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Ecos da democracia representativa 3

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 614 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Fotos: Reprodução/ Divulgação

Cinema com estilo

livros do pesquisador norte-americano David Bordwell, ambos lançados pela Editora da 6 e7 Dois Unicamp, “Sobre a história do estilo cinematográfico” e “A arte do cinema – Uma introdução”

(com Kristin Thompsom e coedição Edusp), mostram como são construídas as narrativas, fornecendo elementos para a identificação do estilo e do período dos filmes. Robô da ESA pousa em cometa Os venenos da dieta ocidental O peso do odor na escolha de mosquito

TELESCÓPIO

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A Campinas esquecida

Para o surdo se comunicar

Por dentro de uma quinase

Agrotóxico e sanidade mental

Poesia no rito de passagem Tango e tela no mesmo passo


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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

ESA pousa sonda em cometa

Pântanos em lagos

Genética felina

Batata transgênica para fritar

O robô Philae, da Agência Espacial Europeia (ESA), realizou um feito histórico ao pousar, em segurança, sobre a superfície do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko na tarde da última quarta-feira, 12. Esta é a primeira vez que um instrumento construído por seres humanos pousa suavemente num cometa: em 2005, a sonda da Nasa Deep Impact disparou um projétil no cometa Tempel 1, para analisar a composição dos detritos expelidos pelo choque. Para conseguir se fixar sobre o 67P, Philae deveria ter disparado um arpão, que não funcionou. Com isso, o robô quicou no cometa, antes de estabilizar-se. Philae foi transportado até a vizinhança do cometa pela sonda Rosetta, lançada há mais de dez anos. A missão conjunta Rosetta-Philae pretende executar os mais completos estudos sobre um cometa já feitos.

O desflorestamento em áreas úmidas, como pântanos, brejos e mangues, tende a aumentar a disponibilidade de água nessas áreas, diz artigo publicado na revista Science. De acordo com os autores, o fenômeno pode levar à transformação de pântanos em lagos e, mesmo, ao surgimento de novos pântanos. “Após um desflorestamento completo, demonstramos que a água disponível para áreas úmidas aumenta em até 15% da precipitação anual”, escrevem os autores, vinculados a instituições australianas. Eles afirmam que esse é um impacto raramente avaliado em estudos sobre os efeitos da intervenção humana no ambiente. “Estudos deveriam ser feitos para determinar as condições hidrológicas fundamentais em áreas úmidas desflorestadas, e não apenas na taxa de sedimentação e status trófico”, escrevem. “De um ponto de vista de manejo, o reflorestamento de áreas úmidas pode alterar radicalmente o equilíbrio hídrico e, em alguns casos, a área úmida protegida pode desaparecer”.

O periódico PNAS traz a primeira comparação, em larga escala, dos genomas de gatos domésticos e gatos silvestres, destacando as principais diferenças entre os dois grupos. Gatos convivem com seres humanos há cerca de 9.000 anos, mas as primeiras raças de gatos criadas por seleção artificial só emergiram há menos de 200 anos, num processo de seleção estética, e não, como no caso de outros animais domesticados, funcional. O trabalho, realizado por uma equipe internacional de pesquisadores, mostra que os gatos domésticos parecem ter sofrido seleção que favoreceu genes ligados à memória, ao condicionamento do comportamento por medo e ao aprendizado por meio de estímulo e recompensa.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos aprovou a produção comercial de uma variedade transgênica de batata criada para produzir quantidades menores da molécula acrilamida, suspeita de ser um agente cancerígeno. Além dessa característica, a batata, desenvolvida pela companhia J.R. Simplot, uma importante fornecedora de redes de fast-food como McDonald’s, machuca-se menos no transporte e na colheita. Ao noticiar a aprovação, o jornal The New York Times destaca que a batata é representante de uma “nova onda de produtos geneticamente modificados”, que promete benefícios para o consumidor final e não apenas para o agricultor. O jornal lembra, no entanto, que outras tentativas de inserir batatas transgênicas no mercado de fastfood norte-americano falharam, por conta do temor de resistência do público.

A ameaça da dieta ocidental

Extinção rápida

A redução da pobreza e a crescente urbanização do mundo estão produzindo um efeito colateral perigoso e indesejável, diz artigo publicado na revista Nature: a universalização da “dieta ocidental”, baseada em açúcar refinado, gordura processada e no consumo de grandes quantidades de carnes e óleos. De acordo com os autores, ligados a instituições dos Estados Unidos, essa universalização ameaça não somente a saúde humana, mas também o meio ambiente. “Até 2050, essas tendências (...) serão uma contribuição importante no aumento estimado de 80% na emissão de gases do efeito estufa pela agricultura”, diz o artigo. “Além disso, essas mudanças dietárias estão elevando a incidência de diabete tipo 2, doença coronariana e outras doenças crônicas não-contagiosas que reduzem a expectativa de vida global”. O trabalho compara diversos estudos feitos sobre os impactos na saúde e no ambiente de dietas como a vegetariana, a mediterrânea e a chamada dieta onívora. O estudo lembra que uma transição entre tipos de dieta é um fenômeno complexo – influenciado por cultura, preço, disponibilidade, gosto pessoal – e que a busca de uma solução para o “trilema dieta-ambiente-saúde é um desafio global e uma oportunidade de grande importância”.

Uma pequena população humana foi suficiente para levar o moa, um tipo de pássaro da Nova Zelândia semelhante à ema, à extinção, diz estudo publicado no periódico Nature Communications. De acordo com os autores, a extinção dos moa foi causada, ao longo de cerca de cem anos, por “uma das menores densidades demográficas já registradas”, de no máximo 2.500 indivíduos. Os moa foram caçados até a extinção por colonos da Polinésia que chegaram à Ilha Sul da Nova Zelândia por volta do ano 1300 da era atual. Cerca de 80 anos depois, o pássaro já havia desaparecido das áreas mais acessíveis da ilha. A espécie desapareceria de vez por volta de 1425. Os autores chamam atenção para o argumento de que a caça por seres humanos não poderia ter levado à extinção espécies como o mamute ou a preguiça gigante, porque as populações humanas envolvidas seriam pequenas demais, e afirmam que suas conclusões mostram que essa linha de raciocínio não se sustenta mais.

Preferência do mosquito O mosquito da dengue que evoluiu especializando-se em picar seres humanos difere de seu parente que prefere outros tipos de animal, e que ainda hoje existe na costa da África, por conta de um receptor olfativo, o AaegOr4, que segundo os autores de artigo publicado na Nature “reconhece um componente presente em altos níveis no odor humano”. “Nosso resultado oferece um exemplo raro de um gene contribuindo para a evolução comportamental”, escrevem os pesquisadores. A substância detectada por esse receptor é a sulcatona, “um odorante volátil repetidamente associado ao odor corporal humano”, diz o artigo. “Embora a sulcatona também seja emitida por uma série de outros animais e plantas, ela parece atingir níveis excepcionalmente altos em seres humanos”.

Análise da Wikipedia prevê epidemias Cada vez mais pessoas buscam informações sobre doenças na internet antes de procurar ou obter atendimento médico, o que faz com que uma análise das estatísticas de acesso à Wikipedia possa detectar uma epidemia antes que ela seja registrada pelas autoridades sanitárias, diz artigo publicado no periódico PLoS Computational Biology. Os autores, vinculados ao Laboratório Nacional Los Alamos, do governo dos Estados Unidos, usaram modelos matemáticos para analisar os registros de acesso à enciclopédia online e conseguiram prever, com até 28 dias de antecedência, e acompanhar a evolução de epidemias em oito de 14 situações analisadas, incluindo surtos de dengue no Brasil. Os autores reconhecem que o modelo apresentado ainda é embrionário e que há fontes de ruído na informação que precisam ser superadas, mas escrevem que “este artigo estabelece a utilidade da Wikipedia como uma fonte de dados amplamente eficaz para informação de doenças”.

