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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015 - ANO XXIX - Nº 642 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT

Foto: Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Conexões da liberdade

Vendedora no Rio de Janeiro de 1875: pesquisa investigou período que antecedeu a Abolição

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Tese da historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto revela as conexões entre pensadores e literatos negros abolicionistas na segunda metade do século 19. O estudo, que teve orientação do professor Sidney Chalhoub (IFCH), recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Tese 2015.

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Arquitetura bioclimática reduz consumo de energia

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Investigando a adesão de diabéticos a medicamentos

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Projeto recicla tênis para atletas e comunidades Foto: Antonio Scarpinetti

As vozes da Unicamp

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O Coral Zíper na Boca, que reúne alunos, docentes e funcionários, completa 30 anos.


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

ARTIGO

por: Carlos Orsi

E a tal ‘cura do câncer’? reze anos atrás, perdi alguém muito próximo por causa de um câncer. Não vou entrar em detalhes aqui porque há sentimentos de outras pessoas a preservar, mas enfim: mesmo se fosse válido (não é), o argumento “você não pode condenar porque não sabe como é passar por isso” não se aplicaria. Então, tendo tirado esse bode da sala, sigamos em frente. “Condenar”, escrevi acima. Condenar o quê? A promoção irresponsável, a distribuição inconsequente e a inacreditável liberação, em altas instâncias do Judiciário, da droga fosfoetanolamina para o tratamento do câncer. A história toda é longa, mas em resumo: nos anos 90, um então professor de Química da USP de São Carlos (hoje aposentado), Gilberto Orivaldo Chierice, convenceu-se de que essa molécula, a fosfoetanolamina, poderia combater o câncer. Ele passou, então, a produzi-la e a distribuí-la de graça, aparentemente usando recursos e instalações da própria USP. A produção e a distribuição continuaram mesmo após a aposentadoria do docente, e aconteciam mesmo sem que a droga tivesse sido submetida aos testes necessários para comprovar sua segurança (que ela não faz mais mal do que bem) e eficácia (que ela realmente funciona contra a doença). Em 2014, o Instituto de Química de São Carlos proibiu, formalmente, a distribuição de substâncias para uso clínico que não tivessem sido legalmente testadas e registradas. Essa proibição — que, de resto, não passa de uma consequência lógica das leis vigentes no país — atingiu a fosfoetanolamina, e portanto desagradou a pacientes e parentes de pacientes de câncer que viam na molécula uma esperança de cura, e foram à Justiça em busca de liminares. A partir daí, jornalistas mais preocupados com números de audiência que com

a responsabilidade social inerente à profissão — ou, talvez, encantados pela narrativa fácil do “gênio incompreendido que desafia o sistema” — passaram a contribuir para a construção do mito da fosfoetanolamina como uma espécie de panaceia underground. Mito que talvez tenha pesado em decisões recentes, do STF e do Tribunal de Justiça de São Paulo, de exigir o fornecimento da droga a pacientes. O presidente do TJ-SP, José Renato Nalini, diz que não se podem ignorar os relatos de pacientes que dizem ter melhorado após tomar a fosfoetanolamina. Mas se esses relatos não podem ser ignorados, o que dizer, então, de depoimentos como o do jornalista Alceu Castilho, que perdeu o pai para o câncer e que ataca duramente “charlatão que distribui pílulas ‘contra o câncer’ em nome da USP”, depois de conhecer em primeira mão o tratamento de fosfoetanolamina? Quem há de dizer que a experiência dele é menos válida, ou “menos real”, que a das pessoas que atribuem curas e melhoras à substância? Alguém poderia argumentar que o número de casos divulgados de “clientes satisfeitos” supera o de queixas, mas o ponto crucial aí está em divulgados. Pessoas que se convertem a uma causa, ou que acreditam ter se beneficiado de um tratamento, têm muito mais incentivos para vir a público do que as vítimas de experiências negativas. Em questões de vida ou morte, muitas vezes acontece de só termos a palavra dos que se salvaram. Se os que morreram são em número muito maior, quem fala por eles? É por isso que testes clínicos de segurança e eficácia são muito mais do que meras complicações burocráticas. A história da Medicina está repleta de histórias de tratamentos inúteis, muitas vezes até mais prejudiciais do que as doenças que se propunham a tratar, que perduraram por séculos porque a experiência individual de médicos influentes, a tradição e os depoimentos dos sobreviventes pareciam apoiá-los. Porque

ninguém tinha se dado ao trabalho de contar os mortos, ou de tentar distinguir as curas que poderiam ser realmente atribuídas ao tratamento das que teriam ocorrido por acaso, por sorte ou pela resistência natural do paciente. Fazer esse tipo de distinção é um trabalho duro, que requer muita sutileza e um bom domínio de técnicas estatísticas. Isso não se faz distribuindo pílulas ao léu e contando quem volta para dizer que melhorou. O caso do médico polonês, radicado nos Estados Unidos, Stanislaw Burzynski tem alguns paralelos com o caso do professor Chierice. Assim como o ex-professor, Burzynski, em algum momento, passou a acreditar ter descoberto a chave para a cura do câncer — nesse caso, proteínas que batizou de “antineoplastons”, ou ANPs. Assim como o químico brasileiro, Burzynski realizou alguns testes preliminares e publicou artigos em revistas científicas sobre suas descobertas. E, assim como Chierice, em algum momento ele decidiu que não precisava passar pela formalidade tediosa de um teste clínico completo antes de oferecer sua cura ao mundo: até hoje, não há prova científica cabal contra ou a favor dos ANPs, embora a preponderância da evidência seja negativa. E assim como vem acontecendo com Chierice, Burzynski foi adotado como uma espécie de santo salvador por parte da mídia e dos pacientes. As principais diferenças entre o americano e o brasileiro é que Burzynski é um médico; um médico que cobra — caro — por seu tratamento; e, provavelmente por causa disso, já encontra oposição organizada. Há um grupo online de pacientes satisfeitos do Dr. Burzynski, que publica depoimentos entusiasmados de curas milagrosas. Mas também há o “Outro Grupo de Pacientes de Burzynski”, que se dedica a, exatamente, contar os mortos. O resultado é trágico: “todos os pacientes que

encontramos na mídia implorando por doações para consultar Burzynski, e cujo destino pudemos descobrir, morreram”, diz o site. Neste ponto, alguém poderia perguntar: e daí? Talvez a fosfoetanolamina seja mais eficaz que os tais ANPs. E ela é distribuída de graça, logo ninguém está sendo lesado. Por que não deixar Chierice e seus pacientes em paz? Primeiro: nada é “de graça”. As decisões judiciais em favor da droga impõem custos ao Estado. Dinheiro que poderia estar sendo usado para comprar antibióticos para postos de saúde, ou para financiar pesquisas sérias sobre o câncer está sendo desviado para sustentar o que, até onde se sabe, não passa de uma ilusão. Segundo: mesmo nesse nosso mundo comoditizado, alguém ainda deve se lembrar de que tirar dinheiro das pessoas sob falsos pretextos não é a única forma de lesá-las. Há feridas emocionais que cortam muito mais fundo que a conta bancária, e uma pessoa imbuída de falsas esperanças pode acabar tomando decisões trágicas em situações de vida ou morte. Esse “e daí?” lembra muito o “qual o problema?” que se costuma ouvir quando surgem críticas ao uso das tais “práticas integrativas e complementares” na Medicina. A mim parece haver uma ligação direta entre a leniência do establishment médico, e do sistema de saúde pública, para com práticas como homeopatia e acupuntura e o sucesso popular da fosfoetanolamina, bem como sua liberação judicial. Ao reconhecer como legítimas as especialidades médicas “alternativas”, autoridades sanitárias e conselhos médicos dão o recado de que testes clínicos rigorosos são opcionais, não realmente necessários, para validar um tratamento. Não é de se estranhar que o Judiciário os acompanhe. Carlos Orsi é repórter do Jornal da Unicamp.

Fotos: Reprodução

O médico Stanislaw Burzynski, que também dispensou testes clínicos conclusivos: polonês é visto como “salvador” por setores da mídia

Cápsulas da droga fosfoetanolamina

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Fábio Reis Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

A natureza

3 Imagens: Divulgação

como aliada

Bom aproveitamento do sol, dos ventos e dos materiais reduz em até 25% a demanda por energia para o resfriamento de residências Foto: Divulgação

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

a pré-história, quando o homem transformou a caverna em moradia, ele buscava se proteger de animais ferozes e também das intempéries. Na antiguidade, os romanos construíram suas cidades de modo a aproveitar a luz solar, aumentando dessa forma o conforto dos moradores. Nos dois casos, a base das soluções encontradas foi a adequação do ser humano à natureza. O preceito está na base da arquitetura bioclimática, área do conhecimento abordada na dissertação de mestrado do engenheiro militar Marcus Vinicius de Paiva Rodrigues, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. O estudo constatou, a partir dos métodos prescritivo e de simulação computacional, que estratégias simples e de baixo custo podem reduzir entre 20% e 25% a demanda anual de energia para o resfriamento de edificações residenciais. A pesquisa de Rodrigues foi feita com base em um estudo de caso envolvendo edifícios residenciais construídos pelo Exército Brasileiro, destinados à ocupação de sargentos, subtenentes, tenentes e capitães. “A escolha desse modelo de moradia se deve ao fato de ele ser o que classificamos de projeto-tipo, ou seja, um padrão de construção adotado pelo Exército nas mais diversas regiões do Brasil. Há edifícios como esses construídos ou em construção em diferentes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Campo Grande, Manaus e Curitiba”, elenca o autor da dissertação. No estudo em questão, foram analisadas habitações localizadas na capital fluminense. O engenheiro militar explica que o principal objetivo da sua pesquisa foi promover a avaliação energética das residências, por meio de conceitos da arquitetura bioclimática. Para isso, Rodrigues empregou dois métodos, o prescritivo e de simulação computacional, ambos previstos pela Norma Brasileira de Edificações, publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Os dois métodos têm ampla aplicabilidade para a fase de projeto, etapa contemplada no estudo”, explica o autor da dissertação. O método prescritivo, conforme o engenheiro militar, é composto por diversas equações que fazem a ponderação de variáveis relacionadas com a escolha do projeto, tais como tipos de materiais e posicionamento dos edifícios, levando em consideração a zona bioclimática do Brasil onde as habitações estão localizadas. Ao todo, conforme a divisão atual, o país soma oito zonas bioclimáticas. Ao final do cruzamento dos dados e das interpretações destes, é obtido um equivalente numérico que é comparado com uma escala que vai de 0 a 5, gerando dessa forma a classificação dos níveis de eficiência energética da edificação. Esta classificação, que vai de “E” a “A”, é estabelecida pelo Programa Brasileiro de Conservação de Energia Elétrica (Procel), num sistema similar àquele aplicado aos eletrodomésticos. Ou seja, assim como as geladeiras, as residências também recebem um selo de eficiência energética. Já a simulação computacional, destaca o autor da dissertação, é considerada uma poderosa ferramenta para estimar como as escolhas feitas para o projeto impactarão no desempenho energético do edifício real. “A simulação permite a inserção de muitos dados da edificação e da relação dinâmica entre as suas características e as condições climáticas. A partir da análise dos dados obtidos, foi possível constatar que, em termos de classificação energética, a adoção de estratégias simples e de baixo custo na fase de projeto é capaz de conduzir uma edificação da classificação ‘D’ para a classificação ‘A’, que representa o índice máximo de eficiência energética”.

O engenheiro militar Marcus Vinicius de Paiva Rodrigues, autor da dissertação: “As alterações de projetos são capazes de melhorar significativamente a classificação energética de uma edificação”

No que se refere ao consumo de energia, complementa o pesquisador, a simulação mostrou que é possível reduzir, em média, de 20% a 25% a demanda anual de energia para esfriamento de ambiente [leia-se uso de sistema de climatização], assegurando o conforto climático aos moradores. Segundo Rodrigues, a pesquisa, que foi orientada pelo professor Carlos Alberto Mariotoni, trouxe contribuições importantes para o desenvolvimento da arquitetura bioclimática no Brasil. Um ponto relevante, considera, foi apontar como está o estado da arte dessa área do conhecimento em países desenvolvidos como Estados Unidos, França, Reino Unido etc, de modo a permitir que o país vislumbre que caminhos pode trilhar. “Outro aspecto que merece destaque é o fato de o estudo ter comprovado que alterações de projetos baseadas em conceitos da arquitetura bioclimática, como o aproveitamento eficiente do sol, dos ventos e dos materiais de construção, são capazes de melhorar significativamente a classificação energética de uma edificação”, complementa. O engenheiro militar informa, ainda, que a pesquisa já está trazendo consequências práticas. Rodrigues está elaborando um Guia Técnico de Arquitetura de Baixo Consumo Energético, que será incorporado, na forma de apêndice, à Diretriz de Sustentabilidade em Obras Militares, que ele próprio está desenvolvendo para o Exército Brasileiro. “Além disso, os resultados do estudo também estão contribuindo para o aperfeiçoamento do projeto-tipo de edificação residencial do Exército”, pontua o autor da dissertação.

