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Fotos: Reprodução

A Espanha em Murilo Mendes Tese de José Leonardo Sousa Buzelli analisa o diálogo entre o poeta mineiro (à esq.) e a arte espanhola. A pesquisa foi orientada pela professora Maria Eugenia Boaventura.

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Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 16 a 22 de março de 2015 - ANO XXIX - Nº 619 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Ilustração: Fábio Reis

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Tese investiga o novo envelhecer Próteses atenuam depressão em idosos

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Tese do economista Fábio Eduardo Iaderozza, defendida no Instituto de Geociências (IG) sob orientação da professora Arlete Moysés Rodrigues, mostra como a Lei de Patentes, promulgada em 1996, abriu caminho para a biopirataria. De acordo com o estudo, as riquezas naturais do país se tornaram monopólio de grandes empresas de capital estrangeiro.

Biopirataria privatiza biodiversidade Variação da temperatura média não tem precedentes Duas novas datas para o início do Antropoceno

Foto: Álvaro Kassab

O liberal é mais feliz que o conservador, aponta estudo

TELESCÓPIO

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TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: NASA/JPL-Caltech

Política e felicidade Contrariando os resultados de uma série de estudos anteriores, pesquisa publicada na revista Science afirma que americanos politicamente liberais – identificados com teses no Brasil vistas como de esquerda, como a defesa de uniões homossexuais – são mais felizes que os conservadores. Historicamente, os trabalhos realizados nos Estados Unidos sobre o vínculo entre opinião política e felicidade constatavam o oposto: que os conservadores, talvez por terem uma base religiosa mais sólida ou serem mais individualistas e autoconfiantes, eram mais alegres. Os autores do novo estudo, das universidades da Califórnia e Illinois, lembram que as pesquisas anteriores se valiam de depoimentos pessoais de entrevistados. Eles levantam a hipótese de que os conservadores talvez não fossem realmente mais felizes, mas apenas exagerassem na hora de dar depoimento a respeito. Para testar a hipótese, os autores usaram, além de questionários, uma ampla análise do vocabulário e das fotos publicadas em redes sociais por figuras identificadas com os dois campos, e concluíram que, na verdade, os liberais apresentam mais sinais de felicidade genuína, como sorrisos sinceros. “Tanto medidas comportamentais quanto depoimentos pessoais de bem-estar subjetivos são importantes, mas qualquer avaliação ampla do bem-estar subjetivo precisa envolver múltiplas abordagens metodológicas”, escrevem os autores, criticando o que consideram o excesso de confiança nos questionários sobre felicidade. “Depender de uma só metodologia provavelmente levará a um relato supersimplificado não só a respeito de quem é feliz, mas do que significa ser feliz”.

Estimulação profunda do cérebro Pesquisadores do MIT descrevem, na revista Science, uma tecnologia para estimular as camadas profundas do cérebro com campos magnéticos, graças ao uso de nanotecnologia. Os autores notam que a estimulação de estruturas localizadas nas regiões interiores do cérebro pode ser útil para o estudo e tratamento de distúrbios neurológicos, mas que atualmente isso só pode ser realizado por meio do implante de eletrodos. O processo apresentado na Science envolve a injeção de nanopartículas magnéticas, que geraram calor ao serem excitadas por campos magnéticos alternados. Esse calor foi capaz de ativar neurônios no cérebro de camundongos. “As nanopartículas permaneceram no cérebro por mais de um mês, permitindo a estimulação crônica sem necessidade de implantes ou conectores”, diz o artigo.

Água quente em órbita de Saturno Há fontes de água quente no interior de Encélado, uma lua de Saturno coberta por uma espessa crosta de gelo, diz artigo publicado na revista Nature. Os sinais de atividade hidrotérmica na lua foram encontrados entre os anéis do planeta gigante. Os autores, dos Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Hungria e Japão, informam a detecção, nos anéis, de partículas de silício emitidas pelos gêiseres que cospem gelo a partir da superfície de Encélado, e propõem que essas partículas devem ter se formado

Ilustração do interior de Encélado, mostrando a interação entre o oceano abaixo da superfície e a rocha do núcleo

na interação entre o oceano que existe sob a carapaça gelada da lua e o núcleo rochoso do astro, a temperaturas superiores a 90º C. Este é o primeiro sinal de atividade hidrotérmica já encontrado fora da Terra.

O início do Antropoceno Duas datas são apresentadas, na edição da última semana da revista Nature, como possíveis marcas do início do Antropoceno, uma nova época geológica marcada pela influência do ser humano sobre o planeta Terra. Embora o uso da expressão “Antropoceno” para se referir ao presente venha ganhando popularidade no meio científico, o período ainda não foi definido formalmente, pois não há uma data consensual para marcar seu início. Os autores do artigo na Nature, vinculados ao University College London e à Universidade de Leeds, lembram que um requisito para marcar o começo de uma nova época geológica é a presença de um evento que possa ser detectado no registro geológico, e em escala global. Vários sinais deixados pela atividade humana já foram sugeridos, mas o artigo argumenta que apenas dois eventos – a chegada dos europeus às Américas e as primeiras explosões nucleares – atendem às exigências. No primeiro caso, as transformações demográficas teriam causado uma queda na concentração de CO2 na atmosfera, detectável em núcleos de gelo de 1610, efeito complementado pela mudança nos tipos de pólen e sementes presentes em registros sedimentares, por conta das transformações na agricultura. A outra data seria 1964, ano em que foi registrado um pico de carbono 14 nos anéis de árvores – o carbono 14 é radioativo, e a atmosfera terrestre foi enriquecida com esse isótopo a partir do início das explosões nucleares, em 1945.

Mudança acelerada

Change. De acordo com os autores, vinculados ao Pacific Northwest National Laboratory dos Estados Unidos, essa taxa pode chegar a 0,25º C por década em 2020. “As taxas de mudança regionais na Europa, América do Norte e Ártico são superiores à média global”, adverte o estudo. Os autores usaram as tendências atuais de emissão de gases causadores do efeito estufa e aerossóis para simular a taxa de aceleração do aumento da temperatura global, e comparam os resultados a dados históricos. “Focalizamos mudanças em períodos de 40 anos, que é similar à duração de casas e infraestruturas construídas pelo homem, como prédios e estradas”, disse, por meio de nota, o principal autor do artigo, Steven J. Smith. “No curto prazo, teremos de nos adaptar a essas mudanças”.

Um CERN para o cérebro humano O Projeto Cérebro Humano (HBP, na sigla em inglês), uma ambiciosa iniciativa de pesquisa em neurociência que deve receber € 1 bilhão em fundos da União Europeia, deveria ser reestruturado de modo semelhante ao CERN, o centro europeu de pesquisas que abriga o LHC, diz um comitê formado para analisar críticas ao projeto. O comitê, convocado pela direção do HBP, propõe a criação de uma organização internacional independente para administrá-lo. Entre outros objetivos, essa organização teria o papel de preservar a infraestrutura de informática do projeto e mantê-la disponível para pesquisa científica mesmo depois de o HBP ter atingido seus objetivos. A proposta ainda envolve detalhes administrativos, como a separação dos órgãos responsáveis por gerenciamento e monitoramento do projeto, e meios de evitar conflitos de interesse entre estruturas burocráticas e científicas.

Genética do pop Uma análise computacional das características de harmonia e timbre de 17.000 canções que apareceram nas paradas de sucesso dos Estados Unidos entre 1960 e 2010 revela que a música pop tem evoluído de modo contínuo, com breves períodos de aceleração pontuada, e vem preservando sua diversidade, o que desmente a percepção comum de que o mercado pop tende a se tornar cada vez mais homogêneo. O artigo está publicado no repositório online de trabalhos de ciências exatas ArXiv.org. Os dados mostram, de acordo com os autores, três períodos de aceleração evolutiva, ou “revoluções”, em 1964, 1983 e 1991. A revolução de 1991, que pôs o rap em evidência, foi a mais significativa, em termos de transformação nos dados levados em conta no estudo. Outra descoberta foi a de que a “revolução” de 1964 já estava em andamento, nos EUA, antes da chegada dos Beatles à América. Parte da análise envolveu a divisão da produção registrada na parada Billboard em 13 estilos, indo do soul/hip-hop/dance (estilo 1) a rock/hard rock/classic rock (estilo 13). A série histórica mostrou um declínio consistente na popularidade de blues/jazz/ soul (estilo 4) e uma explosão no rap/gangsta rap (estilo 2). O mais estável de todos, em termos de presença na parada, é o estilo 11(funk/blues/dance/blues rock).

Música felina Pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison criaram um estilo de música especialmente para agradar a gatos domésticos, com um tom semelhante ao da voz felina e uma batida inspirada no ronronar e no ritmo da sucção dos filhotes durante a amamentação. O resultado, descrito no periódico Applied Animal Behavior Science, foi um som que produziu mais respostas positivas dos felinos – avaliadas por meio de reações como ronronados e carinhos nos alto-falantes – do que música clássica humana. O principal autor do estudo, Charles Snowden, diz que há muita confusão nas crenças que as pessoas têm a respeito dos efeitos da música sobre os animais, como a de que música erudita é “calmante”, por causa de premissas erradas – por exemplo, as pessoas ignoram o fato de que o espectro auditivo de outras espécies pode ser diferente do humano. Ele cita um estudo realizado no Japão que mostrou que ratos ignoram frequências abaixo de 4.000 hertz, o que significa que a maior parte da produção musical humana é irrelevante para os roedores.

A velocidade da mudança climática está acelerando, com a variação da temperatura média global entre décadas chegando a níveis sem precedentes no último milênio, diz artigo publicado no periódico Nature Climate

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Pesquisador sustenta que legislação de 1996 resultou na privatização da biodiversidade

Lei de Patentes é porta da biopirataria, aponta tese Foto: Dário Crispim

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

o final da década de 1990, a empresa japonesa Asahi Foods registrou um pedido de patente para o cupuaçu, fruto amazônico semelhante ao cacau e que possui uma série de propriedades benéficas para a saúde. Além de patentear o fruto, a empresa registrou a marca cupulate, um tipo de chocolate feito a partir de amêndoas do cupuaçu. O cupulate havia, no entanto, sido desenvolvido no Brasil pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Por 20 anos, qualquer exportação brasileira não poderia usar o nome cupuaçu nem cupulate, sem o pagamento de royalties à empresa japonesa. Graças a uma mobilização da comunidade amazônica, a patente foi derrubada em 2004. Casos semelhantes se seguiram com a copaíba, andiroba, pau-rosa e muitas outras árvores e plantas da flora brasileira das quais são extraídos princípios ativos para cosméticos, energéticos e fármacos. Os exemplos, citados pelo economista e pesquisador da Unicamp Fábio Eduardo Iaderozza, dimensionam, de acordo com ele, os impactos da Lei de Patentes (nº 9.279) sobre a biopirataria. O termo refere-se ao monopólio de recursos biogenéticos ou do conhecimento de comunidades tradicionais, por indivíduos ou instituições, sem autorização e contrapartidas ao Estado e às comunidades detentoras. A Lei 9.279 foi promulgada em 1996 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em seu estudo de doutorado defendido recentemente junto ao Instituto de Geociências (IG) da Universidade, o economista sustenta que a lei abriu caminhos para a “privatização da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado às riquezas naturais.” A legislação, salienta o pesquisador da Unicamp, tem permitido que as riquezas naturais contidas em território nacional, como aquelas oriundas da biodiversidade, se tornem monopólio de grandes empresas de capital estrangeiro por 20 anos. Com a evolução da engenharia genética, o acesso à biodiversidade passou a ser questão estratégica, afirma. “Vou lhe dar um exemplo: a floresta amazônica, uma imensidão. Como é possível localizar naquela grande variedade de material genético algo que possa ser transformado numa mercadoria? O caminho mais rápido e mais barato é através de comunidades tradicionais que lidam há séculos com a biodiversidade. São os índios, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, pessoas e comunidades que vivem na floresta. Eles conhecem cada planta, cada bichinho”, exemplifica Fábio Iaderozza. De acordo com ele, empresas internacionais organizam expedições, chamadas de bioprospecção, para se aproximar e conquistar a confiança destas comunidades. Sob o respaldo da legislação, essas empresas se apropriam do conhecimento tradicional das comunidades, revela. Princípios ativos de plantas são patenteados, tendo o monopólio sobre o uso por 20 anos, sem nenhum tipo de contrapartida às comunidades. Qualquer tipo de uso requer o pagamento de royalties a essas companhias, critica o economista. “Os processos de bioprospecção, que são incursões na floresta para procurar algo que seja viável mercadologicamente, e que muitas vezes contam com as informações das comunidades tradicionais, podem ser definidos também como biopirataria. Um dos impactos para essas comunidades é a chamada desterritorialização. Após apossar o conhecimento das comunidades tradicionais, há uma separação do produtor direto dos seus meios naturais de produção”, acrescenta. O doutorado de Fábio Iaderozza foi orientado pela professora Arlete Moysés Rodrigues, que atua junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do IG. Iaderozza atua como professor da Faculdade de Economia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e do curso de Economia da Facamp (Faculdades de Campinas).

Ribeirinhos limpam mandioca às margens do Juruá, na cidade amazonense de Eirunepé: segundo o estudo, as empresas se apropriam do conhecimento tradicional de comunidades

ACUMULAÇÃO

PRIMITIVA E ESPOLIAÇÃO As práticas de bioprospecção se assemelham, conforme o pesquisador do IG, ao que Karl Marx descreveu como acumulação primitiva para designar a origem do capitalismo. “Tal acumulação teve como fonte de alimentação a exploração das colônias ultramarinas por meio de saques e monopólios mercantis. O que caracteriza essa prática como muito próxima ao processo de acumulação capitalista nos seus primórdios é exatamente a sua associação às antigas formas de expropriação: privatização da terra, expulsão da população camponesa, transformação do trabalho em mercadoria, supressão de formas de produção autóctones, apropriação das riquezas naturais”, relaciona. Fábio Iaderozza associa ainda o termo acumulação por espoliação, empregado pelo geógrafo e estudioso britânico David Harvey, autor, entre outros, de Cidades Rebeldes (Editora Martins Fontes). “O termo é empregado para designar as práticas contemporâneas de acumulação capitalista. Conforme Harvey, foram criados mecanismos inteiramente novos de acumulação por espoliação”, explica.