Foto: Atacama Large Millimeter/submillimeter Array/Divulgação

‘BioRxiv’ completa um ano

Nasce um sistema solar Imagem produzida pelo observatório ALMA, um conjunto de dezenas de antenas montadas no deserto de Atacama, no Chile, mostra, com nitidez inédita, o estágio de formação de planetas a partir de um disco primordial de poeira cósmica. O disco capturado pelo ALMA gira em torno da estrela HL Tauri, localizada a cerca de 450 anos-luz da Terra. Trata-se de uma estrela jovem, com menos de um milhão de anos – o Sol, em comparação, tem mais de 4 bilhões – e em seu disco de poeira já podem ser vistas as lacunas que indicam a segregação do material primitivo nas faixas que deverão dar origem às órbitas dos planetas. “O disco já parece estar repleto de planetas em formação”, disse, por meio de nota, a pesquisadora Catherine Vlahakis, uma das líderes do ALMA. O estágio de formação de planetas no disco de HL Tauri parece estar muito mais avançado do que as teorias atuais preveem. “Esta imagem vai revolucionar as teorias de formação de planetas”, acredita a pesquisadora.

O disco de poeira em torno da estrela HL Tauri, a 450 anos-luz

O repositório de artigos científicos em pré-publicação da área de ciências biológicas, o BioRxiv, mantido pelo Cold Spring Harbor Laboratory, dos Estados Unidos, completou um ano com mais de 800 papers disponíveis. O BioRxiv segue no mesmo espírito do mais antigo ArXiv, da Universidade Cornell, dedicado às ciências exatas: é um local onde cientistas podem divulgar publicamente seus trabalhos antes de submetê-los a um periódico científico, recebendo críticas e sugestões de colegas. Ao longo deste ano, o ArXiv recebeu mais de 7.000 artigos por mês. Os criadores do BioRxiv dizem que o temor de que um artigo lançado no repositório acabe “queimado” para publicação num periódico de alto impacto não se justifica: no último ano, disseram eles ao Science Insider, serviço online de notícias da revista Science, que 95 periódicos aceitaram artigos divulgados inicialmente no BioRxiv, incluindo Nature, Nature Neuroscience e Science.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Raquel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014 MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

o Brasil, as primeiras experiências e ideias sobre a democracia participativa tiveram origem no interior das esquerdas, em meados dos anos 1970. Inicialmente, houve predominância de um posicionamento mais exigente, baseado no conceito de “participação como emancipação”. Com o decorrer do tempo, entretanto, tal sentido foi progressivamente atenuado, até alcançar uma proposta de participação de caráter mais consultivo. A conclusão é da tese de doutorado da cientista social Ana Claudia Chaves Teixeira, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O trabalho, que foi orientado pela professora Luciana Tatagiba, obteve o Prêmio Capes de Tese 2014 na área das Ciências Sociais. De acordo com Ana Claudia, a tese procurou analisar as diferentes formas de participação da sociedade, além daquela proporcionada pelo voto. “A ideia de democracia participativa com a qual eu trabalhei é bem ampla e contempla diversos mecanismos, como plebiscito, referendo, conselhos, conferências etc. O foco da tese está nos canais institucionais de participação que foram criados ao longo de um período de 35 anos, e que, apesar de reconhecidos por lei e amplamente disseminados, ainda são poucos conhecidos pela população em geral”, explica. As três décadas e meia às quais a pesquisadora se refere estão compreendidas entre os anos de 1975 e 2010. Na tese, a cientista social dividiu esse amplo período em três períodos menores, cada um deles marcado por uma visão predominante de participação. Um ponto importante a ser observado é que Ana Claudia propõe uma análise em torno do imaginário social construído sobre o tema, com o objetivo de entender porque determinados modelos participativos prevaleceram sobre outros. “Minha preocupação não foi apontar quais modelos deram certo e quais deram errado, mas sim entender como esse imaginário, construído no interior da esquerda, serviu para concretizar algumas experiências participativas”, esclarece. Conforme a autora da tese, estudar o imaginário social é importante porque é possível perceber até onde vão os horizontes, ou seja, permite identificar até onde as pessoas gostariam de chegar com suas escolhas. “O imaginário, a idealização ou a utopia servem, em última análise, para mover indivíduos ou grupos”, justifica. Assim, num primeiro momento, que se estende de 1975 a 1990, o modelo participativo predominante esteve fundado na ideia da emancipação. Em outros termos, os adeptos desse pensamento acreditavam que a participação geraria a emancipação e, como consequência, permitiria a construção de uma nova sociedade. Tal concepção, observa a autora da tese, foi fortemente inspirada no método desenvolvido pelo educador Paulo Freire, notadamente na experiência de educação de adultos. Freire defendia que todos são detentores de saberes e que a educação seria um forte instrumento de transformação. “Pequenas experiências participativas baseadas nesse modelo surgiram em diferentes pontos do país, por meio de atividades desenvolvidas pelas comunidades eclesiais de base [CEBs], núcleos de base do PT, associações de moradores, comitês de trabalhadores e outras organizações. Naquele instante, essas experiências eram bastante fragmentadas”, afirma Ana Claudia. O grande laboratório para as ações realizadas no período, diz a pesquisadora, foi o setor da saúde, que contribuiu decisivamente para a institucionalização de várias outras políticas públicas nos períodos posteriores. Um exemplo foi o trabalho executado por um grupo de médicos sanitaristas na cidade de Montes Claros, em Minas Gerais. Os profissionais colaboraram para a criação de conselhos de saúde, instâncias por meio das quais a população podia discutir e decidir sobre a formulação de políticas públicas para o setor. “A experiência ajudou a testar o pressuposto de que não eram somente médicos e enfermeiros que entendiam de saúde. A população também detinha conhecimento nesse campo, principalmente porque conhecia melhor que ninguém as suas necessidades”, pontua a autora da tese.

Publicação Tese: “Para além do voto: uma narrativa sobre a democracia participativa no Brasil (1975-2010)” Autora: Ana Claudia Chaves Teixeira Orientadora: Luciana Tatagiba Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Para além do voto Pesquisa contemplada com o Prêmio Capes de Tese analisa as experiências de democracia participativa no Brasil Foto: Antonio Cruz/ABr

Participantes do 6º Seminário Nacional LGBT sobre os direitos dos homossexuais, realizado em 2009 na Câmara, fazem manifestação na rampa do Congresso Nacional: segundo a pesquisadora, “número de vozes foi ampliado” entre 2003 e 2010

Foto: Antoninho Perri

Paulo Freire é entrevistado na Unicamp, onde foi professor: ideias do educador inspiraram iniciativas em vários pontos do país

Foto: Antonio Scarpinetti

A cientista social Ana Claudia Chaves Teixeira, autora da tese: “A ideia de democracia participativa com a qual eu trabalhei é bem ampla e contempla diversos mecanismos, como plebiscito, referendo, conselhos, conferências etc”

Também em São Paulo, no mesmo período, ganharam corpo os conselhos populares de saúde, implantados inicialmente nos bairros localizados na Zona Leste do município. A ideia era semelhante à experimentada em Montes Claros. “Essas ações ajudaram a consolidar a proposta de criação de um sistema único de saúde com participação popular. Em 1990, foi promulgada a lei que instituiu o SUS”, observa. A primeira fase pavimentou, por assim dizer, o caminho para um segundo momento da experiência de democracia participativa, levada a cabo entre os anos de 1990 e 2002. Esta, segundo a pesquisadora, foi marcada principalmente pela ideia de participação com deliberação. De um lado, a partir do SUS, foram criados os conselhos de saúde nos âmbitos municipal, estadual e federal. Segundo as legislações, em todas essas instâncias a participação da sociedade teria caráter deliberativo, embora isso nem sempre tenha ocorrido na prática. “Na tese, eu não entro no mérito se o sistema tem ou não funcionado, pois trabalho com a dimensão imaginária, com o mundo desejado”, reafirma Ana Claudia. Destacam-se também nesse período as experiências do Orçamento Participativo, que foi implantado em alguns municípios brasileiros e posteriormente “exportado” como exemplo de boas práticas de gestão municipal. Por meio desse mecanismo, o orçamento público era discutido e, por decisão da população, parte dele era aplicada em áreas consideradas prioritárias.