PRÁTICAS ANTIGAS

A arquitetura bioclimática é uma ciência relativamente nova, mas os seus conceitos remetem a tempos bastante remotos. Mantém estreita correlação com a chamada arquitetura vernacular, aquela transmitida de geração para geração. Seus princípios estão calcados em técnicas tradicionais, que expressam com clareza a função que a habitação tinha de proteção contra os rigores do clima. No século 20, no entanto, os preceitos da arquitetura bioclimática foram sendo progressivamente desconsiderados. Isso ocorreu, em boa medida, por causa dos padrões estéticos copiados entre regiões cujas condições climáticas e ambientais são bastante diversas ou mesmo antagônicas. “Ademais, a lógica da produção de projetos em larga escala, aliada às possibilidades tecnológicas desenvolvidas ou disseminadas ao longo do período, como o uso de condicionadores de ar, fez com que os princípios da arquitetura bioclimática fossem subjugados, visto que a tecnologia poderia suprir as demandas de adaptação ao clima”, esclarece o autor da dissertação.

Nas imagens dos edifícios, o objeto do estudo de caso: arquitetura bioclimática norteou a avaliação energética

Com as mudanças climáticas em curso no planeta e com as crescentes restrições ao consumo de energia, no entanto, Rodrigues avalia que os conceitos da arquitetura bioclimática deverão merecer mais atenção por parte da sociedade. “Os conceitos da arquitetura bioclimática têm grande potencial de aplicabilidade no cenário de mudanças climáticas que estamos vivenciando. Em meu intercâmbio acadêmico na University of Southampton, no Reino Unido, tive contato com softwares que os britânicos utilizam para predizer cenários climáticos futuros, com base nos dados fornecidos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Simulei um cenário climático de 2020 para a cidade do Rio de Janeiro, e os resultados mostraram que a demanda anual de energia para o resfriamento do edifíciopadrão estudado, mantidas as condições iniciais do projeto, aumentaria em aproximadamente 40%”, revela. A simulação também constatou que mesmo com as alterações de projetos que elevariam as edificações ao padrão máximo de eficiência energética, estas, quando submetidas ao clima estimado para 2020, apresentariam resultados piores que as edificações inalteradas nos dias de hoje. “Em

outras palavras, isso significa que mesmo feitas as alterações que hoje melhorariam substancialmente as condições termoenergéticas dessas habitações, em 2020 elas apresentariam resultados inferiores aos das condições iniciais de ineficiência”, alerta o engenheiro militar. Essa discrepância pode ser explicada em parte, conforme o engenheiro militar, pelo uso de banco de dados climáticos antigos (1961-1990). Questionado sobre em qual estágio se encontra a arquitetura bioclimática atualmente no Brasil, Rodrigues responde que os conceitos dessa área do conhecimento estão bem difundidos no meio acadêmico. Existem diversos estudos em nível de graduação e pós-graduação, além de inúmeros artigos científicos sobre o tema. “Entretanto, a transição para o setor empresarial/ industrial ainda esbarra em dificuldades, que aponto na minha pesquisa. Entre elas eu destaco a falta de regulamentação mandatória para que projetos contemplem as diversas disciplinas que envolvem a sustentabilidade das edificações, a falta de conscientização da sociedade e a incipiência de mecanismos de incentivo e de financiamento de projetos voltados para a eficiência energética”.

Publicação Dissertação: “Avaliação da eficiência energética de edificações residenciais em fase de projeto: Análise de desempenho térmico pelo método prescritivo e por simulação computacional aplicado a estudo de caso de projeto-tipo do Exército Brasileiro” Autor: Marcus Vinicius de Paiva Rodrigues Orientador: Carlos Alberto Mariotoni Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

Estudo investiga adesão de pacientes aos antidiabéticos Fotos: Antonio Scarpinetti

Crenças e fatores psicossociais foram levados em conta na avaliação ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

a área clínica, um dos maiores desafios é a comunicação da equipe de saúde com o paciente. Tanto que hoje já se fala em letramento em saúde, habilidade em leitura e numeramento que permite ao indivíduo transitar no ambiente de saúde, tornando o jargão e as prescrições médicas mais acessíveis ao leigo. Muitos pacientes não aderem ao uso de medicamentos porque não compreendem a sistemática e porque também lidam com crenças que dificultam essa adesão. Um estudo de doutorado investigou na Faculdade de Enfermagem (FEnf) as crenças relacionadas à adesão medicamentosa aos antidiabéticos orais pelo paciente com diabetes do tipo 2, e os fatores que determinam essa adesão. Segundo a enfermeira Fernanda Freire Jannuzzi, autora da tese, a presença do familiar foi fundamental para o diabético seguir o tratamento, e o filho e o médico prescritor foram os referentes sociais mais mencionados por ele para aderir aos antidiabéticos orais. Esse trabalho, orientado pela docente da FEnf Roberta Cunha Matheus Rodrigues, obteve menção honrosa no Prêmio Capes de Teses 2015 na área de Enfermagem. Fernanda escolheu esses pacientes porque, dentre as doenças crônicas não transmissíveis, o diabetes se destaca pela sua alta prevalência. O diabetes é uma doença metabólica causada pelo aumento anormal de açúcar no sangue em virtude de defeitos da ação ou secreção da insulina no organismo. Suas complicações podem ser altamente incapacitantes, relatou ela, e a doença é a maior causa de cegueira adquirida e de insuficiência renal crônica, que afetam a qualidade de vida dos acometidos. Pacientes atendidos no Ambulatório Geral de Adultos (AGA) do Hospital de Clínicas (HC) e em uma unidade básica de saúde de Campinas foram avaliados em dois momentos. No primeiro, quando foram verificados esses determinantes; e dois meses depois, quando foi averiguado o comportamento quanto à adesão. A amostra tinha média de idade de 60 anos, a maioria constituída por mulheres.

A enfermeira Fernanda Freire Jannuzzi, autora da tese, conversa com paciente: alta prevalência do diabetes pesou na escolha da abordagem

INSTRUMENTO A pesquisadora adotou uma teoria que permite analisar o comportamento do paciente, além dos fatores que determinam se eles vão ou não tomar os medicamentos indicados. Trata-se da Teoria do Comportamento Planejado, originária da Psicologia Social, mas que encontra grande aplicação na área da saúde. Essa teoria postula que o comportamento é determinado pela intenção (motivação do indivíduo para realizar ou não o comportamento) e que a intenção é formada por três fatores principais: a atitude (fatores ligados àquilo que o paciente acredita), pela norma subjetiva (aprovação dos referentes sociais para realizar ou não o comportamento) e pelo controle comportamental (o quanto de controle o sujeito acredita que tem para realizar o comportamento). Para cada comportamento, essas variáveis exercem forças diferentes. Neste caso, a atitude e a norma subjetiva foram as que tiveram maior força para determinar o comportamento nos pacientes com diabetes. Com isso, os sujeitos que têm esses dois traços fortalecidos possuem maior chance de aderir ao tratamento, comentou a pesquisadora. No mestrado, ela já tinha verificado que quase metade dos pacientes não aderia ao tratamento. Parte até tomava a dose indicada, mas não seguia todas as recomendações. “Essa proporção se manteve no doutorado e agora avaliamos os fatores que determinam a adesão”, sinalizou Fernanda.

A orientadora da tese professora Roberta Cunha Matheus Rodrigues: destacando o referencial teórico e o instrumento de avaliação

Na opinião de Roberta, o que teve de inovador no trabalho da sua orientanda é que ela usou um referencial teórico e criou um instrumento que avalia os fatores que levam à intenção de realizar o comportamento – a adesão aos medicamentos. Somente foi possível chegar a um bom resultado porque ela construiu uma escala de medida de variável psicossocial, afirmou.

CRENÇAS

Esse projeto teve uma fase metodológica e outra preditiva. Na fase metodológica, um instrumento de questões abertas suscitou crenças, que foram gravadas e submetidas à análise qualitativa. As crenças traziam aquilo que o paciente acreditava ser o tratamento medicamentoso oral, quem eram as pessoas que o apoiavam (e as que não), o que facilitava a tomada dos medicamentos e o que podia dificultá-la. As questões passaram por uma análise de conteúdo e levaram ao agrupamento de alguns temas sobre as crenças. A pesquisadora revelou que os pacientes acreditam que, além dos referentes sociais que suportam o comportamento serem os filhos e o médico prescritor, tomar os medicamentos controla os sintomas e ajuda a evitar complicações da doença, e que o uso dos medicamentos envolve entender corretamente a prescrição médica. Agora, por que é relevante para um enfermeiro saber disso? A professora Roberta responde que esse trabalho pode subsidiar as intervenções que ele vai propor, planejadas com base nesses fatores, visto que aumentam a motivação e a tomada do medicamento adequadamente. “O maior desafio é a adesão ao medicamento”, apontou, “mas uma série de crenças estão aí envolvidas”, disse. Quando o paciente tem diabetes, em geral ele tem um conjunto de comorbidades. Então não é só o antidiabético que interfere. Na verdade, o paciente faz uso de vários medicamentos. Com isso, ele pode achar que, quanto mais medicamentos tomar, pior será para a sua saúde. Essa é uma das crenças mais comuns. Outro achado interessante foi de que um dos pontos que fortalece a atitude para tomar o medicamento oral é o medo de usar a insulina, por conta das agulhas. Fernanda criou um instrumento quantitativo para medir os fatores determinantes do comportamento, e esse instrumento foi aplicado na fase preditiva com uma amostra de 157 sujeitos. Ela avaliou a confiabilidade, a validade de construto e a estabilidade da medida. Primeiramente, ela pesquisou as medidas e os exames laboratoriais; dois meses depois, o comportamento e novamente os exames laboratoriais. Como a atitude e a norma subjetiva foram os fatores que determinaram a adesão, isso elucidou que, quando o paciente adere, ele considera que as vantagens do medicamento superam as desvantagens, o que fortalece sua atitude favorável em relação à tomada dos antidiabéticos. Quanto à norma subjetiva, o paciente deixou claro que seus referentes sociais o apoiam mais a aderir ao comportamento do

que os referentes que o desaprovam. “Vimos que quem aprova é o filho ou o médico prescritor e quem desaprova são outros conhecidos também com diabetes, que não aderem ao medicamento”, ressaltou a autora. Os medicamentos mais utilizados podem causar diarreia, distensão abdominal, vômitos, empachamento, hipoglicemia, tremor e sudorese. “As desvantagens portanto têm relação com as reações adversas e com o desconforto”, admitiu Fernanda. “O enfermeiro tem que orientar que estes efeitos podem melhorar ou ser resolvidos com o tempo, a fim de estimular a manutenção da tomada correta destes medicamentos.” Conforme a enfermeira, alguns pacientes acreditam que “ingestão de medicamento de oito em oito horas” corresponde a tomá-lo às 8 horas da manhã e às 8 horas da noite. Outra crença: um antidiabético de uso frequente deve ser ingerido após as refeições. No entanto, o paciente sai de casa, come um pastel e toma um refrigerante, mas não toma o medicamento por entender que o lanche não é uma refeição. Há mulheres que fazem uso do antidiabético metformina, por acharem que ajuda a emagrecer. Há outras pessoas que associam o tamanho do comprimido à sua potência. Creem que o maior faz mais efeito. Essas crenças devem ser desmistificadas, sublinhou Fernanda, e os enfermeiros podem trabalhar com essas questões na consulta de enfermagem.

