novembro, às 18 horas, o espetáculo “As presepadas de Damião”. O evento é gratuito e aberto ao público em geral. A peça será apresentada por Damião e Cia de Teatro, grupo de pesquisa e criação de teatro de rua, que surgiu como um desdobramento da Honesta Cia, coletivo formado por atores graduados em Artes Cênicas na Unicamp. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-1732 ou e-mail cultural@unicamp.br  Como alcançar o sucesso depois da graduação? Palestra organizada pelo Setor de Orientação Educacional do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) acontece no dia 13 de novembro, às 12h15, na sala CB06 do Ciclo Básico I. O objetivo do evento é apresentar, de modo simples e acessível, o papel de algumas variáveis pessoais e contextuais, que são importantes no processo de transição universidade-trabalho e que podem ser úteis para orientar os universitários a se prepararem para enfrentar esta importante transição na carreira. O evento tem como público-alvo alunos de graduação. Mais detalhes pelo site https://www.facebook.com/ events/1506895449609278/  Vacinação da Mulher - Livro da Editora Elsevier que contou com a participação do Dr. Júlio César Teixeira, do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, será lançado no dia 13 de novembro, durante a realização do

Destaque

56º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, em BrasíliaDF. Trata-se do terceiro título da Coleção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). São autores da obra: a presidente da Comissão Nacional Especializada de Vacinação em Ginecologia e Obstetrícia da Febrasgo, Nilma Antas Neves, e o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato de Ávila Kfouri. A sessão de autógrafos acontece às 16 horas, no Estande da Febrasgo - SDC Eixo Monumental, Lote 05, SDN, em Brasília-DF. Para baixar textos do livro é necessário cadastrar-se no link http://migre.me/rNYFO  Ciência do Desporto - O VI Congresso de Ciência do Desporto e V Simpósio Internacional de Ciência do Desporto acontece, de 2 a 4 de dezembro, no Centro de Convenções da Unicamp. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas até 15 de novembro, no link http://www.fef.unicamp.br/fef/ccd2015/inscricao. Mais detalhes na página eletrônica do evento http://www.fef.unicamp.br/fef/ ccd2015  Bernando Caro, Kalendoscópio – Censura e Liberdade - Exposição estará aberta ao público, até dia 15 de novembro, em comemoração aos 50 anos do artista, em comum à inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC) “José Pancetti”. Visitação: de terça a sexta, das 9 às 17 horas; sábados: das 9h às 16h; aos domingos e feriados: das 9h às 13h.  Prêmio Professor Inovador - O Laboratório de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação (Lantec) da Faculdade de Educação (FE) receberá, até 15 de novembro, as inscrições para o Prêmio “Professor Inovador 2015”. Podem participar professores da rede pública e particular, que desenvolvem atividades pedagógica inovadoras – com ou sem tecnologia –, que promovam uma melhoria na qualidade de ensino. As inscrições podem ser feitas no formulário eletrônico https://docs.google.com/forms/d/1k074daBA h3ikUIan5bTIuRjX1nLrmW6O8BESCxmo5Lc/viewform. Mais informações pelo telefone 19-3521-5678.

Teses da semana  Ciências Médicas - “Percepção das famílias de doadores de órgãos sobre o processo de doação” (doutorado). Candidata: Marli Elisa Nascimento Fernandes. Orientadora: professora Ilka de Fátima Santana Ferreira Boin. Dia 13 de novembro de 2015, às 14 horas, no anfiteatro do Departamento de Cirurgia da FCM.  Computação - “Avaliação de montadores de novo de RNASeq para análise de expressão diferencial de transcritos” (mestra-