Entre esses mecanismos, o economista aponta o chamado Acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), um tratado internacional assinado pelo Brasil e vários países em 1994 no âmbito da Rodada Uruguai e da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). “David Harley vai dizer que a ênfase nos direitos de propriedade intelectual nas negociações do acordo TRIPS aponta para maneiras pelas quais o patenteamento e licenciamento de material genético, do plasma de sementes e de todo tipo de outros produtos podem ser usados agora contra populações inteiras cujas práticas tiveram um papel vital no desenvolvimento desses materiais.” O estudo conduzido pelo economista da Unicamp reviu os principais pontos acerca do debate ocorrido em torno da legislação nacional sobre direitos de propriedade industrial durante a década de 1990. O pesquisador também elaborou uma revisão bibliográfica do processo histórico dos acordos internacionais de propriedade intelectual, desde1883, quando foi assinado a Convenção da União de Paris (CUP). “A partir de meados da década de 1980 ocorreu a Rodada Uruguai, fórum que incluiu a revisão do GATT [Tratado Geral SoFoto: Isaías Teixeira

bre Tarifas e Comércio] e o TRIPS. Ali começou a ser desenvolvida uma discussão sobre propriedade intelectual muito aos interesses das grandes empresas do centro do capitalismo, como Estados Unidos, Japão e países da Europa. O TRIPS harmonizou todos os sistemas de patentes no mundo. Portanto, os países que participaram dessa Rodada Uruguai, incluindo o Brasil, tiveram que seguir aquele indicativo de legislação para propriedade intelectual”, contextualiza. Ele informa que a lei brasileira de 1996 é, portanto, muita próxima do que foi acordado no âmbito da Rodada Uruguai. “Abriu-se a possibilidade de patentear recursos genéticos, algo que não existia até então. Importante lembrar que um pouco antes de 1994, quando se discutiu uma lei de propriedade industrial que pudesse ser usada por todos os países, aconteceu no Rio de Janeiro a Eco 92. E lá se estabeleceu a Convenção sobre a Diversidade Biológica, um tratado que dava aos países signatários certa autonomia e proteção sobre os seus recursos naturais. Mas os Estados Unidos não assinaram”, lamenta. Apesar de reconhecer a dificuldade em uma reversão da lei de patentes brasileira, Fábio Iaderozza lembra que em 2010 aconteceu em Nagoya, no Japão, uma nova discussão, que poderia culminar com uma segunda convenção da diversidade biológica. “Mas até agora o protocolo de Nagoya conta com a participação do Brasil. É muito difícil reverter, embora exista uma discussão sobre a importância do direito brasileiro em reconhecer um regime jurídico sui generis de proteção ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade. Esse regime não trataria de direitos de propriedade intelectual, mas em direitos intelectuais coletivos”, sugere.

Publicação O economista Fábio Eduardo Iaderozza: “Os processos de bioprospecção podem ser definidos também como biopirataria”

Tese: “Neoliberalismo, sistema de patentes e a liberalização do biomercado emergente no Brasil na década de 1990: a privatização do conhecimento tradicional e da biodiversidade nacional” Autor: Fábio Eduardo Iaderozza Orientadora: Arlete Moysés Rodrigues Unidade: Instituto de Geociências (IG)


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No mínimo, maior desempenho Estudo investiga desenvolvimento de filmes usados em sensores e telecomunicações CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

ada vez que você usa um telefone celular, liga o rádio, a televisão ou se conecta à internet por uma rede wi-fi, minúsculos filtros eletrônicos entram em ação para separar, da cacofonia de ondas eletromagnéticas invisíveis em que estamos imersos, a frequência correta. Num mundo cada vez mais conectado, a demanda por esses equipamentos – e as exigências quanto à sua miniaturização e desempenho – só faz aumentar. “Um aperfeiçoamento contínuo da performance dos dispositivos é necessário para atender a essas exigências”, escreve, em sua tese de doutorado, a pesquisadora da Unicamp Milena de Albuquerque Moreira. “Numa visão macro, mudar o design do dispositivo pode resultar numa melhoria de seu desempenho. Numa visão micro, as propriedades físicas dos materiais dos dispositivos têm uma forte influência em seu desempenho final”. Foi na questão dos materiais que Milena se debruçou em sua tese, “Synthesis of Thin Piezoelectric AlN Films in View of Sensors and Telecom Applications” (“Síntese de Filmes Piezoelétricos Finos de AlN com Vistas a Aplicações em Sensores e Telecomunicações”, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. A pesquisadora analisou a fabricação de filmes com milésimos ou milionésimos de milímetro de espessura, dotados de propriedades piezoelétricas – a capacidade de transformar energia mecânica, como ondas sonoras, em corrente elétrica, e vice-versa. Por esse motivo, são muito usados nos chamados dispositivos eletroacústicos – uma classe que inclui microfones e alto-falantes, mas não só.

Um uso básico de dispositivo eletroacústico como sensor é no papel de “balança”. “O que ocorre é uma mudança na corrente elétrica, proporcionada pela alteração do peso. Em estado de ‘repouso’, a frequência de ressonância do material é ‘f1’, gerando uma corrente elétrica ‘i1’”, exemplificou. “Em estado de ‘carga’, a frequência de ressonância é ‘f2’, gerando uma corrente elétrica ‘i2’”. A diferença entre f2 e f1, ou entre i2 e i1, é diretamente proporcional à alteração de peso na membrana do material ressonador, que é a camada piezoelétrica. Dando como exemplo a detecção de substâncias no sangue, ela explica que “ao injetar o material viscoso na área sensibilizada do dispositivo eletroacústico, o peso da camada piezoelétrica é alterado”, o que gera a corrente elétrica que sinaliza a detecção da substância buscada.

MATERIAL

Milena trabalhou com nitreto de alumínio (AlN) “dopado” com escândio (Sc), um elemento químico metálico, às vezes agrupado com as terras raras e descoberto apenas no século 19. O escândio é comumente usado em liga com o alumínio, para reforçá-lo, em estruturas de alta performance, como peças de avião e quadros de bicicleta. Na produção de materiais eletrônicos, “dopagem” significa a introdução de pequenas quantidades de uma impureza num substrato, para alterar suas propriedades elétricas. O nitreto de alumínio já é amplamente usado em filtros de frequência de telefones celulares. Em sua tese, Milena opina que o material, em estado puro, já está atingindo seu limite de performance para esse tipo de

dispositivo. “Certamente, o desempenho desses dispositivos pode melhorar com mudanças de design”, escreve ela. “No entanto, em termos de material, os filmes de AlN não podem ser aperfeiçoados substancialmente”. Nesse contexto, prossegue ela, “com a dopagem do filme de AlN com metaloides ou metais de transição, esse cenário pode ser mudado. Por conta disso, a melhoria das propriedades piezoelétricas dos filmes de AlN por meio da dopagem tem recebido muita atenção nos últimos anos (...) Acredito que um novo leque de possibilidades se abre pela dopagem dos filmes de AlN”. “Existem estudos teóricos que indicam um aumento do coeficiente piezoelétrico do nitreto de alumínio, ao dopar este material com escândio”, disse a pesquisadora. “O coeficiente piezoelétrico de um material indica a capacidade de converter energia mecânica em elétrica, e vice-versa. Um maior coeficiente piezoelétrico significa uma melhor capacidade do material na conversão de energias”. Em sua tese, que contém seis artigos científicos, Milena analisa dois processos de deposição de filmes finos de AlN dopado com escândio sobre uma superfície de silício. “São processos de deposição diferentes, para obter filmes com características distintas. No artigo I, descrevo um processo para deposição de filmes com colunas perpendiculares à superfície. No artigo V, descrevo um processo para deposição de filmes inclinados, quando as colunas não são mais perpendiculares à superfície”. Os filmes formados de colunas perpendiculares à base foram produzidos por um Foto: Divulgação

BALANÇA

Materiais piezolétricos são utilizados há tempos em diversos tipos de equipamentos: as antigas agulhas de toca-discos eram piezoelétricas, como são os cristais no interior dos relógios de quartzo. As propriedades desses materiais fazem com que sejam úteis na construção de filtros de frequência, explicou Milena. “Um dispositivo eletroacústico é, basicamente, um ressonador de frequência. Isso implica que o dispositivo funcionará apenas na frequência de ressonância para a qual foi projetado e construído”. “De uma maneira bem simplificada, podemos dizer que um dispositivo eletroacústico é projetado para funcionar a uma frequência específica, chamada frequência de ressonância”, disse ela. “Quando esta frequência é utilizada, todo o dispositivo é ‘ativado’ e o material piezoelétrico converte a energia mecânica, a onda acústica, em energia elétrica”.

método de baixa pressão e alta temperatura. “Além disso, o substrato utilizado permitia uma boa ‘combinação’ na estrutura dos materiais, o que também favorece o crescimento de filmes orientados”, disse ela. “No caso dos filmes inclinados, utilizamos alta pressão, deposições à temperatura ambiente e substratos com diferente estrutura dos filmes de AlN”.

APLICAÇÕES

O uso da camada piezoelétrica perpendicular ao substrato é mais recomendado em aplicações em meio não viscoso, como o ar. Mas, em meio viscoso, a camada inclinada é mais recomendável, por conta das características de propagação das ondas nos diferentes meios. Ela explica que o uso em meio líquido ou viscoso pode ser interessante em exames de sangue para a detecção de drogas e outros contaminantes. “Basicamente, a camada de material piezoelétrico é ‘sensibilizada’ com um material que possa ‘agarrar’ a substância que se deseja analisar”, explicou. “Não sei se os equipamentos comerciais existentes já estão a utilizar dispositivos assim no processo de detecção, mas sei que existe muita pesquisa a respeito”. Milena disse que não pretende buscar uma patente para os processos ou para o material desenvolvido em seu doutorado. “Tentamos desenvolver um novo material durante meu doutorado, ainda melhor que o nitreto de alumínio escândio, mas eu precisaria de mais tempo para pesquisa. O plano inicial era submeter uma patente para este novo material, mas infelizmente não tive tempo”. Ela declarou, no entanto, que a indústria de alta frequência tem grande interesse em processos de melhoria dos materiais usados em seus produtos. “Em todos os congressos que estive apresentando trabalhos com nitreto de alumínio e nitreto de alumínio escândio, empresas estiveram presente nas apresentações orais e nos pôsteres. Sempre fazendo muitas perguntas, sempre interessadas nos detalhes dos processos”.

Publicação Tese: “Synthesis of Thin Piezoelectric AlN Films in View of Sensors and Telecom Applications” Autora: Milena de Albuquerque Moreira Orientador: Ioshiaki Doi Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) Milena de Albuquerque Moreira, autora da tese: analisando dois processos de deposição de filmes finos

Lêdo Ivo, revisor do método POR GILBERTO ARAÚJO gilbertoavj@gmail.com

ensaísmo de Lêdo Ivo carece de atenção, seja pela riqueza informativa, pela originalidade das interpretações ou ainda pela abundância de gêneros em que se expressou. O alagoano produziu ensaios longos, centrados na ponderação minuciosa de textos e autores (Poesia observada e A ética da aventura), artigos, perfis e resenhas de média extensão (A república da desilusão e Teoria e celebração) e até aforismos (O aluno relapso). Em todas as vertentes, aliam-se inflexão memorialística e humor, lançando o ensaísta em interessante mas esquecida tradição de críticos brasileiros, como Antônio Torres, Humberto de Campos, Agrippino Grieco e outros fesceninos. Lêdo destaca-se pelo método vagabundo: não raro, suas obras se parafraseiam, quando não se repetem integralmente, zombando da crescente demanda de novas produções acadêmicas. Seu interesse não está nas escolas literárias, antes nas afinidades eletivas entre os autores, “continuadores ou renovadores de certas linhagens espirituais”. O universo poético de Raul Pompeia confirma a maioria desses aspectos. O substantivo “universo” indicia a proposta globalizante de explorar o conjunto da obra pompeiana: O Ateneu (1888), romances inacabados, contos, crônicas, novelas, desenhos, poemas em prosa e prefácios. O adjetivo “poético” anuncia a “atitude simbólica diante da vida” e a “visão deformadora ou

transfiguradora da realidade”, incompatível com o arrolamento de Pompeia no plantel naturalista. As escabrosidades do internato não seriam suficientes para detectar traços zolaístas em O Ateneu, tanto porque não intentam encetar estudo fisiológico do ambiente escolar, quanto porque o estilo adotado nada incorpora da objetividade requerida pelos naturalistas. Outra marca antinaturalista seria o papel atualizador da memória, recriada pelo narrador de primeira pessoa, em geral rechaçado pela técnica realista, afeita ao foco narrativo externo. Além disso, na famosa conferência do professor Cláudio no capítulo VI de O Ateneu, a arte se define inútil e imoral, avessa, portanto, à missão edificante e higienizadora que os naturalistas lhe imputavam. Lêdo, no entanto, não tece comentários acerca da ambígua atuação do meio sobre os personagens de O Ateneu: se o diretor Aristarco e os alunos cooptam o protagonista Sérgio à degradação e à subserviência, as mulheres (Ema, sobretudo) oferecem alento ao espaço castrador. O Ateneu tampouco “é só escritura artística”: é romance em que “a inteligência vigilante predomina sobre as gratuidades consentidas, a se voltar para o mistério da alma humana, a promover o cotejo entre a solidão individual e a sociedade, e a trazer, em sua linguagem e em seu enredo, uma dramática visão do universo”. Destruindo mais clichês, Lêdo observa que a atemporalidade de O Ateneu não elimina seu potencial histórico: o caráter volúvel e interesseiro dos personagens reflete o paternalismo e a hegemonia

do dinheiro no Segundo Reinado. Contra a leitura redutoramente autobiográfica, pondera que o “lastro vivencial” não colide com o “caráter de autêntica obra de imaginação”. O incêndio no desfecho do romance não é folhetinesco, constituindo, na verdade, importante destruição simbólica para o amadurecimento de Sérgio. Analista de ressonâncias, Ivo busca integrar os pormenores à macroestrutura da narrativa: assim, os selos internacionais trocados pelos alunos estampam o desejo de evasão do internato. As flutuações estilísticas de O Ateneu corresponderiam às hesitações do protagonista. Lêdo também privilegia as Canções sem metro (1900), obra publicada postumamente e iniciadora do poema em prosa no Brasil, gênero sobre o qual o ensaísta realiza percuciente síntese teórica. Demonstra como nossos simbolistas preteriram o livro brasileiro em favor dos Gouaches (1892), do português João Barreira, o que acabou deflagrando, no século XIX, a configuração prolixa e rebarbativa de muitos poemas em prosa, infensos à concisão iluminadora de Raul Pompeia. Concentradas em “A cosmologia malograda”, último capítulo d’O universo, as reflexões sobre o poema em prosa pompeiano são meritórias de resgatar tema e título renegados pela crítica brasileira. Sente-se, porém, certa pressa no ensaio derradeiro, quase tão malogrado quanto a obra tratada. É questionável, por exemplo, a opinião de que Pompeia defenda o progresso; títulos como “Comércio” merecem, cremos, apreciação em clave irônica, sobretudo em livro antecipadamente ecológico.