O terceiro e último período analisado pela pesquisadora vai de 2003 a 2010 e coincide com os oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Nesse período, a ênfase da participação esteve muito mais relacionada com o que classifiquei de ‘escuta’. Um aspecto importante que surgiu nessa fase foi a multiplicação de espaços. Foram criados diversos conselhos, como os do idoso, juventude, LGBT etc. Desse modo, o número de vozes foi ampliado e novas perspectivas de participação foram abertas. Além disso, também foram definidas novas conferências, que contribuíram para o reconhecimento de novos sujeitos”, pormenoriza a cientista social. Ocorre, porém, que o caráter deliberativo desses espaços foi diminuído. A interpretação que Ana Claudia faz dessa experiência é que o PT no governo federal teve que lidar, de um lado, com os movimentos sociais. Estes, obviamente, precisavam ter suas pautas contempladas em alguma medida. Assim, foram abertos canais de diálogo e de escuta. Mas, de outro lado, para garantir a governabilidade, o governo teve que fazer alianças com distintos partidos. “Por causa das alianças para governar e da pressão dos lobbys de diferentes setores da sociedade, o governo não tinha como transformar todas as demandas dos movimentos sociais em políticas públicas. O resultado foi que alguns pleitos foram atendidos e outros, não. É nesse sentido que eu considero que a participação nesse período foi baseada na escuta, pois os espaços deixaram de ser deliberativos para assumir um caráter marcadamente consultivo”.

Ana Claudia faz questão de assinalar que o fato de as formas de participação terem sofrido transformações – e em boa medida se atenuado – com o passar dos anos não significa que as reivindicações contidas nos dois primeiros modelos tenham desaparecido por completo. “Ao contrário, as ideias de emancipação e de deliberação continuam presentes até hoje, mas já não são mais predominantes”, esclarece. A cientista social não considerou em sua tese o período atual, marcado pelo governo da presidente Dilma Rousseff, nem as manifestações de junho de 2013. A pesquisadora não descarta que possamos estar experimentando um quarto modelo de participação, mas entende que este eventual novo imaginário sobre a participação somente poderá ser mais bem analisado no futuro. Ana Claudia observa, todavia, que estão em plena discussão propostas de realização de plebiscito ou referendo para a realização da reforma política. Outro ponto importante em debate é a Política Nacional de Participação Social (PNPS), cujo decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff foi recentemente derrubado pela Câmara dos Deputados sob o argumento de que ele teria inspiração “bolivariana”, e que seria uma forma autoritária de passar por cima do Congresso. O Legislativo, conforme Ana Claudia, ignorou que esses espaços participativos já existem, e inclusive boa parte deles está regulamentada por lei. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chegou a adiantar que a matéria também seria rejeitada pela Casa, pelos mesmos motivos. “O decreto não tem nada disso. O texto propõe apenas organizar os espaços, regulamentar as audiências públicas e estabelecer certos fluxos entre conselhos, conferências etc. Por causa da eleição, porém, os argumentos contrários prevaleceram, até como forma de deslegitimar a presidente. O resultado, infelizmente, foi a derrubada do decreto pela Câmara”, considera a pesquisadora. Segundo a cientista social, se por um lado há, nos dias que correm, uma pressão por maior participação da sociedade nas decisões sobre os destinos do Brasil, e as manifestações de junho de 2013 são uma evidência disso, por outro o país conta com um Congresso Nacional bastante conservador e pouco permeável a essa contribuição popular. “Do ponto de vista do sistema político, nós vivemos uma situação ainda pior que em passado recente”, pontua a pesquisadora, que usou como fontes primárias para o seu trabalho artigos acadêmicos e textos assinados por militantes de esquerda, entre outros. Parte da tese foi desenvolvida na Brown University, nos Estados Unidos, onde a pesquisadora cumpriu período de doutorado sanduíche. Sobre o fato de a pesquisa ter recebido o Prêmio Capes de Tese, Ana Claudia se disse inicialmente surpresa e depois feliz. “Fiquei feliz pela Unicamp, que me deu todas as condições de estudo e onde fiz toda a minha formação superior. Também fiquei muito satisfeita por ver um campo de estudos ainda em construção nas ciências sociais, e pouco compreendido pela sociedade, ter esse tipo de reconhecimento pela academia”.


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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014

A cidade invisível Foto: Divulgação

Dissertação mostra como é a realidade nas duas maiores ocupações de Campinas ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

ampinas rica, Campinas pobre. Duas populações distintas numa cidade de 1,2 milhão de habitantes, vivendo progressos e retrocessos. Trata-se de uma cidade corporativa, voltada principalmente a grandes empresas, e não à própria população. É um município que esconde a sua periferia, a terceira maior do Estado de São Paulo, com quase 15% de sua população morando em área de ocupação urbana, de loteamento irregular ou de favelas. “Cerca de 150 mil pessoas não são devidamente ouvidas e não têm acesso à infraestrutura e serviços urbanos. Por isso, se não lhes dermos voz no Plano Diretor de Campinas, elas não vão conseguir nada no futuro”. Esta é uma das conclusões da geógrafa Helena Rizzatti Fonseca em estudo de mestrado apresentado ao Instituto de Geociências (IG), ao estudar as duas maiores ocupações urbanas da cidade: o Jardim Campo Belo e o Parque Oziel. A ocupação do Parque Oziel fica a 5 km do centro de Campinas e o Campo Belo a 15 km. As duas áreas foram ocupadas simultaneamente, em 1997, e estão conectadas pela Rodovia Santos Dumont. Essas ocupações urbanas foram, bem dizer, ignoradas pela Prefeitura por muito tempo e, em 2006, já havia uma população de 50 mil pessoas no Campo Belo e de 30 mil no Parque Oziel, totalizando 80 mil habitantes. Vieram majoritariamente da Região Metropolitana de Campinas (RMC), da RM de São Paulo e de Estados como Paraná, Mato Grosso e Maranhão. De 1997 a 2006, essas pessoas se “viraram” como foi possível. Instalaram precária infraestrutura urbana: construíram canalização para rede de esgoto; buscaram água de represas próximas; puxaram fiações elétricas de bairros ao redor; construíram escolas e casas. “Ao chegarem nos terrenos, os líderes buscam separar o que seriam ruas e avenidas, demarcam lotes e tiram todo matagal”, revela Helena que, na sua dissertação, foi orientada pela professora Adriana Maria Bernardes da Silva. Em 2006, veio o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), uma iniciativa do Governo Federal para promover o crescimento econômico do país. Uma parte do PAC era destinada à urbanização de favelas e ocupações de regiões metropolitanas. O Campo Belo e o Parque Oziel sobressaíram-se como os principais bolsões de pobreza de Campinas a receber intervenções deste programa.

URBANIZAÇÃO CORPORATIVA Um primeiro aspecto importante desta pesquisa foi o entendimento da urbanização corporativa, assim definida por orientar grandes investimentos econômicos para atender às necessidades das corporações em detrimento do investimento social. Este foi um conceito proposto pelo geógrafo Milton Santos, ao analisar o alargamento do processo de globalização no país nas últimas décadas.