do). Candidato: Lucas Miguel de Carvalho. Orientador: professor Zanoni Dias. Dia 10 de novembro de 2015, às 10 horas, no auditório do IC.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Ação do vento em casca de forma livre de planta pentagonal apoiada nos vértices” (mestrado). Candidato: Marcelo Deperon Galter. Orientador: professor Isaias Vizotto. Dia 11 de novembro de 2015, às 14 horas, na sala de defesa 2 de teses do prédio de salas de aula da FEC. “Descrição de análise de projeto arquitetônico em tablets” (mestrado). Candidata: Elena Furlan da França. Orientador: professor Daniel de Carvalho Moreira. Dia 12 de novembro de 2015, às 10 horas, na sala de defesa de teses 2 do prédio de sala de aulas da FEC.  Engenharia de Alimentos - “Tratamento hidrotérmico associado a etanol no controle de Salmonella SPP. em manga “Tommy Atkins” pós-colheita” (doutorado). Candidata: Silvana Belém de Oliveira. Orientador: professor Flavio Luis Schmidt. Dia 13 de novembro de 2015, às 9 horas, no Espaço Gourmet do DTA da FEA.  Engenharia Mecânica - “Avaliação da técnica de ultrassom phased array para a otimização do controle de qualidade em aços laminados e forjados” (mestrado). Candidato: Mauricio Trombini. Orientadora: professora Maria Clara Filippini Ierardi. Dia 9 de novembro de 2015, às 10 horas, na sala KD da FEM.  Física - “Cálculo da produção de neutrinos atmosféricos” (mestrado). Candidata: Gabriela Vitti Stenico. Orientador: professor Orlando Luis Goulart Peres. Dia 13 de novembro de 2015, às 10 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW.  Odontologia - “Citotoxicidade de sistemas adesivos e seus efeitos na produção de colágeno em culturas de odontoblastos mdpc-23” (doutorado). Candidata: Claudia Leal Sampaio Suzuki. Orientador: professor Alexandre Augusto Zaia. Dia 10 de novembro de 2015, às 8h30, na sala de seminários da endodontia da FOP. “Avaliação in vitro da eficiência do tiossulfato de sódio no restabelecimento da resistência de união à dentina intracoronária tratada com peróxido de hidrogênio a 35%” (doutorado). Candidata: Ana Carolina Pimentel Corrêa. Orientador: professor Caio Cezar Randi Ferraz. Dia 11 de novembro de 2015, às 8h30, no anfiteatro 4 da FOP. “Caracterização, biocompatibilidade, perfil de permeação e eficácia anestésica de uma formulação de lidocaína associada a nanocápsulas de poli (epsilon-caprolactona)” (doutorado). Candidato: Cleiton Pita dos Santos. Orientadora: professora Maria Cristina Volpato. Dia 12 de novembro de 2015, às 13h30, no anfiteatro 1 da FOP. “Prevalência de lesões malignas e desordens potencialmentes malignas da cavidade bucal em pacientes da odontoclínica central da marinha” (doutorado). Candidato: Marco Aurelio Carvalho de Andrade. Orientador: professor Marcio Ajudarte Lopes. Dia 13 de novembro de 2015, às 8h30, no anfiteatro 4 da FOP.

do Portal

Especialistas discutem racismo e preconceito na sociedade brasileira Nós nunca fomos escravos, fomos escravizados. Também nunca fomos imigrantes, fomos trazidos à força para cá, e muitos morreram na travessia. Os resquícios da escravidão continuam até hoje, na figura da menina apedrejada no Rio de Janeiro, nos terreiros incendiados em Goiás por intolerância religiosa”. A afirmação do advogado Sinvaldo Firmo, presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/SP, marcou a abertura do Fórum Quando o Preconceito tem Cor - Reflexões sobre o Racismo. O evento discutiu as diversas formas de racismo na sociedade, nos dias 29 e 30 de outubro, no Centro de Convenções da Unicamp. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o racismo no Brasil é “estrutural e institucionalizado” e “permeia todas as áreas da vida”. O documento, de 2013 afirma que, no entanto, tem sido difícil para os afro-brasileiros trazer a discussão para a agenda pública, pois há o “mito da democracia racial”. Os casos de vítimas de discriminação racial não resultam em condenações pois há dificuldades no reconhecimento da existência do racismo, afirmou a advogada Maria Sylvia de Oliveira, do Geledés - Instituto da Mulher Negra. Um levantamento do Laeser (Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontou que 70% das 148 ações judiciais de crimes de racismo e injúria racial no Brasil foram vencidos pelos réus, entre 2007 e 2008. A origem do racismo estrutural e institucional está na forma como se deu a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado no Brasil, que se baseou na marginalização do ex-escravizado e de seus descendentes, afirmou Ramatis Jacino, doutor em História pela Universidade de São Paulo e professor da rede pública estadual. Ao longo da história, as leis determinaram, implícita ou explicitamente, a exclusão do negro no trabalho e na educação. Ele citou o exemplo do decreto nº 10.331, de 17 de fevereiro de 1854, que estabelecia que, nas escolas públicas do país, não seriam admitidos escravos, e a possibilidade de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de professores.

