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Campinas, 23 a 29 de março de 2015 - ANO XXIX - Nº 620 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Ilustração: Fábio Reis

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MALA DIRETA POSTAL BÁSICA

Pesquisa coordenada pelo professor Cristiano de Mello Gallep, da Faculdade de Tecnologia (FT), analisou aspectos da germinação de sementes usando recursos da biofotônica, área da ciência que manipula os fótons para aplicações biológicas. O estudo, que captou a emissão de luz oriunda de sementes de trigo, milho e girassol (na ilustração), foi destaque de capa na revista científica Luminescence.

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A sustentabilidade como estratégia empresarial Uma nova visão sobre a pobreza no Brasil Casca de jabuticaba rende petit suisse probiótico Falhas e omissão agravam crise hídrica A avó, sua filha jovem e o aleitamento materno Chico, Caetano e o país que não vingou

Absorção de carbono perde força na Amazônia O Homem das Neves seria um urso comum? Seletivo, cérebro apaga lembranças irrelevantes

TELESCÓPIO

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Campinas, 23 a 29 de março de 2015

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Amazônia absorve menos carbono da atmosfera Parte do excesso de carbono presente na atmosfera, responsável pelo aquecimento global, é absorvido pelas florestas tropicais, como a amazônica, mas esse efeito está perdendo força, diz artigo publicado na revista Nature. “Existe uma tendência de longo prazo de decréscimo na acumulação de carbono” na Amazônia, escrevem os autores, ligados a instituições de diversos países, incluindo o Brasil. “As taxas líquidas de aumento da biomassa sobre o solo caíram em um terço durante a última década, na comparação com os anos 1990”, diz o artigo, atribuindo o fenômeno a um aumento na mortalidade da biomassa, o que reduz o tempo que o carbono permanece “aprisionado” em plantas e animais e, portanto, fora da atmosfera.

Perigo na Antártida O Glaciar Totten, na Antártida Oriental, está em risco, diz artigo publicado no periódico Nature Geoscience. “Identificamos entradas para a cavidade da cobertura de gelo a profundidades abaixo de 400 a 500 metros, que poderiam permitir intrusões de água quente”, escrevem os autores, baseados nos EUA, França, Austrália e Reino Unido. Essas intrusões causam erosão no gelo. Um colapso desse glaciar poderia causar uma elevação de 3,5 metros no nível dos oceanos.

Transparência estimula cooperação

Agora, pesquisadores dos Estados Unidos e da África do Sul encontraram sinais de anéis em torno de outro centauro, 2060 Quíron. O artigo, publicado no periódico Icarus, se baseia em observações feitas em 2011. Descoberto em 1977, Quíron foi o primeiro dos centauros a ser identificado – seu nome deriva do mais famoso centauro da mitologia grega. Hoje, estima-se que existam mais de 44 mil desses corpos, concentrados para além da órbita de Júpiter. Quando descoberto, Quíron parecia estar emitindo jatos de material para o espaço. São esses jatos que, de acordo com as novas observações, podem passar a ser interpretados como anéis.

Lembrança apaga memórias irrelevantes

Uma estrela que está voando para fora da Via-Láctea, a uma velocidade de 1.200 quilômetros por segundo – alta o suficiente para escapar da gravidade da galáxia – recebeu seu impulso da explosão termonuclear de outro astro, diz artigo publicado no início do mês na revista Science. O astro em fuga, chamado US 708, é a estrela livre mais veloz da galáxia, e uma análise de sua trajetória e comportamento – ela gira rapidamente em torno do próprio eixo – sugere que, originalmente, era integrante de um sistema binário, até que sua companheira sofreu uma explosão termonuclear, arremessando US 708 no voo que deve levá-la para fora da Via-Láctea.

Quando nos esforçamos para lembrar um evento, o cérebro apaga memórias semelhantes, mas irrelevantes, que poderiam nos distrair, diz artigo publicado no periódico Nature Neuroscience. Os autores do trabalho, ligados a instituições do Reino Unido, testaram esse fenômeno apresentando a voluntários pares variados de imagens e palavras, onde uma mesma palavra poderia aparecer associada a diferentes imagens em diferentes momentos – por exemplo, a palavra “areia” poderia vir acompanhada, primeiro, pela foto de uma atriz e, depois, pela imagem de um chapéu. Quando precisavam responder qual a primeira imagem a aparecer junto da palavra, os voluntários tinham maior chance de esquecer a segunda. Usando ressonância magnética funcional, os autores viram que a ativação de uma memória levava à atenuação dos sinais cerebrais que correspondiam às memórias “concorrentes”. “Nossas descobertas demonstram um mecanismo de supressão de padrões corticais, por meio do qual a rememoração molda quais aspectos do nosso passado permanecem acessíveis”, diz o artigo.

Homem das Neves ou urso comum? No ano passado, pesquisadores da Universidade de Oxford e de outras instituições europeias publicaram, no periódico Proceedings of the Royal Society B, uma análise de DNA de 30 amostras de pelos cuja origem era atribuída a animais míticos, como o Abominável Homem das Neves, ou Yeti, do Himalaia, e o Pé Grande, ou Sasquatch, da América do Norte. As amostras foram obtidas em museus e coleções particulares. A análise revelou que a maioria das amostras pertencia, na verdade, a animais conhecidos, como cães, lobos, cavalos, guaxinins e ursos. Apenas duas delas, originárias do Himalaia, pareciam indicar um animal desconhecido, provavelmente uma espécie ainda não classificada de urso. Agora, no entanto, uma avaliação crítica desse resultado, publicada no periódico online ZooKeys, ataca a hipótese de que as amostras apontariam para a existência de uma espécie desconhecida, afirmando que o DNA poderia muito bem pertencer a um urso comum, o urso pardo (Ursus arctos). “Concluímos que não há razão para acreditar que as duas amostras tenham vindo de algo diferente de ursos pardos”, escrevem os autores.

Quando a reputação dos integrantes de uma rede é apresentada de modo “transparente” – isto é, está visível para todos os demais membros, e não apenas para seus contatos mais próximos – o nível de cooperação dentro da rede como um todo dobra, diz estudo publicado no periódico PNAS. Os autores, das universidades de Cambridge, Oxford e Turim, criaram uma rede social experimental cujos membros tomaram parte numa série de rodadas do Dilema do Prisioneiro, um jogo onde cada participante deve decidir “cooperar” ou “desertar”, obtendo diferentes recompensas ou punições dependendo não só da própria decisão, mas também da que for tomada pelo parceiro. Numa situação de ampla transparência – onde o histórico de “cooperação” e “deserção” de cada jogador era conhecido, bem como sua rede de conexões próximas – houve não só um grande aumento na taxa de cooperação da rede como um todo, como os “cooperadores” mais assíduos criaram comunidades próprias, isolando os “desertores” contumazes e obtendo recompensas maiores.

Mais um corpo com anéis no Sistema Solar

Estrela fugitiva

Tecnologia aeroespacial na diálise Pesquisadores britânicos usaram um software da indústria aeroespacial para modelar um novo tipo de fístula arteriovenosa – uma ligação cirúrgica entre veia e artéria feita em pacientes de hemodiálise. “Nosso objetivo é usar ferramentas de simulação por computador para criar configurações de fístulas arteriovenosas sob medida, específicas para cada paciente, que não sofram bloqueios e não falhem”, disse, em nota, um dos autores do trabalho, Peter Vincent, do Departamento de Aeronáutica do Imperial College London. O modelo, que ainda precisa passar por testes clínicos, foi criado com o uso de técnicas de análise de fluxo de fluidos desenvolvidas originalmente para aplicações aeroespaciais. O trabalho, que envolveu uma equipe interdisciplinar de médicos e engenheiros, está publicado no periódico Physics of Fluids, do Instituto de Física dos EUA.

Foto: Karen Laubenstein/U.S. Fish and Wildlife Service

Riso traz intimidade O riso aumenta a chance de uma pessoa fazer revelações de natureza íntima numa conversa, diz estudo publicado no periódico Human Nature, com o título “Laughter’s Influence on the Intimacy of Self-Disclosure” (“A Influência do Riso na Intimidade da Auto-Revelação”), de autoria de pesquisadores do University College London e da Universidade de Oxford. O trabalho investigou a hipótese de que “o ato de rir influencia temporariamente a disposição do ridente em revelar informações pessoais”. Para tanto, voluntários foram expostos a diferentes clipes de vídeo, alguns mais e outros menos cômicos. “Os resultados mostram que a revelação de intimidades foi significativamente mais elevada após o riso do que na condição de controle”, diz o artigo. Os autores destacam que isso sugere que o efeito se deve, em parte, ao riso em si, e não depende apenas da possível percepção do interlocutor como uma pessoa engraçada e simpática. Outro dado levantado pelo estudo foi o de que, embora os interlocutores tenham percebido que ouviam revelações íntimas após o riso, os voluntários não pareceram notar que, depois de rir, estavam se abrindo mais. “Sugerimos que o riso aumenta a disposição das pessoas em revelar-se, mas que elas podem não se dar conta disso”, escrevem os autores.

A origem de Trieste

‘Ursus arctos’, ou urso pardo, o mais provável candidato a Abominável Homem das Neves

Além de Saturno, que tem os anéis mais vistosos, sabe-se de outros três planetas do Sistema Solar que também são cercados por discos de detritos: Júpiter, Netuno e Urano. Em 2014, a revista Nature publicou a descoberta de anéis em torno de um centauro – uma classe de pequenos astros que reúnem características de asteroide e cometa – chamado 10199 Chariklo.

Imagens produzidas por equipamentos de radar montados em aviões, somadas a escavações arqueológicas, revelaram a presença de um antigo acampamento militar romano, flanqueado por dois fortes, que pode marcar a origem do que hoje é a cidade de Trieste, no norte da Itália. O acampamento e as fortificações datam de cerca de 178 aC. De acordo com os autores da descoberta, que descrevem seu achado no periódico PNAS, as fortificações estão entre as mais antigas do tipo romano já encontradas, e por enquanto são as únicas descobertas em solo italiano. “Sua origem está muito provavelmente ligada ao primeiro ano da segunda guerra de Roma contra os ístrios em 178 aC (...) O principal acampamento militar identificado, San Rocco, é o melhor candidato para o local da primeira Trieste”.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Raquel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Fábio Reis Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Luz do desenvolvimento Foto: Divulgação

Estudo da FT utiliza recursos da biofotônica para analisar aspectos da germinação de sementes MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

mbora ainda não faça parte das rodas de bate-papo das pessoas, a biofotônica, área da ciência que manipula os fótons (luz) para aplicações biológicas, está presente em procedimentos cada vez mais utilizados pela população. Um exemplo disso é o emprego do laser para a remoção de manchas, cicatrizes ou tatuagens da pele. Na Unicamp, mais especificamente na Faculdade de Tecnologia (FT), cujo campus fica na cidade de Limeira (SP), a biofotônica também está sendo usada em testes de germinação de sementes, com o objetivo de acompanhar o comportamento desses organismos. O estudo, de caráter inédito, mereceu destaque na capa da revista científica Luminescence, em dezembro de 2014. A pesquisa que utiliza a biofotônica em testes de germinação é coordenada pelo professor Cristiano de Mello Gallep, que é engenheiro eletricista de formação. Ele explica que resolveu investigar nessa área por causa do ambiente de colaboração entre os professores da FT e também devido à proximidade com os colegas do curso de Saneamento Ambiental. “A ideia de usar a biofotônica em testes de germinação veio do fato de todos os organismos vivos emitirem luz espontaneamente. Nossa hipótese, posteriormente comprovada, foi de que essa emissão variaria de acordo com as condições a que as sementes fossem submetidas”, relata. Assim, Gallep e sua equipe fizeram o seguinte experimento. Eles inicialmente colocaram, de forma separada, sementes de trigo, milho e girassol dentro de uma câmara escura dotada de um sensor que capta a emissão de luz por parte dos organismos. As sementes foram depositadas sobre uma placa de vidro, contendo um substrato feito com papel esterilizado e uma solução – água ou um líquido estressante, como resíduo de esgoto ou de pintura. Durante o processo de germinação, os pesquisadores avaliaram quanto as plantas cresceram e quanto de luz emitiram. “De modo geral, pode-se dizer que quanto mais um organismo cresce, mais luz ele emite. Entretanto, há situações em que essa tendência pode sofrer alterações”, afirma o docente da FT.