Atreladas às modernizações de frações privilegiadas do território estão as condições da crise que permeiam as cidades brasileiras: concentração de renda e fundiária, escassez de terras para moradia popular, acentuada especulação imobiliária, ausência de serviços básicos e precarização dos serviços existentes, entre outros fatores. Neste contexto, intensificaram-se a periferização, a segregação, o empobrecimento e os conflitos urbanos, tais como os das ocupações urbanas. Em Campinas, nos anos de 1990, seguindo a lógica da urbanização corporativa, houve a implantação do II Polo de Alta Tecnologia (Ciatec), que inclui empresas, universidades, centros de pesquisa, todos localizados no distrito de Barão Geraldo; foi retomado o projeto de expansão do aeroporto de Viracopos; e foi impulsionado um grande crescimento de condomínios e loteamentos murados na cidade. Todos esses investimentos (com exceção do aeroporto) se localizam na macrorregião norte, acima da Rodovia Anhanguera. Helena reafirma que Campinas tem uma macrorregião norte rica e outra sul pobre, cindidas por essa rodovia. Isso foi inicialmente analisado pelos economistas Wilson Cano e Carlos Brandão, do Instituto de Economia da Unicamp. De acordo com o estudo, de 2002, mais de 70% da área irregular pobre de Campinas localizava-se na macrorregião sul e outros 30% estavam dispersos na norte. “Essa divisão pela Anhanguera é feita há tempo”, diz. Tanto é que a primeira vila operária da cidade, a Vila Industrial, está ao sul da Anhanguera e foi construída em 1911. “Trata-se de um planejamento intencional que precisamos mostrar: houve um planejamento para que a população pobre ficasse ao sul”, denuncia. Na década de 1990, a instalação de condomínios fechados em áreas rurais, destinados à população de alta renda, aprofundou a segregação socioespacial em Campinas. Isso trouxe um ônus considerável à cidade, segundo Helena. Foram construídos condomínios distantes da malha urbana, entre eles Barão Geraldo, Sousas e Joaquim Egídio, sendo necessário deslocar asfalto, saneamento básico e energia elétrica. “Só que aí é para beneficiar a população de alta renda”, compara. “Isso mostra as faces de uma urbanização corporativa que concentra investimentos em uma pequena parcela da cidade, em detrimento do todo.”

OCUPAÇÃO URBANA Na década de 1990, houve um aumento de 70% das ocupações urbanas em Campinas, “o que demonstra mudança nas estratégias de luta dos movimentos sociais, pois as pessoas perceberam que as favelas eram mais difíceis de regularizar”, observa Helena. As ocupações costumam ser planejadas e se instalam em terrenos onde os proprietários possuem dívidas públicas, incentivando, a posteriori, a regularização da área. Foto: Antoninho Perri

Vista parcial do Parque Oziel, onde residem 30 mil pessoas: moradores desassistidos

Implantado na Constituição de 1988 e regulamentado a partir de 2001 com o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor deve auxiliar no planejamento e gestão urbanos, em prol de todos, fazendo valer a função social da cidade. “Mas o plano de Campinas, de 2006, não incorporou devidamente a existência e os conflitos internos dessas parcelas pobres da cidade, silenciando os problemas de 80 mil pessoas, só nessa parcela que analisamos”, garante. Foi analisado também o Plano Municipal de Habitação, exigido pelo Governo Federal para todas as cidades que queiram receber o investimento do Programa Minha Casa, Minha Vida. São denominados Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS). Foi o primeiro desse tipo de plano no município e ele possui uma boa junção de dados sobre a situação da habitação em Campinas e sua RM. Todavia, em 2006, iniciou-se o projeto de ampliação do aeroporto de Viracopos, tornando a região do Campo Belo estratégica para a cidade. A área onde a ocupação se instalou destinava-se a essa expansão, prevista desde 1970, mas que tardou a acontecer. Com a retomada dos planos de ampliação do aeroporto, o poder público teve que lidar com a resistência de 50 mil pessoas (quase oito mil famílias) do Campo Belo, que teriam que ser retiradas do local. O então prefeito Hélio de Oliveira avaliou a região junto ao governo do presidente Lula e à Infraero, e decidiu alterar a área de expansão, diminuindo o contingente da população a ser retirada. “Foi, de certo modo, uma vitória popular”, assinala. Junto com essa decisão, foi implantado o Programa de Urbanização de Assentamentos Precários do PAC, nomeado na cidade de Projeto Social Vip-Viracopos. Levaram asfalto, saneamento básico, rede de energia elétrica, escolas e postos de saúde para as duas ocupações estudadas e foi dado início ao processo de regularização em ambas. Na região do Oziel, a implantação de toda a infraestrutura já ocorreu, e a regularização na área está em andamento, ao passo que, no Campo Belo, a regularização está estagnada, porque a área fica localizada no cone de ruídos do aeroporto. Esta questão prossegue sendo debatida na Prefeitura. A regularização também foi objeto de análise na dissertação de Helena. Para compreender a constituição dessa parcela da macrorregião sul da cidade, delimitada como região sul, a pesquisadora estudou a antiga lei de concessão do uso do solo urbano, de 1981, elaborada pela Assembleia do Povo de Campinas, e a recente lei de regularização do solo urbano, de 2003, implantada junto à Secretaria de Habitação de Campinas (SeHab), que busca regularizar os núcleos irregulares de população de baixa renda instalados até 2001. São ao todo 234 núcleos existentes no município, incluindo as regiões estudadas.

RESISTÊNCIA

A geógrafa Helena Rizzatti Fonseca: “Cerca de 150 mil pessoas não são devidamente ouvidas e não têm acesso à infraestrutura e serviços urbanos”

Outra parte da pesquisa consistiu em compreender o cotidiano dessa população de baixa renda que vive nas ocupações. “A população pobre está achando os seus meios de garantir a sobrevivência, está resistindo e construindo uma cidade”, salienta Helena. Ela analisou a ação das Associações de

Moradores do Bairro, a implantação de infraestrutura urbana informal, a produção e distribuição de uma informação sobre o lugar e para o lugar (denominada informação ascendente), e os fluxos traçados pela população para atingir os serviços de saúde e educação nas duas regiões estudadas. Uma das formas de demonstrar a força dessa população foi pela observação de que quando não há os fixos públicos nas ocupações, ou quando são insuficientes, a população se organiza para atingir postos de saúde e escolas de outras áreas, criando rotas, caminhos e fluxos. O Centro de Saúde São José, por exemplo, atende a população rural de Campinas, a do bairro São José e a do Parque Oziel, que tem somente dois postos de saúde. Cada um deles tem capacidade para atender seis mil pessoas numa área com população superior a 30 mil pessoas. A autora do estudo aponta num mapa os fluxos para atingir esses fixos públicos, sinalizando como essa outra parcela da cidade está sendo construída, como o território vem sendo usado pela população. Ao traçá-lo, ela notou que, não somente a própria população e os funcionários dos fixos, se organizam para ter acesso à saúde e educação, como há casos em que a população construiu ruas para facilitar o acesso a esses fixos. “Quando analiso esses fixos dessas ocupações, todos se localizam na Administração Regional (ligada à Secretaria de Infraestrutura), da qual as duas regiões fazem parte, por isso considero essa regionalização mais eficiente para um planejamento em busca da justiça social da cidade”, realça Helena, em contraponto à regionalização por macrozonas, adotada para organizar a participação popular no Plano Diretor em vigor. “O Plano Diretor deve incorporar de fato a participação popular e se apoiar em novas bases teóricas para regionalizar a cidade. É perverso utilizar uma regionalização por macrozona, empregada para equacionar variáveis econômicas, para gerir questão social”, ensina. “Regionalizar é uma ação política. Delimita quem tem mais voz e quem tem menos”, conclui Helena, que integra o grupo de pesquisa “Círculos de informações, urbanização e território”, coordenado pela professora Adriana Bernardes, e que auxilia na coordenação do Observatório Permanente dos Conflitos Urbanos de Campinas. Esse Observatório lê a cidade a partir de sua conflitualidade, oferecendo um rico conjunto de conhecimentos que podem sustentar um novo tipo de intervenção planejada.