IMPLICAÇÕES

Roberta comentou que a não adesão aos antidiabéticos pode levar à progressão da doença e desencadear a morte, por meio de doenças macrovasculares (dos grandes vasos) como o infarto ou o derrame, mais letais nesse tipo de paciente. Já a retinopatia, a nefropatia e a neuropatia são complicações crônicas com repercussões na qualidade de vida. Envolvem a perda da visão, da sensibilidade, a falência renal e podem causar feridas. O paciente acaba convivendo com esses problemas pelo resto de suas vidas. Desta forma, a adesão ao tratamento medicamentoso, frisou a docente, contribui para a qualidade de vida e para que o diabetes não evolua. O estudo de Fernanda é uma contribuição aos profissionais da saúde, dimensionou a orientadora. A intenção é implementar esses achados na prática clínica. A medida da adesão medicamentosa é uma variável psicossocial que pode ser avaliada em nível ambulatorial, com vistas a uma melhor adesão ao tratamento. Roberta enfatizou que nada impede também que essa ferramenta seja levada às unidades básicas de saúde e às consultas dos enfermeiros, para que haja uma avaliação sistematizada da adesão junto aos pacientes em seguimento na rede básica. “A ideia é estender a aplicação dessa escala a um número maior de pacientes, atuando na prevenção e no controle da doença.” Um dos relevantes estudiosos da Teoria do Comportamento Planejado é o educador físico Gaston Godin, professor emérito da Universidade de Laval, Canadá, que tem parcerias com estudos conduzidos pela professora Roberta. Godin passou cerca de um mês na Unicamp atuando como professor visitante com apoio da Capes e participou da discussão de projetos que estão sendo desenvolvidos nessa linha de pesquisa. Fernanda realizou estágio doutoral em 2014 na Universidade de Laval, sob a supervisão da professora Maria Cecília Gallani, outra enfermeira estudiosa dessa temática, membro do grupo de pesquisa de Godin e professora colaboradora do Programa de PósGraduação em Enfermagem da Unicamp.

Publicação Tese: “Crenças e fatores psicossociais determinantes da adesão aos antidiabéticos orais” Autora: Fernanda Freire Jannuzzi Orientadora: Roberta Cunha Matheus Rodrigues Unidade: Faculdade de Enfermagem (FEnf)


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015 Foto: Antonio Scarpinetti

O professor Luiz Vieira Junior, coordenador das pesquisas, e a máquina universal: equipamento faz simulações de corrida

Projeto recicla tênis usados ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

odo ano Márcio ganhava dois tênis de presente do seu pai. Um era para jogar futebol, outro para passear. Ocorre que o garoto de sete anos gostava muito de praticar esporte e acabava com o tênis de brincar, tendo que apelar para o tênis de passeio. Quando esse também estragava, o pai fazia o filho ir para a escola com o tênis “estourado”, para lhe ensinar o princípio da conservação. Mesmo assim, nada mais restava senão jogar os tênis fora, pois eles afinal também têm prazo de validade, isso porque, com o tempo, as propriedades dos materiais de que são fabricados vão se degradando. De qualquer forma, o descarte não deve ser feito. É o que mostra um projeto da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) baseado na reciclagem de tênis usado que foi concebido pelo jovem docente Luiz Vieira Junior, de 32 anos. A iniciativa deu certo e hoje os tênis com meia vida podem continuar sendo usados e, a parte que não teria utilidade alguma, como o solado do calçado, por exemplo, hoje pode ser triturado e transformado em pavimentos de pista de atletismo, quadras de futebol society e pisos para playground, que amortecem o impacto. Os tênis ganharam uma nova aplicação e fazem parte de uma pesquisa liderada pelo professor Luiz. Esse projeto para jovens atletas começou quando ele ainda realizava doutorado na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Ele e seu orientador corriam todos os dias juntos, enquanto discutiam sua pesquisa. Tal hábito era compartilhado por professores dessa instituição, que se reuniam todos os dias às 10h30 para correr mais ou menos uma hora. Nas conversas, alguns professores comentavam que iriam jogar seus tênis fora, por acreditarem que não prestavam mais. “Mas eu olhava e via que os calçados aparentemente estavam em perfeitas condições de uso. Passei então a recolhê-los para verificar se estavam mesmo”, recorda.

Nos Estados Unidos, conta ele, os atletas usavam seus tênis até que atingissem 500 milhas, que é o equivalente a cerca de 800 quilômetros. Geralmente essa distância era percorrida por um corredor depois de quatro meses de treino ou até menos. Após esse período, o tênis era simplesmente descartado. Para um atleta brasileiro, um tênis dura o dobro desse tempo, repara. Luiz tomou a atitude de pedir que as pessoas doassem seus tênis para ele. Com isso, trazia ao Brasil mais de 70 kg do calçado na bagagem, quando vinha visitar a família. Ele conta que os repassava para comunidades carentes e escolas. Fazia questão de ministrar palestras motivacionais sobre a prática do esporte e os benefícios na qualidade de vida e na saúde, o valor dos estudos e da ciência, além de alguns princípios do esporte, como a perseverança, o esforço e que nada vem de graça. “Os contemplados ficavam muito contentes. Era impagável perceber o quanto isso significava para muitos deles, que nunca tiveram um tênis.”

UTILIDADE Luiz morou nos EUA de 2007-2013: quatro anos no Estado de Maryland e dois anos no Estado de Connecticut, onde foi docente na University of New Haven. Mas prestou um concurso na Unicamp e foi aprovado. Voltou ao Brasil. Quando chegou aqui, notou que talvez ainda houvesse uma forma desses tênis serem reutilizados e de lhes conferir um peso mais científico. Entretanto, o projeto ficou parado por um ano e meio. Veio Ronaldo Dias, treinador do Grupo de Corrida Labex-GGBS da Unicamp, do qual Luiz é participante, e sugeriu que ele reativasse o projeto das doações. Os tênis foram chegando novamente, e muito com a ajuda dos alunos e de outras duas universidades: da Johns Hopkins e da alemã Landshut University of Applied Sciences. Em nova fase, em terras brasileiras, a iniciativa começou a ser viabilizada com incrementos. Luiz passou a desenvolver uma forma de verificação se o tênis ainda estava

Calçados que seriam descartados são destinados a jovens atletas e comunidades carentes em bom estado de uso e tinha a qualidade necessária para que continuasse na ativa. A próxima etapa envolveu uma série de ensaios no Laboratório de Modelagem Estrutural e Monitoração (Labmem) da FEC. Ali era avaliada principalmente a energia de absorção do impacto do tênis e como ele se comportava em situações de estresse. “Toda vez que o corredor pisa, ele aplica uma força no solo, e essa força terá uma reação. Parte desse impacto é absorvido e precisa ser medido, assim como a rigidez em absorver o impacto”, destaca o docente. “Esse teste permite ver os tênis que podem ser aproveitados em outros pés, porém não dá a dimensão da sua vida útil.” Os tênis são colocados em uma máquina, chamada universal, que opera simulando uma corrida. Trata-se de um ensaio dinâmico em que, com os dados dessa simulação, quantifica o que está acontecendo no sistema de absorção de impacto do tênis. Anteriormente, cada ensaio demorava em torno de dez minutos. Hoje em dia demora 40 segundos, e seus dados são automaticamente transferidos para um programa de computador, desenvolvido por Luiz e colaboradores. Vem a análise dos dados, a qual demora frações de segundos. O professor relata que os tênis em boas condições são enviados a projetos selecionados normalmente quando chegam à marca dos 60 pares. Somente neste ano, foram doados 80 pares em duas localidades: Jaguari (Bahia), e Taubaté (São Paulo). Em geral, são contemplados atletas que participam de

competições e que estão se preparando para um futuro profissional no atletismo. Os tênis são ofertados a homens e a mulheres.

ESTRUTURA O doutorado de Luiz envolveu a área de Engenharia de Estruturas. Logo, para ele, entender a estrutura de um tênis é algo semelhante à estrutura de absorção do impacto numa ponte ou num edifício, quando ocorre um terremoto. “É exatamente esse sistema. Só que em proporção menor”, diz. Um produto que em seu ciclo normal demoraria aproximadamente 500 anos ou mais para ser degradado pode ser reutilizado de outra forma, num novo ciclo de mais 500 anos, sem que se leve esse produto para o lixão. “Aproveitamos tudo, e isso tem tido bons reflexos ambientais”, explica. “Com a expansão do projeto, essa consciência pode crescer ainda mais.” Luiz lembra que são produzidos anualmente 1,2 bilhão de tênis no mundo. É praticamente um sexto da população mundial comprando um tênis por ano. “Se não for tomada alguma medida de reúso desse material, os tênis virarão lixo e isso continuará sendo um enorme problema para o meio ambiente.” O projeto já doou mais de 500 pares de tênis e está tendo um efeito multiplicador. Neste momento, afirma o professor, estão sendo buscadas novas parcerias para apoio financeiro de agências de fomento e de órgãos governamentais. “Nosso interesse também é que o setor industrial nos auxilie sobretudo no quesito de reutilizar a borracha do tênis.” De acordo com o autor do projeto, doações de tênis são bem-aceitas e são recolhidas durante os treinos (às segundas e quartas-feiras das 18 às 19h30) do Grupo de Corrida do Labex-GGBS, que ocorrem na pista de atletismo da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. A expectativa de Luiz é que o projeto tenha vida longa e que tenha um impacto beneficente na sociedade, não só diretamente para as pessoas, mas também para fechar um ciclo que possa ser encerrado com uma degradação o mais natural possível.


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Campinas, 26 de outubro

Tese analisa a conexão entre l Estudo desenvolvido no IFCH recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Tese 2015 MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

ensadores e literatos negros desempenharam, durante a segunda metade do século 19, por meio da sua atuação na imprensa das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, importante papel nos debates públicos acerca da defesa dos direitos dos brasileiros, notadamente de pessoas negras livres, libertas e escravizadas. Mais que revelar trajetórias isoladas, as experiências desses sujeitos desvelam uma conexão entre eles, evidenciada, entre outros aspectos, pelo uso de estratégias similares ou pelas influências que uns exerceram sobre outros. Os dados constam da tese de doutoramento da historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação do professor Sidney Chalhoub. O trabalho recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Tese 2015. De acordo com Ana Flávia, seu interesse pelo tema nasceu ainda na iniciação científica, quando travou contato com jornais da imprensa negra. O tema foi posteriormente aprofundado no mestrado. “Nas duas oportunidades, meu foco foram os jornais, mas senti a necessidade de falar sobre os sujeitos que estavam por trás dos textos. No doutorado, minha proposta inicial era analisar comparativamente as trajetórias de negros livres e letrados, que tiveram importante atuação na política e na cultura por intermédio da imprensa. Com o decorrer do estudo, porém, percebi que havia forte conexão entre eles e que isso precisava ser destacado”, explica. Os personagens principais da investigação da historiadora foram Ferreira de Menezes, Luiz Gama, Machado de Assis, José do Patrocínio, Ignácio de Araújo Lima, Arthur Carlos e Theophilo Dias de Castro, embora muitos outros tenham dado destacada contribuição para o debate público em torno dos direitos dos brasileiros, de modo geral, e da defesa da causa abolicionista, de maneira mais específica. Conforme a pesquisadora, o diálogo entre esses literatos se dava tanto de modo direto quanto indireto. Falar sobre a imprensa do século 19, lembra ela, é falar sobre literatura, visto que a linha que separava uma atividade de outra era muito tênue.