Foto: ASCOM

Mesa de abertura do Fórum “Quando o Preconceito tem Cor – Reflexões sobre o Racismo”, ocorrido nos últimos dias 29 e 30 de outubro

REPRODUÇÃO DE MODELOS

O ambiente acadêmico nacional construiu uma solidez e uma unidade a partir de um sistema eurocêntrico, baseado na transferência do modelo de ciência europeia para o Brasil, logo, é inteiramente branco. Essa característica foi seguidamente reproduzida até ter reflexos em professores e alunos. Para o antropólogo José Jorge de Carvalho, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia e Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, o tema do racismo é complexo e é necessário se evitar soluções simplistas. Carvalho afirma que uma saída fácil é se pensar que não há especificidade para o racismo acadêmico, já que a sociedade é racista; mas ela é racista também porque a universidade é racista, já que prepara as lideranças e as reproduz. Segundo o antropólogo, o sistema de cotas oferece uma ruptura a esse padrão, que traz à tona a memória do racismo, porque foi formulado como política antirracista. “As universidades públicas têm se calado diante de jovens que estão tirando as próprias

vidas porque as instituições não dão conta da presença desse jovem nesse lugar, elas não são para ele, e se movimentam para tirá-lo desse espaço”, apontou a professora Rosana Batista, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Segundo ela, é responsabilidade das secretarias municipais da educação abordar uma pedagogia antirracista desde a educação infantil. As instituições de ensino devem detectar e debater com medidas socioeducativas casos de racismo e discriminação racial nas dependências escolares, além disso, introduzir e discutir nos planejamentos temas relacionados ao DCNERER (Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana). “O conceito de cidadania se funda em direitos. Entretanto, se um indivíduo tem um direito que o outro não tem, ele tem um privilégio, e outro, um prejuízo”, observou Maria Aparecida Moysés, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e uma das organizadoras do evento. A partir de tal privilégio, cria-se uma rede de proteção, “uma bolha”, e tudo que está fora do padrão cristão, masculino, branco e heterossexual é

considerado “desumano”, defendeu Roseli de Oliveira, mestre em Ciências Sociais e especialista em Saúde Pública. A luta política deve reverter o imaginário do local social do negro; para isso, é necessário o seu fortalecimento identitário, observou Oliveira. “São necessárias políticas específicas para pôr em xeque esse modelo civilizatório imposto. O Brasil ainda resiste, nega a opressão racial, e, ao negar, cria mais desigualdade, cria dois Brasis.” O Fórum Quando o Preconceito tem Cor - Reflexões sobre o Racismo é organizado pelo Despatologiza - Movimento pela Despatologização da Vida, e pelo [re]pense, novo grupo de estudos do Fórum Pensamento Estratégico (Penses) que se dedica a organizar eventos e produzir reflexões e discussões sobre patologização, intolerância e discriminação. O Penses é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos. (Gabrielle Albiero)


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Singer e Quartim alertam para ‘golpe branco’ e avanço do fascismo no país Fotos: Antonio Scarpinetti

André Singer: “Uma das questões que se coloca é evitar esse golpe branco”

Quartim: “Estamos vivendo um momento de extrema gravidade com essa truculência fascista”

Laurindo Leal Filho: “A mídia se coloca acima, muitas vezes, dos próprios poderes institucionais”