Semente de girassol é colocada em equipamento dotado com sensor que mede a emissão espontânea de luz por parte do organismo: intensidade varia conforme as condições impostas à planta

De forma simplificada, o que a equipe de Gallep constatou foi que as sementes que germinaram em água se desenvolveram mais e, consequentemente, emitiram mais luz que as submetidas a soluções estressantes. Todavia, também foi possível verificar que as sementes que germinaram em água e que foram posteriormente submetidas a soluções estressantes aumentaram a emissão de luz num primeiro momento, para depois emitirem menos que as plantas controle. “Isso revela a capacidade que a planta tem de reagir a uma situação adversa, mas também os efeitos deletérios das substâncias poluentes”, esclarece. Ao demonstrar que o crescimento das plantas está relacionado com a emissão espontânea de luz, os cientistas também comprovaram que é possível analisar o desenvolvimento dos organismos fazendo medições somente em um dado momento do processo, em vez de acompanhá-lo por três ou quatro dias seguidos, como é usual. “Basta pegar um momento do processo, medi-lo e compará-lo com o resultado do controle para saber como a planta está se desenvolvendo”, pormenoriza Gallep. Outro dado importante obtido pela pesquisa foi que, embora tenham demonstrado comportamento diferenciado durante a germinação, dado que são de espécies distintas, as sementes analisadas apresentaram um ponto em comum. “Nós medimos simultaneamente sementes de trigo, girassol e milho e verificamos que elas têm

padrões de desenvolvimento diversos, mas apresentam ciclos de crescimento coincidentes. Descobrimos que esses ciclos estão sincronizados com a variação da gravidade do local do experimento, assim como ocorre com o movimento das marés”, detalha o docente da FT. Segundo Gallep, a descoberta foi feita ao longo da pesquisa, mas ganhou corpo nos últimos dois anos, graças à colaboração de Peter Barlow, professor honorário da Universidade de Bristol, na Inglaterra. O docente da Unicamp esclarece que as plantas se desenvolvem seguindo o comportamento da gravidade. Assim, quando a maré estava alta, as plantas se desenvolviam mais rapidamente. Logo, emitiram mais luz. “Esta é a primeira vez que esse fenômeno é demonstrado por intermédio da biofotônica. Até então, isso tinha sido constatado pelos professores Barlow e Zücher (Universidade Zurich) em um estudo com troncos de árvores. Eles verificaram que esses troncos se dilatavam e se contraíam de acordo com o ritmo da gravidade”, pontua. Esse tipo de abordagem, continua Gallep, está inserida no campo da cronobiologia, área da ciência que estuda os ciclos ou, de maneira mais popular, o relógio interno dos organismos vivos. No caso das plantas, mesmo que elas sejam colocadas em um ambiente escuro, perdendo assim a referência da luz solar, suas folhas vão se levantar e baixar seguindo o ciclo das marés, orientadas por seu relógio biológico. Foto: Antonio Scarpinetti

O professor Cristiano Gallep, coordenador da pesquisa: “De modo geral, pode-se dizer que quanto mais um organismo cresce, mais luz ele emite. Entretanto, há situações em que essa tendência pode sofrer alterações”

A ideia de que os animais e vegetais têm ciclos associados à influência do Sol e da Lua sobre a Terra, conforme o pesquisador, é antiga e tem origem no conhecimento tradicional. Entretanto, a partir da década de 1970, com a expansão dos estudos em genética, as pesquisas no campo da cronobiologia ganharam corpo. “Agora, nós estamos entrando nessa área para estudar os ciclos de desenvolvimento dos organismos em relação aos ciclos externos a eles. É importante que decifremos novos aspectos sobre esses processos, pois o conhecimento gerado pode ter aplicação prática no futuro. Nesse caso específico, quando estudamos a emissão de luz ou o relógio interno das plantas, estamos aprendendo também sobre o aumento da atividade metabólica das espécies”, justifica Gallep. Em outras palavras, o que o docente da Unicamp está dizendo é que, identificando qual o momento de maior produção de metabólicos por parte dos vegetais, os cientistas estarão descobrindo igualmente qual o melhor momento de crescimento deles. O passo seguinte é desenvolver metodologias e manejos que possam ser aplicados justamente nesse instante, de maneira a favorecer ainda mais o desenvolvimento da planta e, consequentemente, ampliar a sua produtividade. Voltando ao exemplo da influência das marés sobre as plantas, Gallep observa que esse ciclo pode ser calculado com anos de antecedência. É possível estabelecer, por exemplo, um calendário apontando quais os momentos de maior desenvolvimento de determinada espécie num dado período. Por hipótese, o agricultor pode se valer desse registro para irrigar ou promover a aplicação de adubos em sua plantação, de forma a potencializar o aproveitamento da água e do fertilizante por parte da cultura em questão. “O que estamos tentando fazer é dar suporte científico ao que o homem do campo já conhece empiricamente. Ele sabe, por exemplo, que o melhor momento para se cortar a madeira é na transição da luz solar para a lunar, quando as marés não exercem tanta influência sobre a árvore”, diz.

NOVAS POSSIBILIDADES O professor Gallep observa que a biofotônica tem um amplo leque de aplicações. Justamente por isso, a equipe da FT está formatando uma proposta de pesquisa em colaboração com outro grupo da Universidade de Bristol, com o objetivo de medir as vibrações mecânicas emitidas pelas sementes durante a germinação. Um dos pesquisadores britânicos, professor Daniel Robert, é especialista em audiometria de pequenos animais. “Existem equipamentos que têm condição de captar vibrações muito pequenas. Nossa ideia é usar esse ferramental para captar o “som” da germinação das sementes. Esse dado, somado à medição da emissão de luz [atividade química mais atividade mecânica], nos possibilitará conhecer novos aspectos sobre o desenvolvimento das plantas”, infere. Além disso, Gallep também foi procurado recentemente por outro grupo interessado em utilizar os recursos da biofotônica para analisar a qualidade de ovos. Ademais, uma empresa também fez contato com o propósito de investigar a qualidade da água. “Estamos iniciando as discussões com vistas a futuras colaborações nesses sentidos. O grande problema que estamos enfrentando no momento é a falta de recursos humanos. Estamos numa fase de formação de um novo grupo, que leva de dois a três anos para ser consolidado. De toda forma, os estudos envolvendo germinação terão continuidade”, antecipa o docente da Unicamp. Um aspecto fundamental do trabalho que tem sido feito na FT, completa Gallep, é justamente a formação de recursos humanos altamente qualificados para trabalhar com abordagens científicas de caráter multidisciplinar. “Na área em que estamos atuando, uma especialidade não é capaz de dar conta sozinha de todos os problemas que surgem. Por isso temos atuado de forma colaborativa com colegas da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), do Instituto de Biologia (IB) e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Graças a essas parcerias, as pesquisas ganham densidade e nossos estudantes ampliam seus conhecimentos e habilidades”, considera.


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A sustentabilidade

como parte do negócio CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

s empresas deveriam passar a ver a questão da sustentabilidade como parte de seu negócio, perseguindo-a como fonte de inovação e receita, e não como um transtorno imposto pelo poder público ou um conjunto de ações filantrópicas descoladas dos objetivos principais da firma. É o que defende a pesquisadora Glauce Almeida Figueira em sua dissertação de mestrado “A sustentabilidade na estratégia empresarial: estudo de caso do Grupo Siemens AG”, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Como diz o título, o trabalho teve como foco principal a atuação da multinacional alemã Siemens. A opção pela companhia, explica a pesquisadora, deu-se por uma série de fatores: “É uma empresa que trabalha com infraestrutura, e a ideia era estudar uma companhia que tivesse um impacto muito grande na cadeia produtiva, e a Siemens tem um grande impacto tanto nos fornecedores quanto nas empresas para quem ela fornece”, disse Glauce. “E ela realmente teve uma mudança de abordagem a partir de 2008, 2009, com o foco da estratégia dela ligada à sustentabilidade”. Além disso, prossegue a pesquisadora, “ela é uma empresa que trabalha com energia, então lida bastante com as energias renováveis. Meu orientador, o professor Bastiaan Philip Reydon, achou interessante trabalhar com uma empresa mundial, onde uma mudança de estratégia gera um impacto muito grande. Não tratei da atuação dela apenas no Brasil, mas da estratégia mundial”. A dissertação relata como, a partir de 2008, a Siemens organizou um portfólio ambiental, definido por um executivo como “uma vitrine para produtos da empresa mais eficientes em termos energéticos e de recursos do que a média do mercado — produtos com os quais é possível fazer uma diferença real”.

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE A dissertação discute os diferentes modos que a teoria econômica encontrou para tratar da relação entre desenvolvimento e meio ambiente, e dá especial destaque, tanto para as ideias de Nicholas GeorgescuRoegen e Herman Daly, mais céticos em relação à capacidade da tecnologia de reparar os danos ao meio ambiente e às virtudes do crescimento ilimitado da produção, como às de Robert M. Solow, para quem a inovação tecnológica sempre seria capaz de resolver crises de escassez de recursos naturais. “Nos dias de hoje, obviamente ainda não se questiona dentro de uma companhia se ela deve ou não crescer. O crescimento da empresa, sua inserção no processo de globalização, as diversas formas de acumulação de capital ou o desenvolvimento de vantagens competitivas ainda são as correntes de pensamentos principais da estratégia empresarial”, diz o texto. Mas a autora destaca que “mesmo não questionando o crescimento econômico ilimitado, as ideias de Solow (...) podem ser consideradas positivas e importantes, em relação à visão de que a inovação deve ser utilizada com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável”. Por fim, a autora adota um conceito de sustentabilidade baseado num tripé formado pelos aspectos econômico, social e ambiental. “É a ideia de que se deve ser socialmente justo nas suas atividades, economicamente viável e ambientalmente amigável”, explicou ela. “Então, a partir desse conceito, que é chamado de ‘triple bottom line’, sempre pensando no tripé do social, econômico e ambiental, é que eu faço a análise da empresa”.

DESEMPENHO Glauce conclui que a Siemens está indo bem nas dimensões econômica e ambiental, mas fica devendo na social. “O que quer dizer uma dimensão econômica do desenvolvimento sustentável? Que as atividades têm que ter um caráter

Dissertação mostra como investimento na questão ambiental pode se transformar em estratégia empresarial Foto: Antoninho Perri

Glauce Almeida Figueira, autora da pesquisa: “A ideia era estudar uma companhia que tivesse um impacto muito grande na cadeia produtiva”

econômico, tem que ser viáveis economicamente”, disse ela. “Há empresas que fazem a parte ambiental, mas fazem mais como uma questão de imagem. O ambiental não faz parte do negócio, não é realmente uma forma de lucratividade, ela faz isso para ter uma imagem boa junto aos clientes”. Na Siemens, porém, “estão pegando os desafios, e o enfrentamento dos desafios advindos da sustentabilidade, e transformando em negócio. A receita do portfólio ambiental vem aumentando ano a ano”, relata a pesquisadora. “Em 2013, já representava 43% da receita total de grupo. É algo encarado como negócio, e não uma coisa dissociada da estratégia da empresa”. De acordo com ela, essa é uma abordagem mais eficaz para o meio ambiente, do que a adotada por empresas que apenas mantêm fundações ou ações esporádicas na área de sustentabilidade. “Isso tem seu mérito? Tem, claro. Só que, na primeira crise que a empresa passa, a sustentabilidade é a primeira área que é cortada, porque é uma coisa feita quase que superficial, não é um negócio que está dando dinheiro”. Já a dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável exige a análise de todo o processo produtivo, para avaliar o impacto no meio ambiente. “Não adianta, por exemplo, você falar que está reciclando, mas o material usado ser tóxico, ou extraído de uma maneira errada”, exemplificou Glauce. “É preciso fazer a revisão desse processo todo, e a ideia do ambiental da empresa é se antecipar à regulamentação: quer dizer, fazer por si mesma, sem esperar uma lei que obrigue. Com isso, até os custos da empresa são reduzidos, e quando entra a regulamentação, a companhia às vezes até vende consultoria para outras”.

Publicação Dissertação: “A sustentabilidade na estratégia empresarial: estudo de caso do Grupo Siemens AG” Autora: Glauce Almeida Figueira Orientador: Bastiaan Philip Reydon Unidade: Instituto de Economia (IE)

Essa antecipação do processo regulatório é algo que Siemens consegue fazer, afirma a dissertação. “Aí eu digo que ela faz o que se chama estratégia de liderança acima da conformidade, quer dizer, ela antecipa certificações para competir melhor. Porque, para os clientes, ela está se diferenciando. Na dimensão ambiental, ela também trabalha com as marcas ecológicas e na estratégia corporativa: as fusões e aquisições da Siemens também têm esse direcionamento para a questão ambiental”.

QUESTÃO SOCIAL Quanto à motivação da empresa em perseguir essa agenda, Glauce diz que algumas companhias começam a deixar de ver a questão da sustentabilidade como uma ameaça – algo que só vem a onerar o negócio, através de multas ou punições do poder público – e passam a ver isso como oportunidade de negócio. “Se essa é uma questão importante e a gente não tem como fugir disso, então como isso pode virar uma forma de se diferenciar? Como isso pode, na verdade, ser uma coisa positiva, ser uma oportunidade de criação de novos mercados, e aí a gente entra como pioneiros nesses novos mercados? A ideia é que a Siemens é uma empresa que está enxergando isso”. Mas a Siemens falha em ser uma empresa realmente sustentável por conta de problemas na face social, afirma a pesquisadora. “Essa dimensão requer que as práticas da empresa sejam socialmente justas – não adianta nada você reduzir o impacto ambiental e usar trabalho escravo”, exemplifica. “Você tem que ter o desenvolvimento social e melhorar o bem estar do ser humano”. “Existe esforço social na Siemens, mas ele não é associado ao negócio”, disse Glauce. “Eles têm uma fundação, fazem projetos educacionais, mas é tudo à parte, dissociado, não há realmente iniciativas ligadas a melhoramento social na Siemens. E o grande problema da Siemens é a questão da corrupção”. A pesquisadora lembra que, no Brasil, a empresa apareceu envolvida no “trensalão”, o escândalo de formação de cartel na venda de trens para o Estado de São Paulo. “Mas a questão não se limita ao Brasil”, disse ela. “Trata-se de uma empresa de 167 anos, que sempre negociou muito com o poder públi-

co, em todas as partes do mundo. Ela estruturou um departamento gigantesco para lidar com esse problema, para ter um canal de denúncias dentro da empresa. Muitas coisas que aconteceram em vários países, inclusive no Brasil, nasceram de autodenúncias”, destaca Glauce. “Mas ela ainda tem esse problema, e é um problema que eu coloco: a questão pressupõe uma mudança na cultura corporativa da empresa. E é uma questão séria, porque a corrupção tem um impacto social muito grande, de desvio de verba que prejudica a sociedade”.