Gilberto Araújo é professor adjunto de literatura brasileira (UFRJ). Autor de Literatura brasileira: Pontos de fuga (Verve, 2014), Júlio Ribeiro (ABL, 2011), entre outros.


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Campinas, 16 a 22 de março de 2015

Um olhar sobre o novo envelhecer Demógrafa analisa as características da transição à velhice no trabalho, na saúde e no âmbito doméstico LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

estimativa do IBGE para 2040 é de que aproximadamente 54 milhões de brasileiros (23% da população) estarão com 60 anos de idade ou mais. Se ainda prevalece a associação do idoso com a dependência, a fragilidade e a solidão – e a preocupação governamental com os custos aos sistemas de saúde e de seguridade social –, há a visão recente sobre a velhice como uma etapa de vida bem sucedida e saudável. A demógrafa Carolina Alondra Guidotti Gonzalez afirma, porém, que ambos os paradigmas tendem a homogeneizar a população idosa, num cenário em que as próprias características da velhice estão mudando. “Envelhecimento demográfico e mudanças na transição à velhice entre brasileiros de distintas gerações” é a tese de doutorado desenvolvida por Carolina Guidotti, orientada pela professora Tirza Aidar, no âmbito do programa de pós-graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo). “Comparando gerações nascidas no início do século passado com gerações que atingirão idades superiores a 60 anos nas próximas décadas, são analisadas as características da transição à velhice no âmbito doméstico, no mercado de trabalho e nas condições de saúde, atentando-se para os diferenciais entre homens e mulheres e quanto ao nível socioeconômico”, explica a autora da pesquisa, que pede atenção para as diferentes formas de envelhecer.

Bacharel em sociologia, Carolina Guidotti possui mestrado em demografia também pela Unicamp, com uma dissertação sobre um dos países mais envelhecidos da América Latina: “Envelhecimento, família e transferências intergeracionais em Montevidéu, Uruguai”. Atualmente professora da Universidad de la Republica Uruguay, ela concedeu por e-mail a entrevista que segue:

Jornal da Unicamp – Qual a motivação para comparar a experiência do envelhecimento entre diferentes gerações da população brasileira? Você já tratou deste tema com foco em Montevidéu, e imagino que a questão seja particularmente preocupante para o Uruguai. Carolina Guidotti – O envelhecimento da população é um tema que se encontra presente na agenda pública e nos meios de comunicação. Ao longo do tempo tem havido formas diferentes de conceituar o fenômeno: por um lado, existe um enfoque que associa a população idosa com a dependência, a fragilidade e a solidão; mais recentemente apareceu um paradigma oposto, que mostra a velhice como uma etapa bem sucedida e saudável. Ambos os paradigmas tendem a homogeneizar a população idosa. Além disso, o primeiro enfoque tem sido utilizado para sustentar a ideia de que o aumento da proporção de pessoas idosas acarretará em graves problemas para o financiamento dos sistemas de saúde e de seguridade social. Embora seja importante que as políticas públicas deem atenção para essa modificação da estrutura etária, é necessário ressaltar que o aumento relativo da população idosa se produz em um cenário em que as próprias caraterísticas da velhice estão mudando. Nesse contexto, a principal motivação para a tese foi de gerar uma análise que permitisse conhecer as caraterísticas do envelhecimento da população brasileira sem sobredimensionar seus efeitos perversos na sociedade. O enfoque escolhido possibilita enxergar como a própria experiência da velhice se recobre de características diferentes entre distintas gerações, e ressalta a heterogeneidade dessa população. Isso significa enxergar o processo de mudança populacional sem dissociá-la das mudanças acontecidas na esfera social – focalizar como as transformações no contexto demográfico, político, econômico e sociocultural repercutem sobre as formas de entrar e viver a fase da velhice.

Foto: Divulgação

Carolina Alondra Guidotti Gonzalez, autora da tese: “é necessário ressaltar que o aumento relativo da população idosa se produz em um cenário em que as próprias caraterísticas da velhice estão mudando”

JU – Tendo utilizado dados dos Censos Demográficos e das PNADs, o que as análises lhe permitiram enxergar? Carolina Guidotti – Focamos três coortes de nascimento (ou gerações): a nascida entre 1911 e 1920; a nascida entre 1931 e 1940, que em 2010 tinha entre 70 e 79 anos; e a nascida entre 1951 e 1960, que tinha entre 50 e 59 anos em 2010 e está ingressando agora na fase da velhice. Conhecer as características e ter uma medição do ritmo de mudança entre essas diferentes gerações torna-se relevante no contexto em que a população brasileira experimenta um acelerado processo de envelhecimento. Vale ressaltar a estimativa do IBGE de que, em 2040, 23% dos brasileiros (pouco mais de 54 milhões) estarão com 60 anos ou mais. As análises mostraram substantivas diferenças das características de homens e mulheres entre essas gerações, assim como em relação a níveis de escolaridade. Para compreender esses diferenciais, ressalta-se a relevância do marco histórico e, dentro deste, do papel das políticas públicas na demarcação das condições de vida entre as gerações, o que contribui para experiências diferentes de envelhecer. Um diferencial a destacar é o acesso à educação: mais de 70% dos idosos nascidos nas primeiras décadas do século passado tinham completado no máximo três anos de educação formal; já para a geração nascida entre 1951 e 1960, esse percentual será inferior a 30% quando atingirem 60 anos ou mais. Pode-se esperar que em 2040 praticamente a metade da população entre 60 e 69 anos tenha ensino médio completo, o dobro que em 2010. A escolaridade tem implicações importantes nas formas viver a velhice, pois influencia a qualidade de vida e as condições de saúde, de participação social e de autonomia. Em segundo lugar, verificamos que as mudanças nos sistemas de seguridade social e de saúde, com a progressiva tendência à universalização, tiveram importantíssimo impacto nesta população, influenciando tanto as condições domésticas quanto a situação de atividade econômica. Como exemplos, o Programa de Prestação Continuada (BPC) e a ampliação da aposentadoria rural entre a população socioeconomicamente menos favorecida das gerações nascidas após 1930; e o aumento da cobertura do sistema de saúde, refletido não somente pelas contínuas quedas da mortalidade na infância e entre adultos, como também na melhora da saúde autopercebida da população, o que implica maiores possibilidades de autonomia para o idoso. JU – E quanto às mudanças no contexto econômico? Carolina Guidotti – As mudanças, particularmente no mercado de trabalho formal, impactaram nas características das diferentes gerações de idosos. Nesse marco, pode ser interessante pensar em como as políticas de transferência de renda implantadas na década de 2000 (como o Bolsa Família) e o crescimento econômico que o país evidenciou recentemente influenciarão na configuração da velhice nas próximas décadas. A questão convida à realização de estudos específicos utilizando o enfoque do curso de vida.

JU – Seu estudo também trata das condições do envelhecimento na esfera doméstica. Carolina Guidotti – Dentre as mudanças mais substantivas, vemos o aumento dos arranjos unipessoais [domicílios integrados por uma pessoa só] entre as gerações mais jovens. Tal arranjo residencial se verifica mais frequente entre mulheres e nas idades avançadas, mas tem aumentado entre as pessoas em idades adultas, principalmente as mais escolarizadas. Espera-se que entre as gerações que alcançarão a velhice em anos próximos, esse tipo de arranjo continue a crescer: as estimações indicam que, em 2030, uma em cada quatro mulheres entre 70 e 79 anos morará só. O estudo também sugere que a conformação do domicilio de casal sem filhos é uma situação relativamente passageira no curso de vida de grande parte da população idosa, especialmente no caso das mulheres. Por outra parte, os domicílios estendidos [com um responsável ou cônjuge mais parentes] e compostos [mais moradores sem parentesco] têm perdido peso para as gerações mais jovens. Tais arranjos tendem a aumentar conforme avança a idade da geração nascida no começo do século passado; para a geração nascida entre 1931 e 1940, evidencia-se um crescimento até as faixas de início da velhice, e queda ou crescimento mais lento a partir dessa fase. Nesse contexto, cabe assinalar a importância da implantação de políticas públicas que reconheçam as tendências das conformações domésticas, atendendo a demandas específicas e colaborando com a regulamentação do mercado destinado à provisão de serviços para cobrir as necessidades dessa população. E principalmente de políticas focadas na gestão pública do cuidado, socializando a responsabilidade pelo mesmo, função que ainda é depositada nas famílias, e especialmente nas mulheres. JU – E em relação à atividade econômica, o que pôde constatar em sua pesquisa? Carolina Guidotti – Os níveis de ocupação são elevados para a população com mais de 60 anos, especialmente entre os homens, apresentando tendência de queda para as gerações mais jovens. Porém, a diferença na proporção de ocupados entre as distintas gerações é mais acentuada para as mulheres e segue uma tendência oposta à da população masculina: a cada geração, a participação das mulheres na população ocupada aumenta, assim como aumentam as distâncias entre os índices de ocupação das mais e menos escolarizadas. À medida que aumenta a idade, aumenta o percentual de aposentados e pensionistas. Porém, as idades consideradas de entrada na velhice (60 a 69 anos) não são o ponto de inflexão para a saída do mercado de trabalho. O percentual de aposentados e pensionistas se acentua entre 40 e 50 anos e continua a crescer até a faixa de 70 a 79 anos. Paralelamente, entre as gerações mais jovens, diminui o percentual de mulheres inativas que não recebem aposentadoria ou pensão, que tradicionalmente era bastante elevado. JU – O que mostram os dados das PNADs sobre as condições socioeconômicas das diferentes gerações de idosos? Carolina Guidotti – Foi possível observar que nas últimas décadas o curso de vida (a partir de idades adultas) tem se tornado mais diversificado. Não se observa uma associação direta entre condições gerais de perda de autonomia e a entrada na velhice: o curso de vida se mostra muito heterogêneo nessas idades, sendo que a heterogeneidade mostra tendência de aumento entre 1998 e 2008. Embora possamos pensar em tais evidências como um sinal de que a transição para a velhice está sendo protelada para idades mais avançadas, o enfoque aqui adotado indica que esse processo está em constante transformação, ganhando novos contornos e diversidade. São evidências que permitem repensar a pertinência da demarcação das idades de 60 ou 65 anos como do limiar de entrada na velhice e considerar limites mais flexíveis, segundo as necessidades de se definir uma idade burocrática, por exemplo, para regulação de políticas. O envelhecimento nas próximas décadas dependerá em grande medida das características das gerações atualmente jovens, daí a importância de utilizar um enfoque que ilumine o curso de vida de forma global, a fim de gerar políticas públicas efetivas para melhorar as condições de vida da população.

Publicação Tese: “Envelhecimento demográfico e mudanças na transição à velhice entre brasileiros de distintas gerações” Autora: Carolina Guidotti Orientadora: Tirza Aidar Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)


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Da esq. para a dir., os escritores e artistas plásticos espanhóis Calderón de la Barca, Miguel de Cervantes, Luís de Góngora, Francisco Quevedo, Diego Velázquez, El Greco, García Lorca, Miguel de Unamuno, Antonio Machado e Miguel Hernández: p

Pesquisa investiga diá Murilo Mendes e a arte

Tese de doutorado analisa o uso do país ibérico como matéria literária por p MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

ese de doutorado desenvolvida pelo historiador literário e tradutor José Leonardo Sousa Buzelli, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, investigou a chamada “matéria de Espanha” na obra do poeta modernista Murilo Mendes. O objetivo do pesquisador foi estudar o uso do país europeu como matéria literária por parte do autor brasileiro. “Busquei fazer uma leitura bastante próxima dos textos e identificar as referências literárias com as quais Mendes ‘dialogava’, como as obras de literatos e artistas plásticos castelhanos, catalães, galegos e andaluzes”, explica Buzelli, que visitou arquivos e bibliotecas no Brasil, Espanha e Itália, atrás de livros e cartas escritos pelo poeta. O trabalho foi orientado pela professora Maria Eugenia Boaventura. Em seu trabalho, o pesquisador analisou mais detidamente dois livros de Murilo Mendes: Tempo Espanhol, volume de poemas publicado em Lisboa, em 1959; e Espaço Espanhol, um itinerário geográficocultural-literário escrito entre 1966 e 1969, mas que teve publicação póstuma. Um dos recursos utilizados pelo poeta modernista nas duas obras, observa o autor da tese de doutorado, foi a tópica clássica ubi sunt, termo que em latim significa “onde estão?”. “Mendes lançou mão dessa pergunta retórica para contrastar um passado bastante idealizado com um presente percebido por ele como brutal e mesquinho”, pontua. Um dado importante sobre Murilo Mendes, conforme Buzelli, é que ele era um católico de fato. “Quando criança e adolescente, ele era um católico por convenção, já que toda a sua família pertencia a essa religião. Entretanto, já adulto, ele conheceu no Rio de Janeiro o artista plástico e poeta Ismael Nery, que o converteu definitivamente ao catolicismo. Essa conquistada religiosidade passou a marcar profundamente as obras de Mendes, orientando-as a partir daí. Tanto que a divisa de Tempo e Eternidade, livro escrito em parceria com Jorge de Lima e publicado em 1935, seria ‘Restauremos a poesia em Cristo’”, explica o pesquisador. Nessa fase, Murilo Mendes tornou-se colaborador da revista católica A Ordem, na época editada por Tristão de Athayde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima. “Estamos falando da década de 1930. Naquela época, os católicos temiam o avanço do comunismo ateu de orientação soviética. Como forma de fazer oposição ao comunismo, muitos católicos passaram a apoiar o fascismo. Faziam isso não por convicção, e sim por pragmatismo. O princípio era a seguinte: o inimigo do meu inimigo pode ser meu aliado. Mas desde o princípio estava claro que a união entre católicos e fascistas seria temporária, destinada apenas a juntar forças contra um ‘mal maior’”, afirma o autor da tese de doutorado.