Fotos: Reprodução

Além de Luiz Gama, Machado de Assis, José do Patrocínio (da esq. para a dir.), a autora do estudo investigou as trajetórias de Ferreira de Menezes, Ignácio de Araújo Lima, Arthur Carlos e Theophilo Dias de Castro

Assim, boa parte dos textos veiculados pelos jornais da época era produzida por literatos, que abordavam diferentes assuntos em seus textos, como política, literatura, música, teatro, artes plásticas etc. Tais temas propiciavam aproximações entre esses autores. Além disso, alguns sujeitos com maior destaque naquele contexto exerceram influência sobre seus pares. “É o caso de Luiz Gama, cuja atividade inspirou, em boa medida, o grupo que fundou os jornais da imprensa negra em São Paulo”, pormenoriza a autora da tese. Um dos nomes que não fazia parte da relação a ser pesquisada por Ana Flávia foi Ferreira de Menezes, personagem que a historiadora praticamente desconhecia, mas que se revelou uma das figuras centrais no movimento em defesa dos direitos dos negros. Filho de liberto e nascido no Rio de Janeiro, ele teve que acionar uma ampla rede de sociabilidade para poder se transferir para São Paulo, onde se formou em Direito. No Rio de Janeiro, Ferreira de Menezes manteve contato com destacadas figuras, entre elas Machado de Assis. Naquele momento, compreendido pelo final da década de 1870 e início da década de 1880, Luiz Gama e Ferreira de Me-

nezes eram as figuras essenciais no que se poderia classificar de ativismo pró-abolicionismo. Ambos, que eram amigos de José do Patrocínio, morreram poucos anos depois, o que abriu espaço para a projeção deste último. “Um dos desafios ao longo da tese foi dar conta da quantidade de sujeitos negros que tiveram reconhecimento naquele período, mas que foram posteriormente preteridos da narrativa hegemônica sobre o processo abolicionista. Um deles foi Vicente de Souza, tema central do meu pós-doutorado que está em andamento”, adianta Ana Flávia. Segundo ela, Vicente de Souza era um baiano de Nazaré das Farinhas, que se mudou para o Rio de Janeiro, onde cursou Medicina. Lá, dividiu a sua atuação entre as atividades de médico e professor. “O que eu estou investigando é até que ponto Vicente de Souza teve que priorizar a profissão de professor em detrimento da de médico. Trata-se de uma das figuras centrais da organização do movimento de trabalhadores na virada do século 19 para o 20. Também teve destaque no episódio da Revolta da Vacina. Durante a campanha abolicionista, Vicente de Souza foi responsável por disseminar a proposta do Foto: Antonio Scarpinetti

A historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, autora da pesquisa: “Um dos desafios ao longo da tese foi dar conta da quantidade de sujeitos negros que tiveram reconhecimento naquele período, mas que foram posteriormente preteridos da narrativa hegemônica sobre o processo abolicionista”

fim da escravidão entre os trabalhadores”, assinala. A historiadora faz questão de observar que, embora alguns sujeitos tenham tido a sua experiência privilegiada por essa narrativa hegemônica, tal destaque somente foi alcançando graças à atuação de outros negros. Estes, prossegue a autora da tese, tinham obviamente como tema principal de seus artigos, contos e romances o combate à escravidão. Todavia, também abordavam outros assuntos, como a garantia da cidadania a todos os indivíduos. “Para promover essa defesa, várias estratégias eram acionadas. Ao fazerem isso, os jornais se aproximavam muito dos recursos empregados pela imprensa negra propriamente dita. Uma dessas estratégias era veicular informações sobre negros de destaque em outros países. Em 1883, por exemplo, José do Patrocínio fez o esforço para traduzir a biografia de Frederick Douglass, um abolicionista que teve papel fundamental na história dos Estados Unidos, publicada na Gazeta da Tarde”. Ainda sobre as atividades dos literatos negros considerados na tese, Ana Flávia faz uma observação que considera importante. De acordo com ela, a direção da militância exercida por eles não era no sentido de propugnar a instalação de um nacionalismo negro. “Não se tratava de se propor a construção de um país negro, mas sim de defender a garantia dos princípios constitucionais. A ideia não era a de promover a divisão racial, mas sim exigir o respeito aos ‘talentos e virtudes’ de cada cidadão, termos usados na época”, explicita a historiadora. Uma das figuras que mais mereceram destaque na tese de Ana Flávia foi Machado de Assis, como a própria autora reconhece. Ainda que exista quem entenda que o escritor não tenha mantido grande envolvimento com as questões raciais, vários estudos têm evidenciado o contrário. “A atuação de Machado de Assis na defesa da abolição e dos direitos dos negros fica muito clara quando acompanhamos o trânsito dele junto a outros literatos, como Ferreira de Menezes. Machado de Assis dedicou-se a dar visibilidade ao trabalho de Menezes em termos literários. Além disso, a imagem de Machado de Assis desconexo das lutas abolicionistas cai por terra quando observamos a interface do trabalho dele como o de José do Patrocínio, bem como está registrado em muitos de seus escritos. Ademais, a imprensa abolicionista reconheceu Machado de Assis como um importante colaborador da causa abolicionista, a partir da atuação dele como funcionário do Ministério da Agricultura”, relata. Ao analisar todas essas relações, segundo a historiadora, foi possível perceber o amplo leque de diálogos existente


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a 8 de novembro de 2015

literatos negros abolicionistas Foto: Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Vendedoras em mercado no Rio de Janeiro, em 1875: jornais da época fundamentaram pesquisa

entre literatos negros da segunda metade do século XIX. “A sensação que eu tive foi que, uma fez puxado um fio, outros vinham juntos. As conexões entre esses sujeitos ficaram muito evidentes”. Questionada sobre que aprendizados podem ser tirados dos dados revelados pelo seu trabalho, Ana Flávia afirma que esse tipo de reflexão sempre esteve presente ao longo da sua pesquisa. Ela considera que o grande problema do racismo e das práticas discriminatórias é a desumanização do sujeito discriminado. O ataque à humanidade das pessoas, diz, é de uma gravidade profunda. Isso acontece, dentre outras formas, quando é negado às pessoas o direito de serem contraditórias, de terem medo, de expressarem momentos de incerteza e de alcançarem sucesso em suas ações. “No instante em que busco investigar esses literatos e a forma como eles lidaram com o problema do racismo, eu procuro evidenciar que não existe somente uma forma de ser negro no Brasil. É preciso entender que, como qualquer ser humano, o negro desenvolve diferentes trajetórias de vida, nas quais cabem conexões e desconexões. Afora isso, é necessário destacar que, ao contrário do que os costumes naturalizaram, a história da população negra não se resume à história da escravidão, muito pelo contrário. Assim, ao evidenciarmos esse espaço de liberdade e todos os problemas vividos na liberdade, nós enxergamos melhor o impacto do racismo”. A análise da trajetória desses personagens na liberdade, reforça Ana Flávia, traz à tona a premência de se discutir como o racismo foi fundamental para a construção do que ela classifica de “cidadania capenga” no país. “A cidadania no Brasil é problemática justamente porque o racismo impôs limites a ela. Ora, se esses literatos, que eram livres, letrados e

Foto: Reprodução

Frederick Douglass, abolicionista norte-americano, cuja biografia foi traduzida por José do Patrocínio: referências externas

tinham uma destacada atuação política e cultural, eram cotidianamente colocados em xeque, é preciso levar em conta o impacto do racismo na construção da cidadania brasileira. Ele é, sim, constitutivo da experiência nacional. Sem este reconhecimento, torna-se impossível estabelecer um debate franco sobre a questão”, pontua. Por fim, Ana Flávia analisa que seria difícil ter desenvolvido a tese em outro ambiente que não o IFCH, mais precisamente no Centro de Pesquisa em Histó-

ria Social da Cultura (Cecult). “O apoio que recebi aqui, tanto de meu orientador quanto de outros professores, foi incrível. Isso não apenas me instigou, mas me proporcionou condições únicas de trabalho. Eu dificilmente conseguiria dar conta desse desafio em outra instituição, visto que em muitos departamentos não há espaço para se discutir o racismo nos termos que estão colocados no meu estudo”, pondera a historiadora, que contou com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Publicação Tese: “Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX” Autora: Ana Flávia Magalhães Pinto Orientador: Sidney Chalhoub Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Financiamento: Fapesp


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

O Juízo Final no primeiro

Renascimento italiano LUIZ MARQUES luiz.marques4@gmail.com

livro de Tamara Quírico (pesquisadora formada na Unicamp e hoje professora da Uerj) é muito bemvindo, pois constitui um marco inicial na inexistente historiografia em língua portuguesa sobre as representações pictóricas do “Juízo Final” no período que se convencionou chamar Renascimento. O corpus em torno do qual gravita sua pesquisa abrange 33 pinturas toscanas executadas durante o século e meio transcorrido entre os mosaicos da cúpula do Batistério de Florença e o painel de Giovanni di Paolo (1460-1465), na Pinacoteca de Siena. A abordagem enfatiza os aspectos teológicos dessa iconografia, incluindo suas imbricações com a Divina Comédia de Dante Alighieri. Como nota Tamara Quírico, “o Juízo Final não é descrito em uma passagem específica da Bíblia. Há menções a ele em trechos tanto do Antigo como do Novo Testamento que, associados a outras fontes (textuais e orais), possibilitam que se conceba uma imagem – mental e visual – do evento”. De fato, o núcleo duro da iconografia cristã – as representações do Gênesis, do Êxodo, dos Evangelhos, do Apocalipse, e dos feitos e milagres dos Apóstolos e santos – emana, como se sabe, da autoridade de seus textos “revelados” ou consagrados pela Igreja. Não é o que ocorre com a iconografia do Juízo. Embora central na cosmoteologia cristã e, portanto, presença indispensável nos programas iconográficos das basílicas constantinianas e das catedrais românicas e góticas, 1

essa iconografia não possui uma âncora textual, mas deriva de uma combinatória heteróclita de passagens bíblicas e não bíblicas, jamais sintetizada por um texto dogmaticamente sancionado ad hoc pela autoridade eclesiástica. A quintessência da iconografia do Juízo – o Cristo Pantocrator, a Deesis, a ressurreição da carne e a separação dos eleitos e dos danados – não está inequivocamente presente ainda, por exemplo, no sarcófago de Agilbert, na cripta de Saint-Paul em Jouarre (Ile-de-France), do século VII, de modo que não podemos saber se o que se representa ali é uma passagem do Apocalipse ou se já temos um incipiente Juízo Final. Sua topografia, com as encenações de um Paraíso algo monódico e de um Inferno polifônico (funcionando como retorno do erotismo recalcado), precisa-se, assim, lentamente, ao longo de mais de um milênio (séculos III a XIII), combinando tradições oriundas de diversas culturas figurativas – bizantina, médio-oriental, italiana e europeia ocidental. No que se refere às fontes escritas – para além do Apocalipse e de Mateus 25, 31-33 –, há uma colcha de retalhos de passagens textuais cooptadas pelas representações visuais. Foram evocados, inclusive pela autora, Daniel, Jó, a visão de Ezequiel (37,1-10), diversas passagens dos Evangelhos, as Visões e Revelações (Apocalipses) apócrifas (de Isaías, de Esdras, de Sedrach, de Pedro e de Paulo, escritas entre os séculos II a IV), o Symbolum Nicenum de 325 e a homilia do Segundo Advento, de Efraim, o Sírio, datada de meados do século IV, entre outros. Além disso, a tradição escatológica medieval, acolhida, por exemplo, no longo poema satírico De contemptu mundi, de Bernard de Cluny

SERVIÇO Título: Inferno e Paradiso - As representações do Juízo Final na pintura toscana do século XIV Autora: Tamara Quírico Páginas: 232 páginas Editora da Unicamp Área de interesse: História da Arte Preço: R$ 52,00

(século XII)i , subordinava a salvação dos fiéis no fim do mundo à negação do mundo, baseando-se na Epístola I, 2, 15-16, de João: “Se alguém ama o mundo, nele não está o amor do Pai; pois tudo o que está no mundo, concupiscência da carne e concupiscência dos olhos e jactância das riquezas, não provém do Pai, mas do mundo”. O imperativo de evitar que a negação cristã do mundo recaísse na Gnose (para a qual a matéria é criatura do Mal) explica, ao menos em parte, o caráter judiciário da Parúsia, o segundo adventus do Cristo, em veste agora de juiz, para arbitrar sentenciosamente o Bem e o Mal. Explica também por que a constituição desse magnífico patrimônio de imagens é indissociável da história do naufrágio e da progressiva restauração do legado do Direito romano. De onde, por exemplo, a ausência ou irrelevância da figura da balança nas representações do Juízo anteriores ao século XIII e a crescente importância sucessiva dessa figura da justiça, manejada por Miguel Arcanjo pesando as almas, sobretudo após a proibição pelo IV Concílio Lateranense (1215) da administração do ordalium ou judicium Dei pelo clero. Sem ocultar os dilemas teológicos que deviam ser “resolvidos” antes que a ideia de um julgamento final pudesse triunfar na concepção cristã do destino do homem, Tamara Quírico enfrenta problemas difíceis, como o das diversas posturas do Cristo juiz (clemente, impassível ou implacável) no aterrorizante Dies irae, ou como a emergência de uma específica representação de seu tribunal a partir das concepções e visões escatológicas do Apocalipse de João. Um livro de pequenas dimensões e que não se pretende exaustivo não poderia evitar uma seleção um tanto drástica do material histórico, mas a síntese que propõe é uma indubitável contribuição para o conhecimento em nosso meio da tradição escatológica italiana anterior a Michelangelo. Luiz Marques é professor de história da arte no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

Vejam-se, por exemplo, os versos: Hora novissima, tempora pessima sunt – vigilemus. / Ecce minaciter imminet arbiter ille supremus (Há novíssima hora em tempos péssimos – vigiemos. Eis que, ameaçante, desponta o árbitro supremo).