CAPITALISMO “Tem muita gente na área de sustentabilidade que critica o capitalismo”, reconhece a pesquisadora. “Isso é muito simples de ser feito: dizer, ‘esse é um modelo econômico que não serve, porque é baseado em crescimento infinito num planeta finito’. Pronto, fechou o pensamento, acabou, vamos implodir o capitalismo e aí a gente consegue resolver o problema do planeta”. Mas essa facilidade teórica, disse ela, esbarra em graves questões práticas. “Na prática, não é tão simples”. “A ideia aqui é ver se, dentro do próprio capitalismo, poderia haver uma evolução para o menor impacto. O ser humano sempre causou impacto no mundo, então como ele vai conseguir conciliar a diminuição disso”, declarou. “Você sempre vai produzir e vai consumir, mas vai conseguir produzir com energia renovável? Vai fazer a partir da energia solar? Qual o impacto disso comparado ao impacto de usar combustíveis fósseis?” A ideia da tese, portanto não é “implodir o capitalismo”, mas buscar, dentro dele, tendências positivas. “As empresas, e eu mostro em vários momentos, não estão sendo altruístas ao buscar a sustentabilidade. Mesmo a Siemens tem vários momentos em que vai e volta, porque há outras necessidades, tem os acionistas, ela está no mercado. Mas, de qualquer maneira, você vê que existem empresas apostando em tendências ligadas ao desenvolvimento sustentável e à sustentabilidade, e não é uma coisa realmente movida por multa, por exigências, é uma coisa que está saindo do próprio raciocínio de competição da empresa, uma competição por inovação”.


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MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

s melhorias recentes na situação do emprego e dos salários no Brasil devem ser relativizadas, dado que não foram suficientes para mudar qualitativamente a pobreza no país. A conclusão é da dissertação de mestrado do economista Jaime Ernesto Winter Hughes León, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Plínio de Arruda Sampaio Jr. De acordo com o trabalho, por terem sido conjunturais e não estruturais, tais avanços não mexeram no quadro de segregação social da população trabalhadora e tampouco foram capazes de romper com a situação de dependência externa brasileira. O objetivo de León, como revela o título da dissertação [Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil (20032013): qualidade do emprego e do salário], foi oferecer novos elementos à crítica sobre a discussão da pobreza no Brasil, tendo como base a análise da qualidade do emprego e dos salários no país no período considerado. De acordo com o autor do trabalho, a pobreza é um fenômeno multidimensional que tem sido debatido sob diversos pontos de vista. A partir de 2003, explica o economista, surgiu nos meios político e acadêmico a tese, sustentada pelo pensamento social-desenvolvimentista, de que teria ocorrido no país um crescimento econômico acompanhado da homogeneização social. Segundo o argumento utilizado por essa corrente, teria sido promovida uma reconfiguração da sociedade brasileira a partir do consumo, amplificado pela redução das taxas de juros, pela valorização do salário mínimo e pela redução do desemprego. Os críticos dessa análise, por seu turno, afirmam que esse ponto de inflexão não foi tão significativo assim, pois as causas estruturais da pobreza não foram atacadas pelas medidas contidas na política econômica do governo federal. León desenvolveu a sua dissertação a partir dessa dicotomia. “Na minha dissertação eu rejeito a caracterização da pobreza como pura insuficiência de renda. O trabalho trata a questão como um brutal desequilíbrio estrutural na relação de forças entre capital e trabalho - portanto uma questão de lutas de classes -, que acaba por determinar certa permanência no padrão de vida dos trabalhadores”, sustenta. A hipótese que permeia a dissertação, conforme o seu autor, é de que as mudanças ocorridas no mercado de trabalho fazem parte de uma nova rodada conjuntural do ciclo de modernização do padrão de consumo, e não uma mudança estrutural e autossustentada. “A perspectiva teórica que utilizei na minha pesquisa é a da formação nacional. Dois autores foram fundamentais nesse sentido, o economista Celso Furtado e o historiador Caio Prado Júnior. Eles fazem, cada um a seu modo, uma mediação entre a dinâmica do capital e a especificidade da formação social e econômica brasileira, destacando aspectos como a interação entre a questão da terra, do capital internacional e do subdesenvolvimento latinoamericano”, justifica. De acordo com essa perspectiva, a causa da pobreza do Brasil é estrutural e está diretamente relacionada com a formação do país. “A pobreza vem do período da Colônia, ou seja, é um problema secular. O fenômeno faz parte de uma dupla articulação - dependência externa e segregação social -, cristalizado posteriormente com o golpe militar de 1964. Enquanto essa dupla articulação não for solucionada, o problema da pobreza não será resolvido”, defende Léon. Além disso, continua ele, tanto no mundo desenvolvido como no subdesenvolvido, a geração de riqueza vem acompanhada da criação de pobreza expressa num exército de mão de obra marginalizado do mercado de trabalho.

Avanço relativo Dissertação do IE defende que melhora do emprego e dos salários não mudou qualitativamente a pobreza no Brasil Fotos: Antonio Scarpinetti

Operários encerram o turno em fábrica de Campinas: qualidade do emprego segue baixa no país, conforme a pesquisa

Para sustentar a sua hipótese, o economista desenvolveu uma pesquisa empírica sobre a qualidade do emprego e dos salários no país entre os anos de 2003 e 2013. León promoveu a comparação entre o salário mínimo nominal ao longo do período tomado para análise e o salário mínimo necessário para proporcionar uma vida digna ao trabalhador, estimado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O cálculo do Dieese leva em consideração o que está consignado na Constituição de 1988. Segundo a Carta, o salário mínimo necessário é o que assegura à família do trabalhador (mulher e mais dois filhos) condições dignas de vida, o que inclui gastos com transporte, alimentação, moradia, cultura e lazer, entre outros. “Quando fiz a comparação para o mês de janeiro de 2013, o salário necessário calculado pelo Dieese era de R$ 2.675,00, enquanto o salário mínimo nominal era de R$ 678,00. Em outras palavras, o trabalhador precisaria ganhar quatro vezes mais que um salário mínimo para ter garantido o direito constitucional de levar uma vida digna”, pontua o autor da dissertação. Léon admite que o salário mínimo brasileiro obteve ganhos reais ao longo da

década analisada, mas insiste que o rendimento ainda está longe de ser suficiente para assegurar bem-estar ao trabalhador e à sua família. “Vale insistir que a dissertação se propõe a discutir qualidade e não quantidade”. Se comparado à evolução do PIB per capita, acrescenta o economista, o salário mínimo também é “subjugado”. Entre 1940 e 2013, o PIB per capta saltou do patamar de 100 [valor de referência] para 700. Já o salário mínimo experimentou uma redução de 100 para 50,20. Dito de outro modo, piorou drasticamente. Quanto ao emprego, a pesquisa empírica também demonstrou que o setor não registrou avanços tão significativos quanto a corrente social-desenvolvimentista quer fazer crer. “Embora algumas pesquisas pontuais digam que está tudo uma maravilha, a realidade do mercado de trabalho é bem diferente. O país ainda registra altos índices de subemprego e de informalidade. Além disso, a população economicamente ativa segue bem abaixo do patamar que poderia ser considerado razoável”, garante Léon. Ademais, prossegue o autor da dissertação, os dados oficiais indicam que os empregos gerados nos últimos anos também carecem de qualidade. Conforme o economista, os números do Cadastro Geral de Empregados e Desem-

Publicação Dissertação: “Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil (2003-2013)” Autor: Jaime Ernesto Winter Hughes León Orientador: Plínio de Arruda Sampaio Jr Unidade: Instituto de Economia (IE)

Segundo Jaime Léon, autor da tese, enquanto problemas estruturais como a dependência externa e a segregação social não forem atacados, o quadro de pobreza não será significativamente alterado no Brasil

pregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que, em 2010, 93,5% dos empregos criados no território nacional pagavam salários na faixa de 0 a 3 salários mínimos. Naquele ano, segundo o Dieese, o trabalhador precisaria ganhar 3,9 vezes mais que o salário mínimo em vigor para ter as suas necessidades mínimas atendidas. “Outro dado que comprova que a questão estrutural do emprego também não foi atacada é que, de 2002 a 2009, o índice de subemprego variou entre 36% e 34%. Ou seja, um grave problema que atinge um terço da população economicamente ativa do país”. A análise dessas questões, considera Léon, não deixa dúvidas de que o rendimento recebido pela maioria dos trabalhadores brasileiros não corresponde “nem à vontade política expressa pela burguesia na Constituição”. E reafirma: “As ‘melhorias’ recentes na situação do emprego e dos salários não foram igualmente suficientes para mudar qualitativamente a pobreza no Brasil, pois foram conjunturais e não mexeram na segregação social e na dependência externa. Enquanto esses pontos não forem efetivamente superados, a situação atual tende a seguir sem grandes alterações”.


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Saúde na casca da jabuticaba Pesquisadora desenvolve, a partir de subproduto da fruta, queijo com propriedades probióticas OUTRAS CONSTATAÇÕES

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

crescente demanda por alimentos funcionais tem impulsionado o mercado de produtos lácteos no Brasil, particularmente os oriundos de leites fermentados. São considerados alimentos funcionais aqueles que, além de garantirem a nutrição básica, promovem a saúde através de mecanismos não previstos na nutrição convencional, embora não curem doenças. Nesse contexto, despertam particular atenção os chamados alimentos probióticos, assim chamados por receberem acréscimo de bactérias probióticas. De modo geral, essas bactérias podem agir no controle de infecções intestinais, estimular o trânsito intestinal, melhorar a absorção de nutrientes, auxiliar a digestão da lactose, contribuir para a redução dos níveis de colesterol, ativar a produção de anticorpos, além de possuírem efeitos anticarcinogênicos. Em face desses benefícios, os alimentos acrescidos de bactérias probióticas despertam particular interesse dos consumidores e desencadeiam cada vez mais pesquisas por parte das indústrias alimentícias com vistas ao desenvolvimento de novos produtos e o prolongamento de suas vidas de prateleira. Neste particular a ausência de oxigênio é de fundamental importância para as culturas probióticas para que seja evitada a toxicidade e a morte dos micro-organismos e, consequentemente, a perda de funcionalidade do produto. Em decorrência, o estresse oxidativo das bactérias probióticas representa uma grande preocupação da indústria desses alimentos. Para evitar a morte de tais micro-organismos e consequentemente a perda da funcionalidade do produto, a indústria de alimentos lança mão de compostos antioxidantes. Mas a preocupação crescente dos consumidores por produtos naturais, mais saudáveis, faz com que a utilização de antioxidantes obtidos naturalmente seja cada vez maior. Estas constatações levaram a engenheira de alimentos Eliene Penha Rodrigues Pereira, orientada pelo professor José de Assis Fonseca Faria, do Departamento de Tecnologia de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, e coorientada pelo professor Adriano Gomes da Cruz, a desenvolver pesquisa para avaliação do potencial do extrato da casca de jabuticaba como fonte natural de antioxidantes que, além de promover a redução do estresse oxidativo das bactérias probióticas, pode também trazer benefícios à saúde. O estudo foi realizado em colaboração com o laboratório da professora Maria Angela de Almeida Meireles, do Departamento de Engenharia de Alimentos, cujo ex-aluno de doutorado Rodrigo Nunes Cavalcanti havia otimizado a extração e estudado a capacidade antioxidante do extrato da casca de jabuticaba isoladamente. A autora esclarece: “Em nosso trabalho preocupamo-nos em verificar a ação desse extrato na melhoria da vida de prateleira de um produto específico, acrescido de determinadas bactérias probióticas”. Com efeito, a jabuticaba revela-se uma fonte promissora desses compostos, principalmente presentes em sua casca. O extrato sólido obtido da casca da fruta, de coloração que varia de roxa a preta, é rico em antocianinas e outros compostos fenólicos que, além de atuarem como antioxidantes, também possuem capacidade anti-inflamatória, atividade antimutagênica e anticancerígena. Isto mostra a importância do subproduto gerado a partir da potencial produção industrial de sucos, geleias, vinhos, licores e vinagres provenientes de jabuticaba, que apesar do amplo leque de possibilidades de utilização do fruto, é ainda pouco explorado em escala no Brasil.

O TRABALHO O trabalho desenvolvido pela pesquisadora teve como objetivos produzir um queijo do tipo petit suisse probiótico, sem aditivos, com retenção de soro, e estudar a ação antioxidante do extrato da casca de jabuticaba a ele adicionado em comparação com a ação de antioxidantes tradicionalmente usados, como ácido ascórbico (vitamina C), cisteína e a enzima glicose oxidase. Foram adicionados ao petit suisse culturas probióticas de Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis e extrato sólido da casca da jabuticaba em quantidade equivalente a 0,5% da massa total do produto.