Com a eclosão da II Guerra Mundial, porém, Murilo Mendes e os demais colaboradores de A Ordem, percebendo a real dimensão do nazi-fascismo, começaram a expressar seu arrependimento público por aquele apoio. “Mendes, especificamente, passou a se mostrar mais tolerante com relação ao comunismo em seus escritos. Em seu livro O Discípulo de Emaús, publicado em 1945, último ano da guerra, ele faz uma hierarquização de sistemas, colocando na primeira posição o cristianismo, seguido do comunismo e tendo o capitalismo na última posição. No volume, ele escreve: ‘O comunismo é revolucionário diante do capitalismo, e conservador diante do cristianismo’”, relata Buzelli.

IGREJA QUESTIONADA Um episódio de caráter político, porém, abalou a fé de Murilo Mendes. Ao assumir o poder após a guerra civil espanhola (1936-1939), o general Francisco Franco recebeu o apoio tanto do clero castelhano quanto do papa Pio XII. “Embora nunca tenha perdido a fé completamente, Mendes passou a questionar as razões que levaram a Igreja, que deveria estar comprometida com a causa dos oprimidos, a dar sustentação a um regime autoritário. Tal questionamento surge de forma muito eloquente no livro Tempo Espanhol. Na obra, publicada quando ele já morava na Europa, Mendes tenta compreender o que está acontecendo no país ibérico”, esclarece Buzelli. O pesquisador afirma que também é possível perceber no mesmo livro a idealização que Murilo Mendes faz do passado espanhol. O poeta modernista dá grande peso ao que a historiografia espanhola chama de “Século de Ouro”, que grosso modo vai de 1530 a 1680, ano da morte do dramaturgo Calderón de la Barca, época da máxima expansão econômica, política e militar do reino ibérico, e na qual viveram grandes expoentes da sua cultura, como os escritores Miguel de Cervantes, Luís de Góngora e Francisco Quevedo, além dos pintores Diego Velázquez e El Greco. Foi nos séculos 16 e 17 em que a Espanha, liderando uma coalisão militar católica, freou definitivamente o avanço turco pelo Mediterrâneo, e em que foram criados Dom Quixote e o conquistador Don Juan, personagens de apelo universal ainda hoje. “Mendes não poderia deixar de contrastar esse passado, que se apresentava tão glorioso, tão católico, com o presente de uma Espanha autoritária, repressiva, empobrecida e católica só no nome. Daí surge para ele o apelo da tópica do ubi sunt. Ele quer saber onde estão o Cervantes e o Quevedo da atualidade. A resposta óbvia é que foram mortos pelo regime”, detalha o autor da tese de doutorado. É sintomático, prossegue Buzelli, que os últimos escritores retratados no livro sejam todos representantes da chamada “Idade de Prata”, e todos igualmente mortos durante a guerra civil ou nos primeiros anos do

O poeta Murilo Mendes em 1975 no claustro do convento dos Cartuxos, em Roma, para onde se mudou em 1957: obra marcada pela religio

franquismo: Miguel de Unamuno e García Lorca, mortos em 1936, Antonio Machado, em 1939, e Miguel Hernández, em 1942. “É como se Mendes dissesse que a ascensão de Franco marcou o fim (ou a interrupção) do esplendor literário espanhol”. Em dada altura de Tempo Espanhol, diz Buzelli, Murilo Mendes interrompe a sua narrativa para fazer uma admoestação ao clero ibérico.

O tradutor e historiador literário José Leonardo Buzelli: “Busquei fazer uma leitura bastante próxima dos textos e identificar as referências literárias com as quais Mendes ‘dialogava’, como as obras de literatos e artistas plásticos castelhanos, catalães, galegos e andaluzes”

No poema “O Padre Cego”, por exemplo, ele apela para que o sacerdote não abençoe a espada, numa referência ao apoio da Igreja ao regime franquista, e pergunta: “És pai vigilante ou assassino?”. Em outro poema, “O Cristo Subterrâneo” [ler nesta página], o poeta modernista divide o catolicismo espanhol em dois: o oficial, que apoia o ditador Franco; e o “subterrâneo”,


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de março de 2015 Fotos: Reprodução

para o autor da pesquisa, “Mendes contrasta um passado bastante idealizado com um presente percebido por ele como brutal e mesquinho”

álogo entre espanhola

parte do poeta modernista brasileiro Foto: Bruno Andreozzi/ Revista Realidade/ Reprodução

osidade

clandestino, comprometido com as lutas dos estudantes, dos operários e das vítimas da ditadura. No final da década de 1960, Murilo Mendes escreve Espaço Espanhol, este em prosa. O livro, espécie de “guia de viagem” bastante pessoal, é construído seguindo a geografia da Espanha. O autor começa falando do Norte e depois vai dando a volta Foto: Antonio Scarpinetti

ao país e fazendo referência às outras regiões. Na obra, o poeta brasileiro se demora um pouco mais nas pessoas [chega a escrever que “na Espanha o maior monumento é o homem”], descrevendo os costumes e as localidades, mostrando-se sempre nostálgico e melancólico em relação àquele passado cristão bastante idealizado. “Como lembrou uma professora que participou da minha banca de defesa, Filipe II era tão ou mais brutal do que Franco, mas importava a Murilo Mendes idealizar o monarca ‘aurissecular’, apresentá-lo como uma figura generosa, ainda que problemática, para servir de contraponto ao tirano fascista e mesquinho”, diz Buzelli, que também conta que o poeta modernista sempre se mostrou impressionado com as touradas. Ao falar sobre o duelo homem-animal, segundo o pesquisador, o autor mineiro se mostra fascinado com a relação dos espanhóis, um povo tão católico, com esse esporte que ele percebia como um resquício de ritos pagãos fenícios, sugerindo que o cristianismo ibérico tinha uma base pagã. Murilo Mendes afirma em Espaço Espanhol que a Espanha estava dividida entre o touro-pagão e a Virgem-cristã, com a Igreja Católica ficando muitas vezes do lado do touro. “O texto desse livro expressa muita nostalgia e melancolia. Um exemplo é quando Mendes, na passagem dedicada a Madri, observa a verticalização da cidade. Em dado momento ele pergunta: ‘Existirão ainda espanhóis dentro dos arranha-céus?’ Trata-se de uma referência à cultura espanhola e ao caráter de sua gente, que para ele estaria muito ligado à terra, à sua paisagem árida. Ou seja, ele questiona se, ao retirar o espanhol do contato com esse cenário, ele ainda continuaria sendo espanhol” O mesmo acontece, finaliza Buzelli, quando Murilo Mendes percebe que os madrilenos trocavam as plazas de toros pelos estádios de futebol. O poeta torna perguntar: ‘haverá ainda espanhóis dentro dos estádios?’. “Como se vê, também em Espaço Espanhol Mendes contrapõe o presente à sua idealização do passado”, sustenta o autor da tese de doutorado, que contou com bolsa de estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O POETA Murilo Mendes nasceu Murilo Monteiro Mendes, em 13 de maio de 1901, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Foi o segundo filho do casal Onofre Mendes, funcionário público, e Elisa Valentina Monteiro de Barros, que faleceria no ano seguinte, aos 28 anos. Como não pertencia a uma família rica, teve que trabalhar para se sustentar, embora sempre desejasse ser poeta. Embora a sua colaboração com a imprensa tenha se iniciado em 1920, ainda na sua cidade natal, ele publicou seu primeiro livro, Poemas, somente em 1930, depois de ter se mudado para o Rio de Janeiro. A obra recebeu o Prêmio Graça Aranha de poesia, o que fez

O Cristo Subterrâneo Descubro um Cristo secreto Que nasce na Espanha súbito. Não é o Cristo vitorioso Dos afrescos catalães, Nem o Cristo de Lepanto Suspenso por uma torre De espadas, velas, paixões. Não investe uma colina, Não brilha no meio do altar Entre ornamentos de prata. Nem no palácio dos ricos, Nem no báculo dos bispos. É um Cristo quase secreto Que nasce das catacumbas Da Espanha não-oficial. Nasce da falta de pão, Nasce da falta de vinho, Nasce da funda revolta Contida pela engrenagem Da roda de compressão. Nasce da fé maltratada, Vagamente definida. É um Cristo dos operários Atentos, em pé de greve, Filhos de outros operários Mortos na guerra civil. É um Cristo dos estudantes Sem dinheiro para as taxas. É um Cristo dos prisioneiros Que no silêncio cultivam A pura flor da esperança. É um Cristo de homens-larvas, Famintos, inacabados, Morando em covas escuras De Barcelona e Valência. É um Cristo da experiência De padres inconformistas Que não abençoam espadas Nem incensam o ditador. É um Cristo do tempo incerto. É um Cristo do vir-a-ser, Formado nos corações Da Espanha que não se vê.

Capas das edições de 1959 (no alto) e de 2001 do livro “Tempo Espanhol”

(Do livro Tempo Espanhol)

(Do livro Espaço Espanhol)

com que o pai de Murilo Mendes, que era contrário à aspiração literária do filho, passasse a apoiá-lo. Na década de 1950, Murilo Mendes partiu para a Europa como professor de literatura brasileira a soldo do Itamaraty. Tentou primeiramente a Espanha, que em 1956 lhe negou o visto necessário por causa de suas posições antifascistas. Entretanto, as autoridades franquistas nunca lhe barraram a entrada no país como turista, dando-lhe a oportunidade de fazer amizade com muitos escritores e artistas plásticos espanhóis, como Jorge Gullén, Dámaso Alonso, Rafael Alberti e Miró. Finalmente, em 1957, o poeta modernista transferiu-se para a Itália, onde passou a ensinar na Universidade

Excerto Sonhei uma vez que, desejando adotar um menino, entro com Saudade num orfanato madrileno. O diretor mostra-nos uma turma de garotos brincando no pátio; observamo-los minuciosamente. Logo de início é eliminado um de aspecto desagradável, ríspido, fosco. Terminávamos a operação de análise quando o diretor aponta-nos exatamente o eliminado: “Por que no escojen Ustedes este niño?” “Porque nos parece muy antipático”. E ele indignado: “Cómo osan Ustedes hallar antipático el bastardo de Franco?” Passei o sonho a Rafael Alberti, que comenta: “Este es un sueño político”.

Sapienza de Roma. Durante quase duas décadas tentou retornar ao Brasil, sem nunca conseguir. Faleceu em 1975, durante uma viagem a Portugal com a esposa. Após a morte de Murilo Mendes, a viúva Maria da Saudade Cortesão Mendes [filha do historiador português Jaime Cortesão, a quem Tempo Espanhol está dedicado] doou a biblioteca do poeta, composta por 2.800 exemplares, à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Atualmente, o acervo está disponível para consulta pública no Museu de Arte Murilo Mendes, mantido pela UFJF. Para desenvolver sua tese de doutorado, José Leonardo Sousa Buzelli também recorreu à biblioteca para analisar a obra do autor modernista.