Músico analisa códigos de roda de choro Fotos: Divulgação/Antoninho Perri

Pesquisa analisa códigos presentes em grupo que atua em São Carlos PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

esde 2011, Renan Moretti Bertho participa de uma roda de choro como flautista. Algumas questões relativas ao encontro quinzenal, que ocorre em um bar na cidade de São Carlos, região central do estado de São Paulo, não lhe saíam da cabeça e se transformaram em perguntas acadêmicas: “por que músicos profissionais e amadores de variadas idades, mas, sobretudo jovens, se encontram em um bar para tocar choro? Quais são as características, as condutas e os códigos que regem este fazer musical? Como mapear a performance da roda e compreender de que maneira os músicos participam?” Dessa forma, os olhares, gestos e práticas da roda acabaram sendo registrados na pesquisa de mestrado apresentada por ele ao Programa de Pós – Graduação em Música da Unicamp. A dissertação “Academia do choro: performance e fazer musical na roda” retrata as experiências dos encontros. Performance é entendida como “o conjunto de ações que diferencia os músicos que tocam seus instrumentos na roda dos demais presentes no bar” e fazer musical “um processo dinâmico de relações entre os performers, o público e o ambiente do bar”. Renan optou por utilizar a etnomusicologia, e realizar uma etnografia da música, dos encontros. “Ao longo da pesquisa foram produzidas fotografias e vídeos, resultados tanto da minha vivência musical quanto do meu olhar de pesquisador. Assim, apresen-

Renan ressalta que diferentemente da roda de samba a participação no choro depende de um conhecimento prévio do repertório e da técnica instrumental. “No samba, se chega alguém, logo é convidado a bater palmas e a cantar. Trata-se de um fazer musical participativo, aberto. No choro isso também ocorre, porém é necessário conhecer a música, possuir a técnica”. De acordo com o pesquisador os revezamentos entre os músicos garantem que a roda vá acontecendo. A comunicação se dá muitas vezes apenas por olhares, uma vez que o ambiente do bar não favorece o diálogo por conta dos ruídos do próprio ambiente. “Quando um músico para de tocar, o outro retoma, porque estão todos ali sendo desafiados por esta música”.

INTERCÂMBIO

Grupo cujas performances foram estudadas por Renan Moretti Bertho (destaque): trabalho etnográfico

to como resultado uma descrição etnográfica com intuito de compreender como as pessoas fazem música em um determinado espaço”, descreve. Não foram raras as vezes que Renan chegou à roda com a flauta em uma das mãos, e a máquina fotográfica na outra. Tocar e registrar, registrar e analisar as imagens. “Inicialmente as imagens produzidas tinham como propósito a divulgação da roda em redes sociais, porém pouco a pouco notei que as fotografias apresentavam situações e conceitos que poderiam ser aprofundados em discussões para além da própria imagem”. De acordo com o autor, hierarquias, participações, conflitos, revezamentos, valores, posturas, costumes, interações, são exemplos do que pode estar subscrito nas imagens. Na cidade, além do grupo pesquisado, existem outras duas práticas de rodas de choro, sendo que numa delas é desenvolvido um projeto de extensão da Universidade Federal de São Carlos, cuja finalidade é ensinar pessoas a tocar choro, na outra ocorre o festival anual “Chorando sem parar”, que reúne músicos de todo o país.

ACADEMIA DO CHORO

A roda de choro pesquisada por Renan é constituída por um núcleo fixo composto por três músicos nos instrumentos bandolim, violão e pandeiro. “Eles garantem que a roda irá acontecer, independentemente se vai aparecer mais alguém para a flauta, o cavaquinho, ou mais um violão”. A chegada dos músicos no bar já representa parte da performance estudada por Renan, assim como a maneira como os músicos se posicionam no local, as cadeiras que ocupam, como ajeitam as partituras, celulares e copos sobre as mesas. A relação da roda com os donos do bar, garçons ou mesmo com o couvert artístico, que pode ou não ser pago pela clientela, também é levada em conta na análise porque modificam o fazer musical dos músicos. Renan narra, por exemplo, uma situação registrada em seu diário de campo, na qual os músicos foram obrigados a fazer a roda em outra sala do bar, em vez da costumeira “sala de música”. O resultado foi uma tremenda dificuldade por conta da acústica. “Observo que tocar em uma roda de choro acústica, num bar, é estar imerso na dualidade entre se fazer ouvir e escutar quem toca ao seu lado”.

No trabalho de pesquisa Renan também identificou o que chamou de “intercâmbio regional dos músicos de choro”, que foi um movimento de músicos vindos de outras cidades procurando lugares pra tocar. “Fazer choro informalmente, num bar, de maneira acústica, sem pretensão comercial, isso acaba movimentando as cidades”, afirma. Esse intercâmbio contribui, sobretudo para a renovação constante do choro, já que contribui para que sejam compostas novas músicas. “O músico de outra cidade vem e toca a música daquela roda; quando alguém vai para a cidade dele, como forma de reconhecimento, toca a música dele, ou seja, mesmo sendo uma música que tem 150 anos, o choro se renova através dessas relações, e São Carlos é um ponto nessa rede”, pontua.

Publicação Dissertação: “Academia do choro: performance e fazer musical na roda” Autor: Renan Moretti Bertho Orientadora: Lenita Waldige Mendes Nogueira Coorientador: Vilson Zattera Unidade: Instituto de Artes (IA)


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

Ações do Ibope alimentam a desigualdade, conclui estudo Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Geógrafa analisa a dinâmica da urbanização brasileira a partir da atuação da empresa SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

geógrafa Gabriela de Costa Gomes Silva estudou por dois anos a atuação do grupo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) na produção e difusão de informações e seus impactos sobre o território brasileiro. O estudo sobre a empresa, considerada a maior no ramo da pesquisa de mercado e inteligência organizacional da América Latina, evidencia que a sua atuação no território nacional reafirma as desigualdades regionais do país. O trabalho também contribui para revelar a dinâmica atual da urbanização brasileira. De acordo com Gabriela Gomes Silva, o Ibope estabelece uma rede de fluxos informacionais por grande parte do território brasileiro, tendo na metrópole paulista o seu centro de comando. É por meio desse centro que emanam as informações, determinando, deste modo, “as regiões que informam e as regiões que serão informadas neste processo.” Trata-se, segundo a pesquisadora da Unicamp, de uma informaçãomercadoria, que passa a ser vendida dada a sua importância para as grandes corporações no mundo contemporâneo. “Trata-se também de uma informação-segredo, sigilosa. Quem está de posse dessa informação estratégica, sai na frente daqueles que não estão. E é justamente por meio desse centro de comando, que é São Paulo, que o Ibope distribui essas informações por redes de escritórios-filiais, instalados, não por acaso, nas grandes metrópoles do país”, explica. Deste modo, acrescenta a geógrafa, o Ibope estrutura uma rede de informações refinadas sobre o espaço, a sociedade e o mercado, que são emitidas em ordem verticalizada, servindo aos agentes hegemônicos. “Trabalha, assim, na construção de um território voltado às exigências do capital, perpetuando e aprofundando as disparidades urbano-regionais”, constata Gabriela Gomes Silva. Ela defendeu, recentemente, dissertação de mestrado junto ao Programa de PósGraduação em Geografia do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Orientado pela professora Adriana Maria Bernardes da Silva, do Departamento de Geografia do IG, o estudo insere-se no âmbito do grupo de pesquisa “Círculos de Informações, Urbanização e Território”. O trabalho foi financiado, na forma de bolsa à pesquisadora, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Gabriela Gomes Silva informa que o Ibope possui 17 escritórios-filiais distribuídos em regiões estratégicas do país, além de atuação nos Estados Unidos e em mais 13 países da América Latina, como México, Guatemala, Costa Rica, Panamá, Porto Rico, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. “A empresa, criada em 1942 pelo radialista Auricélio Penteado, é sinônimo de audiência e prestígio. Sua importância no cenário nacional é tanta que consta no dicionário como verbete. A partir da sua criação, o Ibope teve uma ascensão muito rápida, o que retrata o aumento dessa demanda pela informação-mercadoria no país. Em 2013, o Grupo figurou no ranking norte-americano Honomichl Top 25 Global Research Organizations, como a única empresa latino-americana entre as 25 maiores organizações globais de pesquisa.”

Vista aérea da região central de São Paulo, cidade onde funciona a sede do Ibope: metrópole está no comando da rede de informações

A autora do estudo acrescenta que o grupo está estruturado em Ibope Media, Ibope Inteligência, Ibope Ambiental e Ibope E-Commerce, estas duas últimas unidades criadas a partir de 2012. A empresa possui parcerias estratégicas com os dois maiores grupos de pesquisa de mercado do mundo, a norte-americana Nielsen Company e a britânica Kantar. Ainda sobre a companhia, Gabriela Gomes Silva revela que o Ibope é a décima multinacional brasileira mais transnacionalizada e a terceira a ter um faturamento total de até R$ 1 bilhão, possuindo cerca de 3.500 colaboradores diretos e indiretos, sendo 1.800 empregados no Brasil e os outros 1.500 na América Latina. “É uma empresa que possui características típicas das firmas do chamado setor quaternário, mobilizando uma grande quantidade de conhecimento e estabelecendo uma rede complexa de produção e distribuição da informação, imprescindível ao grande capital”, relaciona. Neste sentido, ressalta a estudiosa, fica explícito o caráter dinâmico e complexo do grupo. A empresa busca diversificar ao máximo o tipo de informação e conhecimento produzidos de forma a abarcar o exigente mercado capitalista contemporâneo, construindo as estratégias de aperfeiçoamento de uma moderna e complexa sociedade do consumo. O Ibope produz desde informações e estudos de mídia, opinião pública, intenção de voto, marca, comportamento, mercado, até estudos ambientais e de sustentabilidade.

No levantamento sobre a gestão do território brasileiro realizado pelo órgão governamental, há a indicação de uma centralidade dos serviços avançados de apoio às empresas. O trabalho de 2014 do IBGE mostra, por exemplo, que os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro concentram uma variação de 96% a 97,78% da oferta desses serviços. Curitiba e Recife vêm atrás, com uma concentração que varia de 82% a 96%. “Há, portanto, conforme o IBGE, uma concentração incontestável das atividades de serviços avançados de apoio às empresas no Sudeste, e isso torna claro o porquê do Ibope Inteligência concentrar seus escritórios nesse eixo, já que ao redor deles estão disponíveis todos os serviços necessários a uma empresa típica do quaternário”, compara a geógrafa.

Segundo Gabriela Gomes Silva, desde a oferta de profissionais qualificados até a rede de infraestrutura técnica e centros de pesquisa e inteligência, essas grandes cidades têm uma vantagem clara em relação a outras para oferecer o suporte necessário a grandes corporações. Mantém-se, assim, a rapidez no seu tráfego de informações, garantindo a celeridade necessária às atividades de produção e difusão da informação corporativa. “Essa estrutura organizacional, ao edificar densos fluxos informacionais à gestão do capital no território, perpetua, portanto, a divisão regional do trabalho e as feições da rede urbana contemporânea. Isso se torna um entrave para projetos urbanos alternativos que buscam amenizar os abismos sócioespaciais que imperam no Brasil”, afirma. Foto: Antoninho Perri

A geógrafa Gabriela de Costa Gomes Silva: “O Ibope trabalha na construção de um território voltado às exigências do capital”

TRABALHO EM REDE A autora do estudo aponta que o Ibope se aproveita da rede de infraestrutura existente no país para alocar os seus recursos e estabelecer seus escritórios-filiais. “A sede em São Paulo mostra que a cidade tem um papel importantíssimo na rede urbana brasileira. São Paulo, como diz Milton Santos, é uma metrópole onipresente. Assim, toda a rede telemática, toda a infraestrutura técnica, científica e informacional da cidade é aproveitada pela empresa. São Paulo possui os maiores centros de pesquisa do país, tem vasta oferta de mão de obra especializada. Portanto, pela lógica capitalista, a sede da empresa não poderia estar em outro local”, conclui. Ainda conforme a geógrafa, os escritórios regionais estão situados em grandes metrópoles e centros urbanos, regiões por meio dos quais essas informações estratégicas se espalham. Gabriela Gomes Silva fez, na pesquisa, uma comparação entre a distribuição dos escritórios do Ibope Inteligência com um estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) intitulado Gestão do Território, 2014.