Publicação Tese: “Avaliação microbiológica, físico-química e sensorial de petit suisse probiótico contendo extrato de casca de jabuticaba” Autora: Eliene Penha Rodrigues Pereira Orientador: José de Assis Fonseca Faria Coorientador: Adriano Gomes da Cruz Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

Foram então realizadas contagens semanais da cultura láctica (Streptococcus thermophillus) e das culturas probióticas durante 28 dias, prazo considerado suficiente para que o queijo, sem aditivos, não apresentasse alterações de outras ordens. A esta avaliação microbiológica seguiram-se avaliações físico-química e sensorial do petit suisse probiótico contendo extrato de casca de jabuticaba. Segundo a pesquisadora, os queijos são produtos favoráveis à incorporação de probióticos pois, além de altamente aceitos pelos consumidores, possuem características intrínsecas que favorecem a viabilidade das culturas probióticas, como baixa de acidez, umidade e gordura. O extrato de jabuticaba mostrou-se bastante eficiente na manutenção da contagem das culturas das bactérias probióticas adicionadas ao petit suisse ao longo de 28 dias de estocagem refrigerada a 4°C. O produto apresentou também maior acidez e maior produção de ácidos orgânicos, o que pode estar relacionado, segundo a pesquisadora, à maior atividade antioxidante do extrato em relação aos demais antioxidantes – o ácido ascórbico, a cisteína e a glicose oxidase, utilizados em amostras analisadas para efeito comparativo – o que pode ter favorecido o metabolismo das culturas probióticas.

As análises físico-químicas do queijo petit suisse produzido mostraram aumento do índice de acidez, maior taxa de proteólise, maior atividade antioxidante e produção de ácidos orgânicos ao final do período de estocagem. O produto adicionado do extrato de jabuticaba não apresentou diferença em relação aos demais tratamentos em que foram adicionados os outros oxidantes mencionados, mantendo-se estável, sem alterações na aparência e na textura. A pesquisadora considera que as análises reológicas, que dizem respeito à consistência, às características físico-químicas e sensoriais constituem ferramentas essenciais para avaliar a qualidade e percepção do consumidor frente a um produto. A análise reológica do petit suisse produzido revelou amostras com características de gel fraco. Nos testes sensoriais foi inserida uma amostra comercial a fim de compará-la com as produzidas. No teste de aceitação a amostra comercial obteve maiores notas em todos os quesitos, embora não fossem observadas diferenças significativas nos atributos aparência e textura. A amostra contendo extrato de jabuticaba foi bem avaliada quanto à impressão global e obteve uma elevada intenção de compra (83%) por parte dos consumidores, que demostraram um bom interesse nela. Porém, essa amostra, embora preparada com sabor morango, foi identificada como tendo sabor uva pelos provadores devido à sua coloração roxa determinada pelas antocianinas presentes na casca de jabuticaba. Eliene considera que a composição química e o comportamento reológico da amostra contendo o extrato foram compatíveis com as composições tratadas com os outros antioxidantes utilizados. Ela acrescenta que, de modo geral, as amostras contendo os demais antioxidantes estudados também apresentaram bom desempenho tanto na prevenção do estresse oxidativo das bactérias probióticas quanto sensorialmente. Ressalta ainda que o extrato de jabuticaba obtido por extração com fluido supercrítico apresenta as vantagens de se constituir uma matéria-prima oriunda de um subproduto da indústria alimentícia e de resultar de uma técnica não poluente e segura de obtenção de compostos bioativos. Mesmo diante de variações em relação aos produtos comerciais, como aumento da intensidade da cor e diminuição da textura, que passou a se assemelhar a de iogurte enquanto a dos produtos disponíveis é mais cremosa, os potenciais consumidores manifestaram-se favoravelmente ao produto principalmente pelas suas características naturais e pelos benefícios que possam advir das antocianinas. Junte-se a isso o fato de a utilização da casca de jabuticaba contribuir para a diminuição da geração de resíduos nos processos industriais. Foto: Antoninho Perri

A engenheira de alimentos Eliene Penha Rodrigues Pereira: queijos favorecem a viabilidade das culturas probióticas


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Falhas na governança agravaram

crise hídrica, apontam especialistas Fotos: Antoninho Perri

GUILHERME GORGULHO GABRIELLE ALBIERO Especial para o JU

s conflitos institucionais na gestão dos recursos hídricos e a omissão das autoridades no planejamento para a previsível crise de escassez de água que afeta a região Sudeste mobilizaram os debates durante o Fórum Sustentabilidade Hídrica: Perguntas, Desafios e Governança, ocorrido nos dias 17 e 18 de março na Unicamp. Membros do Ministério Público, dos governos federal e do Estado de São Paulo, além de especialistas de universidades do Brasil e do exterior se reuniram durante dois dias para entender as causas e buscar soluções para a histórica crise de abastecimento. A construção de barragens foi a principal medida adotada em São Paulo nas últimas décadas para gerir os recursos hídricos, mas isso se mostrou insuficiente para suprir as necessidades da população, afirmou durante o evento o professor Ademar Romeiro, do Instituto de Economia (IE). “Faltaram outras medidas, como a redução das perdas, o tratamento da água, o reúso, a redução da poluição e, talvez a mais negligenciada das medidas, o uso e ocupação adequadas do solo”, alertou Romeiro. “Por que os gestores assumiram riscos excessivos?”, questionou o professor do IE. Para Alexandra Faciolli Martins, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, a solução para a crise tem sido buscada por meio de obras bilionárias, de longo prazo, que visam principalmente a transposição de rios, mas isso poderá se tornar uma nova fonte de conflitos. “Por que a gestão tem sido de altíssimo risco? O primeiro grande problema é o não reconhecimento da crise. Praticamente depois de quase dois anos, com o reservatório negativo, nós continuamos reiteradamente ouvindo que não vai faltar água, que não vai ter problema, que as coisas estão planejadas e resolvidas”, declarou, em referência ao Cantareira. A promotora, que atua no Grupo de Ação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), discutiu também a questão da privatização e do tratamento da água como mercadoria. De acordo com Alexandra Martins, esse não é o conceito instituído pela Constituição 1988. “A água é um bem de domínio público e como tal deve ser tratada. Quando falamos em domínio, não podemos correr o risco de dar uma equivalência à propriedade. A propriedade não é da União, nem dos Estados e nem dos comitês”, disse. “Quando falamos em domínio, é no sentido da gestão. A gestão é atribuída a cada um desses entes do sistema de gerenciamento de recursos hídricos e se dá, como regra geral, de forma descentralizada, para que seja possível ser participativa.” Outra integrante do Ministério Público que participou do evento, a procuradora federal Sandra Shimada Kishi, concordou que o governo do Estado de São Paulo não facilitou o acesso à informação e o controle social durante a crise. Para ela, “na crise houve uma indevida interferência do governo do Estado” nos comitês de bacias, particularmente na bacia do PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí). “Não haverá controle da sociedade se

Mesa de abertura do Fórum: buscando soluções para a crise de abastecimento

O professor Ademar Romeiro: “Por que os gestores assumiram riscos excessivos?”

O professor Antonio Carlos Zuffo: gerenciamento hídrico precisa ser descentralizado

Margaret Keck, da Johns Hopkins University: divisão das responsabilidades gera falta de ações práticas

Vicente Andreu Guillo, da ANA: busca de acordo federativo pode ser a solução

não houver paridade dentro dos comitês”, apontou. A procuradora, que é gerente do projeto Qualidade da Água do Ministério Público Federal, afirmou que, no auge da crise, houve descompassos, falta de transparência e tímida ação dos comitês. “Até hoje não há esquema de racionamento ou planos de rodízio na região metropolitana, nem na capital. Não houve programa sólido de incentivo à economia de água e faltam informações sobre alternativas para aumentar a oferta hídrica.” Antonio Carlos Zuffo, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, defendeu que o gerenciamento hídrico somente poderá ser bem-sucedido se for feito de forma descentralizada e junto da população. Luciana Cordeiro, professora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, destacou também a necessidade de criação de mecanismos de gestão da água mais participativos e questionou a falta de iniciativa e atuação da sociedade nessa área. A professora da FCA lembrou que apenas 2,7% da água do planeta é doce e

que o Brasil dispõe de 13% desse total. Apesar disso, a região Sudeste concentra 42% da população, mas conta com apenas 6% da água doce do país. A cientista política Margaret Keck, professora da Johns Hopkins University e responsável por pesquisas sobre gestão hídrica no Brasil desde a década de 1990, abordou em sua palestra as dificuldades de implantação de políticas nessa área. No caso da gestão compartilhada dos recursos hídricos, que substituiu o antigo modelo centralizado, muitas vezes a divisão das responsabilidades entre as várias esferas leva a falta de ações práticas, como entre a União e os Estados, defendeu. As dificuldades de se promover uma gestão integrada dos recursos das bacias hidrográficas – áreas geográficas cujas águas convergem para um determinado ponto – surgem quando há na bacia rios que nascem e tem foz dentro do Estado, sendo, portanto, estaduais, e rios que passam por mais de um Estado e são de responsabilidade federal. Vicente Andreu Guillo, diretor presidente da

Richard Palmer, da Universidade de Massachusetts, William Werick, ex-consultor de recursos hídricos da agência federal norte-americana Corps of Engineers, e Stefanie Falconi, doutoranda da Johns Hopkins University: sistema Cantareira na pauta

ANA, enumerou os problemas dessa limitação legal e citou o caso do sistema Cantareira para exemplificar. “A afirmação da Constituição de que a gestão de água deve ser compartilhada e descentralizada está absolutamente correta. Porém, o problema que se apresenta é, em situação de crise, qual é o fórum de decisão caso não haja acordo no tempo necessário em relação ao conflito?”, questionou, complementando que a nesses casos se corre o risco de uma decisão na esfera do Poder Judiciário. “Precisamos criar, no âmbito do sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, um fórum de decisão no caso da existência de um conflito. Alguém tem que tomar essas decisões e ser responsável por elas. Se não há condições dessa tomada de decisão, acaba acontecendo uma sensação de inércia e paralisia.” Segundo Andreu, a solução dessa questão passa pela busca de um acordo federativo. O diretor presidente da agência federal também questionou a falta de detalhamento na legislação sobre os setores prioritários a serem atendidos em caso de seca. A lei prevê que se deve predominar o consumo humano e a dessedentação de animais, mas esse conceito gera distorções que estendem a abrangência para o consumo urbano, incluindo setores produtivos, em vez de somente o consumidor residencial. “Precisamos aproveitar a crise. Nunca tivemos uma agenda de água tão relevante social e politicamente como agora”, alertou. “Se a chuva lavar a nossa memória sobre tudo o que estamos passando, não estaremos aptos a enfrentar crises como essas que se sucederão”, concluiu Andreu. A necessidade de preservação de bacias e de sua vegetação como uma maneira para diminuir os custos de tratamento da água potável foi apontada por José Galizia Tundisi, professor do Instituto Internacional de Ecologia e Membro da Academia Brasileira de Ciências. Em seus estudos, o professor apontou uma piora da qualidade da água nos últimos 150 anos, sendo que atualmente é possível identificar mais de 200 mil substâncias orgânicas dissolvidas na água. Tundisi defendeu também uma ação mais incisiva dos governos na ampliação da cobertura vegetal em áreas urbanas, considerando também as mudanças climáticas. “Temos que nos adaptar ao clima e uma das maneiras é produzir as chamadas ‘cidades verdes’, aumentar a vegetação natural, fazer mais parques que permitam recarregar os aquíferos, aumentar a biodiversidade e dar oportunidade de mais lazer à população.” Em defesa da atuação governamental paulista na crise, Rui Brasil Assis, coordenador de recursos hídricos da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, explicou que todos os comitês de bacias possuem planos de recursos hídricos, mas não se pode esperar que as medidas levem a risco zero. “Risco zero significa quase investimento infinito, ou seja, risco zero é algo que a sociedade não consegue pagar”, justificou o gestor.

PLANEJAMENTO INEFICIENTE

Sérgio Razera, diretor presidente da Fundação Agência das Bacias PCJ, explicou que não faltou planejamento dos comitês de bacias, mas que o plano da bacia foi feito sem o conhecimento do movimento cíclico do clima, usando apenas dados de fluviometria e pluviometria do passado. Richard Palmer, chefe do Departamento e professor de Engenharia Civil da Universidade de Massachusetts - Amherst, e William Werick, ex-consultor de recursos hídricos da agência federal norte-americana Corps of Engineers, demonstraram o funcionamento do chamado Shared Vision Planning, um protocolo de planejamento para secas que integra colaboração e modelação computacional. A partir de um simples programa criado no software Excel é possível fazer projeções sobre a oferta hídrica, alertando para possíveis problemas. O conceito prevê a fundamental colaboração de vários tomadores de decisão no processo para identificar fraquezas e pontos fortes e adotar ações em um ambiente seguro. Durante o Fórum, Palmer, Werick e Stefanie Falconi, doutoranda da Johns Hopkins University, demonstraram exemplos práticos referentes ao sistema Cantareira. O evento foi organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), Instituto de Economia (IE) e Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.