Rumos da política foram debatidos em mesa-redonda da série “Perspectiva Unicamp 50 anos” SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

ara o cientista social André Singer, jornalista e porta-voz da presidência da República no primeiro governo de Luis Inácio Lula da Silva (2003 a 2007), o principal elemento para o agravamento da situação política atual no país é a crise do que ele chamou de “pacto lulista”. Trata-se, conforme Singer, da entrada em crise de uma transformação do país que vinha sendo orientada pelo governo de Lula por meio da distribuição de renda lenta e sem confronto com o capital. Singer, que é docente em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), participou no último dia 4 da mesa-redonda “Rumos da política nacional”, organizada como parte das comemorações dos 50 anos da Unicamp. O evento, realizado no Centro de Convenções, integra a série Pers-

pectiva Unicamp 50 anos, da universidade para a sociedade. “Ao entrar em crise, este ‘pacto lulista’ coloca em questão todo o arranjo político, institucional e econômico do país. Eu diria que, neste momento, não há uma alternativa clara e nós não sabemos se, de fato, este pacto realmente se esgotou. Estamos num momento de intensa luta política e ainda não sabemos qual será o desfecho. Um dos elementos dessa luta política que vem crescendo é o movimento pelo impeachment da presidente da República, que eu considero um golpe branco. Uma das questões que se coloca é evitar esse golpe branco e tentar uma solução para a crise absolutamente no espaço da democracia”, defendeu. O organizador do debate, o professor João Carlos Kfouri Quartim de Moraes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, concorda com a opinião de Singer. Quartim de Moraes, que militou na resistência armada contra a ditadura

militar no Brasil no final dos anos de 1960, relacionou o momento atual com o avanço do fascismo no país. “Estes 50 anos da Unicamp coincidem com um momento sério, grave e duro da história política do nosso país. Nós temos dois fenômenos, um já muito bem sintetizado pelo Singer, e que vejo nos mesmos termos. Mas vejo, também, sobretudo para as novas gerações, um avanço inédito do fascismo em nosso país. Poucos, como eu, têm a idade para relembrar a histeria reacionária que precedeu o golpe de 1964. E nós estamos vivendo um momento de extrema gravidade com essa truculência fascista. Eu estava no Chile em 1972 e conheço bem isso”, apontou. Outro debatedor do evento, o cientista social Laurindo Leal Filho, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, falou sobre o papel da mídia na atual conjuntura. “Com raras exceções, a mídia tem sido negligenciada pela academia como um ator político, com influência no desenrolar

do processo político do Brasil, tanto no sentido de uma tentativa de ruptura democrática, quanto da estabilidade conservadora. É necessário um olhar mais atento da academia e dos pesquisadores para notar como a ação política da mídia hoje no Brasil suplanta e se coloca acima, muitas vezes, dos próprios poderes institucionais”, observou. A professora Ítala D’Ottaviano, coordenadora da comissão organizadora das comemorações dos 50 anos da Unicamp, destacou a relevância de debates como estes para o avanço de questões importantes para o país. A coordenadora revelou que os debates Perspectivas Unicamp 50 Anos estão programados para ocorrer até setembro de 2016. A série será constituída de 11 eventos distintos, envolvendo temas atuais com relevância política, econômica, social, cultural, artística e científica, contando com a participação de pesquisadores e intelectuais da Universidade e de outras instituições brasileiras e do exterior.

Campi terão mapa socioambiental Diagnóstico vai subsidiar a elaboração do Plano Diretor da Universidade

Fotos: Antoninho Perri

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

Unicamp iniciou no último dia 5 uma série de reuniões para promover o diagnóstico socioambiental dos campi da Universidade. O objetivo da iniciativa, a cargo do Grupo Gestor Universidade Sustentável (GGUS), é formular propostas que ampliem a qualidade de vida e o bem-estar da comunidade universitária, além fornecer dados para subsidiar a elaboração do Plano Diretor da instituição. O primeiro encontro ocorreu na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP). O diagnóstico socioambiental será realizado pela Câmara Técnica de Ambiente Urbano (CT-AU) do GGUS, que é coordenada pela professora Emilia Rutkowski, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). De acordo com ela, os trabalhos começarão pela FOP e depois serão realizados também na Faculdade de Tecnologia (FT) e Colégio Técnico de Limeira (Cotil) e Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), todos localizados em Limeira. A docente explica que, durante os encontros, os integrantes da comunidade universitária (estudantes, funcionários e professores) poderão se manifestar sobre a forma como enxergam e vivenciam os campi. Como metodologias para fazer o diagnóstico, a CT-AU empregará a Cartografia Social e o Green Maps. “Essas ferramentas permitirão que formulemos um mapa socioambiental dos campi, no qual estarão relacio-