Publicação Dissertação: “O recente processo de urbanização da cidade de CampinasSP (1990-2014): as ocupações urbanas - um estudo dos usos do território da Região Sul” Autora: Helena Rizzatti Fonseca Orientadora: Adriana Maria Bernardes da Silva Unidade: Instituto de Geociências (IG)


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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014

Cientistas detalham ações de proteína que ‘marca’ moléculas CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

divisão celular, na qual uma célula viva se converte em duas, é uma das ocorrências mais corriqueiras da natureza, mas também uma das mais complexas e vitais. Dela dependem o crescimento e a reprodução dos seres vivos, e doenças como o câncer nascem de erros nesse processo, que utiliza um sofisticado maquinário molecular, feito de proteínas. Detalhes até agora desconhecidos do funcionamento de parte dessa aparelhagem foram desvendados em pesquisas realizadas por Edmarcia Elisa de Souza, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), na sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. O foco do trabalho de Edmarcia foi uma quinase, um tipo de proteína que “marca” outras moléculas, por meio de um processo chamado fosforilação, ativando-as, desativando-as ou alterando sua função, chamada Nek 7. “A Nek 7 é um conhecido regulador da divisão celular”, disse a pesquisadora ao Jornal da Unicamp, mas um regulador pouco estudado. “Uma das coisas que se faz muito no meu grupo, quando a gente estuda a função de uma proteína, é identificar os seus parceiros de interação, outras proteínas que interagem com a proteína alvo. As quinases são proteínas que se comportam como ‘hub’, ou ‘nó’, que se encontram como focos em redes de interações e que interagem com muitas outras proteínas, geralmente”, acrescentou Jörg Kobarg, professor da Unicamp, pesquisador do LNBio e orientador da tese de Edmarcia. “Então, a abordagem do doutorado dela foi identificar os parceiros de interação da Nek 7”. Com isso, a pesquisadora construiu o interatoma – o mapa das relações de interação – da Nek 7. “Se uma proteína está interagindo fisicamente com outra, é um indicativo de que ela pode estar atuando na mesma função desse interator. É uma primeira hipótese. A segunda hipótese é que elas podem atuar juntas, ou dependentemente associadas, num mecanismo molecular específico ou que ainda não foi descoberto, por exemplo”, explicou Edmarcia. Uma das descobertas do estudo do interatoma da Nek 7 foi a de que a sua função é independente da de outra quinase, a Nek 6, algo que contrariava a literatura disponível até então. Essa descoberta rendeu a Edmarcia a publicação de um artigo no Journal of Proteome Research, um dos principais periódicos da área. “Nossos estudos demonstraram um amplo espectro de proteínas de interações com a Nek7 humana, classificadas dentro de múltiplas categorias funcionais, sobretudo, da divisão celular”, diz o texto da tese.

SEGREGANDO CROMOSSOMOS

Durante a mitose, processo em que uma célula se divide em duas células idênticas à original, ocorre a segregação do material genético, que está presente nos cromossomos alojados no núcleo, durante uma fase chamada intérfase. Depois de se replicarem na intérfase, os cromossomos precisam ser alinhados corretamente no plano central da célula e então separados, com cada coleção completa sendo puxada para longe da outra, por um “guindaste” cujos cabos, os microtúbulos, são cordas moleculares feitas de proteínas. Numa mitose normal, estruturas chamadas centrossomos migram para extremidades opostas do interior da célula, e produzem o chamado fuso mitótico, um conjunto de redes de microtúbulos que agarra os cromossomos, já duplicados e alinhados. A partir daí, os cromossomos são puxados em direção aos polos ocupados pelos centrossomos. Problemas nestes mecanismos podem gerar defeitos como a aneuploidia, quando as células resultantes da divisão têm números diferentes de cromossomos. A aneuploidia é uma condição associada a tumores malignos, e que pode ser causada por uma mitose multipolar, em que os cromossomos são puxados não em duas, mas três ou mais direções diferentes, pelos centrossomos. É nessa fase, de alinhamento e separação dos cromossomos, que a Nek 7 atua. “Quando se reduz a expressão da Nek 7, acontece a mitose multipolar”, explicou a pesquisadora. “A função de Nek 7 é, primeiro, separar corretamente os centrossomos, e o erro na separação causa esse tipo de condição característica de células de câncer”.

Estudo do IB revela como a quinase Nek 7 interage com ‘parceiros’ Fotos: Antonio Scarpinetti

A pesquisadora Edmarcia Elisa de Souza, autora da tese: desenvolvendo o mapa das relações de interação da Nek 7

“Isso sugere que a Nek 7, por ser uma quinase, vai lá fosforilar as proteínas e, com isso, promove um processo ordenado. E se ela falta, há problemas”, disse o orientador, Jörg Kobarg. Em seu trabalho, Edmarcia descobriu uma ligação estreita entre a Nek 7 e a proteína chamada RGS2. “Nós descobrimos, inesperadamente, que um dos interactores de Nek7, a proteína RGS2, estava localizada em estruturas-chave, essenciais para o processo de divisão celular, dentre elas o centrossomo e o fuso mitótico”, disse a pesquisadora. Uma desregulação dessas estruturas pode levar ao câncer.

TECNOLOGIA

“E como você consegue chegar a essas conclusões? Tendo as ferramentas corretas”, disse Edmarcia. As descobertas de Edmarcia foram feitas com a ajuda de tecnologias de ponta para a produção de imagens microscópicas, que permitem monitorar e registrar o funcionamento, passo-a-passo, de uma célula viva. A pesquisadora trabalhou por cinco meses no laboratório do pesquisador americano Stephen Doxsey, da Universidade Médica de Massachusetts, onde teve acesso a equipamentos que permitem fazer vídeos de “time-lapse” – que concentram um longo período de tempo em poucos segundos, como os filmes de flores desabrochando comuns em documentários sobre a natureza – de processos celulares.

O professor Jörg Kobarg, orientador da pesquisa: “As proteínas também interagem fisicamente”

“Fomos para os EUA para tentar desvendar a função de RGS2 e Nek 7 no fuso mitótico, a estrutura essencial para divisão celular e cuja desregulação está diretamente relacionada ao câncer”, disse a pesquisadora. “O laboratório do professor Steve Doxsey possui equipamentos de ponta e seu grupo possui expertise em ‘time-lapse image’, que nos possibilita assistir à divisão celular, e à dinâmica molecular em células vivas, em tempo real. Então, você faz um filme da célula se dividindo”. Outros estudos realizados por ela, com o uso da tecnologia de microscopia confocal, que permite a produção de imagens tridimensionais de estruturas microscópicas, revelaram que a proteína RGS2 é necessária para a organização e orientação do sistema de “cabos” que segrega os cromossomos, o fuso mitótico. “Então, se você me perguntar, qual o resumo da ópera, ele é: a redução da expressão de Nek 7 ou de RGS2 causaram efeitos similares no fuso mitótico. Além disso a localização de RGS2 no fuso mitótico é dependente de Nek7. Isso indica uma ligação funcional entre as duas”, explicou Edmarcia. “E elas interagem fisicamente, também”, lembrou Kobarg. “O efeito similar da redução de uma ou outra é um forte sinal de que, além de interagir fisicamente, elas atuam na mesma função”. A apresentação da descoberta sobre o papel da RGS2 no fuso mitótico deu a Edmarcia um prêmio da Sociedade Brasileira de Biologia Celular, e o uso que fez da mi-

croscopia confocal foi reconhecido com um prêmio num workshop sobre a tecnologia, realizado no LNBio. “Ela aplicou todos os recursos que existem hoje em dia para estudar fenômenos moleculares dentro da célula viva, e achou coisas inéditas”, disse Kobarg.