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Tese investiga o papel da avó no aleitamento de filha jovem

Fotos: Antonio Scarpinetti

De acordo com estudo da FCM, influência nas escolhas é cada vez menor ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

adolescente engravidou. Um outro mundo descortina-se diante dela. Essa jovem terá pela frente uma rotina de cuidados, que começa com exames e consultas de pré-natal. Vai tudo bem. A criança nasce. A mãe vai amamentar? As avós, peças fundamentais nesse processo, consideram importante o aleitamento materno, mas hoje em dia a sua influência é mínima, já que estão ocupadas com outras questões: elas trabalham fora e, em muitas situações, são as provedoras da casa. Foi o que concluiu Patrícia Helena Breno Queiroz em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Segundo ela, enfermeira pediátrica que atua na Secretaria de Saúde do município de Americana, esse estudo assinalou que as avós avaliadas respeitaram a posição das filhas de serem as mães das crianças e de fazerem suas próprias escolhas. Esse trabalho abordou a influência, ou não, das avós no aleitamento de suas filhas que se tornaram mães durante a adolescência. A doutoranda refletiu acerca de algumas hipóteses. Uma delas foi que a avó pesava muito na decisão de amamentar, tanto pelo incentivo quanto pelo desestímulo. Ela lembra que grande parte de sua geração, da década de 1960, mamou na mamadeira, visto que suas mães ganhavam leite em pó do governo. Por este motivo, a pesquisadora imaginou que as futuras avós não teriam interesse em encorajar o aleitamento materno porque suas filhas eram muito jovens e também porque, vivendo a menopausa, talvez poderiam querer os bebês para si. Com isso, não estimulariam o aleitamento exclusivo. Assim, elas mesmo poderiam dar a mamadeira. No mestrado, Patrícia já havia se debruçado sobre o tema “aleitamento”, mas sob o enfoque dos profissionais, o que não a impediu de verificar a falta de estudos na esfera familiar. A bibliografia em geral realça as mulheres que amamentam.

ABORDAGEM

Patrícia contou que começou a coleta de dados em 2011 e fez um pré-teste numa Unidade Básica de Saúde de Nova Odessa.

A seguir, com o instrumento já adequado, prosseguiu a pesquisa em um hospital de Americana, entre 2012 e 2013. A enfermeira abordava as futuras mamães no Ambulatório de Gestação de Alto Risco. A proposta era fazer entrevistas antes do nascimento, no puerpério imediato e mais três vezes até o bebê ter seis meses de idade (30, 120 e 180 dias). Ela conviveu mais de perto com as mães e as avós por cerca de oito meses. Teve como casuística 25 duplas, sendo 25 adolescentes e 25 avós. Cada uma dessas 25 responderam a seis entrevistas. Patrícia observou que a experiência nesse projeto foi muito interessante para ela, sobretudo porque a abordagem inicial, antes distanciada, aos poucos evoluiu. Com o nascimento do bebê, passou a conviver com as pessoas em suas casas, algo muito enriquecedor. O seu projeto de tese foi orientado pela docente da FCM Maria de Lurdes Zanolli e coorientado pelo docente da mesma faculdade Roberto Teixeira Mendes. A enfermeira informou que as mães eram atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS), não havia avó que ficasse em casa e, apesar da preocupação com as filhas e netos, todas elas (sem exceção) tinham em média 46 anos e precisavam trabalhar. Quem cuidou desses bebês? Patrícia respondeu que foram as próprias adolescentes. Desse modo, o que ela previa não aconteceu, nem positiva, nem negativamente. As avós diziam: “Você faz com seu filho aquilo que achar melhor”. Essa foi uma posição muito madura, conforme a enfermeira, porém trabalhosa para a adolescente e que pode ser vista até como um tipo de violência. “Se não está grávida, é somente uma adolescente. Se está, vira gente grande e tem que ser responsável. É um processo exigente”, salientou. Essa jovem comparece às consultas suas e às do bebê, e tem apenas 14 anos. “Se o médico disser para dar o leite em pó, ela dá. Se o farmacêutico disser para não tomar tal remédio, ela não toma. Ainda é muito suscetível”, explicou. “O Brasil caminhou muito na direção das orientações preventivas, trabalhou com a questão positiva do aleitamento, mas nesse grupo específico é preciso caminhar mais.”

Patrícia Helena Breno Queiroz, autora da tese: “Trata-se de uma prática que envolve sentimento, entrega e tempo”

O que surpreendeu a pesquisadora foi que, ainda que essa geração fosse digital (tem internet, fotografia, wi-fi), dizia que não sabia o que era o aleitamento materno. Não conseguia conceber que, dali a alguns meses, estaria amamentando. E essas mulheres tinham escolaridade compatível com a idade, entre 14 e 19 anos. Todas frequentavam escola. Patrícia chegou a achar que tinha errado em sua abordagem. Contudo, elas pouco sabiam do aleitamento. Das 25 grávidas, apenas três compreendiam porque viram a mãe amamentar, porque tinham ouvido falar ou porque tinham lido a respeito. “O primeiro pecado do profissional da saúde é que estamos numa esfera só: achando que a adolescente vai procurar o serviço de saúde e que vamos orientá-la. Precisamos espalhar isso em outras esferas, pois como elas vão aderir ao aleitamento?”, questionou. Para a enfermeira, falta dar a voz a essas adolescentes. Quando o profissional de saúde faz uma explanação, elas escutam. Mas se o próprio adolescente fizer, outras jovens prestarão mais a atenção. “Nesses programas de aleitamento, elas mesmo poderiam fazer instruções sobre saúde de maneira geral ou compartilhar experiências”, sugeriu.

DESAFIOS

O aleitamento melhorou muito no país, principalmente no Sudeste, segundo a II Pesquisa de Prevalência e de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/pesquisa_prevalencia_aleitamento_materno.pdf). “As mães saem amamentando do hospital e continuam por 30 dias. Depois disso, começam a descontinuar e, por volta dos quatro meses, o aleitamento, antes exclusivo, começa a ser intercalado com outros alimentos. Isso ocorre por prescrição médica”, criticou. Patrícia comentou que o Brasil está adiantado em termos de aleitamento porque conta com um sistema público de saúde gratuito e disseminado. “Os programas são políticas públicas e abraçam o país como um todo. Agora, quanto mais rico é o país, mais estudado, menor é a taxa de aleitamento. Então não implica ter mais conhecimento e sim efetivamente tomar aquilo para si”, esclareceu. “Eu posso ter consciência disso, entretanto é uma prática que envolve sentimento, entrega e tempo.” Algumas adolescentes, além de dúvidas sobre o aleitamento, mostravam um certo distanciamento. Até tinham acesso a informações. Só que da mesma maneira. Tem mais: sobre elas havia um peso social de ter que gerar o filho e ter que amamentá-lo. Não tinham a noção de que era bom. Mesmo assim, começaram a amamentar. E o hospital trabalhou fortemente para isso. Das 25 mães entrevistadas, nove continuaram amamentando até o sexto mês. Outras saíram da maternidade e compraram uma mamadeira. “Não se trata de algo perverso. Muitas mães, vendo que a criança chora, acabam ficando desesperadas”, realçou. É que normalmente essas adolescentes moram em casas pequenas e com muita gente. À noite, a criança chora e atrapalha quem vai trabalhar no dia seguinte. Isso angustia a mãe que, sem o devido suporte,

apela para o mais fácil. “Esse momento já é delicado para o adulto. Imagine para a adolescente”, contextualizou.

AVÓS

As avós pesquisadas eram jovens, diferente das avós mencionadas na literatura, que em geral tinham mais de 70 anos e assumiam o cuidado dos netos, por questões legais ou porque os pais morreram. A doutoranda relatou que as avós do seu estudo precisavam contribuir com a subsistência da casa. Muitas eram sozinhas e tinham uma família nuclear feminina que se apoiava nelas. Em termos de nível de instrução, a maioria não tinha concluído o ensino fundamental. Elas trabalhavam em profissões modestas e com alto índice de informalidade. Apenas cinco tinham registro em carteira. O restante não recolhia imposto de renda e, se tivesse acidente, ficava desprovida. Então elas não podiam faltar do trabalho para não lhes faltar recursos. Várias tinham sido mães adolescentes e, como não tiveram apoio na época, disseram que iriam apoiar. Era um ciclo que se repetia. Patrícia lembrou que muitas dessas avós avaliadas eram as mães das adolescentes ou as suas sogras. Muitas jovens mudavam para a casa do companheiro para terem maior espaço. Agora, quando perguntavam o seu estado civil, elas se diziam solteiras. Somente duas eram casadas formalmente.

QUESTÕES

Na entrevista, Patrícia indagou às filhas como elas se viam grávidas e qual era a impressão da mudança física? Umas achavam que estavam ficando lindas e outras horríveis. Perguntou quem iria cuidar do bebê? Todas as meninas falaram que elas, com a ajuda da mãe. Para as avós, a enfermeira perguntou como foi sua experiência de amamentação e como estavam se sentido? Essas perguntas foram feitas antes e após o nascimento do bebê. Antes, a maioria não tinha incorporado a ideia. Depois, acharam uma experiência maravilhosa. “Acabavam ressignificando rapidamente o processo”, disse. “Temos o filho, ele cresce, casa, vai embora e aí nascem os netos. São fases da maturidade familiar. Isso em geral acontece para todo mundo.” Para a doutoranda, estudar o aleitamento materno é essencial na sociedade porque ajuda a manter o assunto nas pautas de discussão. “Meu estudo tem um olhar distinto de outros, cuja influência da avó foi negativa para a amamentação. O meu estudo não foi nem positiva, nem negativa. Por outro lado, foi relevante que essas avós tenham confiado na decisão de suas filhas.”

Publicação Tese: “As avós na gestação e no aleitamento materno de suas filhas adolescentes” Autora: Patrícia Helena Breno Queiroz Orientadora: Maria de Lurdes Zanolli Coorientador: Roberto Teixeira Mendes Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


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Campinas, 23 a 29 de março de 2015

Pesquisa explora potencial pedagógico de jogos digitais CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

os últimos anos tem sido grande o interesse pelo uso dos jogos digitais na educação. Entretanto, essa incorporação, não trivial, tem mostrado que é preciso conhecer as especificidades destes artefatos para explorar ao máximo seus potenciais educacionais. A integração entre jogos e educação, tradicionalmente realizada com o emprego de jogos educativos – produzidos especialmente para uso pedagógico, ou comerciais – desenvolvidos para o entretenimento, começa a ser feita através de uma nova abordagem, cuja proposta é a de que os educandos criem seus próprios jogos de forma a construir conhecimentos e desenvolver habilidades importantes para o enfrentamento do complexo mundo contemporâneo. Esta vertente constituiu o escopo do trabalho de mestrado realizado por Bruno Henrique de Paula, apresentado ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp e orientado pelo professor José Armando Valente. O projeto desenvolvido pretende apresentar uma reflexão sobre as características específicas dos jogos digitais, os caminhos que permitem a integração entre eles e a educação, bem como suas possibilidades e dificuldades, dedicando especial atenção aos seus usos pedagógicos. O estudo pode constituir referencial teórico capaz de auxiliar educadores no emprego desses recursos. O autor esclarece: “A pesquisa concentrou-se principalmente em mostrar como os jogos digitais podem auxiliar na construção de uma nova visão da educação, que credencie os alunos a participarem de uma sociedade complexa, cujo dimensionamento exige o conhecimento e a junção de múltiplos fatores intervenientes. Trabalhei especificamente com a abordagem em que os alunos criam nas escolas seus próprios videogames, com a ajuda dos professores e, nesse processo, participam da construção do conhecimento”. A parte empírica da pesquisa foi realizada junto ao London Knowledge Lab, laboratório interdisciplinar vinculado ao Institute of Education, Inglaterra, sob a supervisão do professor Andrew Burn. Nesse período, além de analisar o cenário inglês, o pesquisador pôde também acompanhar o trabalho realizado em duas escolas primárias da cidade de Londres. O estudo mostrou que a estratégia proposta é viável e possui um grande potencial pedagógico e, por se constituir uma atividade aberta, acomoda diversas formas de ensinar e de aprender, além de propiciar o desenvolvimento de diferentes conhecimentos, sejam técnicos, como princípios de programação, sejam culturais, como reflexões referentes ao entendimento da cultura contemporânea, além de aumentar a capacidade de autoexpressão dos educandos. E, ainda, como herdeiros dos mundos da tecnologia e da cultura, os jogos podem promover uma aproximação entre diferentes disciplinas, de diferentes áreas, fundamental hoje para entender como os conhecimentos desenvolvidos nas escolas são importantes fora dela.