Publicação Tese: “Murilo Mendes e a Matéria de Espanha” Autor: José Leonardo Sousa Buzelli Orientadora: Maria Eugenia Boaventura Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Financiamento: Fapesp


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FCA terá Centro de Esportes Complexo no campus de Limeira contará com ginásio, pista de atletismo, duas piscinas e campo de futebol Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) ganhará um complexo esportivo que contará, entre outros itens, com ginásio poliesportivo, duas piscinas e espaços para esportes adaptados. A nova estrutura será construída no campus da Universidade, em Limeira, para dar suporte às atividades de ensino, pesquisa e extensão do curso de Ciências do Esporte. A medida foi anunciada pelo reitor José Tadeu Jorge no último dia 6 durante encontro realizado com a direção da unidade, além de professores e funcionários ligados ao curso de Ciências do Esporte. A obra, que terá cerca de 13 mil metros quadrados de área construída, será erguida em um terreno de 30 mil metros quadrados. “Trata-se de um projeto indispensável porque vai impactar significativamente na qualidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão”, disse o reitor. Segundo ele, embora tenha sido concebido para atender às necessidades do curso de Ciências do Esporte, o novo complexo também permitirá a integração de toda a comunidade universitária da FCA. “Fiz questão de vir a Limeira anunciar o projeto por se tratar de um passo importante na história da Universidade”, completou o reitor. Para chegar ao projeto final foi necessário quase um ano de trabalho, numa articulação que envolveu o gabinete do reitor, professores da FCA e o Grupo Gestor de Obras (GGO) da Unicamp. “Sabíamos que o curso de Ciências do Esporte tem potencial para oferecer uma grande contribuição ao País, e por isso trabalhamos para equipa-lo adequadamente”, disse o chefe de gabinete da reitoria, Cesar Montagner, que articulou as atividades entre a FCA e o GGO. Segundo Montagner, o novo centro de esportes segue padrões bem-sucedidos nas instalações da Faculdade de Educação Física, no campus de Campinas. “Isso nos possibilitou desenvolver um projeto de qualidade com otimização no uso de recursos”, explicou. Para ele, as novas instalações colocarão o curso de Ciências do Esporte da FCA entre os melhores do Brasil. Além de Montagner, participaram diretamente do trabalho docentes do curso de Ciências do Esporte, coordenados pelos professores Milton Misuta e Alcides José Scaglia, além do coordenador da GGO, Paulo Leal, a diretora de serviços na Coordenadoria de Projetos e Obras, Edilene Donadon e o arquiteto Igor Quelho, que assinam o projeto. “Devido à complexidade do projeto em função da especificidade de cada um dos equipamentos esportivos, o grupo de trabalho constituído realizou visitas técnicas, estudos de viabilidade relativas às especificidades, estudo de viabilidades econômica, entre outros que convergiram para o projeto aprovado para a execução”, explica o professor Misuta. “Estamos com um grupo de docentes intensamente engajados, atuando no ensino, pesquisa e extensão, com projetos em andamento visando a formação de profissionais de excelência que tenham competências e habilidades alicerçados nas ciências naturais e nas humanidades e na construção de inovadores saberes na área de ciências do esporte”, diz Misuta. “Deste modo, a construção do Centro Esportivo apresenta inúmeros impactos positivos para a sociedade, que é papel da universidade pública, e com a magnitude em termos nacionais e internacionais”, completa o professor. Segundo Scaglia, que é o coordenador de graduação da FCA, a ideia de construir um centro esportivo no campus de Limeira começou a surgir há pelo menos dois anos, quando os docentes do curso de Ciências do Esporte saíram a campo para conhecer alguns centros e complexos esportivos

Fotos: Divulgação

Diferentes perspectivas do complexo esportivo, que será construído no campus da FCA, em Limeira: um ano de trabalho para a finalização do projeto

no Brasil e no exterior. “Mas o projeto só ganhou impulso em agosto do ano passado, após reunião com o reitor Tadeu Jorge”, explica Scaglia. Para ele, com a construção do novo complexo esportivo, a Unicamp dá um passo decisivo para se estabelecer como uma referência nacional e internacional no ensino e pesquisa na área de Ciências do Esporte nos próximos anos. “No Brasil o estudo do esporte é ainda incipiente e restrito perto do nosso potencial, de nossa necessidade e dos estudos realizados em países mais desenvolvidos”, observa Scaglia. “Com o novo centro, poderemos melhorar as aulas e qualificar as pesquisas tanto no que se refere à iniciação esportiva como no esporte de performance e ao esporte participação”. O diretor da FCA, Peter Schulz, também enfatizou a importância do projeto para a unidade. “Trata-se de um marco que vai transformar a FCA radicalmente”, disse. Na oportunidade, Schulz aproveitou para agradecer ao corpo docente que participou diretamente da elaboração do projeto. A licitação para a execução do projeto deverá ser realizada ainda este ano, com o início das obras após a conclusão desse processo. A obra será desenvolvida em duas etapas. Na primeira, será implantada a infraestrutura elétrica, hidráulica e de urbanização. Na segunda, a construção das instalações do novo centro. “Foram muitas horas de trabalho em parceria com docentes da FCA até chegarmos à versão final”, disse o coordenador do Grupo Gestor de Obras (GGO), Paulo Leal. Além do reitor e do diretor da FCA, também participaram do encontro em Limeira o coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Crósta; o chefe de gabinete, Cesar Montagner; o chefe de gabinete adjunto, Osvaldir Taranto; o pró-reitor de graduação, Luís Alberto Magna; a pró-reitora de desenvolvimento universitário, Teresa Atvars; o coordenador do Grupo Gestor de Obras, Paulo Leal; os professores Milton Misuta e Alcides Scaglia; e o arquiteto responsável pelo projeto, Igor Quelho. Orçado em R$ 36 milhões, o novo centro atenderá a uma antiga demanda dos estudantes do curso de Ciências do Esporte, que passarão a contar com uma infraestrutura completa para as atividades acadêmicas. Ao justificar o investimento, além de reiterar sua importância para o ensino e a pesquisa, o reitor destacou que se trata de uma despesa pontual e não perene. “As despesas que mais impactam no Foto: Antoninho Perri

O reitor José Tadeu Jorge na apresentação do projeto, no último dia 6, em Limeira: obra terá cerca de 13 mil metros quadrados de área construída

orçamento são aquelas de caráter permanente, o que não se caracteriza numa obra como essa”, explicou. Além disso, segundo o reitor, os recursos não serão desembolsados de uma única vez.

O PROJETO

O projeto foi apresentado aos docentes e diretores da FCA pelo arquiteto Igor Quelho. “Tudo foi projetado visando qualificar ao máximo as atividades acadêmicas”, explicou. Segundo ele, o novo centro esportivo será dividido em três blocos distintos. O Prédio I contará com sala de combate, sala de musculação, sala de artes corporais, três laboratórios de ensino, três salas de apoio, mezanino com espaço multiuso e instalações para portadores de necessidades especiais. O Prédio II abrigará sala para esportes de raquete (com quadra de squash, quadras de badminton e parede de escada indoor), duas salas para atividade física adaptada, três laboratórios de ensino, três salas de apoio, mezanino com espaço multiuso e sanitários com sanitários instalações para portadores de necessidades especiais. O Prédio III contará com dois pavimentos. No térreo, haverá piscina semiolímpica (25x25 metros), piscina adaptada, duas salas para laboratório de ensino, uma sala de apoio e sanitários com instalações para portadores de necessidades especiais. No pavimento superior haverá um espaço para ginástica artística com fosso e tablado para saltos e apresentações; um laboratório de ensino e duas salas de apoio. O projeto inclui, ainda, três quadras de tênis com arquibancada e quiosques; cantina e lanchonete com capacidade para 120 pessoas; vestiário masculino e feminino com 25 chuveiros cada; vestiário para time A e vestiário para time B; sanitário/vestiário familiar e quatro vestiários para portadores de necessidades especiais. O ginásio poliesportivo contará com quadras de futebol de salão, vôlei e basquete; arquibancada; salas de material/apoio e dois sanitários com instalações para portadores de necessidades especiais. Além dessas instalações e equipamentos, o campus da FCA também passará a contar com pista de atletismo oficial de 400m em material sintético, destinada às provas de corrida (velocidade e resistência), provas de saltos, e provas de arremessos, e um campo de futebol oficial em grama sintética. O projeto para construção da pista de atletismo e do campo de futebol já havia sido aprovado anteriormente, mas será implementado juntamente com o centro esportivo. Com uma área de 485 mil metros quadrados e com aproximadamente 30 mil metros quadrados construídos, a FCA foi inaugurada em 2009, na primeira gestão do reitor Tadeu Jorge. “Me orgulho de ter conduzido o grupo de trabalho que atuou na elaboração do projeto para implantação da FCA”, observou o reitor. “Além do interesse institucional plenamente sintonizado com os objetivos acadêmicos, também há uma satisfação pessoal pela ligação que tenho com todo o projeto de implantação do campus de Limeira”, completou. O campus foi estrategicamente instalado em Limeira, cuja economia, em franca ascensão, é baseada na produção industrial e no comércio com abrangência nacional e internacional. Situada a 50 quilômetros de Campinas, a cidade fica próxima de grandes polos científicos, culturais e econômicos, estando a apenas 65 km do Aeroporto Internacional de Viracopos. Segundo Tadeu Jorge, passados seis anos desde a sua inauguração, observa-se na FCA um fenômeno social e urbanístico semelhante ao registrado com a implantação do campus de Campinas. “´São visíveis as mudanças ocorridas no entorno do campus, com o desenvolvimento demográfico e econômico decorrentes da implantação da FCA”, observa. Segundo ele, isso demonstra que a influência da Unicamp vai além da vida acadêmica de seus estudantes, professores e funcionários, impactando também a sociedade como um todo.


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Próteses atenuam depressão de idosas com perda auditiva ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

s mulheres idosas que estão perdendo a sua audição apresentam mais sintomas depressivos do que os homens. Foi o que apontou estudo de mestrado realizado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Elas alegavam que a vida estava vazia, sentiam-se frequentemente aborrecidas, sem energia e sem esperança. Por outro lado, a pesquisa mostrou que, após adquirirem próteses auditivas, percebeu-se uma mudança na sua maneira de encarar a vida. “Com esses dispositivos, essas mulheres não tiveram mais queixas de origem depressiva”, concluiu a fonoaudióloga Virgínia Chaves Paiva de Queiroz, autora da dissertação. O trabalho foi desenvolvido no Hospital de Clínicas (HC) com 40 idosos de ambos os sexos, com idade superior a 65 anos, atendidos no Ambulatório de Saúde Auditiva e no Ambulatório de Otorrinogeriatria. A investigação ocorreu entre 2011 e 2014 dentro do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia. Segundo Virgínia, a renda mensal, a faixa etária, a escolaridade e o grau de perda auditiva não influenciaram os sintomas depressivos, apesar de os pacientes avaliados em geral terem renda mensal inferior a dois salários mínimos, mais que 65 anos e baixa escolaridade (muitos analfabetos). “Vimos que o uso das próteses auditivas eliminou os sintomas depressivos presentes no sexo feminino [as queixas apareceram apenas antes do uso das próteses], e portanto a ideia é indicá-las sempre que necessário. De outra via, a pesquisa sinalizou que os homens demonstravam muita dificuldade em expressar seus sentimentos.” O projeto de Virgínia, orientado pelo docente da FCM Eros de Almeida e coorientado pelo professor Reinaldo Gusmão, avaliou sintomas depressivos em idosos que eram deficientes auditivos e os benefícios do uso das próteses. A mestranda se ateve aos pacientes com presbiacusia, aqueles que tinham perda auditiva relacionada à idade, consequente ao efeito cumulativo do envelhecimento. “Esta é uma perda simétrica progressiva e bilateral”, definiu. De acordo com a fonoaudióloga, em iniciativa pioneira, o SUS tem contemplado idosos que necessitam de próteses auditivas. Em sua opinião, este sistema tem funcionado bem e tem atingido pessoas que de outra forma não poderiam adquiri-las. “As próteses auditivas são anatômicas e não incomodam”.

Pesquisa também aponta que homens têm mais dificuldades em expor queixas camp e em outros serviços de referência. A autora optou pela GDS 15 (escala com 15 perguntas), por ser a escala mais sensível para esse tipo de idosos, mais fácil de entender e mais rápida. As respostas eram do tipo sim ou não. Algumas das perguntas eram “está satisfeito com a vida?”, “acha que outras pessoas são mais felizes que você?”, “acha bom estar vivo?”, “sente-se inútil?”, “sente-se sem esperança?” Virgínia ressalva que essa escala não avalia satisfação quanto ao uso do aparelho auditivo. Mostra um escore de 0 a 5 que não pontua sintomas depressivos e de 6 a 15 que pontua sintomas depressivos. No trabalho, num primeiro momento, quem pontuou mais sintomas depressivos foram as mulheres. Isso aconteceu na primeira vez em que foi aplicado o questionário. Inclusive a bibliografia já apontava isso. A autora notou que os homens não faziam comentários. Respondiam automaticamente sim ou não. Já as mulheres, essas sim conseguiam relatar detalhes. “Diziam quando não estavam satisfeitas com a vida e falavam de seus problemas de modo espontâneo”, percebeu. Uma das poucas queixas dos homens é que moravam com filhos que trabalhavam o dia todo. Ficavam sozinhos. Tinham medo de que algo de ruim lhes acontecesse. Permaneciam longas horas na frente da televisão. “Esse quadro pode inclusive levar ao isolamento social, mas reflete a realidade brasileira”, expôs.

SISTEMÁTICA Os pacientes assinavam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de responderem às questões. A seguir, recebiam as próteses auditivas, que no mercado em geral custam algo em torno de R$ 2 mil.

Esses aparelhos são de diferentes procedências (dinamarquesa, suíça ou americana), são 100% digitais, automáticos e têm um programa que gerencia situações como por exemplo falar no silêncio, falar no ruído, com música, para telefone. “São processadores digitais de sinais sonoros.” A prótese auditiva, informou, é um dispositivo eletrônico que auxilia na audição. É recomendada pelo otorrinolaringologista e somente esse profissional poderá avaliar cada caso: se cirúrgico, medicamentoso ou prótese auditiva. A literatura sugere que a perda auditiva acontece a partir dos 40 anos, mas é mais esperada após os 50 anos, quando o paciente verifica uma diminuição da sua audição, de modo mais significativo, comprometendo sobretudo as frequências mais agudas. No estudo, não fazia parte dos critérios de inclusão o fato de a pessoa estar exposta a ruídos. “Se o avaliado mencionasse que havia trabalhado 30 anos numa tecelagem, estava automaticamente excluído”, esclareceu. Virgínia aplicou a GDS antes do uso das próteses e quatro meses depois dos pacientes as receberem. É que o cérebro necessita de quatro meses de adaptação, passando pelas etapas de perda auditiva, próteses auditivas, período de aclimatização, atendimento longitudinal e treinamento auditivo. “Na verdade, o cérebro terá que se reprogramar para escutar com a amplificação do aparelho auditivo.” Todas essas etapas precisam ser cumpridas, afirmou a pesquisadora. Mas acontece que alguns pacientes que adquiriram o aparelho vão para a casa e nunca mais voltam à consulta. Acabam abandonando o dispositivo, principalmente aquele idoso que já tem cinco a dez anos de perda auditiva.