A professora Emilia Rutkowski: “Estarão relacionados os pontos positivos, os pontos negativos e as situações de conflito presentes no espaço territorial”

O professor Álvaro Crósta, coordenador-geral da Universidade: “É importante ouvir as pessoas e saber delas o que é preciso ser feito”

nados os pontos positivos, os pontos negativos e as situações de conflito presentes no espaço territorial. O passo seguinte será formular propostas que ajudem a ampliar a qualidade de vida nos campi, que passarão pela aprovação da própria comunidade universitária”, explica. Emilia Rutkowski acrescenta que as informações dos mapas socioambientais dos campi localizados em Piracicaba e Limeira servirão tanto para validar as ferramentas quanto para preparar a realização de ação semelhante no campus de Barão Geraldo, que é bem maior e abriga um contingente muito mais amplo de pessoas que os demais. “Vale destacar que todo o conjunto de dados que levantarmos também servirá para subsidiar as discussões em torno do Plano Diretor da Universidade, que está elaboração”. A coordenadora do CT-AU observa que tanto a Cartografia Social quanto o Green Maps são ferramentas que contribuem para a tomada de decisões. Assim, a partir do que for diagnosticado, a Unicamp poderá adotar medidas corretivas ou de planejamento que possam trazer melhorias em diversos âmbitos, como trânsito, transporte, segurança, destinação de resíduos etc. A expectava de Emilia Rutkowski é que o diagnóstico dos campi de Limeira e Piracicaba esteja concluído até dezembro. O levantamento, conforme a docente, conta com a colaboração do professor Evandro Ziggiatti Monteiro, também da FEC; Ronald Giarola, do GGUS; Vanderlei Braga, integrante do grupo que está formulando o Plano Diretor; um aluno de doutorado e três bolsistas do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). Os contatos com o GGUS podem ser feitos pelo e-mail ggus@reitoria.unicamp.br. O coordenador-geral da Unicamp, professor Alvaro Crósta, destaca a importância desse tipo de abordagem dentro do compromisso de tornar a Universidade sustentável. “Nesse contexto, é importante ouvir as pessoas e saber delas o que é preciso ser feito para que avancemos na direção desse objetivo”, pontua.


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Carolina de Jesus passada a limpo