O ALCANCE

O pesquisador, que cursou Informática no Colégio Técnico de Campinas, Cotuca, da Unicamp, e graduou-se em midialogia na mesma Universidade, acredita que o trabalho mostra como os videogames e a educação podem ser integrados e como a criação de jogos pelos próprios estudantes nas escolas constitui uma estratégia viável e poderosa. Ele espera também que o estudo possa mostrar como este campo é fértil para geração de futuras pesquisas, particularmente no Brasil, onde a utilização proposta é ainda pouco desenvolvida. Esta constatação levou-o à Inglaterra, que se encontra em estágio bem mais avançado nesse campo, onde teve condições de desenvolver o tema da programação dos jogos pelos próprios alunos. Mesmo porque lá, desde 2014, o aprendizado da ciência de computação foi introduzido como disciplina curricular obrigatória durante todo o ensino básico inglês. A medida decorreu da constatação de que havia no país um déficit muito grande para a área de tecnologia da informação e inovação. A iniciativa pretende que os jovens cresçam inseridos nesse meio, eliminando o receio de que possam ser acometidos se esse aprendizado vier um pouco mais tarde. Determinou-o ainda a preocupação com o desenvolvimento do raciocínio lógico, chamado de pensamento computacional, considerado importante na complexa sociedade atual. Para tanto, o aluno das escolas inglesas será levado a aprender a lidar, através de linguagens adequadas a cada idade, com os computadores de diferentes maneiras, desde a compreensão de seu funcionamento até a sua programação. Por outro lado, o pensamento computacional pode ser benéfico mesmo quando não se está usando o computador e, por isso, o seu ensino vem sendo feito através da chamada ciência da computação desplugada. Ou seja, trabalha-se com o ensino de ciência da computação de forma mais lúdica, sem depender do computador, montando, por exemplo, uma brincadeira para mostrar como organizar instruções para que o computador seja capaz de entendê-las. Mais que isso, esse tipo de raciocínio é visto como uma possibilidade para levar o aluno a compreender que o mundo contemporâneo é constituído de diversos componentes autônomos que quando agem em conjunto compõem um sistema. A ideia central é a de entender o mundo como um sistema.

Alunos criam seus próprios games, desenvolvendo habilidades Foto: Antonio Scarpinetti

Bruno Henrique de Paula, autor do estudo: “A pesquisa concentrou-se principalmente em mostrar como os jogos digitais podem auxiliar na construção de uma nova visão da educação”

Um bom exemplo disso é a crise da água no Estado de São Paulo, que não pode ser compreendida como fruto de apenas um fator, como a falta de chuvas, mas também deve ser analisada a partir de decisões políticas e econômicas, como a definição do montante investido na substituição de estruturas danificadas, construção ou ampliação de reservatórios, entre outras. O pesquisador considera que “o pensamento computacional ajuda a entender as questões sistêmicas e que a compreensão do mundo envolve uma série de fatores conjunturais, e não apenas elementos isolados. E a computação tem papel significativo nisso”. Ele destaca que esse conhecimento pode ser útil em múltiplas áreas da atividade humana como nas ciências exatas, nas áreas técnicas e nas ciências econômicas e sociais, permitindo associações lógicas nesses e entre esses diferentes campos. Entretanto, o pesquisador faz questão de frisar que os jogos digitais não constituem uma solução mágica para a educação. Considera fundamental no seu emprego o papel do professor, do orientador, do educador, pois eles não o substituem. O trabalho deixa claro que para aprender não basta jogar. “O jogo pode fazer com que o aluno fique mais interessado por uma disciplina ou tema em estudo, pode até mesmo fazer com que ele compreenda melhor certos conceitos, mas é fundamental que ele faça a transposição do que viu no jogo para a realidade”. Ele em si não expressa a realidade e nem tem compromisso com ela, a exemplo de um filme ou de uma obra literária, e por isso o seu uso na educação demanda um agente que ajude o aprendiz a se conectar entre o que viu no jogo com a vida real. Sobre a vantagem de o aluno construir o seu próprio jogo ele se apoia no Construcionismo, teoria proposta pelo pesquisador americano Seymour Papert, que considera o aprendizado mais eficiente quando o aluno produz um artefato do seu interesse. E os jovens têm particular interesse nos jogos. Os jogos digitais possibilitam ainda que diferentes disciplinas possam ser trabalhadas no mesmo projeto. A sua construção constitui uma tarefa essencialmente interdisciplinar, pois utiliza a programação, que faz parte da ciência da computação; a escrita na elaboração do roteiro e da narrativa, em que o aluno necessita da redação; a elaboração de gráficos, cenários, o emprego de sons e música, ligados às artes; além do tema que pode envolver qualquer disciplina do currículo. A propósito, o autor lembra: “Uma das razões que me levaram a trabalhar com o grupo de pesquisa do professor Burn, no Institute of Education da Universidade de Londres, hoje vinculado à University College London, foi a de que ele é um dos poucos que trabalha com a questão da literatura na criação de jogos digitais. Eles são mais comumente utilizados nas áreas de ciências, para ensinar matemática, física, química, biologia”. Em 2008, Bruno fez iniciação científica na área de jogos digitais e no ano seguinte ingressou em estúdio de jogos de entretenimento, onde permaneceu até 2012. Sempre se interessou pela utilização de jogos na educação, embora considerasse, em decorrência de suas vivências, que os jogos produzidos especificamente para a educação em geral pouco divertiam ou ensinavam. Essas experiências o levaram a procurar entender porque esses jogos, ditos educativos, em geral se transformam em uma atividade que nem entretém, nem educa. Ele descobriu então que o envolvimento com a criação introduz o estudante em experiência mais prazerosa e proveitosa

do que a vivenciada passivamente. Mas destaca enfaticamente: “Outro motivo que me levou ao estudo é o de ver os jogos como forma de expressão, uma forma de dizer algo para o mundo. Acredito que quanto mais pessoas puderem se expressar através dessa forma melhor e mais plural passa a ser a visão do mundo. Além do que, eles constituem uma mídia universal, em que estão envolvidos crianças, jovens e adultos”.

O ESTUDO No início da dissertação o autor apresenta um levantamento teórico e procura conceituar o que são jogos digitais, delineia seus elementos constituintes e as relações entre eles e os jogadores. Depois estabelece a relação entre jogos e educação, seu papel na sociedade, na aprendizagem, na relação com o estabelecimento de diferentes letramentos e analisa o seu uso pelos educandos. No decorrer da pesquisa, envolvendo jogos realizados pelos próprios alunos, ele constatou que no Brasil são poucos e recentes os grupos que trabalham nessa direção, o que tornaria o trabalho aqui mais difícil por falta de massa crítica e condições institucionais. Decidiu-se então pela Inglaterra onde essas experiências estão mais consolidadas e a universidade está mais próxima da escola. Esta expectativa consolidou-se quando, ao ir às escolas para acompanhar aulas, se deu conta de que os professores estavam habituados a receber pesquisadores. Bruno considera que para a concretização do seu trabalho foi fundamental o apoio da Fapesp, através do programa Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), uma iniciativa que visa atender bolsistas dessa instituição em todos os níveis, desde a iniciação científica até o pós-doutorado. Destaca ainda o suporte dado por seu orientador, professor Valente, que viabilizou sua aceitação pela instituição inglesa e as ações dos professores Andrew Burn, Richard Noss e Diane Carr, que o receberam como pesquisador visitante. Concluindo, ele destaca que o trabalho tenta apontar para a necessidade de considerar a questão do pensamento computacional face à sua repercussão na ciência e na tecnologia, cruciais para que o Brasil possa vir a ter destaque internacional na área. Paralelamente, enfatiza sobremaneira a questão dos jogos como uma forma expressiva, “pois acho que os nossos jovens devem ser capazes de entender os jogos como uma forma de expressão, que representa a realidade de forma subjetiva e, portanto, devem ser ajudados a construir a ponte que leva a ela”. Neste contexto, o jogo se constitui como uma forma de comunicação com o mundo, passando mensagens, ideias e valores, e que como tal deve ser tratada.

Publicação Dissertação: “Jogos digitais como artefatos pedagógicos: o desenvolvimento de jogos digitais como estratégia educacional” Autor: Bruno Henrique de Paula Orientador: José Armando Valente Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Fapesp


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bem como os novos papéis destas instituições na sociedade atual. A primeira edição do ano está sob a responsabilidade da professora Denise Hortência Lopes Garcia. Inscrições para participação podem ser feitas no link http://www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/ forum/htmls_descricoes_eventos/arte63.html. Mais detalhes: 193521-4759.  Teoria da arte feminista - O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) organiza nos dias 24, 26 e 31 de março e em 1º de abril, o minicurso “Teoria da arte feminista e estudos de gênero: perspectivas de análise da Arte contemporânea”. Ele será ministrado pela professora argentina e historiadora da arte feminista, Maria Laura Rosa (UBA/Conicet) e pela pós-doutoranda Luana Tvardovskas (IFCH/Fapesp). O minicurso será realizado na Sala Multiuso e na Sala da Congregação do IFCH, das 14 às 16h30. Interessados podem se inscrever no link http://www.ifch.unicamp.br/eventos/index. php?conteudo=mostra_evento&coff&codevenot=4114 Mais informações pelo e-mail luanasaturnino@hotmail.com  Repensando mitos contemporâneos - O Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes (IA) da Unicamp organiza, dia 24 de março, às 18 horas, no auditório do IA, o I Encontro Internacional Repensando Mitos Contemporâneos – Simpósio Grotowski. Mais detalhes no linkhttp://www.repensandomitosppgadc.com/

Painel da semana  II Semana de Arqueologia Unicamp - Evento acontece entre os dias 23 e 28 de março. Terá como tema História e cultura material: desafios da contemporaneidade. A promoção é do Laboratório de Arqueologia Pública (LAP) do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. Mais detalhes pelo site http:// www.lapvirtual.org/inicial.html  Gestão orquestral e compromisso social - No dia 24 de março, das 9 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece a primeira edição dos Fóruns Permanentes de 2015. O evento terá como tema central “Gestão orquestral e compromisso social”. O Fórum de Arte, Cultura e Lazer visa atualizar representantes culturais vinculados a orquestras sinfônicas propondo discussões sobre questões de planejamento artístico e administrativo,

 Recursos hídricos: problemas e alternativas - A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho (Cipa), o Grupo Gestor Universidade Sustentável (GGUS), a Divisão de Meio Ambiente da Prefeitura do Campus e a Divisão de Educação Infantil e Complementar (DEDIC) promovem palestra com professor Antonio Carlos Zuffo, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). O encontro, que está inserido na programação da Semana da Água, ocorre no dia 25 de março, às 9h30, no auditório da Diretoria Geral da Administração (DGA). A agenda com a programação completa será divulgada oportunamente nos sites da Cipa e do Grupo Gestor Universidade Sustentável (GGUS). Mais detalhes pelo telefone 19-19-3521-7532 ou e-mail cipa@unicamp.br  Especialização em gestão estratégica da inovação tecnológica - O Instituto de Geociências (IG), através do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), já está recebendo as inscrições para a 8ª turma do Curso de Especialização em Gestão Estratégica da Inovação Tecnológica. O curso está sob a coordenação do professor Ruy Quadros e integra módulos sobre processos e ferramentas de gestão de tecnologia e inovação, incluindo a gestão da inovação aberta, sobre práticas organizacionais das empresas inovadoras, e sobre as políticas de inovação e o sistema

Destaque

nacional de inovação no Brasil. O público-alvo são profissionais que atuam em posições de gerenciamento do processo de inovação tecnológica na empresa industrial ou de serviços, em especial nas áreas de P&D, Desenvolvimento de Produtos, Processos e Serviços, Desenvolvimento de Aplicações, Engenharia, Desenvolvimento de Novos Negócios, Marketing, Operações, Logística e Qualidade. Gestores de instituições de pesquisa, públicas ou privadas, voltadas para a inovação tecnológica, e profissionais que atuam na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e programas de financiamento da inovação tecnológica. O curso será realizado em 27 de março, no auditório da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU). Programação, inscrições e outras informações no link http://www.extecamp.unicamp.br/gestaodainovacao

Teses da semana  Artes - “Variações para fagote e orquestra de Alceo Bocchino - estudo analítico e interpretativo” (doutorado). Candidato: Jamil Mamedio Bark. Orientador: professor Mauricy Matos Martin. Dia 25 de março de 2015, às 14 horas, no IA. “Aspectos da prosódia da língua francesa e sua influência nos quatro livros para cravo de François Couperin” (doutorado). Candidata: Beatriz Pavan. Orientador: professor Edmundo Hora. Dia 26 de março de 2015, às 9 horas, na Casa do Lago. “Os madrigais de Carlo Gesualdo: um estudo interpretativo à luz de seu ideal poético” (doutorado). Candidato: Rafael Luís Garbuio. Orientador: professor Carlos Fiorini. Dia 27 de março de 2015, às 14 horas, no IA.  Economia - “Trajetórias tecnológicas na etapa de hidrólise enzimática para a produção de bioetanol de 2ª geração” (doutorado). Candidata: Thays Gonçalves de Lima Murakami. Orientador: professor José Maria Ferreira Jardim da Silveira. Dia 27 de março de 2015, às 15 horas, no auditório Jorge Tápia do IE.  Educação Física - “Associações entre habilidades motoras grossas e rendimento acadêmico de escolares” (doutorado). Candidato: Leonardo Trevisan Costa. Orientador: professor José Ireineu Gorla. Dia 23 de março de 2015, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Computação autonômica aplicada ao diagnóstico e solução de anomalias de redes de computadores” (doutorado). Candidato: Alexandre de Aguiar