TEMA A abordagem da presbiacusia na dissertação serviu para coroar os 26 anos de trabalho de Virginia como profissional da área. Graduada em Fonoaudiologia pela PUC-Campinas em 1988, ela frisou que desde o quarto ano da graduação fazia estágio em centro auditivo e que continuou nessa linha. Desde essa época, relatou, já tinha a impressão de que aqueles pacientes com mais tempo de perda auditiva eram mais queixo-

sos em relação à solidão. “A pessoa se torna de fato mais isolada e prefere ficar no refúgio do lar”, sublinhou. A presbiacusia prejudica as frequências agudas (de 1.000, 2.000, 3.000 a 4.000 hertz) da audição, porque ela ocorre justamente na base da cóclea. Com o envelhecimento, as células ciliadas da cóclea também se desgastam, desaparecem. Para elas, que são geradas e nascem num período embrionário, não há tratamento cirúrgico. “Em seres humanos, as células não se regeneram. Apenas em alguns animais”, mencionou. Na entrada da cóclea, ficam os receptores dos sons agudos. São estes os primeiros sons que o idoso com presbiacusia perde. Até ouvem, porém não os entendem. “As pessoas falam vaca e ele entende faca. É que o ‘f ’ e o ‘v’ são fonemas muito parecidos, embora diferentes pela sonoridade, mas o ponto de articulação é o mesmo”, explicou. Na perda auditiva induzida por ruído, as pessoas também perdem frequências agudas. Contudo, em geral, são um pouco mais jovens e a patologia pode ter outra origem, inclusive pela constante exposição aos ruídos, por anos a fio. O estudo da fonoaudióloga faz um alerta e serve para orientar os profissionais da saúde a insistirem na importância das próteses auditivas, quando bem-indicadas. “O paciente tem que receber um bom suporte para não abandonar o aparelho. O presente estudo colabora para mostrar essa necessidade, lembrando que a perda auditiva pode conduzir ao isolamento social.” Seu uso somente trará benefícios e com certeza melhorará a qualidade de vida dos idosos. A despeito de não avaliar esse parâmetro na sua dissertação – a qualidade de vida –, Virgínia realçou que com certeza as próteses podem trazer melhor qualidade de vida ao usuário. “A pessoa se torna mais confiante ao ouvir melhor”, garantiu. No estudo, os pacientes tiveram perda auditiva binaural (nos dois ouvidos). Na literatura, Virgínia encontrou apenas um estudo sobre o tema, porém cujos pacientes não eram somente idosos. “Esse nosso trabalho certamente deve servir para orientar os profissionais das áreas de Geriatria e de Otorrinolaringologia”, acredita. Foto: Antoninho Perri

PRÓTESES Virgínia fez levantamento de prontuários e recrutou pacientes consoante aos critérios de inclusão do estudo, sendo o principal deles a presbiacusia. Este recrutamento coincidia com a data da consulta no Ambulatório de Saúde Auditiva. “Eles já tinham passado pelo Ambulatório de Otorrinolaringologia, por avaliação audiológica e clínica, e eram candidatos ao uso de aparelhos auditivos. Então eu os selecionava e, nesse dia, explicava-lhes sobre o trabalho.” Os pacientes respondiam a um questionário. Tratava-se de uma escala de depressão geriátrica (GDS), um instrumento de rastreio e anamnese muito utilizado de rotina no Ambulatório de Geriatria da Uni-

Publicação Dissertação: “Sintomatologias depressivas em idosos com perda auditiva e os benefícios do uso de prótese auditiva” Autora: Virginia Chaves Paiva de Queiroz Orientador: Eros de Almeida Coorientador: Reinaldo Gusmão Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) A fonoaudióloga Virgínia Chaves Paiva de Queiroz, autora da dissertação: “Trata-se de uma perda simétrica progressiva e bilateral”


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Painel da semana  AFPU inicia cursos de inglês - A Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU) inicia, a partir de 16 de março, os seus cursos de inglês. Os alunos que frequentaram aulas no segundo semestre de 2014 e que progrediram de nível, terão aulas com os mesmos professores, nos mesmos dias e horários da semana. As atividades de todas as turmas de 2015 serão realizadas na Sala Multiuso da AFPU. Aos alunos matriculados, a Agência disponibilizará um plantão de dúvidas. Ele funcionará todos os dias úteis da semana. As escalas contendo os dias e horários do plantão serão conhecidas no primeiro dia de aula. Mais detalhes pelo e-mail afpu@ reitoria.unicamp.br  TEDxUnicampLive 2015 - O Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS) promove no dia 17 de março, às 13h30, no auditório da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BC-CL), o evento TEDxUnicampLive 2015. Ele será transmitido direto de Vancouver, Canadá, com apresentação de palestrantes da Unicamp. A organização é do professor José Eduardo Fornari Novo Junior. Mais detalhes pelo e-mail beth@nics.unicamp.br  Resíduos e energia - A Faculdade de Engenharia Química (FEQ) sedia nos dias 18 e 19 de março, das 8 às 18 horas, o II Fórum Técnico “Resíduos e Energia”. O objetivo do evento é promover o encontro de profissionais que trabalham direta ou indiretamente com resíduos sólidos e geração de energia para o estudo de interação destes dois setores. O Fórum é uma realização do Portal Tratamento de Água. Inscrições podem ser feitas no link http://www.tratamentodeagua. com.br/R10/Biblioteca_Detalhe.aspx?codigo=1965. O primeiro dia de encontro contará com palestras das seguintes empresas: Innova, Essencis, GEO Energética, Biotecs, GE Power & Water e ADI Systems. As últimas palestras do dia serão ministradas por professores da FEQ.

 FMCB - A segunda edição do Festival de Música Contemporânea Brasileira (FMCB) homenageará, entre 18 e 21 de março, duas referências da música brasileira: Edino Krieger e Gilberto Mendes. A abertura do evento ocorre às 20 horas, no Sesc Campinas. Nos dias 19 e 20, o Festival será realizado nas dependências do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Ele está sob a organização do professor Esdras Rodrigues e da Sintonize produtora cultural, idealizadora do evento. Na Unicamp, o Festival é apoiado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), pelo Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (CIDDIC) e pela RTV-Unicamp. O concerto de encerramento acontecerá dia 21, às 20h, no Teatro Municipal “José de Castro Mendes” com a participação especial da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas. A entrada é gratuita. Mesasredondas, comunicações orais e apresentações artísticas também constam na programação. Inscrições para ouvintes podem ser feitas no site https://docs.google.com/forms/d/1PXpV2tkrceJhJ720srocam 4itBXBRuQJT3wbrqGA-ug/viewform. O Sesc Campinas fica na rua Dom José I 270, no bairro do Bonfim. O IA está localizado na rua Elis Regina 50, no campus da Unicamp. Para mais detalhes acesse a página eletrônica http://www.sintonizenacultura.com.br/projeto/fmcb2  Liberdade de expressão - Os professores Roberto Romano, Marcio Seligmann-Silva e Claudio Willer discutem a liberdade de expressão em mesa-redonda, no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). O encontro está marcado para o dia 19 de março, às 14 horas, no Centro Cultural do IEL. A organização é do professor Paulo Vasconcellos. Mais detalhes pelo e-mail odoricano@gmail.com  Desafio Unicamp 2015 - As equipes interessadas em participar do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica 2015 – competição de modelo de negócios a partir de patentes e programas de computadores criados na Unicamp – podem se inscrever até dia 22 deste mês. Idealizada pela Agência de Inovação Inova Unicamp, o principal objetivo da iniciativa é a geração de empresas de base tecnológica a partir da propriedade intelectual da universidade. O evento é destinado a estudantes de graduação e pós –graduação e interessados em empreendedorismo tecnológico de todo país. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas pelo site do Desafio Unicamp: http://www.inova. unicamp.br/desafio.

Eventos futuros  II Semana de Arqueologia Unicamp - Evento acontece entre os dias 23 e 28 de março. Terá como tema História e cultura material: desafios da contemporaneidade. A promoção é do Laboratório de Arqueologia Pública (LAP) do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. Mais detalhes pelo site http:// www.lapvirtual.org/inicial.html  Gestão orquestral e compromisso social - No dia 24 de março, das 9 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece a primeira edição dos Fóruns Permanentes de 2015. O evento terá como tema central “Gestão orquestral e compromisso social”. O Fórum de Arte, Cultura e Lazer visa atualizar representantes culturais vinculados a orquestras sinfônicas propondo discussões sobre questões de planejamento artístico e administrativo, bem como os novos papéis destas instituições na sociedade atual. A primeira edição do ano está sob a responsabilidade da professora Denise Hortência Lopes Garcia. Inscrições para participação podem ser feitas no link http://www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/ forum/htmls_descricoes_eventos/arte63.html. Mais detalhes: 193521-4759.

Destaque

 Repensando mitos contemporâneos - O Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes (IA) da Unicamp organiza, dia 24 de março, às 18 horas, no auditório do IA, o I Encontro Internacional Repensando Mitos Contemporâneos – Simpósio Grotowski. Mais detalhes no linkhttp://www.repensandomitosppgadc.com/  Recursos hídricos: problemas e alternativas - A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho (Cipa), o Grupo Gestor Universidade Sustentável (GGUS), a Divisão de Meio Ambiente da Prefeitura do Campus e a Divisão de Educação Infantil e Complementar (DEDIC) promovem palestra com professor Antonio Carlos Zuffo, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). O encontro, que está inserido na programação da Semana da Água, ocorre no dia 25 de março, às 9h30, no auditório da Diretoria Geral da Administração (DGA). A agenda com a programação completa será divulgada oportunamente nos sites da Cipa e do Grupo Gestor Universidade Sustentável (GGUS). Mais detalhes pelo telefone 19-19-3521-7532 ou e-mail cipa@unicamp.br  Especialização em gestão estratégica da inovação tecnológica - O Instituto de Geociências (IG), através do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), já está recebendo as inscrições para a 8ª turma do Curso de Especialização em Gestão Estratégica da Inovação Tecnológica. O curso está sob a coordenação do professor Ruy Quadros e integra módulos sobre processos e ferramentas de gestão de tecnologia e inovação, incluindo a gestão da inovação aberta, sobre práticas organizacionais das empresas inovadoras, e sobre as políticas de inovação e o sistema nacional de inovação no Brasil. O público-alvo são profissionais que atuam em posições de gerenciamento do processo de inovação tecnológica na empresa industrial ou de serviços, em especial nas áreas de P&D, Desenvolvimento de Produtos, Processos e Serviços, Desenvolvimento de Aplicações, Engenharia, Desenvolvimento de Novos Negócios, Marketing, Operações, Logística e Qualidade. Gestores de instituições de pesquisa, públicas ou privadas, voltadas para a inovação tecnológica, e profissionais que atuam na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e programas de financiamento da inovação tecnológica. O curso será realizado em 27 de março, no auditório da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU). Programação, inscrições e outras informações no link http://www.extecamp.unicamp.br/gestaodainovacao

Teses da semana  Computação - “Uso de técnicas de recuperação de imagens para o problema de reidentificação de pessoas” (mestrado). Candidato: Vladimir Jaime Rocca Layza. Orientador: professor Ricardo da Silva Torres. Dia 20 de março de 2015, às 14 horas, na sala 316 do prédio IC 3 do IC.  Economia - “A dinâmica do tráfico interno de escravos na franja da economia cafeeira paulista (1861-1887)” (doutorado). Candidato: Gabriel Almeida Antunes Rossini. Orientadora: professora Lígia Maria Osório Silva. Dia 20 de março de 2015, às 14 horas, na sala 23 do pavilhão da Pós-graduação do IE.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Avaliação de metais em efluente e lodo de esgoto doméstico de um sistema de lagoas aeradas de São João da Boa Vista utilizando a técnica SRTXRF” (mestrado). Candidata: Vanessa Giroldo Pereira. Orientadora: professora Silvana Moreira. Dia 16 de março de 2015, às 9 horas, na sala CA22 da CPG da FEC.

 Engenharia de Alimentos - “Estudo dos parâmetros de extração de composto fenólicos e avaliação da atividade antioxidante in vitro da banana (Musa sp.)” (mestrado). Candidato: Gustavo Araujo Pereira. Orientadora: professora Glaucia Maria Pastore. Dia 16 de março de 2014, às 10 horas, no auditório do DCA da FEA. “Utilização de massa ácida desidratada para redução de sódio em pão tipo francês” (mestrado). Candidata: Amanda de Cássia Nogueira. Orientadora: professora Caroline Joy Steel. Dia 16 de março de 2015, às 14 horas, no anfiteatro II do DTA da FEA. “Efeito das proteínas do soro do leite bovino sobre alterações metabólicas causadas por uma dieta hiperlipídica no camundongo C57BL/6: disbiose intestinal, resposta inflamatória e parâmetros associados” (mestrado). Candidata: Naice Eleidiane Santana Monteiro. Orientador: professor Jaime Amaya Farfan. Dia 19 de março de 2015, às 9h30, no anfiteatro do Depan da FEA. “Efeito da adição de oleína da gordura do leite nas características da manteiga” (mestrado). Candidata: Mayara de Souza Queirós. Orientadora: professora Mirna Lúcia Gigante. Dia 20 de março de 2015, às 14 horas, no salão nobre da FEA.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Códigos de subespaço geometricamente uniformes” (mestrado). Candidata: Gabriella Akemi Miyamoto. Orientador: professor Reginaldo Palazzo Junior. Dia 19 de março de 2015, às 14 horas, na FEEC.  Engenharia Química - “Estudo do efeito do tratamento corona aplicado a monofilamentos de polímeros sintéticos” (mestrado). Candidato: Vitor César de Almeida Louzi. Orientador: professor João Sinézio de Carvalho Campos. Dia 20 de março de 2015, às 9 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Geociências - “Sensoriamento remoto hiperespectral e quimiometria aplicados à identificação remota de solos e rochas impregnados com hidrocarbonetos: potencial para prospecção petrolífera onshore e monitoramento ambiental de regiões continentais contaminadas” (doutorado). Candidata: Rebecca del Papa Moreira Scafutto. Orientador: professor Carlos Roberto de Souza Filho. Dia 18 de março de 2015, às 14 horas, na sala A do DGRN do IG.  Linguagem - “A carne que resta: manifestações do híbrido na literatura de ficção científica contemporânea” (doutorado). Candidata: Aline Amsberg de Almeida. Orientador: professor Márcio Orlando Seligmann Silva. Dia 18 de março de 2015, às 13h30, na sala de defesa de teses do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Regressão quantílica para modelos de efeitos mistos” (mestrado). Candidato: Christian Eduardo Galarza Morales. Orientador: professor Victor Hugo Lachos Dávila. Dia 16 de março de 2015, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Efeito do envelhecimento artificial acelerado, clareamento e manchamento nas propriedades físicas de um compósito nanoparticulado” (mestrado). Candidata: Thayla Hellen Nunes Gouveia. Orientadora: professora Debora Alves Nunes Leite Lima. Dia 19 de março de 2015, às 8h30, na sala da congregação da FOP. “Avaliação clínica e microbiológica do tratamento cirúrgico e nãocirúrgico de pacientes com periodontite agressiva generalizada: acompanhamento de 12 meses” (doutorado). Candidata: Camila Camarinha da Silva Cirino. Orientador: professor Antonio Wilson Sallum. Dia 20 de março de 2015, às 9 horas, na sala da congregação da FOP.  Química - “Sorção do tiabendazol em solos do estado de São Paulo” (mestrado). Candidato: Odilon França de Oliveira Neto. Orientadora: professora Anne Hélène Fostier. Dia 20 de março de 2015, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