INDO MAIS FUNDO

“O fascinante é ver a função molecular: isso se traduz numa coisa para a célula, que por sua vez se traduz em outra no tecido, no órgão, na formação do tumor. Todas essas funções afetam diferentes níveis de organização, transbordam para o próximo nível, por assim dizer”, disse o orientador. Edmarcia e Kobarg reconhecem que ainda há muito a descobrir sobre a relação funcional entre Nek 7, RGS2 e os mecanismos de interação entre essas moléculas. “Nós não temos o mecanismo molecular, não temos a cascata de sinalização. E é isso que gostaríamos de saber: qual seria a posição da Nek 7 nessas funções. É o nosso principal interesse”, disse a pesquisadora. “Agora nós tentamos descobrir: será que Nek 7 diretamente interage e fosforila RGS2, e então a RGS2 desempenha a função no fuso mitótico e na divisão celular? E saber como isso acontece, quais as demais moléculas envolvidas”, completou a pesquisadora. “A gente sabe que a Nek7 fosforila in vitro a RGS2. Agora, se a gente pudesse, por exemplo, identificar os resíduos da RGS2 fosforilada in vivo, ou alterar esses resíduos, seria interessante”, disse o orientador. “Saber se a fosforilação em uma posição da proteína faz diferença em relação a outra, será que essa mutação causa a mesma coisa? Se tivéssemos esse tipo de detalhamento do mecanismo, se pudermos conectar, molecularmente, algo como o início de uma etapa da divisão celular à fosforilação. A gente ainda está, neste momento, no nível das proteínas, mas tem um nível atômico, por dizer assim, um nível bem fino da regulação”.

Publicação Tese: “A Nek7 é uma quinase multifuncional que atua sobre diferentes processos biológicos e em concerto com a sinalização da divisão celular” Autora: Edmarcia Elisa de Souza Orientador: Jörg Kobarg Unidade: Instituto de Biologia (IB)


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A arte do cinema, quadro a quadro Dois livros do professor e pesquisador norte-americano David Bordwell, ambos lançados pela Editora da Unicamp, mostram como se entrelaçam os elementos que compõem a narrativa fílmica Fotos: Divulgação/Reprodução

MARTA AVANCINI Especial para o JU

uando vamos ao cinema, uma das experiências mais comuns é mergulhar na narrativa que se desenrola na tela grande à nossa frente. Nós nos desligamos do cotidiano e, durante uma hora e meia, entramos num mundo paralelo, onde vivenciamos todo tipo de emoção: da raiva contra o vilão à alegria pelo par romântico que finalmente se encontra. No entanto, fazer aflorar as emoções é apenas uma das experiências que o cinema pode nos propiciar. Mais do que assistir a um filme e ser afetado pela narrativa, pelos personagens ou pela cenografia, é possível ir algumas camadas mais fundo, compreendendo como a obra é construída, de modo a nos causar tantos efeitos. Olhar o cinema a partir desta perspectiva é a proposta que percorre dois livros do professor e pesquisador norteamericano David Bordwell, lançados pela editora da Unicamp: “Sobre a história do estilo cinematográfico” e “A arte do cinema – Uma introdução” (coedição Edusp), este escrito com Kristin Thompsom. Professor de estudos fílmicos na Universidade de Wisconsin-Madison, Bordwell é considerado um dos principais teóricos e historiadores do cinema na atualidade. “Dentro dos estudos de cinema, talvez ele seja a principal figura no campo anglo-saxão”, demarca Fernão Pessoa Ramos, professor titular do Departamento de Cinema do Instituto de Artes da Unicamp, que assina as apresentações das duas obras. “Saindo deste campo, na França há diversos outros estudiosos, mas Bordwell é uma figura de bastante destaque”. Embora seja autor de várias obras-chave para a análise e a compreensão da narrativa fílmica, Bordwell tinha apenas um livro lançado no Brasil antes dessas duas publicações, “Figuras traçadas na luz – A encenação no cinema”. “Não tinha mais nada, então realmente era um buraco”, enfatiza Ramos.

UMA

Fotograma de “Na roda da fortuna”, dos irmãos Cohen: exagero para exprimir humor

EDUCAÇÃO DO OLHAR

A singularidade da obra de Bordwell é, justamente, que ele nos ensina a ver um filme, usando como matéria-prima a imagem cinematográfica, ou seja, o filme tal como ele é projetado na tela, a imagem de cena. Difere, então, de boa parte dos autores que estudam o cinema e utilizam como suporte de suas análises as fotografias de cena, produzidas nos estúdios durante a filmagem para divulgação e outros fins - e não os filmes tal como os espectadores o veem.

SERVIÇO Título: Sobre a história do estilo cinematográfico Autor: David Bordwell Tradução: Luís Carlos Borges Editora da Unicamp Área de interesse: Cinema Preço: R$ 120,00

Cenas de “A Mãe” (à esq.), de V. I. Pudovkin, e de “Andorinhas por um fio”, de Jiri Menzel: mais luz nas personagens em contraste com o fundo mais apagado

Como se baseia em fotogramas, ao analisar os filmes, Bordwell nos oferece uma série de ferramentas para ver os filmes, apreendendo de que maneira as técnicas e os elementos característicos do cinema - a fotografia, o enquadramento, a cenografia, a montagem, o roteiro, a miseen-scène, o som e a música - se entrelaçam, dando origem à arte cinematográfica. “Isso é importante, pois sem essas ferramentas, olhamos, mas não vemos. Ficamos na parte mais explícita, que é a de conteúdo, que é importante, mas não é tudo”, explica Ramos. Ou seja, as pessoas tendem a opinar e a se posicionar criticamente sobre o filme, o que não envolve, necessariamente, uma compreensão dos aspectos que o constituem enquanto arte. “Por exemplo, muitas vezes, as pessoas dizem que gostam de determinado filme, porque apresenta uma visão de mundo parecida com a dela, mas a arte cinematográfica vai além disso”. Nesse sentido, a obra de Bordwell pode ser comparada às de vários estudiosos das artes plásticas que, por meio de análises de obras específicas, nos fornecem elementos para identificar períodos, movimentos ou artistas. “Seu objetivo não é fazer uma crítica do filme, mas fazer uma análise audiovisual”, aprofunda Ramos. Assim como você olha para um quadro e diz “isso é Maneirismo”, “isso é Barroco”, “olha essa perspectiva do Renascimento”, “essa expressão é Rembrandt”, “isso é Picasso, é Cubismo”, a obra de Bordwell possui esse mesmo horizonte em relação ao cinema.