Publicações GOMES, G. C.A Pesquisa de Mercado e a Urbanização Corporativa: O Grupo IBOPE, a Informação Estratégica e os Usos do Território Brasileiro. In: XI ENCONTRO NACIONAL DA ANPEGE, 2015, Presidente Prudente/ SP, Anais... Presidente Prudente, 2015 p.4739 – 4750. GOMES, G.C. O Grupo IBOPE, a Pesquisa de Mercado e a Reorganização do Território Brasileiro. In: VII CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, 2014, Vitória/ ES, Anais... Vitória, 2014. GOMES, G. C. A Produção e a difusão de informações estratégicas e a centralidade de São Paulo: Um estudo do Grupo IBOPE. In: VI CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE ESTUDOS TERRITORIAIS E AMBIENTAIS (CIE-

TA), 2014, São Paulo/SP, Anais... São Paulo, 2014 p. 788-803. GOMES, G. C. A Produção e a Difusão de Informações Estratégicas: O grupo IBOPE e a Reorganização do Espaço Urbano Brasileiro. In: I SIMPÓSIO MINEIRO DE GEOGRAFIA, 2014, Alfenas/ MG, Anais... Alfenas, 2014 p. 952- 966.

Dissertação: A produção e a difusão de informações: um estudo sobre o grupo Ibope e os usos do território brasileiro Autora: Gabriela de Costa Gomes Silva Orientadora: Adriana Maria Bernardes da Silva Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Fapesp


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015 plantação iniciada em 21 de setembro de 1979, sob a coordenação de Herrera. Mais informações pelo telefone 19-3521-5124 ou e-mail soniatil@ige.unicamp.br  Prezi: fundamentos e conceitos - Curso sobre a ferramenta Prezi ocorre no dia 31 de outubro, às 13h30, na Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, em Limeira. O objetivo é capacitar interessados para a elaboração de apresentações. Entre as abordagens do curso estão a apresentação, criação de conta, planejamento e estruturação de apresentações, entre outras. Pré-requisito para participação: ensino médio. A organização é da professora Carolina Siqueira Franco Picone. Público alvo: interessados em apresentações interativas por meio de ferramentas computacionais. Mais detalhes no site da Escola de Extensão da Unicamp (Extecamp) https:// www.extecamp.unicamp.br/dados.asp?sigla=CET-0178&of=001, telefone 19 2113-3353 ou e-mail karen@ft.unicamp.br  Outras Vozes - O escritor Plínio Camilo lança dia 31 o livro “Outras Vozes” (11 Editora). Segundo Camilo, sua obra “tem narrativas que muitas vezes flertam com a sonoridade do poema, os textos transportam o leitor para variados cenários e enredos, desde a vinda nos navios negreiros e o trabalho nas fazendas, passando pelos ‘negros de estimação”, até os alforriados que trabalhavam nas cidades e os mestiços protegidos pelos pais que não os podiam assumir e moravam nos fundos da casa grande com certos privilégios.” O lançamento ocorrerá, a partir das 20 horas, no espaço Rabeca Cultural - Avenida Dona Maria Franco Salgado 250 - Jd Atibaia, Sousas – Campinas.

Painel da semana  Infâncias e pós-colonialismo - No dia 26 de outubro, às 9h30, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece a cerimônia de abertura da segunda edição do Seminário Internacional Infâncias e Pós-colonialismo. A organização é do Grupo Gepedisc - Culturas Infantis. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até 30 de setembro, no link https://docs.google.com/ forms/d/1zUPxTrqTk1iwjbo7iQpEHro-hTHCujn3L1JVnDoG8UA/ viewform?c=0&w=1. Mais detalhes pelo site https://www.fe.unicamp. br/infancia, telefone 19-3521-5564 ou e-mail pedagogiasdescolonizadoras@gmail.com  Reflexões sobre o racismo - Durante os dias 29 e 30 de outubro, representantes de movimentos de combate ao racismo, grupos de valorização da cultura afro-brasileira, pesquisadores e políticos estarão reunidos na Unicamp para o Fórum Quando o Preconceito tem Cor – Reflexões sobre o racismo. O evento, que será realizado no Centro de Convenções, vai aprofundar as discussões sobre o preconceito racial no Brasil em áreas como a saúde, a academia, a justiça e o trabalho. O Fórum será transmitido pela TV Unicamp e é organizado pelo [re]pense (Grupo de Estudos sobre Patologização, Intolerância e Discriminação), do Fórum Pensamento Estratégico (Penses) da Unicamp, e pelo Despatologiza – Movimento pela Despatologização da Vida. O Penses é um espaço acadêmico vinculado ao Gabinete do Reitor responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos. Mais informação na página do evento www.gr.unicamp.br/penses/ forum_preconceito_racismo  Homenagem a Amilcar Oscar Herrera - O Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, por meio do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), organiza evento em homenagem ao professor Amilcar Oscar Herrera, fundador do IG. Será no dia 30 de outubro, às 9 horas, no prédio novo da unidade. Na homenagem haverá o lançamento do livro “Amilcar Herrera: um intelectual latinoamericano”, exposição de fotos e painéis sobre a história do IG e sobre a vida e obra do docente. Um vídeo com depoimentos sobre Herrera também será exibido na solenidade. O IG teve a sua im-

 Fórum do Ircam - Incentivar a colaboração entre usuários, programadores e artistas a respeito de tecnologias inovadoras de computação sonora e musical. Este é o objetivo do Fórum do Ircam, evento marcado para ocorrer no dia 4 de novembro, das 10 às 22 horas, na Unesp, Sesc e no Estúdio PANorama. A Unicamp, por meio do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS), USP e Unesp são as instituições apoiadoras do Fórum. O evento, que em três dias contará com palestras, hands-on workshops e shows de artistas brasileiros com obras musicais que envolvem tecnologias IRCAM, tem como público-alvo alunos, professores e a comunidade em geral. A organização é de Stephan Schaub. Mais detalhes no site http://forumnet.ircam.fr/event/forum-brazil/  O Crime da Cabra - O primeiro longa metragem produzido pela Unicamp em conjunto com a TAO Produções, “O Crime da Cabra”, filme-escola estrelado pelos atores Lima Duarte, Arlete Salles e Laura Cardoso, será apresentado para a comunidade do campus, dia 5 de novembro, às 12 horas, no auditório 5 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O longa é uma comédia de costumes que procura fazer uma homenagem ao circo e a Mazzaropi (19121981), ator e cineasta de renome. “O filme parte de uma criação lúdica envolvendo o menino Mazzaropi, ao descobrir o mundo do circo. Desvenda o imaginário ingênuo do interior, para contar a estória de uma cabra esperta que come dinheiro e provoca situações hilárias como por exemplo uma disputa para ver quem ficaria com o animal. Quem quer saber com quem fica a cabra? Assista ao filme”, convida Ariane Porto, diretora do longa.  Dia da integração - O Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) organiza o “Dia da integração” em 7 de novembro. O evento ocorre das 9 às 13 horas, na Praça da Paz da Unicamp. O objetivo é integrar funcionários, docentes e familiares assim como a comunidade externa, oferecendo serviços, apresentações circenses, brincadeiras show musical e uma Feira de Saúde (Cecom). No evento também será lançado o livro infantil “O circo chegou!”. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-1453 ou e-mail armando.comunnale@reitoria. unicamp.br  Processo seletivo do Cotuca - O Colégio Técnico da Unicamp, o Cotuca, receberá até 8 de novembro, as inscrições para o seu processo seletivo de 2016. A taxa é de R$70,00. As inscrições devem ser feitas no site http://exame.cotuca.unicamp.br/exame. aspx. As provas socorrem em 6 de dezembro, no Campus da Unicamp, em Barão Geraldo. Mais detalhes podem ser obtidos pelo telefone 19-3521-9906.

Destaque

 Olhares sobre a epilepsia - Dezoito fotos com diferentes olhares sobre a epilepsia serão expostas de 8 a 11 de setembro, no Espaço das Artes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). A abertura da mostra será às 8h30. Visitas podem ser feitas das 8h30 às 18h30. A organização é do Cepid BRAINN e ASPE. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-2687 ou e-mail andrea.ruas@reitoria.unicamp.br.

Teses da semana  Computação - “Uma abordagem baseada em Linhas de Produtos com componentes e aspectos na plataforma Android” (mestrado). Candidato: Gustavo Mitsuyuki Waku. Orientadora: professora Cecília Mary Fischer Rubira. Dia 6 de novembro de 2015, às 10 horas, no auditório do IC.  Educação - “Arnaldo Barreto e a Biblioteca Infantil Melhoramentos (1915-1925): histórias de ternura para mãos pequeninas” (doutorado). Candidata: Maria das Dores Soares Maziero. Orientadora: professora Norma Sandra de Almeida Ferreira. Dia 27 de outubro de 2015, às 9 horas, na sala de defesa de teses da FE.  Educação Física - “Yoga como caminho de integração na abordagem de pessoas com esclerose múltipla: apontamentos e reflexões” (doutorado). Candidato: Gerson de Oliveira. Orientadora: professora Maria da Consolação Gomes Cunha Fernandes Tavares. Dia 6 de novembro de 2015, às 10 horas, na sala de aula 3 da FEF.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Tratamento de esgoto de pequena comunidade utilizando tanque séptico, filtro anaeróbio e filtro de areia” (mestrado). Candidata: Bianca Graziella Lento Araujo Gomes. Orientador: professor Adriano Luiz Tonetti. Dia 4 de novembro de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses 2 do prédio de salas de aula da FEC.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Análise e projeto de buffers de alta velocidade e baixa distorção em tecnologia cmos aplicados em conversores analógico-digitais” (doutorado). Candidato: Marcel Veloso Campos. Orientador: professor Leandro Tiago Manera. Dia 27 de outubro de 2015, às 9 horas, no prédio da CPG da FEEC. “Método para detecção e localização de perdas não-técnicas em sistemas de distribuição explorando medidores inteligentes” (mestrado). Candidato: Thiago Sonnewend Diniz Ferreira. Orientador: professor Walmir de Freitas Filho. Dia 29 de outubro de 2015, às 10 horas, na sala PE12 do prédio da CPG da FEEC. “Avaliação do desempenho dinâmico e imunidade a falhas de comutação para faltas remotas em sistemas HVDC híbridos, retificador LCC e inversor CCC, em linhas de transmissão longas” (mestrado). Candidato: Eduardo Yada Matias. Orientador: professor Luiz Carlos Pereira da Silva. Dia 29 de outubro de 2015, às 14 horas, na CPG da FEEC. “Desenvolvimento de interface cérebro-computador baseada em potenciais evocados visualmente em regime estacionário” (mestrado). Candidato: Thiago Bulhões da Silva Costa. Orientador: professor Romis Ribeiro de Faissol Attux. Dia 30 de outubro de 2015, às 9h30, na sala PE12 da FEEC. “Sistema de controle e gestão de energia de uma microrede utilizando algoritmos genéticos” (mestrado). Candidato: Pedro Pablo Vergara Barrios. Orientador: professor Luiz Carlos Pereira da Silva. Dia 4 de novembro de 2015, às 14 horas, na FEEC.  Engenharia de Alimentos - “Desenvolvimento de padrões reológicos para farinhas de trigo e estudo do envelhecimento de pães de forma integrais” (doutorado). Candidato: Georgia Ane Raquel Sehn. Orientadora: professora Caroline Joy Steel. Dia 26 de outubro de 2015, às 9 horas, na sala 2 da Extensão da FEA. “Extração supercrítica combinando duas diferentes fontes naturais para obtenção de óleo especial enriquecido com carotenóides” (mes-