Amaral. Orientador: professor Leonardo de Souza Mendes. Dia 23 de março de 2015, às 14 horas, na sala da Congregação da FEEC. “Discretização e controle por rede de sistemas politópicos com taxa de amostragem incerta e atraso” (doutorado). Candidato: Márcio Feliciano Braga. Orientador: professor Pedro Luis Dias Peres. Dia 27 de março de 2015, às 9 horas, na sala PE12 do prédio da CPG da FEEC.  Engenharia Química - “Plasma-rico em plaquetas associado a ácido hialurônico e/ou quitosana para aplicações em medicina regenerativa” (doutorado). Candidata: Andréa Arruda Martins Shimojo. Orientadora: professora Maria Helena Andrade Santana. Dia 27 de março de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Filosofia e Ciências Humanas - “O ovo do ornitorrinco: a trajetória de Francisco de Oliveira” (doutorado). Candidato: Flávio da Silva Mendes. Orientador: professor Marcelo Siqueira Ridenti. Dia 23 de março de 2015, às 14 horas, na sala da congregação do IFCH.  Geociências - “Estudo comparativo entre mineralizações filonares de Au ± Cu e Au + metais de base do setor leste da província aurífera de Alta Floresta (MT), cráton amazônico” (mestrado). Candidata: Veronica Godinho Trevisan. Orientador: professor Roberto Perez Xavier. Dia 27 de março de 2015, às 14 horas, no auditório do IG.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “Geometria complexa generalizada e tópicos relacionados” (mestrado). Candidato: Leonardo Soriani Alves. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 27 de março de 2015, às 10h30, na sala 253 do Imecc. “Estabilidade de folheações via teorema da função inversa de NashMoser” (mestrado). Candidato: Mateus Moreira de Melo. Orientador: professor Diego Sebastian Ledesma. Dia 27 de março de 2015, às 14 horas, na sala 151 do Imecc.  Odontologia - “Avaliação mecânica de quatro métodos de fixação interna estável em dois desenhos de osteotomia sagital do ramo mandibular” (mestrado). Candidata: Zarina Tatia Barbosa Vieira dos Santos. Orientador: professor Jose Ricardo de Albergaria Barbosa. Dia 26 de março de 2015, às 8h30, na sala da congregação da FOP.  Química - “Ativações C-H catalisadas por Pd(II) e Rh(III): estudos metodológicos e do mecanismo para a síntese de diariletanos e congêneres e avaliações da sua atividade biológica” (doutorado). Candidato: Francisco de Azambuja. Orientador: professor Carlos Roque Duarte Correia. Dia 25 de março de 2015, às 14 horas, no miniauditório.

do Portal

Comunidade universitária discute a sustentabilidade ão importante quanto pensar sobre temas relacionados à sustentabilidade é transformar essa reflexão em ações concretas. A mensagem foi transmitida pelo reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, ao público presente à primeira edição do “Refletir - Encontro Permanente sobre vivência e gestão na Unicamp”, evento promovido pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). O objetivo da iniciativa, voltada à comunidade universitária, é estimular a troca de ideias e experiências que possam contribuir para melhorar a vivência e aumentar a eficiência da gestão no âmbito da instituição. As atividades foram realizadas durante a manhã e parte da tarde do último dia 13 no Centro de Convenções. Participaram da mesa de abertura do Refletir, além do reitor, o coordenador-geral da Universidade, Alvaro Crósta; a pró-reitora de Pesquisa, Gláucia Pastore; o pró-reitor de Extensão; João Frederico da Costa Azevedo Meyer; e o assessor da Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU), Djalma de Carvalho Moreira Filho, que representou a pró-reitora Teresa Atvars. Em sua fala, Tadeu Jorge disse que é importante que a Unicamp faça internamente tudo aquilo que recomenda que os outros façam lá fora. “A Universidade desenvolve pesquisas e gera conhecimentos que muitas vezes suscitam recomendações à sociedade. Nós precisamos absorver essas sugestões e transformá-las em ações concretas nas áreas de vivência e gestão, que são os temas deste encontro. Um exemplo é o estímulo às mudanças de hábitos que podem levar, por exemplo, ao uso mínimo de papel”, disse. De acordo com Alvaro Crósta, o propósito do Refletir é se estabelecer como um espaço permanente para a troca de ideias e experiências da comunidade universitária. Ele destacou que serão lançados editais para a recepção de propostas de novas edições. “Inicialmente, queremos realizar um encontro por semestre. Nesta e nas futuras edições, queremos que o tema da sustentabilidade seja tratado da forma mais ampla possível, de modo que ele se torne uma preocupação do dia a dia da Universidade”.

Fotos: Antoninho Perri

A mesa e a plateia na abertura da primeira edição do “Refletir - Encontro Permanente sobre vivência e gestão na Unicamp”: debate de ideias e troca de experiências

O formato do Refletir compreende a realização de palestras, oficinas e de uma plenária na qual são apresentados os resultados das atividades. Nesta primeira edição, uma das conferências foi apresentada pelo

coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi Pereira. Ele abordou o tema “Recursos Hídricos: sustentabilidade e inovação”. A Nossa São Paulo é uma ONG que trabalha para a construção

de uma força política, social e econômica capaz de comprometer a sociedade e os sucessivos governos com uma agenda e um conjunto de metas a fim de oferecer melhor qualidade de vida para todos os habitantes da cidade. Pereira chamou a atenção do público para o fato de a humanidade consumir e destruir os recursos naturais em velocidade superior à que a natureza precisa para se recompor. “Nós estamos caminhando para o esgotamento dos recursos que garantem a sobrevivência da espécie humana”, advertiu. Segundo ele, porém, há experiências tanto no exterior quanto no Brasil que transitam na contramão dessa tendência predatória e que podem ser reproduzidas pelas cidades brasileiras. Um dos exemplos apresentados por ele vem de Tóquio, no Japão. Enquanto no Brasil a perda de água tratada é, em média, de 40%, na cidade japonesa ela está em torno de 2%, graças a medidas como a troca de encanamento antigo e a instalação de sensores que detectam vazamentos. “Essa solução tem um impacto altamente positivo tanto no plano ambiental quanto econômico. A título de comparação, no Brasil o prejuízo causado pela perda de água tratada é da ordem de R$ 7,4 bilhões ao ano”. Na sequência, o assessor da CGU, Orlando Fontes Lima Jr, falou sobre as medidas que têm sido e que serão adotadas pela Unicamp destinadas à racionalização do uso da água, energia e papel. De acordo com ele, a preocupação da Universidade com essas questões é antiga. Tanto é assim que o Programa Pró-Água, que está entrando em sua terceira fase, já proporcionou uma redução expressiva no consumo da comunidade. “A média de consumo mensal de água na Unicamp em 2014 foi de 71.967 m3, pouco superior à registrada em 1999 (70.008 m3), quando a instituição era, em termos físicos, cerca de 40% menor que hoje”, comparou Lima Jr. “É nesse sentido que vamos continuar caminhando, tendo como foco três eixos: conscientização, racionalização e prevenção”, acrescentou. (Manuel Alves Filho)


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Foto: Antoninho Perri

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

professor Marcos José Salvador, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, atua no Departamento de Biologia Vegetal em que mantém linha de pesquisa na área de Tecnologia Fito-farmacêutica, Produtos Naturais e Bioensaios, dedicandose a investigações que utilizam produtos de origem vegetal com vistas a utilizações terapêuticas. A finalidade do estudo é entender como a bioquímica da planta pode servir como fonte de moléculas que possam ter aplicações terapêuticas. Dentro do imenso universo de plantas e táxons vegetais, o seu grupo de pesquisa trabalha particularmente com três famílias: a da Amaranthaceae – em que se encontram espécies utilizadas como alimentos ou para fins medicinais como beterraba, pfaffias, gonphrena, alternanthera, quinoa; a da Annonacea, em que estão a fruta do conde, a pinha, a pindaíba, o marolo; a da Myrtaceae, composta por frutas comestíveis como gabiroba, pitanga, uvaia, pitanga. Os estudos, muitas vezes, se apoiam em informações etnobotânicas acumuladas pela sabedoria popular relacionada ao uso de plantas com fins medicinais. Nesse contexto, constituíram objeto de estudo duas plantas do gênero Pfaffia conhecidas como ginseng brasileiro ou Paratudo, da família Amaranthaceae, importantes na medicina popular em que são empregadas no combate a dores, inflamações, processos infecciosos. Estudos farmacológicos reportam algumas espécies de Pfaffia que possuem atividade analgésica, anti-nociceptiva, antiinflamatória, antimicrobiana e antitumoral, sugerindo o potencial destas matrizes vegetais como fonte de agentes biologicamente ativos. Em vista destes fatos, pesquisa, orientada pelo docente, deu origem à tese de doutorado do biólogo Wallace Ribeiro Correa que teve como objetivo a prospecção de extratos, frações e substâncias bioativas presentes nas espécies Pfaffia townssendii Pedersen e Pfaffia tuberosa Spreng, das quais poucos estudos são mencionados na literatura e se revelam praticamente desconhecidas do ponto de vista fitoquímico e quanto às atividades biológicas. Para o docente, trata-se de uma pesquisa com abordagem multidisciplinar que se inicia com a coleta e identificação taxonômica do material vegetal e continua com o preparo de extratos, a avaliação da bioatividade frente a diferentes modelos biológicos (in vitro e in vivo) e a identificação dos princípios ativos que podem estar correlacionados com os efeitos biológicos observados. Dentre as avaliações biológicas realizadas estão a atividade antiproliferativa frente a células tumorais; a alguns parasitas relacionados a doenças negligenciadas, como o Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, e a Leishmania (L.) amazonensis, protozoário causador da leishmaniose. As espécies vegetais selecionadas são brasileiras, ocorrem em regiões específicas do território nacional e os resultados encontrados apontam na direção de um recurso genético importante em termos de fonte de moléculas ativas. Como a pesquisa centrou-se em espécies pouco estudadas resultaram informações até então inéditas. A tese foi desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos do IB-Unicamp, que tem por finalidade formar recursos humanos para a docência e a pesquisa capacitados para a realização de estudos multidisciplinares e integrativos para a obtenção, o desenvolvimento e a utilização de insumos e produtos bioativos visando a manutenção e recuperação da saúde. Trata-se da primeira tese de doutorado defendida nesse programa.

A PESQUISA

Vindo do Sul de Minas Gerais, o biólogo Wallace, que viveu uma longa experiência no ensino médio do seu estado, atualmente ocupa o cargo de professor de Fisiologia Vegetal no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (Inconfidentes-MG), atuando nos cursos de biologia e de engenharia agronômica. Veio para o doutorado na Unicamp e se envolveu em uma área de seu interesse que é a das plantas medicinais. Ele explica que as Pfaffias são plantas medicinais amplamente conhecidas pela população e o trabalho visou confirmar suas atividades biológicas. Para tanto, foram realizados estudos para prospecção de extratos, de suas frações e de substâncias com atividades antioxidante, antimicrobiana, anti-inflamatória e de inibição do desenvolvimento de células tumorais. Ele acrescenta: “Não basta apenas comprovar a bioatividade, é preciso identificar quais os componentes químicos presen-

O biólogo Wallace Ribeiro Correa: prospecção de extratos, frações e substâncias bioativas

Unindo ciência

e medicina popular Pesquisa do IB investiga aplicações terapêuticas de plantas tes na planta medicinal responsáveis pelas diversas atividades biológicas a ela associadas e efetivamente comprová-las. É desta forma que a investigação científica justifica e corrobora o conhecimento popular”. Para a comprovação das atividades atribuídas e previstas para as espécies selecionadas, o estudo foi realizado in vitro e, especificamente, nos casos dos anti-inflamatórios, para confirmação dos resultados, também in vivo em modelo experimental com a utilização de animais (ratos e camundongos). Esse particular detalhamento da avaliação da atividade anti-inflamatória em um sistema in vivo se justifica pelo fato de que as outras ações investigadas, que envolveram atuações frente a micro-organismos (bactérias, fungos e protozoários) e também contra células de linhagens tumorais, apresentam-se, muitas vezes, associadas a processos inflamatórios. Por isso, diz o pesquisador, “aprofundamos mais o estudo da atividade anti-inflamatória, porque se as substâncias ativas agem in vitro e in vivo em modelo inflamatório, pode-se estabelecer uma correlação com o efeito observado nas outras atividades biológicas investigadas”. O desenvolvimento do trabalho envolve diferentes etapas: a coleta da planta no seu habitat natural; a identificação taxionômica da espécie vegetal; a transformação de sua biomassa em uma forma bruta de extrato padronizado; a avaliação das propriedades biológicas desse extrato. Neste particular, Wallace avaliou in vitro as atividades antioxidante, antimicrobiana, antitumoral e antiinflamatória. Diante dos bons resultados nestas abordagens ele deteve-se na atividade anti-inflamatória em modelo animal. Mas, antes disso, por segurança, dedicou-se ao estudo da citotoxidade das amostras. Face ao sucesso dos resultados obtidos nestas etapas, o pesquisador partiu para a determinação das moléculas presentes no extrato bioativo, considerado uma forma bruta de medicação. Nesse estudo químico ele fracionou o extrato, isolou os princípios ativos, separando da mistura complexa os componentes majoritários presentes, identificando as moléculas e as estruturas químicas dos princípios ativos. Essas moléculas foram então investigadas isoladamente frente às mesmas atividades biológicas para verificar suas ações terapêuticas. Esse estudo permitiu constatar que efeitos decorriam da sinergia dos princípios ativos presentes no extrato e também possibilitou verificar que as substâncias mostravam-se bioativas isoladamente. O professor Marcos acrescenta que para a padronização do extrato, com o objetivo, por exemplo, de utilizá-lo no desenvolvimento de um medicamento fitoterápico, há necessidade de localizar nele a molécula responsável pelo efeito biológico. É a padronização que garante o teor do princípio ativo no extrato a ser utili-

zado como ativo no fitoterápico, possibilitando obter assim o extrato padronizado a partir de determinada parte do vegetal e contribuir para que o medicamento fitoterápico possa apresentar segurança, eficácia e qualidade.