LÓGICA

GERAL

Como Bordwell argumenta em “A arte do cinema: uma introdução”, a distinção entre cinema de arte e cinema de entretenimento não é útil para a compreensão do cinema, pois muitos recursos artísticos foram descobertos

em produções destinadas a divertir o público. Certos recursos permaneceram ao longo do tempo, outros podem se modificar, sob a influência da tecnologia, por exemplo. “O cinema é arte porque oferece aos cineastas meios para fornecer experiências aos telespectadores, e essas experiências podem ser valiosas independentemente de seu pedigree”, defende o norte-americano. “Filmes para plateias grandes ou pequenas pertencem a essa arte muito abrangente a que chamamos de cinema”. Desse modo, colocam-se questões como: Quais são os princípios que compõem um filme? Como as várias partes se relacionam entre si para criar um todo? Partindo do pressuposto que um filme não é uma compilação aleatória de elementos, Bordwell defende que há um padrão, uma lógica geral que controla as relações entre as partes. É esta lógica geral que ele denomina forma, a chave da experiência fílmica, do vínculo que se estabelece entre o espectador e o que se desenrola à sua frente. O conceito de forma não se restringe ao cinema – pode ser aplicado a outras artes: literatura, música etc. – e tem importância central no engajamento dos sentidos, do sentimento e da mente do ser humano num processo. É por meio da forma que um filme captura nossa imaginação ou que nos envolvemos num romance. Muitas vezes, os elementos que compõem uma forma se tornam um padrão - de um diretor, de uma escola cinematográfica ou mesmo em filmes de autores, gêneros e épocas distintas. “Todos os filmes emprestam ideias e estratégias narrativas de outros filmes e outras formas de arte. Muito do que acontece nos filmes é ditado por regras tradicionais, normalmente chamadas de convenções”, afirma Bordwell. Desse modo, é comum que padrões que vemos num filme nos remetam a outros.


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e novembro de 2014 Foto: Antonio Scarpinetti

Na comédia satírica “A Roda da Fortuna”, dos irmãos Cohen, a perspectiva mostrada em duas cenas se vale do exagero com a intenção de criar humor: na cena em que o chefe, Headsucker, paira sobre a rua numa composição íngreme e centrada e em outra cena que mostra o arranjo impessoal das mesas de trabalho na empresa Headsucker. Outra linha de análise de Bordwell é se deter sobre os diversos aspectos que compõem e dão materialidade a um filme. Por exemplo, quais são os instrumentos usados pelos diretores para guiar a atenção do espectador? Uma delas, que sobreviveu ao tempo e às mudanças que o cinema sofreu ao longo de sua existência é o contraste. Na maioria dos filmes em preto e branco, roupas claras ou rostos bem iluminados se destacam, enquanto áreas mais escuras tendem a ser ofuscadas, como no filme “A Mãe”, de V. I. Pudovkin. O mesmo princípio funciona para filmes em cor, ao se usar um figurino iluminado mostrado em um cenário mais apagado.

O

O professor Fernão Ramos, do Instituto de Artes: “Dentro dos estudos de cinema, talvez David Bordwell seja a principal figura no campo anglo-saxão”

ESTILO CINEMATOGRÁFICO

Para Bordwell, a experiência fílmica, ou seja, a maneira como somos afetados pelo filme depende do tecido constituído pelas imagens em movimento e pelo som que as acompanha. “O público consegue acesso à história ou ao tema por meio desse tecido de materiais sensoriais”, afirma o autor no livro “Sobre a história do estilo cinematográfico”. Nesse sentido, para ele, estudar cinema é estudar as técnicas e as maneiras como elas interagem, criando o sistema formal do filme. E, na visão de Bordwell, o sistema formal do filme é o estilo, o qual pode ser individual ou grupal – ou seja, podemos falar no estilo de um autor ou de um grupo (Expressionismo Alemão, Nouvelle Vague francesa, os estúdios de Hollywood, por exemplo) ou de um gênero (musical, western, dentre outros). O estilo pode ser definido, então, como as escolhas técnicas características e recorrentes em um corpo de obras. Ou ainda como “o uso sistemático e significativo de técnicas de mídia em um filme”. Essas técnicas se classificam em domínios amplos: mise-en-scène (encenação, iluminação, representação e ambientação), enquadramento, foco, controle de valores cromáticos, além de aspectos relacionados à edição e ao som. Assim, quando se fala no estilo de Hitchcock, este não se limita à maneira como ele trata os diálogos com suspense, mas diz respeito também à encenação, a qual abrange diversos aspectos – desde a direção de atores, à iluminação e ao som. Em dois clássicos do diretor, “Festim Diabólico” e “Janela Indiscreta”, Hitchcock limita as ações a um espaço específico: um apartamento. Tomando este ponto de partida, Bordwell adota um rumo diferente do de boa parte dos estudos sobre a história estética do cinema, os quais normalmente a distinguem da história da tecnologia do cinema, da história da indústria cinematográfica ou mesmo dos estudos das relações entre o cinema e a sociedade e a cultura. “Não é fácil delimitar com nitidez esses tipos de história, e qualquer projeto de pesquisa específico irá misturá-los com frequência”, afirma o autor em “Sobre a história do estilo cinematográfico”. Assim, seu enfoque reside nos padrões de continuidade e nas mudanças estilísticas, buscando demarcar essas dimensões na historiografia sobre o estilo cinematográfico, conforme esclarece Fernão Pessoa Ramos: “Este é um livro que tem um recorte de reflexão. Bordwell faz um panorama das principais obras de referência sobre história do cinema”. A partir deste panorama, e ele estabelece três períodos – o período clássico, a ruptura do Andre Bazin e a visão moderna.

Análises privilegiam contexto histórico As formas e técnicas definem o cinema como arte, na visão de Bordwell, mas as formas e técnicas do cinema não existem num espaço atemporal. Ou seja, nem todas as técnicas e possibilidades estão acessíveis a qualquer cineasta – por isso, Grifith não poderia fazer filmes como Godard, e Godard não poderia fazer filmes como Grifith. A partir deste ponto de partida, Bordwell dedica um capítulo de “A arte do cinema – Uma introdução” para mostrar os desenvolvimentos em diferentes contextos históricos. Algumas de suas análises são destacadas a seguir:

O DESENVOLVIMENTO CLÁSSICO DE HOLLYWOOD D. W. Grifith, que iniciou sua carreira em 1908, certamente não inventou todos os dispositivos aos quais é creditado, mas ele de fato deu a muitas técnicas uma forte motivação narrativa. Por exemplo, poucos cineastas utilizavam resgates simples de último minuto com montagem alternada entre os salvadores e as vítimas, mas Grifith desenvolveu e popularizou essa técnica. Fotos: Divulgação/Reprodução

O primeiro e o segundo planos se fundem na sequência de “Relíquia macabra”

Nos anos 1920, o sistema de continuidade se tornou um estilo padrão que os diretores nos estúdios de Hollywood utilizavam quase automaticamente para criar relações coerentes de tempo e espaço nas narrativas. Um raccord de ação poderia proporcionar um corte para uma visão mais próxima de uma cena, como se vê em “Os três Mosqueteiros”, de Fred Niblo, de 1921.

Corte na sequência de “Os três mosqueteiros”, de Fred Niblo: relações coerentes de tempo e espaço nas narrativas

EXPRESSIONISMO ALEMÃO O primeiro filme do movimento, “O gabinete do Dr. Caligari”, é também um dos exemplos mais típicos. Um dos designers, Warm, declarou que “a imagem do filme deve se tornar arte gráfica”. “Dr. Caligari”, com suas estilizações extremas era de fato como uma pintura ou xilogravura expressionista em movimento. As formas são distorcidas e exageradas de maneira não realista com finalidades expressivas.

Cenas expressionistas de “O gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene: formas distorcidas

A NOUVELLE VAGUE A qualidade mais revolucionária dos filmes da Nouvelle Vague era sua aparência casual. Os diretores admiravam os neorrealistas, especialmente Rossellini, e faziam sua mise-en-scène e locações externas, em e ao redor de Paris. A cinematografia também mudou. A câmera da Nouvelle Vague se move constantemente, fazendo panorâmicas, acompanhando os personagens ou traçando relações de lugar. (...) Talvez a característica mais importante dos filmes da Nouvelle Vague seja o fato de que eles geralmente terminam de maneira ambígua. Em “Os Incompreendidos”, Antoine chega ao mar na última cena, mas, à medida que ele avança, Truffaut fecha o zoom e congela o quadro, terminando o filme com a dúvida sobre o que acontecerá com Antoine.