trado). Candidata: Helena Dias de Freitas Queiroz de Barros. Orientador: professor Fernando Antonio Cabral. Dia 6 de novembro de 2015, às 9 horas, na sala 31 do DEA da FEA.  Engenharia Mecânica - “Otimização discreta para o posicionamento de atuadores e de sensores para controle de vibrações” (doutorado). Candidata: Ana Luisa Soubhia. Orientador: professor Alberto Luiz Serpa. Dia 4 de novembro de 2015, às 9 horas, na sala KE da FEM.  Engenharia Química - “Estudo da influência de anticoagulantes na produção e propriedades do plasma rico em plaquetas” (mestrado). Candidata: Sofia Elisa Moraga Galdames. Orientadora: professora Maria Helena Andrade Santana. Dia 29 de outubro de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. “Modelagem e simulação de um sistema de membrana composta de paládio para analisar a variação da posição de uma divisão no permeado e de configurações do gás de arraste na desidrogenação do etilbenzeno” (doutorado). Candidato: Germano Possani. Orientador: professor Roger Josef Zemp. Dia 30 de outubro de 2015, às 9 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. “Sistemas auto-emulsionáveis para liberação modificada de fármacos: desenvolvimento, caracterização e aplicações” (doutorado). Candidata: Beatriz Zanchetta Silveira. Orientadora: professora Maria Helena Andrade Santana. Dia 5 de novembro de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Geociências - “Caracterização de perfis lateríticos através de técnicas geoquímicas e aerogeofísicas (aerogamaespectrometria e aeromagnetometria) sua correlação com as paleosuperfícies no centro oeste mineiro” (mestrado). Candidato: Gustavo Rodrigues de Moares. Orientador: professor Francisco Sérgio Bernardes Ladeira. Dia 30 de outubro de 2015, às 9 horas, no auditório do IG.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Derivada como taxa de variação: uma abordagem como base no currículo do ensino médio” (mestrado profissional). Candidata: Marina Aparecida Gaglioli. Orientadora: professora Maria Sueli Marconi Roversi. Dia 30 de outubro de 2015, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Um estudo sobre a Conjectura de Hodge” (mestrado). Candidata: Clarissa Bergo Andrade. Orientador: professor Rafael de Freitas Leão. Dia 5 de novembro de 2015, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Avaliação clinicopatológica de leoes centrais de células gigantes tratados com corticosteróide, calcitonina ou cirurgia” (doutorado). Candidato: José Laurentino Ferreira Filho. Orientador: professor Marcio Ajudarte Lopes. Dia 26 de outubro de 2015, às 14 horas, na sala da Congregação da FOP. “Avaliação da qualidade de vida em pacientes com deformidade dentoesquelética classe iii submetidos à cirurgia ortognática” (doutorado). Candidato: Lucas Martins de Castro e Silva. Orientador: professor Marcio de Moraes. Dia 3 de novembro de 2015, às 14 horas, na sala da congregação da FOP. “Análise histopatológica, ultraestrutural e da composição química de partículas metálicas em amostras teciduais adjacentes a placas e parafusos de osteossíntese” (doutorado). Candidata: Clarice Maia Soares de Alcântara Pinto. Orientador: professor Marcio de Moraes. Dia 4 de novembro de 2015, às 14 horas, na sala da congregação da FOP.  Química - “Estudo teórico da formação e estabilidade de micelas gigantes” (doutorado). Candidato: Gabriel Heerdt. Orientador: professor Nelson Henrique Morgon. Dia 30 de outubro de 2015, às 13 horas, no miniauditório do IQ. “Estudo das integrais de Kirkwood-Buff, termodinâmica de solvatação e a abordagem diferencial de Koga de sistemas líquidos binários” (doutorado). Candidato: Marcelo Silvano de Camargo. Orientador: professor Pedro Luiz Onófrio Volpe. Dia 6 de novembro de 2015, às 9 horas, no miniauditório do IQ. “Estudo computacional do mecanismo da reação de Heck-Matsuda e aplicação sintética” (doutorado). Candidato: Eduardo Tanoue da Penha. Orientador: professor Carlos Roque Duarte Correia. Dia 6 de novembro de 2015, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

do Portal

Pierre Parlebas recebe título de Doutor Honoris Causa Unicamp concedeu o título de Doutor Honoris Causa ao professor Pierre Parlebas, da Sorbonne de Paris, por sua trajetória acadêmica e por suas contribuições relevantes à educação física contemporânea. O intelectual francês é o criador da “praxiologia motrix”, teoria que contribui para melhor compreender o cenário da educação física, esportes, jogos e atividades físicas. Por conta de sua atuação pluridisciplinar – como professor de educação física, psicólogo, matemático, sociólogo e linguista –, Parlebas é considerado um dos mais influentes pensadores do século 20, tendo suas publicações traduzidas em inúmeras línguas. Antes do início da solenidade da manhã do último dia 14 de outubro, realizada na sala do Conselho Universitário (Consu), Pierre Parlebas falou a respeito do seu contentamento com a distinção. “Venho com muito gosto a Campinas, para uma Universidade excepcional e com tanto espaço e tantos estudantes, e que me parece até maior do que Sorbonne. Estou muito contente com a distinção. Com meus amigos de outros países, trabalhamos na praxiologia motriz para o desenvolvimento da educação física.” O homenageado, que na parte da tarde concederia palestra para alunos e docentes na Faculdade de Educação Física, explicou que a ideia principal de sua teoria é de que o desporto e as atividades físicas, além de envolverem o corpo e condutas motrizes, possuem nítidos aspectos relacionados com a inteligência, afetividade e relacio-

namento social. “A sociomotricidade é um sítio de muitas relações com o corpo, mas a mais importante é a comunicação, pois pelo corpo passam muitas coisas: emoções, agressividade, afetividade.” Parlebas explica que a praxiologia motrix é uma teoria desenvolvida primeiramente na França, mas que rapidamente atraiu muitos pesquisadores da Espanha, África do Norte e Central, bem como da América do Sul (Argentina, Brasil, Uruguai, Chile). “Fui a todos esses países trabalhar com amigos cientistas. Atualmente, a praxiologia motriz já conta com uma massa crítica e creio que se estenderá por todos os países. Porém, há uma dificuldade, que é o peso da tradição na atividade física, mantendo-se uma ideia simplista ligada somente a desporto e performance. Digo que há mais que isso, que os jogos tradicionais e as atividades físicas desenvolvem toda a personalidade – e não é costume falar sobre isso na educação física.” O reitor José Tadeu Jorge, tendo conhecido a trajetória de Pierre Parlebas neste momento de concessão do título de Doutor Honoris Causa, atentou para a sintonia entre os propósitos institucionais da Unicamp e a vida que o professor francês dedicou à ciência, formação de pessoas e interdisciplinaridade. “A história que conhecemos hoje torna o professor Pierre Parlebas não apenas detentor de um título, mas alguém que representa o espírito e o conceito da nossa Universidade, na área da educação física. É uma honra recebê-lo como integrante desta pequena galeria de Doutores Honoris Causa.”

Foto: Antonio Scarpinetti

Ao lado do reitor José Tadeu Jorge, Pierre Parlebas assina o termo de outorga: atuação pluridisciplinar

Pierre Parlebas atuou por mais de 30 anos na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Paris V–Sobornne, obtendo o reconhecimento de professor titular e depois como emérito. Coleciona títulos e honrarias, sendo a mais recente, em 2013, a ordem de “Cavaleiro da Legião de Honra da França”

(máxima distinção científica do país europeu). Sua carreira passa por distintas etapas e formações, as quais, em sua especificidade e abrangência, fornecem inúmeras e significativas experiências para a consolidação das teorias que elabora no campo da educação física e do esporte. (Luiz Sugimoto)


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

Para participantes de fórum promovido pelo Penses, fundamentalismo põe Estado laico em risco

Quando a religião

ameaça a democracia e fomenta a intolerância Foto: Antoninho Perri

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

m símbolo religioso, no caso um crucifixo, ao lado do brasão da República. A imagem conhecida é uma foto da parede principal do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e estampa o folheto de um seminário realizado no último dia 19 de outubro, no Centro de Convenções da Unicamp. A imagem sugere o quanto o Estado brasileiro é de fato laico, ou seja, a laicidade no Brasil, questão constitucional, está sempre em processo, como sinalizam os convidados do evento. O Fórum “Laicidade e Intolerância” teve como objetivo qualificar o debate em torno do Estado laico e a intolerância religiosa. O momento de intolerância política, racial e religiosa foi destacado por todos os convidados, entre eles o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e o senador João Capiberibe (PSB-AP). Promovido pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), pelo Laboratório de Antropologia da Religião (LAR), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o evento havia sido pensado no contexto do processo eleitoral de 2014, e tornou-se ainda mais relevante agora, segundo um dos organizadores, o professor Ronaldo de Almeida, do LAR. As participações e interferências de grupos religiosos nas decisões da esfera política com resultados como a aprovação do Estatuto da Família são ameaças ao Estado laico e à democracia, de acordo com os debatedores. Jean Wyllys, que foi bastante aplaudido pela plateia, começou sua apresentação com uma definição para fundamentalismo religioso. Afirmou que, embora o fundamentalismo tenha sido sempre associado ao islamismo, em qualquer crença há aqueles que se voltam aos fundamentos religiosos sem levar em conta o conhecimento adquirido pela humanidade ao longo dos séculos. “Quando, em uma religião, que é um dos pilares das identidades culturais, as pessoas se voltam para os fundamentos e os tomam como verdades absolutas não históricas, podemos dizer que temos o fundamentalismo”. Para o deputado, em razão da desigualdade social, o Brasil é um terreno fértil para o florescimento do fundamentalismo religioso. “As igrejas prestam uma solidariedade direta, suprem carências tanto materiais como das questões subjetivas como, por exemplo, ouvir as pessoas. Com isso, ganharam força e credibilidade. Dessa atuação para a inserção política foi um pulo”. As igrejas se fortaleceram economicamente graças aos fiéis que pagam dízimos e também pela imunidade tributária, podendo assim investir em campanhas políticas, assinalou. “A organização em uma bancada na Câmara dos Deputados tem objetivos muito claros, entre os quais ser contrária à autonomia das religiões de matriz africana, aos direitos sexuais reprodutivos das mulheres e à agenda LGBT”. Ser contrário, neste caso, de acordo com o parlamentar, significa “ser contra a ideia de que o ser humano tem autonomia sobre seu corpo e que os seres humanos fazem os seus destinos”, reflete. Para Wyllys, porém, “essa bancada não representa a comunidade cristã, que é bastante diversa, não representa nem mesmo a comunidade evangélica”. O deputado afirmou que os políticos que compõem a “bancada fundamentalista” defendem sim interesses pessoais, numa perspectiva preocupante para a democracia, uma vez que a Constituição impõe como objetivo da República, promover o bem de todos, garantir que todos tenham seus direitos contemplados. “Essa bancada atua contrário a isso e, agora, associada a outras bancadas, compõe uma grande frente conservadora que atenta contra os direitos de minorias”.

Mesa e plateia no Fórum “Laicidade e Intolerância”, ocorrido no último dia 19 no Centro de Convenções

O deputado ressalva que as diferentes religiões devem opinar na esfera pública. “Elas têm o direito de entrar no debate, só não têm o direito de querer determinar as políticas públicas a partir de seus dogmas”. A opinião de Wyllys é endossada por Antonio Carlos de Souza Lima, presidente da ABA, que participou da mesa de abertura. Segundo o antropólogo, a imagem estereotipada que se tem dos evangélicos, como um bloco único que se pauta pela intolerância, é redutora de uma questão muito mais complexa. O senador João Capiberibe complementou: “há certa distância entre o que pretende o Estado laico e a realidade do nosso parlamento, dos nossos colegiados”. Capiberibe falou especialmente dos projetos de

lei do Estatuto da Família, da Câmara dos Deputados, e do Estatuto das Famílias, do Senado Federal, do qual é relator, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Capiberibe pontuou que há demandas que necessitam de regulação, como esta, e outras, não. Disse que o Judiciário “atropelou” de maneira positiva o Legislativo, reconhecendo a união homoafetiva. O parlamentar ressaltou a “presença muito forte de um evangélico na presidência da Câmara dos Deputados”. Afirmou que o deputado Eduardo Cunha conseguiu construir uma unidade de vários interesses e com isso constituiu uma maioria, negociando interesses de cada grupo. “Isso está causando um desequilíbrio enorme na CâFoto: Antoninho Perri

Foto: Antoninho Perri

Jean Wyllys: “Bancada não representa a comunidade cristã, que é bastante diversa”

Roberto Lorea: “Há uma falsa contradição entre ser laico e ser religioso”

Foto: Isaías Teixeira

Antonio Carlos de Souza Lima: imagem que se tem dos evangélicos é redutora

Foto: Isaías Teixeira

Emerson Giumbelli: “Laicidade não pressupõe a separação entre Estado e religiões” Foto: Isaías Teixeira

Magali Cunha: “Atribuir os retrocessos à bancada evangélica é limitar o debate”