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Unicamp traz modelo

inovador de pesquisa ao Brasil Unicamp agora integra o Structural Genomics Consortium (SGC), grupo internacional de pesquisa biológica e biomédica formado pelas universidades de Oxford, Toronto e mais dez empresas do setor farmacêutico. A universidade passará a ser o terceiro polo acadêmico do grupo. Esse polo brasileiro ficará dedicado à pesquisa de quinases – enzimas que afetam o funcionamento das proteínas no interior das células, e cujo controle é uma área de grande interesse na pesquisa médica. “Há, atualmente, uma limitação do conhecimento na área da síntese de novos medicamentos. O entendimento dessas proteínas quinases, moléculas muito específicas do funcionamento celular, será fundamental para avançar nesta área”, disse a pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Gláucia Maria Pastore. O lançamento oficial do SGC no Brasil foi formalizado na manhã do último 10, em cerimônia na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que fará um aporte de US$ 4,3 milhões na instalação de um novo laboratório na Universidade, o Centro de Biologia Química de Proteínas Quinases. A Unicamp está investindo US$ 1,9 milhão no laboratório, e os demais parceiros de SGC, US$ 1,3 milhão. “Também é preciso computar quanto a Universidade investe em termos de uso de instalações, salários de professores e outros custos”, disse, durante a cerimônia de assinatura, o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Se levarmos isso em conta, a contribuição da Unicamp é do mesmo tamanho que a da Fapesp”. O presidente da Fapesp, Celso Lafer, também participou da cerimônia de lançamento e elogiou o caráter “inovador e original” da parceria.

ESTRESSE HÍDRICO

O pesquisador que encabeça o novo laboratório, Paulo Arruda, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, destacou que o polo brasileiro do consórcio será o primeiro a tratar, também, de biologia de plantas. “A ideia de juntar plantas e pesquisa biomédica não é usar extratos das plantas para produzir drogas ou algo assim”, explicou ele. “O que vamos buscar é o uso do conhecimento e da tecnologia desenvolvidos para pesquisar quinases humanas para pesquisar problemas na biologia vegetal. E vamos focalizar um problema especial: como as plantas respondem ao estresse hídrico. Porque vamos enfrentar mudança climática nas próximas décadas, precisamos aprender a produzir mais com menos água, e para isso precisamos aprender como as plantas respondem ao déficit de água”. Quinases também são importantes na biologia das plantas, lembrou ele.

“Vamos usar o jeito de pensar desenvolvido pela ciência biomédica” para realizar pesquisas em grande escala e estudar moléculas específicas, disse Arruda. “E, ao juntar as equipes de ciência vegetal e da pesquisa médica, vamos eliminar etapas, porque eles já sabem muito bem como fazer isso”.

INOVAÇÃO ABERTA

Foto: Leandro Negro/Agência Fapesp

O SGC adota uma política de abertura total: não só os resultados científicos e as moléculas criadas no contexto do consórcio são liberados para acesso público, como os métodos e técnicas também são “open source”, nas palavras do CEO do consórcio, o pesquisador canadense Aled Edwards, que também tomou parte na cerimônia realizada na Fapesp. “O compromisso é que ninguém patenteia nada”, disse ele. Não há nada que impeça, no entanto, que empresas estabelecidas ou “start-ups” Lançamento oficial do SGC no Brasil, que foi formalizado usem os resultados do SGC como base em cerimônia ocorrida no último dia 10, na sede da Fapesp para o desenvolvimento de produtos que podem vir a ser patenteados. “Ficarei desapontado se o laboratório na Unicamp não produzir pelo “Então, existe toda uma plataforma que é utilizada para se menos duas ‘start-ups’ nos próximos anos”, disse o CEO. fazer a descoberta de novas drogas baseadas nas quinases. Isso envolve uma série de passos, entre identificar, isolar, Bill Zuecher, representante da farmacêutica GSK, explicou testar, e uma das coisas mais importantes é treinar estudanque o estudo detalhado das mais de 500 quinases humanas tes, pós-docs e outros, para aprender toda essa tecnologia”. está além da capacidade de qualquer empresa farmacêutica O laboratório também deverá receber um grande número individual, daí a lógica de trabalho conjunto e abertura. “Se de pesquisadores visitantes e realizar colaborações intercontinuássemos no modelo da pesquisa proprietária, nós, disciplinares. “Toda a estrutura estará voltada para ajudar, como sociedade, estaríamos desperdiçando recursos, por colaborar e produzir resultados de melhor qualidade. Essa conta da duplicação de esforços, com cada grande empresa é a forma com que o SGC vai trabalhar aqui”, completou o investindo nas mesmas moléculas”, disse ele, lembrando que pesquisador. a taxa de sucesso na pesquisa farmacêutica é extremamente baixa – menos de 5% dos medicamentos que entram em fase O coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Crósta, destacou de teste clínico acabam aprovados para uso humano. “E isso o papel do novo laboratório na internacionalização da pessimplesmente não faz sentido”. quisa brasileira: “O modelo vai permitir uma forte interação entre docentes, pesquisadores, e também estudantes, com Com o modelo de inovação aberta, o consórcio realiza o traseus pares das instituições parceiras fora do Brasil”, disse. “E balho bruto de encontrar as moléculas que parecem mais proem decorrência disso, certamente surgirão excelentes condimissoras, que em seguida são liberadas no domínio público, e ções para uma ampla colaboração internacional, aumentando podem ser aproveitadas na criação de produtos patenteáveis. o impacto internacional de nossas atividades, o quer certamente terá reflexos muito bons para a Unicamp e para todo INTEGRAÇÃO o sistema acadêmico brasileiro”. Crósta ainda lembrou que “O SGC traz o conceito de unir as melhores práticas da o modelo de inovação aberta do SGC está sendo trazido de indústria às melhores práticas da academia”, disse Arruda. forma pioneira ao Brasil pela universidade. (Carlos Orsi)


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Dissertação analisa o ensino do judô para deficiente visual Autora de dissertação entrevistou 14 professores provenientes de onze estados brasileiros Fotos: Antonio Scarpinetti

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

Publicação Dissertação: “O processo de ensino do judô para pessoas com deficiência visual” Autora: Gabriela Simone Harnisch Orientador: José Júlio Gavião de Almeida Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

Gabriela Simone Harnisch, autora do estudo: “Quanto melhor a base de aprendizado, maior a possibilidade do alcance do alto rendimento”

O professor José Júlio Gavião de Almeida, orientador da dissertação: próximo passo é desenvolver e publicar uma cartilha mais acessível

A partir destas ponderações a autora julga que o judô, além de servir como instrumento completo para o desenvolvimento de pessoas com deficiência visual, pode constituir um recurso para que os professores da modalidade atualizem-se, façam reflexões e adotem ações condizentes. Segundo ela, o grupo de professores que contemplaram o estudo constitui o principal agente de transformação social no Brasil do processo de ensino de judô para pessoas com deficiência visual. Sobre a oportunidade mais imediata do estudo ela lembra a aproximação dos Jogos Paralímpicos RIO-2016, que sucedem as Olimpíadas, o maior evento esportivo da atualidade, e que se realizam nos mesmos locais destas. Mas, mais que isso, ela ressalta que “conforme o senso do IBGE de 2010, no Brasil existem cerca de 35 milhões de pessoas com deficiência visual dos quais 6,5 milhões possuem cegueira, que caracteriza a completa falta de visão. Para essas pessoas, que enfrentam barreiras nas atividades cotidianas e motoras, a educação física tem importante papel na promoção da integração social”. Diante dessas perspectivas, Gabriela coloca o judô paralímpico entre as atividades esportivas possíveis para o público estudado.

DIRETRIZES O processo de ensino do judô para pessoas com deficiência visual precisa ser pensado com base em algumas diretrizes, pautadas principalmente nas características e individualidades inerentes a cada pessoa. Diante desse pressuposto a autora coloca a pergunta: quais as práticas pedagógicas utilizadas por professores para o ensino do judô para as pessoas com deficiência visual no processo de iniciação? Ela explica que há uma diversificação muito grande entre as faixas etárias atendidas, as intensidades dos exercícios aplicados e as características e experiências anteriores

das pessoas deficientes visuais, entre as quais se encontram as que nasceram com a deficiência e as que a adquiriram em diferentes faixas etárias, fatores determinantes na duração dos seus estágios de desenvolvimento. Diante disso, torna-se importante identificar e analisar os elementos distintivos inerentes às pessoas com deficiência visual quando da implementação de ações de cunho pedagógico. Estudiosos do tema destacam que deve haver maior atenção quanto a algumas dificuldades que envolvem esse tipo de deficiência sensorial, como a recepção e integração das informações, aprendizagem de esquemas motores, aprendizagem por imitação, auto avaliação e controle das ações. O professor Gavião de Almeida, que se dedica à Educação Física Adaptada, atuando principalmente com deficiência visual, lutas e esportes de combate, aprendizagem esportiva e esportes paralímpicos, e atualmente ocupa a cargo de Assessor Técnico da Federação Paulista de Desporto para Cegos, lembra que, para chegar a um projeto piloto, Gabriela fez contatos com membros da Confederação Brasileira de Desportos de Cegos e com técnicos de judô, o que, além de viabilizar o encaminhamento da proposta ao Comitê de Ética, permitiu-lhe a elaboração da metodologia da pesquisa e abriu caminhos para a consolidação de um processo de cunho político-pedagógico-administrativo.

RESULTADOS Para a elaboração técnica do questionário a pesquisadora partiu de quatro palavras chaves: personagens, cenário, modalidade e objetivos. O cenário é constituído pelo local onde se desenvolvem as práticas e em que se localizam os materiais utilizados; a caracterização dos objetivos deve ser perseguida em todas as etapas do processo ensino-aprendizagem, mesmo porque são diferentes as fases de iniciação e de formação do atleta; a modalidade, no caso, é o judô para pessoas deficientes visuais, um esporte de origem oriental que no Brasil assume características próprias decorrentes de uma nova cultura; os personagens, no recorte adotado, são alunos com deficiência visual e seus professores. Gabriela organizou a discussão dos resultados com base em quatro abordagens direcionadas na coleta de dados: professores, cenário, modalidade e participantes. Tendo em vista os objetivos pautados no estudo, a autora verificou que os professores pesquisados, todos graduados em educação física, estão academicamente qualificados para o exer-

Foto: Divulgação

rientada pelo professor José Júlio Gavião de Almeida, a professora de educação física Gabriela Simone Harnisch desenvolveu trabalho junto ao Laboratório de Atividade Física Adaptada, do Departamento de Estudos de Atividade Física Adaptada da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, em que se propôs a verificar as práticas pedagógicas utilizadas por professores no ensino do judô para pessoas com deficiência visual. Dentro destes objetivos, o estudo, financiado pelo CNPq, caracterizou-se como um survey, que teve como instrumento para coleta de dados um questionário testado e aplicado pela pesquisadora. Ela entrevistou 14 professores e/ou técnicos provenientes de 11 estados brasileiros participantes da 1ª Etapa do Grand Prix Infraero de Judô para Cegos, evento realizado anualmente em São Paulo. Na oportunidade, conta, “conversei com todos os técnicos que vieram para a competição, convidando-os para participar da minha pesquisa. Dos 19 professores participantes, 14 aceitaram o convite para responder questões previamente elaboradas com o objetivo de verificar como esses docentes ensinam judô para pessoas com deficiência visual, de que estrutura física dispõem e de que forma a utilizam”. Esses profissionais, todos do gênero masculino, que correspondem a cerca de 90% dos que se dedicam à modalidade paralímpica no Brasil, possuem graduação em educação física e cerca de 20% deles trabalham apenas com pessoas com deficiência, ou seja, em instituições de ensino especializadas. A autora esclarece que o judô destinado a pessoas com deficiência constitui uma modalidade paralímpica que envolve poucas adaptações, em relação à convencional, que visam essencialmente garantir sua prática segura. Como as maiores diferenças em relação ao judô tradicional concentramse no processo de ensino e aprendizagem, foram estes segmentos que serviram de escopo para a pesquisa. No trabalho, Gabriela preocupou-se principalmente com a fase de iniciação nessa modalidade, em que considera fundamental distinguir as condições que diferenciam os alunos, suas vivências e experiências anteriores e o que o professor faz ou deve fazer para que o principiante se desenvolva no processo ensino-aprendizagem. Nesse público, os estímulos, que não podem ser visuais, deverão ser substituídos por outros mais ricos como o auditivo e o tátil, inclusive associando-os à utilização de materiais e espaços. Ciente dos benefícios e do alcance que a prática pode adquirir entre as pessoas deficientes visuais, ela pondera: “Nem todos aprendem para ser atletas, mas quanto melhor a base de aprendizado, maior a possibilidade do alcance do alto rendimento”. A pesquisadora espera que a dissertação de mestrado contribua para o ensino do judô no Brasil oferecendo subsídios para a elaboração das práticas pedagógicas de profissionais que almejam ensiná-la às pessoas com deficiência visual. Mesmo porque, considera ela, os resultados alcançados por esses instrutores dependem tanto do conhecimento específico da modalidade quanto da formação para o magistério, de forma a qualificálos para o processo de desenvolvimento cultural e esportivo das pessoas envolvidas.