Foto: Reprodução

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

cheiro de lixo ficou impregnado no papel. Da mesma forma, as letras, que encontraram espaços vazios onde pudessem se encaixar. Aquele caderno já estava bastante gasto quando Carolina Maria de Jesus (1914-1977) o encontrou, há décadas. Desta vez quem folheava as páginas era a pesquisadora Raffaella Fernandez, preocupada em encontrar ali não traços da personagem: mulher, negra, favelada e catadora de papel, “descoberta” pelo jornalista Audálio Dantas no final dos anos de 1950. Mas a literatura, simplesmente, e o processo criativo que a gerou. Catadora de histórias, a pesquisadora, ao longo de 16 anos, vem recolhendo nas cinco mil páginas de manuscritos que compõem a obra da escritora, o que ela chama de “resíduos” da poética de Carolina. A dedicação de Raffaella já rendeu o trabalho de mestrado que se atém ao bestseller Quarto de despejo e agora a sua tese de doutorado, intitulada “Processo criativo nos manuscritos do espólio literário de Carolina Maria de Jesus”, defendida no programa de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. “Em minha pesquisa do mestrado, ficou demonstrado que a escrita de Carolina de Jesus não é relevante apenas pelo fato de contrariar a gramática. Se somente isso for considerado, isto é, a sua capacidade de traduzir a voz do povo que faltava na forma de expressar e enxergar seu mundo perdem-se as possibilidades de encontrar em sua obra uma língua literária, aquela que forneceu a matéria-prima para sua escrita. E este é o objetivo da tese”, escreve Raffaella. Para a pesquisadora, estudar a escritora é ter uma postura política em defesa de um tipo de literatura usurpada por uma classe média curiosa do testemunho da favela, mas não da literatura produzida nesse local das margens. Inéditos e dispersos estão seis romances, 101 poemas, 67 crônicas, contos, composições musicais e diversos diários, contabiliza a pesquisadora. Inéditos porque, muito embora Carolina tenha muitos livros publicados, a maioria teve a linguagem “solapada” para usar o termo cunhado por Raffaella. Desde Quarto de despejo até as publicações póstumas atribuídas à escritora, a maior parte das obras disponíveis no mercado não respeitou exatamente a gramaticalidade ou a “gramática oculta” e os projetos literários da escritora e somente chegou a público o que foi considerado o mais palatável de seus escritos. “A obra literária de Carolina de Jesus não foi publicada no grau que ela abrange, enquanto quantidade e qualidade literária tal qual expõe em seus originais. Por isso a supervalorização da sua condição de miséria. A questão do exotismo e da venalidade, que acompanha a condição de ser uma mulher negra e favelada, acontece até hoje”, assinala a pesquisadora. O exemplo mais marcante do processo de recorte da obra de Carolina talvez seja Diário de Bitita, conforme Raffaella. A autora da tese afirma que as edições brasileiras são uma cópia do texto “estabelecido e traduzido” pela jornalista brasileira Clélia Pisa que, em 1972, recebeu das mãos de Carolina de Jesus dois cadernos manuscritos. Um deles, intitulado Um Brasil para brasileiros, em referência a uma frase de Rui Barbosa, foi transformado na edição francesa do diário, esta utilizada como base para a edição em português, “porém, apresenta acréscimos e correções sugeridas pela editora francesa Métailié e pela tradutora Régine Valbert”, destaca Raffaella. Dito de maneira simplificada, os escritos de Carolina (em português) foram transformados e traduzidos para o francês e então para o português, para o lançamento no Brasil.

A escritora Carolina de Jesus: novo repertório ao longo da trajetória

O livro mais famoso de Carolina Maria de Jesus tampouco escapou das modificações como já mostrou a professora Elzira Divina Perpétua, da Universidade Federal de Ouro Preto e estudiosa de Quarto de despejo. Raffaella retoma alguns pontos desse estudo em seu doutorado e salienta que o livro, publicado em 1960 e traduzido até hoje para 19 línguas, foi também decomposto, selecionado e formatado “transformado em um texto diferente do original, assim como a estratégia de marketing editorial formatou a escritora numa pessoa ingênua, rasa e sem grandes intentos”, escreve Raffaella.

BRICOLAGEM E RECICLAGEM O mapeamento dos processos criativos de Carolina de Jesus empreendido pela autora da tese representa uma tentativa de restituir a originalidade do trabalho da escritora. Raffaella esforçou-se para evidenciar de que forma Carolina produzia seus escritos, e sua preocupação em ser publicada e lida. Os manuscritos confirmam um estilo bastante

híbrido, que mescla principalmente as influências da literatura do século 19, de romances e melodramas que provavelmente eram descartados no lixo e lidos pela escritora, com a crônica dos jornais, a radionovela e, sobretudo, a oralidade. “Ela mobiliza a linguagem popular falada e escrita na favela e mistura tudo, fazendo uma nova literatura. Ninguém fez isso até então”. Na mistura de Carolina ela também procura definir o que é literatura. “O escritor faz isso, ele está o tempo todo refletindo sobre o ato de escrever, vai fazendo essa bricolagem. Fui anotando esses momentos, como ela mesclava os discursos literários e não literários criando sua poética de resíduos”, observa Raffaella. Para a pesquisadora, Carolina de Jesus não tem um grande projeto literário definido, mas sim um projeto literário específico da condição de marginalidade social que “canta o agro manto do poeta”, como ela diz, retomando Allan Poe. Com pouco, uma vez que estudou apenas até a segunda série primária, fez muito. “Ela buscava o culto”, pontua a autora da tese. Foto: Antonio Scarpinetti