Foto: Antoninho Perri

João Capiberibe: “Judiciário “atropelou” de maneira positiva o Legislativo”

mara. Já o Senado está muito mais aberto, essa é uma grande diferença entre as duas casas neste momento”. O juiz de direito e antropólogo gaúcho Roberto Lorea observou uma “falsa contradição” entre ser laico e ser religioso. Lorea define laicidade como respeito. “Ser laico é respeitar o outro, respeitar as diferenças, portanto a quem mais interessa o Estado laico é aos religiosos que têm protegida sua liberdade religiosa”. A laicidade pode ser pensada como a democracia, observa o juiz. “Trabalhamos com indicadores de democracia, indicadores de laicidade. A laicidade é um horizonte. Tem pontos que devem ser aprimorados”. Lorea exemplifica como um indicador a presença do crucifixo no plenário do Supremo Tribunal Federal. “Não há porque o Judiciário privilegiar ou endossar, numa aliança simbólica, uma determinada religião em detrimento das demais. O Estado não deixa de ser laico, mas, sim, menos laico, e, quando se fala em menos ou mais laicidade, se fala em menos ou mais democracia, em menos ou mais respeito ao outro e à diversidade religiosa”. O antropólogo Emerson Giumbelli, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), participou dos debates pela manhã. Falou sobre as aproximações do Estado com o universo religioso e discutiu iniciativas de grupos evangélicos que têm pretensões de intervir em questões que dizem respeito a toda a sociedade. Para Giumbelli, esta é uma prevalência deste grupo que age em nome dos evangélicos. “Não falo dos evangélicos em geral”. A laicidade, de acordo com o antropólogo, é construída a partir de conexões “e não com a separação entre Estado e religiões”. Outra palestrante da manhã, a professora Magali Cunha, autora de uma coluna sobre laicidade no jornal O Globo, discutiu o protagonismo de grupos evangélicos que “saíram de seus programas para ocupar os noticiários”. Ela afirmou que, como um processo, há avanços e recuos da laicidade do Estado e a relação da esfera pública com a política sempre existiu. A colunista defendeu a ideia de que o fundamentalismo da bancada evangélica na Câmara dos Deputados não ameaça o Estado laico. “A gente atribuir os retrocessos tão somente às bandeiras da bancada evangélica é limitar demais o debate deste tema”. Um equívoco, de acordo com a colunista, é reduzir ainda a reflexão sobre religião e política à política partidária. “Não existe voto evangélico porque o cotidiano fala mais forte, vide a expressiva votação da presidente Dilma Rousseff entre os evangélicos”. Sobre a Igreja católica e a mídia, Magali acredita que há uma condescendência e que a imprensa reconstrói a imagem da religião católica como hegemônica. “O processo de acreditação da Igreja católica pela mídia é um desserviço. A pluralidade é um fator negado”. O professor Ronaldo de Almeida, do LAR, também comentou os mecanismos de naturalização da Igreja católica e acrescentou a questão do controle da moralidade, no debate sobre laicidade e intolerância. “A moralidade sendo tematizada inclusive na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que historicamente tinha outras preocupações”. O Fórum Pensamento Estratégico - Penses, da Unicamp, é vinculado ao Gabinete do Reitor e tem como objetivo promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos os seus aspectos. A preocupação com a laicidade marca “o compromisso da universidade com os temas de interesse social”, segundo Douglas Galvão, assessor da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP). O próximo debate tem como tema o racismo.


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Campinas, 26 de outubro a 8 de novembro de 2015

Cantando a vida há 30 anos

Fotos: Antonio Scarpinetti

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

anta, canta uma esperança Canta, dando uma alegria Canta mais! Canta a canção do homem Canta a canção da vida Canta mais! “A Fantasia”, de Chico Buarque, é uma peça marcante na trajetória do Coral Unicamp Zíper na Boca e, por seu simbolismo, reuniu atuais e ex-coralistas no encerramento do Concerto de 30 Anos do grupo, que brindou a cidade de Campinas com uma retrospectiva das suas montagens de maior sucesso – MPB, Beatles, Saltimbancos, Queen, Abba. Foi na noite de 17 de outubro, no Teatro Castro Mendes. “Não costumamos repetir o repertório, mas montamos esta peça a capela em diferentes períodos da história do coral, já que o texto tem muito a ver com a nossa realidade: fala de cantar o tempo todo, canta a esperança, canta a alegria, canta a canção da vida, canta mais...”, celebra a maestrina Vívian Nogueira, que responde pela direção artística e regência do coral desde a criação em 1985. Vinculado ao Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (Ciddic) da Unicamp, o Zíper na Boca tem sua trajetória de 30 anos valorizada por apresentações frequentes tanto nos campi como para o público externo, seja em eventos específicos da área de canto coral, seja em comunidades, escolas públicas ou hospitais. “Já estivemos em onze Estados brasileiros: em todos do Sul e Sudeste e também na Bahia, Sergipe, Goiás, Mato Grosso. Considero muito verdadeira – e sempre procurei colocar em prática – a afirmação de que ‘todo artista tem que ir onde o povo está’. O artista precisa conhecer e interagir com o público, interação que é refletida em seu trabalho”, ressalta a maestrina. Vívian Nogueira conta que o Zíper na Boca possui no momento 58 integrantes, dentre alunos de graduação e pós-graduação, docentes e funcionários da Universidade, e também da comunidade externa. “A formação é bastante diversificada e abrange diferentes faixas etárias, com alunos de exatas, humanas, biológicas e servidores de distintos setores. Como regente, minha grande preocupação é com a formação musical dos integrantes. Um aspecto importante para eles é a vivência de cantar em diversos estilos: apesar do sucesso com a música popular, tanto brasileira como internacional, o repertório erudito nunca é deixado de lado.” Da mesma forma, segundo a maestrina, o Zíper na Boca vem vencendo certo preconceito em relação ao coral, geralmente imaginado como um grupo de cantores estáticos, vestindo-se de forma antiquada e mal orientados musicalmente. “Desde 2010, pensamos sistematicamente em unir canto coral e artes cênicas, resultando na proposta de deixar a formação tradicional para se movimentar pelo palco. Isso requer uma maior dedicação do grupo, que realiza ensaios cênicos específicos, e maior independência musical, pois canta sem o regente à sua frente. Mas todos têm se empenhado para conseguir sempre o melhor resultado possível – e já houve ocasiões em que repetimos o espetáculo porque o público presente não cabia na sala.”

Integrantes do Coral Unicamp Zíper na Boca durante ensaio na Casa do Lago, cujo aniversário de 30 anos foi comemorado no último dia 17: formação heterogênea

Um exemplo de casa cheia ocorreu na montagem da ópera barroca “Os Prazeres de Versalhes” (Les Plaisirs de Versailles), do francês Marc-Antoine Charpentier, no Castro Mendes, em parceria com a Orquestra Sinfônica da Unicamp. “Foi uma apresentação muito prazerosa para o grupo. Sentimos que em 30 anos de atividades já temos um público formado, graças a um trabalho sério envolvendo todos os coralistas nos projetos propostos. Esta receptividade se explica porque o público vê nosso trabalho como algo verdadeiro: o prazer dos coralistas em cantar transparece, criando uma grande empatia com a plateia. Afinal, são pessoas que têm suas atividades na Universidade e participam dos ensaios no horário de almoço, voluntariamente, simplesmente porque amam cantar.” Vívian afirma que a rotatividade de integrantes é alta, por se tratar de um coro universitário, alcançando anualmente entre 50% a 60% do quadro. “O aluno de graduação fica em média quatros anos na Universidade, que por ser muito grande e setorizada, faz com que muitos interessados demorem a descobrir que existe um coral. Os estudantes ainda têm restrições, como a exigência de estágio em quase todos os cursos. Os três coralistas mais antigos, com mais de 15 anos no grupo, são funcionários, que têm mais condições de permanecer de um ano para outro.” Apesar desta rotatividade, o Zíper na Boca foi premiado em três edições do Mapa Cultural Paulista (1996, 2011/12 e 2013/14), com direito a diversas apresentações pelo interior do Estado. “Outro saldo positivo do nosso trabalho é a interação social. O coro é formado por pessoas que têm sua própria vida acadêmica ou profissional e se reúnem pelo prazer de cantar, criando, a partir daí, laços de amizade profunda. Casais também se formam e já fui a diversas cerimônias de casamento. O Zíper tem também uma função social importante.”

Depoimentos Sou funcionário da Faculdade de Engenharia Mecânica. Estou na Unicamp há 40 anos e há 15 no coral. Já cantava antes em família, a Família Baltazar, que fez várias apresentações com a Sinfônica. Demorei a encontrar o Zíper, se estivesse no grupo desde o começo me sentiria ainda mais realizado. Muitas pessoas vão passando por aqui e fiz muitos amigos, mas vou dar um exemplo do motivo maior para eu permanecer no grupo: faz de conta que me deram três camisas para vestir nas pessoas certas, cada qual com uma inscrição: “perseverança”, “determinação”, “competência”; procurei pela Universidade toda, encontrei algumas pessoas, mas parei numa só: a nossa regente. As três camisas couberam nela e nem foi preciso ajustes. Viver perto de pessoas como ela é ser sempre um privilegiado. (Osvaldo Baltazar dos Santos) Faço economia, canto no coral desde 2013 e espero continuar por mais tempo. Meu pai é músico e canto desde os 8 anos, tenho um histórico de família. Antes de entrar na Unicamp já tinha vontade de fazer parte do Zíper, que conhecia de festivais. Aguardava ansiosamente o momento e minhas expectativas foram superadas vinte mil vezes. Encontrei um ambiente muito acolhedor, junto a pessoas com histórias de vida e faixas etárias diferentes, mas extremamente respeitosas umas com as outras. Não existe qualquer preconceito, aqui dentro cada um pode ser o que é – e todos por um ideal muito bonito, o de cantar em grupo. Vivemos num mundo tão sem humanidade, mas aqui ela sobra. Minha vida mudou para melhor. (Gabriela Rocha de Oliveira) Gosto de cantar desde criança e quando vi a proposta do Zíper de um coro cênico, cantando músicas atuais de forma despojada, disse “eu quero”. Foi no ano da montagem dos Beatles. É fantástico porque são pessoas das mais diversas áreas, que provavelmente nunca se conheceriam, juntas por um mesmo objetivo – e saio um pouco do grupo restrito do instituto [Instituto de Estudos da Linguagem]. Sinto que minha vida universitária está mais completa. A gente sai para se divertir, se apoia nos momentos difíceis: se estou muito cansada, estressada, alguém me abraça, faz uma massagem. Temos uma relação carinhosa entre nós. Estou ajudando a montar a exposição dos 30 Anos, coletando fotos de 1985 até os dias de hoje, e minha sensação é de que tem sido assim desde o começo: amigos cantando juntos. E tudo isso é reflexo da regente que temos. (Caroline Beatriz Mott Silva) Entrei no curso de fonoaudiologia porque gosto muito de trabalhar com a voz. Faço aulas de canto há dois anos e antes já cantava na igreja. Vi uma apresentação do Zíper na recepção aos calouros e me apaixonei, por tanta disciplina, por várias pessoas cantando como numa só voz. Fiz a audição esse ano e ganhei a chance de conhecer o coral por dentro: toda a dedicação da regente, dos coralistas, do preparador vocal, do diretor cênico. Em fonoaudiologia terei a disciplina de voz no terceiro ano, mas já conversei com minha orientadora sobre uma iniciação científica nessa área. Muitos coros não têm a preparação vocal que o Zíper tem; embora seja amador, a sua estrutura é de um coro profissional. (Diego Henrique Martinho) Sou funcionária da Rádio e TV Unicamp e também fui aluna, tenho 30 anos de estrada na Unicamp. Minha experiência com o coral começou em 2012 e digo, como funcionária, que o Zíper possui uma identidade difícil de encontrar no próprio grupo de trabalho. O grupo também tem uma atuação extensionista, representando culturalmente a Universidade lá fora. Levamos a bandeira da Unicamp aos festivais. O coral ainda resgata a nossa autoestima: quem nunca tinha pisado num palco, como eu, se sente importante e se encontra enquanto pessoa. Aos que não sabem, digo que assistir é bom, mas cantar é melhor ainda; cantar em grupo, fazendo bem a sua parte, para a somatória dar nessa coisa bonita. (Maria Cristina Ferraz de Toledo) Sou chilena e minha chegada ao Brasil se deu em 2 de agosto. Logo na primeira semana fui à Casa do Lago, onde o pessoal fazia um ensaio – perguntei o que era, fiz a audição e entrei no grupo. Todos me receberam com muito carinho e estou feliz por ter começado esta experiência. Vim como aluna especial e preparo com minha orientadora um projeto de mestrado, que espero iniciar no próximo ano. Sou atriz, fisioterapeuta e tenho experiência como cantora no Chile, tanto na escola como na universidade, sempre em corais. No Zíper já me depositaram a confiança de ser assistente de direção cênica, além de figurinos e maquiagem. (Valentina Sanchez Ibañez)

A maestrina Vívian Nogueira, responsável pela regência do coral desde 1985: “Sentimos que em 30 anos de atividades já temos um público formado”

Estou fazendo intercâmbio em antropologia e fico na Unicamp por mais um semestre. Considero o coral muito importante para mim. Na Alemanha tenho vários projetos de música diferentes, canto em bandas e escrevo música (pop soul). Fiquei muito feliz quando vi o coral em cena pela primeira vez, senti uma energia muito legal e quis fazer parte. Não posso viver sem a música. (Binta Hübemer)


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