cício da função face à compreensão que possuem do desenvolvimento humano. Para ela é nítida a percepção de que esses professores buscam, pesquisam e procuram se manter atualizados quanto às regras e fundamentos da modalidade. Entretanto, ressalta que uma pequena parcela deles, mesmo no século 21 e depois de 132 anos da criação e sistematização da modalidade, ainda resiste à adoção de novas técnicas, fundamentos e recursos para a aprendizagem do judô, mesmo cientes da manutenção dos princípios básicos que regem o esporte. Ela constatou, ainda, que alguns discursos desses professores revelam de forma satisfatória a busca de qualificação e preparo para as aulas, deixando também claro que tentam adequar-se às condições e peculiaridades de cada aluno. Apenas metade dos entrevistados revelou preocupação em conhecer e compreender as dificuldades, limitações e potencialidades de seus alunos para, a partir daí, estruturar suas ações pedagógicas, o que a autora considera fundamental no ensino da modalidade. Ela distingue nesse universo também uma minoria de docentes que utilizam métodos de ensino que facilitam seus trabalhos, mas esquecem, entretanto, a importância da estimulação verbal e das demais formas de percepção de informações disponíveis que poderiam auxiliar as pessoas deficientes visuais no processo de desenvolvimento motor, cognitivo, intelectual e social. Ela averiguou ainda que os professores pesquisados utilizam em geral métodos verbais e táteis, embora vários deles se valham apenas do tato, o que limita o desenvolvimento cognitivo e intelectual da pessoa deficiente visual, criando uma lacuna em relação à compreensão e interpretação verbal das informações em decorrência da falta de outras estimulações. Por fim, Gabriela enfatiza a importância da avaliação constante das próprias práticas pedagógicas, da atualização ininterrupta, do estudo sistemático e da preocupação com as características de cada aluno. Em decorrência do estudo, o professor Gavião de Almeida lembra que a ideia agora é desenvolver e publicar uma cartilha que, escoimada da linguagem acadêmica, seja mais acessível e de melhor utilização prática pelos professores de judô. O docente lembra que tão importante quanto a realização da dissertação foi o envolvimento da sua aluna de mestrado nas atividades da FEF, aonde chegou de Marechal Cândido Rondon, Paraná, atraída pela relevância da área de extensão da unidade em atividades físicas adaptadas. “A Gabriela não se ateve burocraticamente à dissertação, em busca apenas de uma diplomação, mas envolveu-se com as atividades de extensão, acompanhou projetos de treinamento, trabalhos com crianças com deficiência visual e atividades envolvendo lutas e esportes adaptados de disciplinas da graduação, o que contribuiu sobremaneira em sua pesquisa e possibilitou a aquisição de experiências e o desenvolvimento da maturidade científica”, afirma ele. Deficientes visuais durante competição: paralímpica, modalidade envolve poucas adaptações, em relação à convencional


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Campinas, 16 a 22 de março de 2015 Foto: Divulgação

Brando, o autor ator esquisa sobre Marlon Brando (1924-2004), um dos homens mais incensados do cinema de todos os tempos, apontou que ele era um ator autor. Ou seja, em sua filmografia, foram encontrados elementos que o colocaram como um participante ativo da criação do filme, determinando aspectos que vão além do trabalho de ator. Olhar para a filmografia dele significa olhar para a sua biografia, perceber como os seus procedimentos técnicos foram minguando com o tempo, se internalizando, de modo que ele passou a não mais representar. “Apenas necessitava estar em cena, graças a uma carga simbólica construída em conjunto com seus outros filmes”, concluiu Eduardo Bordinhon, em estudo de mestrado do Instituto de Artes (IA) denominado “Marlon Brando, o jovem rebelde e o padrinho: as figuras de um ator autor”. No cinema, o conceito de ator autor, criado pelo pesquisador americano Patrick McGilligan em 1975, acaba se sobressaindo à ideia da encenação. Muitas escolhas estéticas são influenciadas pelo tipo físico do ator, seu estilo de interpretação e sua relação de proximidade com diretores consagrados da história do cinema. Tal conceito sugere mais do que olhar para a filmografia de um ator: envolve olhar para sua biografia e perceber que esses aspectos estão imbricados. O mestrando escolheu esse tema ao determinar na filmografia de Brando o que poderia destacá-lo como coautor dos filmes dos quais participou. Isso porque no cinema o diretor é o autor do filme. Mas um ator autor pode igualmente assumir prerrogativas dos diretores tidos como autores, uma assinatura sua. “Através da interpretação, são capazes de imprimir a um personagem seu estilo pessoal”, realçou. O mestrando selecionou filmes do cinema norte-americano por terem uma influência global e trazerem a ideia do star system do estrelato. “Nesse sistema, no qual o ator é o grande nome do filme, ele pode construir bases de autoria”, expôs. Ao olhar Brando para entender se ele era de fato um ator autor, Eduardo constatou que sim, devido a algumas características. Uma delas tinha a ver com os padrões de aparecimento, tanto temáticos como gestuais ou formais. Encontrou no ator dois padrões: o do jovem rebelde e o do padrinho, os quais chamou de duas figuras essenciais. A figura do jovem rebelde foi encontrada majoritariamente a partir da década de 1950 e a do padrinho a partir de 1970. Em 1960, houve uma transição entre essas duas figuras. De acordo com o mestrando, para um ator que atingiu a longevidade, como Brando (alcançou os 80 anos), ele fez poucos filmes. Foram 39. E, em apenas quatro, não se enquadrou nessas duas figuras e nem em uma transição. Em outros 35, ele se encaixou, embora não estritamente, “porque a ideia das figuras essenciais não é cristalizar o ator em uma forma e sim criar um olhar, uma lente através da qual se pode olhar para sua filmografia. E isso não se relaciona somente com seus personagens. Certamente tem uma ligação com sua própria vida.”

O REBELDE

A priori na década de 1950, o sistema de filmes norte-americano enquadrava os atores por tipos. Brando surgiu como o rebelde. Não somente sua figura, mas o seu estilo de interpretar, que diferia de outros atores nos sets de filmagem. Ele improvisava naturalmente. Num de seus primeiros filmes, Uma rua chamada pecado, atuou com Vivien Leigh, uma atriz da escola inglesa, cuja formação era mais rígida. O improviso dele a irritava, e esse desconforto da atriz transbordava para a relação dos personagens na cena. Relembrando o pesquisador francês Alain Bergala, Eduardo afirmou que o filme é um registro da relação entre o diretor e o ator. “Transporto isso para Brando, para uma relação entre atores. As suas relações pessoais também estiveram nos seus filmes, tanto que ele se envolveu com Vivien Leigh e com várias atrizes com quem contracenou.” Quando o ator filmou O grande motim, em 1962, apaixonou-se por Tarita, seu par romântico. Casou-se com ela e comprou uma ilha no Taiti, onde viveram juntos de 1980 a 1989. “A vida e o filme são uma fusão. O Brando da década de 1950 era bastante sexy e todas as mulheres olhavam para ele. Diferente do homem imbatível dos anos de 1940, o protagonista masculino se rasgava, chorava e se descabelava, promovendo uma quebra de paradigma porque inclusive era assim na vida pessoal”, descreveu. O mestrando notou esse paralelo na pesquisa e faz fé que trabalhos futuros não o ignorem, “visto que o ator é, antes de mais nada, ele mesmo no filme. Está sendo fotografado. Não é uma pintura. É acompanhado ao longo da vida, ora engordando, emagrecendo, envelhecendo. É possível ver essa evolução e como isso funciona como parte da escrita do filme”.

PADRINHO

Brando é visto como um caso raro de um grande ator com poucos filmes expressivos. Eduardo procurou analisar seis filmes que considerou os mais emblemáticos de sua carreira: Uma rua chamada pecado, de 1951; Sindicato de ladrões, de 1954; A face oculta, de 1961; O grande motim, de 1962; O pecado de todos nós, de 1967; e O poderoso chefão, de 1972. Sobretudo na década de 1960, esse ator tornou-se uma figura não desejada pelos estúdios, após uma série de filmes desastrosos. Mas retornou

Eduardo Bordinhon, autor da dissertação: “As relações pessoais de Brando também estiveram nos seus filmes”

com o filme O poderoso chefão, que lhe rendeu o segundo Oscar [o primeiro veio com Sindicato de ladrões]. O diretor Francis Coppola brigou até o fim para ficar com ele no elenco desse filme, enquanto ninguém mais queria trabalhar com o artista. Diziam que trazia prejuízo e atrasava as filmagens. Vieram o Último tango em Paris, em 1972, de Bernardo Bertolucci; e Apocalypse now, em 1979, de Coppola, filmes também renomados de sua filmografia. Depois, fez filmes com pequenas participações, como A fórmula, de 1980. O último da carreira foi Cartada final, de Frank Oz, de 2001, no qual apareceu ao lado de Robert de Niro e Edward Norton. Nos idos de 1990, Brando apareceu pouco. Fez Don Juan de Marco, com Johnny Depp, e O bravo, dirigido por Depp – um grande admirador de Brando. Eduardo sugeriu no seu estudo o termo “padrinho”, referindo-se a Brando, não só por causa de Godfather, de O poderoso chefão. A partir de 1970 ele foi um referencial de interpretação: um padrinho de atores como Al Pacino, John Cazale, James Caan, Robert Duvall e Martin Sheen; e, nos anos 2000, de Edward Norton e Depp. Em certo sentido, havia uma geração de atores assistindo aos seus filmes. Viam-no como modelo masculino e como modelo de ator. Essa também é uma particularidade que fez dele um autor. Começou levar a padrões que geravam descendentes que mimetizavam seu estilo, verificou. Ao escolher seis filmes – dois dos anos de 1950, três dos anos de 1960 e um dos anos de 1970 –, o mestrando buscou cruzar os caminhos da técnica, da análise do filme e da relação com sua vida, orientado pelo professor do IA Marcelo Ramos Lazzarato. Quanto ao filme, o mestrando percebeu que muitas vezes a figura de Brando era adiada. Falava-se sobre ela e então ele aparecia. Quanto a seus personagens, em geral possuíam uma forte ligação com figuras femininas, um embate com figuras masculinas mais velhas e cenas de flagelo. No campo pessoal, Eduardo ressaltou que Brando tinha problemas com seu peso e ataques de bulimia. Não se entendia no mundo. Em todo filme, pedia para ter uma cena em que era torturado. É tão verdade que em dez filmes seus personagens morriam. Somente em um a morte foi natural. Em outros, foi assassinado, alvejado por tiros, flechas, ou chicoteado.

FORMAÇÃO

A escolha do tema – a interpretação para o cinema – interessava muito ao mestrando, também ator. Ele e outros ex-alunos da Unicamp criaram em 2010 a Companhia de Teatro Acidental, que atua hoje em São Paulo. Apesar de reconhecer que o mercado audiovisual tem crescido, “no início do estudo não foi assim. Havia pouco material disponível e muito charlatanismo. Resolvi lançar um olhar para o cinema a partir de uma visão da academia, pela facilidade de encontrar livros e interlocutores”, revelou. Recorreu à Escola Americana de Cinema que, nos anos de 1950, trouxe as ideias de Constantin Stanislavski (1863-1938), diretor, ator e teórico russo de teatro que relatou seu sistema de direção e interpretação. Muito ligado ao realismo teatral, mudou radicalmente o modelo de atuação também do cinema norte-americano, entre 1940 e 1950. Não tardaram a surgir atores adeptos dessa formação, como Brando e James Dean. Até a década de 1930 vogava uma declamatória exacerbada, em oposição ao que propunha o método de Stanislavski, mais realista. Com esse aporte teórico e com esse momento do cinema, o mestrando descobriu por onde começar. Elegeu Brando. Como a construção do filme não se dá unicamente por uma instância técnica, passando também por uma instância de relação, o elo entre diretor e ator é chave. “Foram poucos os diretores com os quais Brando colaborou, como Kazan e Coppola. Dessa relação surgiram grandes filmes.” Ficou muito evidente para Eduardo o valor da relação diretor-ator – com a figura do diretor projetando-se sobre o ator e construindo uma relação que gera o filme. “O resultado da cena é um pouco o registro dessa relação entre o diretor e o ator”, observou. Em 1950, Elia Kazan era como um pai para Brando. Bertolucci e Coppola queriam o ator para seus filmes. Criou-se então uma mística em torno dele, a ponto de ser considerado uma lenda do cinema. Um fato curioso foi que, a partir de 1958, ele parou de gravar suas falas. Passou a colálas em lugares do cenário que a câmera não alcançava. Olhava o roteiro, entendia as falas e, na hora da gravação, representava.

DIDATISMO

Eduardo escreveu sua dissertação pensando em quem estivesse dando os primeiros passos no conhecimento sobre o ator no cinema. Apoiou-se em autores como o professor da Unicamp Pedro Maciel Guimarães, um téorico que lança luz ao estudo do ator autor, e de pesquisadores franceses como Alain Bergala e Florence Colombani. Na pesquisa, Eduardo trouxe esses materiais e lançou boias para que se iniciem estudos dando relevo ao ator no cinema. Seu recorte tenta dar conta disso, de existir esse tipo de ator, de existir esse tipo de lugar e de existir esse tipo de abordagem. A sua contribuição consiste em aclarar para um estudante o trabalho do ator. “Muitos estudos sobre o ator caem em divagações a respeito da sua genialidade, como se tal trabalho fosse intangível. O lugar intangível até existe, porém é possível lançar boias que abarquem elementos técnicos, poéticos e semiológicos numa investigação acerca do ator autor”, disse.

Publicação

Foto: Antonio Scarpinetti

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Marlon Brado em cena de “O poderoso chefão”, filme de 1972: ator forjou carga simbólica ao longo da carreira

Dissertação: “Marlon Brando, o jovem rebelde e o padrinho: as figuras de um ator autor” Autor: Eduardo Bordinhon Orientador: Marcelo Ramos Lazzarato Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Capes


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