RESULTADOS

As propriedades antioxidantes das plantas estudadas revelam-se particularmente importantes. Sabe-se que várias patologias incluindo o câncer, doenças cardiovasculares, doença de Alzheimer e de Parkinson, seguidas de doenças inflamatórias e imunológicas como artrite, asma, alergia e outras relacionadas com o processo de envelhecimento apresentam em sua etiologia, pelo menos em parte, os efeitos danosos da produção de radicais livres. Assim, há um interesse crescente no estudo de plantas medicinais, alimentos e produtos naturais ricos em antioxidantes visando a quimioprevenção destas doenças. Foi possível também verificar que estas plantas são fonte de fitoderivados que apresentam atividade antimicrobiana, o que as torna úteis no enfrentamento de um problema hoje grande devido à existência de cepas bacterianas e fúngicas que resistem às medicações existentes. Elas revelam-se também inibidoras do desenvolvimento de algumas linhagens de células tumorais e de uma excelente atividade anti-inflamatória. Em suma, diz Wallace, o trabalho vem, pelo menos em parte, justificar a utilização popular das Pfaffias e mostra que a população desenvolveu durante os anos uma ciência com base na experimentação pelo uso, reveladora, mesmo que empírico, de um certo viés de caráter científico. Esse estudo abre perspectivas para novas abordagens, para detalhamento dos efeitos biológicos observados, para etapas de desenvolvimentos de produtos utilizando essa matéria prima de origem vegetal. O docente considera importante deixar claro que um trabalho científico cumpre determinados objetivos, mas o seu alcance não se esgota em si mesmo. A partir das informações geradas novas perguntas surgem e dão origem a novas investigações. A obtenção de um produto qualificado em termos clínicos demanda muitos anos de pesquisas. Para ele, trata-se de um estudo inicial, de ciência básica, para o avanço do conhecimento. Sobre a importância e o alcance do estudo, os pesquisadores enfatizam que a indústria farmacêutica tem grande interesse em moléculas ativas provenientes de produtos naturais com vistas a aplicações terapêuticas. O planejamento de fármacos e a busca de novos medicamentos a partir de produtos naturais é um recurso bastante empregado pelos conglomerados farmacêuticos. Entre os medicamentos prescritos e registrados no mundo, eles consideram que mais de 30% deles são

constituídos de fármacos obtidos a partir de produtos naturais ou de outras moléculas deles originadas. De fato, embora certas moléculas isoladas de produtos naturais apresentem inconvenientes para o uso clínico, em vista de suas características físico-químicas ou estruturais, podem servir como protótipo para síntese de outras substâncias mais adequadas a aplicações terapêuticas. É a síntese de fármacos a partir de produtos naturais. O professor Marcos José Salvador enfatiza que houve a preocupação de que Wallace Ribeiro Correa pudesse adquirir durante o doutorado formação que o capacitasse a, voltando para a sua instituição de origem, multiplicar o conhecimento adquirido: “Em vista disso, o estudante teve a oportunidade de entrar em contato tanto com metodologias laboratoriais simples, que não envolvem recursos instrumentais sofisticados, como com metodologias de ponta, que utilizam técnicas como espectrometria de massas, ressonância magnética nuclear e o emprego de diferentes métodos cromatográficos, de forma a credenciá-lo a organizar grupo de pesquisa e formar pesquisadores. A preocupação foi a de fechar um ciclo contemplando tanto formação profissional como educacional e promovendo o retorno de recursos públicos em termos de benefícios para a sociedade, através da formação de recursos humanos aptos a contribuir para a geração de conhecimento e tecnologias de valor agregado. Muitas vezes o trabalho científico é encarado apenas em relação ao conhecimento gerado, mas é preciso deixar muito claro que o desenvolvimento desse conhecimento deve atender a formação do profissional em todos os seus aspectos“. Wallace conta que como resultado dessa orientação e da parceria com o professor Marcos, aglutinou em sua universidade um grupo de alunos dos cursos de graduação em biologia e engenharia agronômica que já estão trabalhando com plantas medicinais. Ele espera, a seu exemplo, que no futuro eles também venham ampliar os conhecimentos na Unicamp. “É a universidade pública do Estado de São Paulo atuando como agente multiplicador de conhecimento e de formação de recursos humanos qualificados para outros estados do país”, conclui o docente.

Publicação Tese: “Prospecção de substâncias bioativas em Pfaffia townssendii e Pfaffia tuberosa (Gomphereneae, Amaranthaceae)” Autor: Wallace Ribeiro Correa Orientador: Marcos José Salvador Unidade: Instituto de Biologia (IB)


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Campinas, 23 a 29 de março de 2015 GABRIELA VILLEN gabriela.villen@reitoria.unicamp.br

música popular brasileira, consolidada em meados da década de 1960 sob o rótulo de MPB, não constituiu apenas um gênero musical, foi representativa de um projeto nacional, ou melhor, de projetos nacionais em embate. Expressiva da cultura política nacional-popular que se estabelecera no país desde fins da década de 1950, a canção MPB entra em declínio a partir da década de 1970, quando as utopias da esquerda são dissipadas pelo recrudescimento da ditadura civil militar que comandava o país. Esse declínio é desvelado pela pesquisadora Daniela Vieira dos Santos, em sua tese de doutoramento defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação do professor Marcelo Ridenti. A partir da análise de 32 canções de Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso, a pesquisadora identifica os projetos de nação que estavam em pauta no período e como as canções responderam às mudanças históricas vividas pelo país entre o golpe de 1964 e a inserção no mundo globalizado dos anos 1990. Em seu trabalho, Daniela procurou investigar como a canção perde lugar nas décadas que se seguiram ao golpe. “A MPB surge dentro de um projeto progressista de esquerda de mudança radical da sociedade. Só que não deu certo, a revolução não veio”, problematiza. A socióloga procura as respostas no cancioneiro de Chico Buarque e Caetano Veloso, que além do destaque na cena musical, se consagraram como intérpretes do país. De acordo com a pesquisadora, a tese busca “pela matéria cantada, perceber as transformações sociais” pelas quais passava o Brasil. Ademais, de acordo com a autora, a perspectiva do estudo, portanto, segundo ela, não é esmiuçar a trajetória artística dos compositores, mas pensar a canção como uma forma de compreensão do processo sócio-histórico. “Escolhi canções relevantes para compreender momentos da realidade brasileira”, atesta. O Brasil vivera na década de 1960 uma efervescência cultural que deu frutos nas mais diversas manifestações artísticas. A perspectiva de construção de um país mais justo e progressista era dominante e a esquerda relativamente hegemônica, ao menos no campo cultural. A crença na revolução eminente tomava conta da classe média intelectualizada e era dançada, cantada e interpretada dentro e fora dos palcos. Os artistas, como Chico Buarque e Caetano Veloso, a um só tempo refletiam e contribuíam na construção de uma estrutura de sentimento nacionalpopular que permeava a sociedade naquele momento. Essa estrutura não contava com uma elaboração teórica rígida, mas sustentava um projeto de nação, ou uma série de projetos, que circulavam entre os campos da cultura e política pautando o debate da época. De acordo com Daniela, esse projeto de nação pode ser identificado no primeiro compacto simples gravado por Caetano em 1965, que traz as canções Cavaleiro e Samba em Paz. A autora identifica tanto na estrutura musical como na letra das canções uma ligação estreita com as propostas do Partido Comunista Brasileiro (PC) e seu braço artístico o CPC (Centro de Cultura Popular da UNE). “O samba vai crescer/ Quando o povo perceber/ Que é dono da jogada”, diz a letra de Samba em Paz. Esse compacto “apresenta uma concepção de mundo baseada na experiência romântico-revolucionária da esquerda brasileira, a qual era representada por estudantes, artistas e setores da classe média intelectualizada”, pontua a autora da tese. Por outro lado, Daniela identifica na primeira canção gravada por Chico Buarque, no mesmo período, um alinhamento com a esquerda católica. “Marcha para um dia de sol é uma musica ingênua que, em certa medida, propõe uma conciliação entre ricos e pobres”, observa.

RADICALISMOS PÓS-GOLPE Mas é na década que se seguiu ao golpe que os dois compositores vão assumir posições mais distintas. Enquanto as canções de Chico revelam uma melancolia radical, as de Caetano pautam-se pelo luto, apostando no que a autora chama de tropicalismo radical. “Tanto o luto quanto a melancolia são ocasionados por uma perda de algo. Só que depois que você faz o luto, segundo Freud, você consegue colocar alguma coisa no lugar e a melancolia, não”, justifica Daniela. “Chico vê a experiência da modernidade que estava se colocando com receio, ele não acredita no progresso prometido, por isso a melancolia”, completa. Ele vai lamentar a um só tempo o fim do projeto estético representado pela bossa nova e o fim de um projeto nacional de esquerda, colocando em dúvida o próprio papel da canção. Em Agora falando sério (1970), Chico questiona a capacidade de intervenção da matéria artística cantada no processo social. Ao invés de emancipatória ou mobilizadora, a canção serviria para “enganar, driblar, iludir tanto desencanto”, por isso o narrador da canção diz que “preferia não cantar”. “Todavia, continua falando e cantando, mas frustrado pela chave da derrota que tanto perpassa como dá força a sua obra nesse período de endurecimento do regime civil militar”, destaca a autora, “o sujeito da canção renuncia antigos preceitos, porém não encontra algo que ocupe o vazio.” Se na canção de Chico Buarque o luto não se concretiza, em Caetano a autora verifica o contrário. Segundo ela, Veloso “ingeriu a Bossa Nova para dali retirar a sua matéria cantada tropicalista que, embora apresente contradições, não incorporou como um problema o modo como a modernização e a consolidação da indústria cultural a ela associada se colocava no país.” O projeto estético que se consolida vincula-se ao

Um país que não aconteceu Fotos: Divulgação

Caetano e Chico na década de 1960, quando foram projetados nacionalmente, no âmbito de um projeto progressista de esquerda

Foto: Gabriela Villen

A pesquisadora Daniela Vieira dos Santos, autora da tese: análise de 32 canções

internacional-popular e entra em enfrentamento direto com a MPB e a esquerda nacional. “O desenvolvimento do país, segundo a proposta tropicalista de Caetano, relacionava-se, de modo geral, com a possibilidade de conectar o Brasil com a ‘cultura universal’, ainda que via consumo”, observa. Conforme pontua a autora, o radicalismo tropicalista está baseado na experimentação artística. O melhor exemplo dessa experimentação radical, segundo ela, é o disco Araçá Azul, gravado em meados da década de 1970, que foi massivamente devolvido nas lojas. “As pessoas não entenderam. É um disco muito experimental. Ele leva o experimentalismo às últimas consequências”, explica. A força da música tropicalista de Caetano estava precisamente na tensão criada pelo experimentalismo. Tudo se chocava com tudo. Palavras, musicalidade, instrumentos, público, referências musicais. As canções incorporam as vanguardas internacionais de maneira crítica, explicitando as contradições presentes no processo. “A gente pode assimilar outras culturas, estar aberto e fazer as coisas entrarem em choque”, afirma a autora sobre as canções de Caetano no período. Na década seguinte, esse viés crítico do tropicalismo de Caetano perde espaço para uma nova perspectiva: a “música de rádio”. “A contradição que movia o tropicalismo se dilui, não há mais tensão. O radicalismo tropicalista, que era sustentado pelas contradições, se dilui”, nota Daniela.

INTERPRETAÇÕES DO BRASIL “O Caetano adere muito bem à perspectiva da globalização e tudo o que ela traz. O Chico não, ele é crítico a esse processo”, avalia a autora a partir da análise das canções Manhatã (1997), de Caetano Veloso, e Iracema Voou (1998), de Chico Buarque. Enquanto Caetano apresenta a “globa-

lização como fábula”, em Iracema voou assistimos “a globalização como perversidade”, explica Daniela, ecoando os conceitos elaborados pelo geógrafo Milton Santos. As duas canções tematizam a integração do Brasil no processo de globalização figurada pela imigração de brasileiros para os Estados Unidos. A letra de Manhatã fala que “um redemoinho de dinheiro/varre o mundo inteiro”, mas a doçura e a suavidade do cantor e da instrumentação se encarregam de não apresentar o capitalismo como problema. “As guerras apenas ‘dançam’ ‘no meio da paz das moradas de amor’”, aponta a socióloga, “ao entoar esses versos, a entrada das cordas faz com que a canção se torne mais suave, configurando o lirismo e o romantismo que a frase revela.” Em Iracema Voou, Chico Buarque vai retratar uma visão bem menos adocicada da mesma realidade. A personagem da canção de Chico trabalha como faxineira, tem dificuldades com a língua e não tem dinheiro nem para telefonar para o Brasil.

Publicação Tese: “As representações de nação nas canções de Chico Buarque e Caetano Veloso: do nacional-popular à mundialização” Autora: Daniela Vieira dos Santos Orientador: Marcelo Ridenti Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Financiamento: Fapesp


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