“Os pássaros cantam na linguagem certa, na linguagem correta e sincera que a própria mãe natureza lhes deu. Falar é bonito quando se fala certo, a linguagem só tem valor quando se trata de nominações estranhas, digo estranhas para vocês, mas não para nos esquecer, os dissabores é o nosso dever pois nós consideramos isso como uma estrada em que viajamos e se estamos chegando no local designado não vejo motivo para lembrar e comentar no trecho da estrada ruim”. A partir deste texto curto a pesquisadora faz algumas considerações. “Ela tem uma concepção de linguagem, usa palavras rebuscadas e ao mesmo tempo faz uma crítica ao valor atribuído à linguagem em relação à experiência de saber, por exemplo, o que é ser um negro, ou o que é ser um negro tu, tutu e turututú”. No dicionário das línguas africanas, fazendo remissão à língua bantu, Raffaella aprendeu que os termos funcionavam como adjetivos que tinham ligação com aquele que “chegava fazendo mais barulho”, anunciando os níveis de “grosseria” no comportamento dos negros na favela. “A escrita da Carolina é corpórea, por isso não consegui recorrer à teoria literária clássica. Fui buscar autores pós-estruturalistas que abrem o campo das interpretações, porque ela vive a fragmentação de tal forma que não pode ser enquadrada em formas e estilos pré-estabelecidos por visões canônicas”. Quando a escritora começa a ganhar dinheiro, com as vendas do primeiro livro, passa a comprar cadernos e reescreve o que estava pronto. As modificações são feitas várias vezes e mostram como Carolina de Jesus vai adquirindo repertório. A pesquisadora notou que ela muda as palavras, enriquece a linguagem e vai alterando as histórias a partir de seu imaginário singular. Em determinado trecho da tese Raffaella reflete sobre o seu trabalho de reelaboração: “Errar e experimentar fazem parte do processo de criação artística, colocando em xeque o conceito de ‘autoria’ como aquela que mantém a posição expressa de um determinado estilo de narrar a realidade, pois o devir-escritora em suas obras tem um caráter performático e deglute com anarquia estilos que passam, deslocando e liberando formas burladas, de modo que o como narrar não é tão fundamental quanto o como explorar o conteúdo do universo dos subjugados como substrato fundamental de sua criação, que abrange o tácito e inclui o impensado da potência inventiva”. Os manuscritos evidenciam o caótico. “Ela tem essa maneira de escrever que é dispersa, esparsa, fragmentada e nômade. Começa num caderno um romance, daqui a pouco é uma poesia, depois um diário, um poema. Ela escrevia de acordo com as circunstâncias e o suporte que tinha em mãos”. A análise da pesquisadora leva em conta o que em teoria literária se chama “crítica genética” e compreende, de acordo com Raffaella, “o entendimento dos gestos, da origem, dos percursos, como se dão as repetições e, associado a isso, o que é ser escritora para Carolina a partir dos originais”. A pesquisadora encontrou até mesmo pontos em comum entre a constituição dos manuscritos da escritora e o estilo musical do jazz: “em sua obra, há um contratempo quase musical ao estilo jazzístico, de improvisações, reverberações, esquecimentos recordados ou lembranças desvirtuadas, escrita no exílio da intensidade e não mais da intencionalidade, utilização de um improviso que revigora e se faz novo”. Para Raffaella não acabou por aqui. “Vou seguindo as pegadas de um devir trapeiro da literatura de Carolina de Jesus, reconhecendo uma literatura em porvir ou uma narrativa da iminência”. A pesquisadora define uma “identidade narrativa” para a obra de Carolina de Jesus. “No sentido do Paul Ricoeur que é o tempo e a escrita, ela vai se compreendendo, porque o autobiográfico perpassa todas as obras dela”. No cru da vivência, define, Carolina escreve, e ensaia certa ordem em meio ao caos discursivo e vivido.

Publicação Tese: “Processo criativo nos manuscritos do espólio literário de Carolina Maria de Jesus” Autora: Raffaella Andréa Fernandez Orientadora: Vera Maria Chalmers Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) A pesquisadora Raffaella Fernandez, autora da tese: restituindo a originalidade do trabalho de Carolina de Jesus


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