HOLLYWOOD APÓS A CHEGADA DO SOM Foi “Cidadão Kane” que em 1941 chamou fortemente a atenção tanto de espectadores quanto de cineastas para o foco em profundidade. As composições de Orson Welles colocavam as figuras do espaço frontal da cena bem próximas da câmera e as figuras do espaço traseiro longe no plano do fundo.

SERVIÇO Título: A arte do cinema – Uma introdução Autores: David Bordwell e Kristin Thompson Tradução: Roberta Gregoli Editora da Unicamp e Edusp Área de interesse: Cinema Preço: R$ 250,00

Imagem final de “Os incompreendidos”, filme dirigido por Truffaut: incerteza quanto ao futuro

“Cidadão Kane”, de Orson Welles


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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014 Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como parte de uma política para este período de aprendizagem escolar, significa uma verdadeira revolução no futuro da educação no país. A avaliação tende a consolidar o que determinam as diretrizes da lei federal, definidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), pelo menos no que diz respeito ao campo das “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”, segundo avaliou, em tese de doutorado defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), a pesquisadora Cynthia Agra de Brito Neves. Para entender a importância do Enem, Cynthia foi para a França, estudar o ensino médio nos lycées e a avaliação final dos estudantes franceses, a qual seria, hipoteticamente, semelhante ao exame brasileiro, o chamado Baccalauréat, apelidado de le bac ou le bachôt. A França foi escolhida porque, durante anos, foi a principal referência para os currículos brasileiros e, ainda hoje, é um país determinante nos debates das ciências humanas. As avaliações, como o bac e o Enem, porque acabam por determinar o currículo escolar do ensino médio de ambos os países. “O ensino médio brasileiro agora não direciona suas aulas apenas com o argumento ‘isso cai no vestibular’, mas também ‘isso cai no Enem’”, reflete a pesquisadora, mesmo reconhecendo que, em sua área, a proposta do Enem não é o de uma prova que privilegie o conteúdo. Na França, Cynthia assistiu em torno de 40 horas/aula em dois lycées. Aqui no Brasil, mais 50, em duas escolas particulares e uma pública na região de Campinas. “Minha pesquisa é aquela que chamamos qualitativa, subjetivista, e conta com a transcrição de todas as aulas a que assisti em diários de classe. Contrastei os dois ensinos, recolhi material didático, observei as dinâmicas de salas de aula, sempre focando para como circulam os gêneros poéticos em classe, como o professor trabalha com isso e como os alunos recepcionam as poesias”. A preocupação da autora da tese com os gêneros poéticos tem muitas razões de ser. Na introdução do trabalho ela já defende o resgate do ensino de poesias em sala de aula. “Afinal, ‘(...) a palavra poética funda os povos. Sem épica não há sociedade possível, porque não existe sociedade sem heróis em que reconhecer-se’”, salienta, utilizando as palavras do escritor Octávio Paz. Cynthia concorda com os estudiosos que fazem críticas ao ensino da língua preocupado apenas com os usos funcionais, “numa perspectiva comunicativista ou utilitarista da linguagem que, centrada nas temáticas do cotidiano, valem-se de recursos e textos tirados da mídia (jornais e revistas), ou de outros discursos não literários, como se fossem os únicos importantes na formação linguística e educacional”, escreve. De modo geral, a pesquisadora afirma ter constatado mais semelhanças que diferenças entre o ensino-aprendizagem dos gêneros poéticos em sala de aula no Brasil e na França. “Tanto lá quanto cá, há uma supervalorização do aspecto formal do poema. Pede-se, em primeiro lugar, para o aluno reconhecer se aquele poema é um soneto, em seguida, identificar a rima e a métrica. Além disso, há uma insistente busca pelas figuras de linguagem, então o aluno se vê obrigado a descobrir a metáfora, a achar a antítese, ou seja, pratica-se uma leitura ‘eferente’ em vez de uma leitura ‘estética’ - eis o ‘pecado’ de alguns professores”, critica. Os alunos, por sua vez, tentam fugir desse formalismo “burlando” as aulas com perguntas inusitadas. Cynthia conta que na França os estudantes perguntavam, por exemplo, se Charles Baudelaire era homossexual, se usava drogas; no Brasil, se Fernando Pessoa era esquizofrênico, se era bipolar, e dessa forma, “atrapalhavam” o professor, sempre preocupado em concluir a programação da aula.

Publicação

Tese: “A literatura no ensino médio: os gêneros poéticos em travessia no Brasil e na França” Autora: Cynthia Agra de Brito Neves Orientadora: Maria Viviane do Amaral Veras Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

Estudantes antes de prova do Enem, no último dia 8: para autora do estudo, “exame avalia competências e habilidades de leitura”

A poesia como rito de passagem Foto: Antoninho Perri

Uma das diferenças notadas entre os dois países foi a leitura de poesias em voz alta realizada na França. “Os alunos são chamados a ler o poema declamando-o com atenção, enquanto no Brasil, nas escolas em que estive, os estudantes não têm ‘vez nem voz’, a não ser quando sacam do bolso um rap e o declamam inesperadamente, como testemunhei em uma escola da rede pública de ensino”. De acordo com a autora, isso se deve ao fato de que, na França, os alunos do lycée têm o Baccalauréat oral, e nesse exame a leitura de poesias em voz alta é cobrada, o que não ocorre no Brasil. Mais uma vez, as avaliações definem os currículos e não o contrário”, reflete.

CONTRASTE O contraste entre a educação francesa e a brasileira parte de uma curiosidade histórica. A pedagogia do país europeu influencia a pedagogia brasileira pelo menos desde o século 19. O Brasil praticamente importava o programa do ensino secundário francês e até os livros que eram usados na França eram lidos aqui, especialmente no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, cujo currículo era referência nacional. O ensino da língua francesa se manteve nos currículos brasileiros, com 15 horas de aula semanais, até 1971. Foi pensando se essa influência perdurava ainda hoje, que a autora elaborou sua hipótese de pesquisa. O Enem teria alguma relação com o bac? O exame francês existe desde 1880. Em 2011, quando Cynthia esteve na França, 71,6% dos alunos tinham conquistado o diploma do bac. No Brasil, salienta a autora, embora o exame seja muito mais recente, hoje mais de 60 universidades federais utilizam só a nota do Enem para o ingresso do aluno e mesmo outras instituições estaduais, como em São Paulo, têm utilizado o exame como parte da nota do vestibular. Além disso, o exame é também utilizado para o acesso a programas oferecidos pelo governo federal, tais como o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o programa Ciência sem Fronteiras. “O Enem é um exame que trabalha a literatura de uma maneira interessante, sem a preocupação de cobrar datas e movimentos literários, sem insistir que os alunos decorem características de autores e obras, ou seja, não tem aquela preocupação enciclopédica que marcou o nosso ensino das décadas de 1970 a 1990. O Enem propõe questões de interpretação de texto, de intertextualidade, contemplando as poesias e a experiência literária do aluno”.

A pesquisadora Cynthia Agra de Brito Neves: comparando os ensinos da França e do Brasil

A autora ressalta que o exame avalia competências e habilidades de leitura e que o “letramento literário” é crucial para que o aluno leia e saiba interpretar o mundo: “a capacidade de se apropriar efetivamente da literatura, da poesia, por meio da experiência estética e da fruição. Quanto mais o aluno-leitor se apropriar do texto e a ele se entregar, mais rica será sua experiência estética, e mais letrado, crítico, autônomo e humanizado ele será”, defende a pesquisadora, fazendo referência a “O direito à literatura”, de Antonio Candido. O Enem segue a orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais que, como determina a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n° 9.394/96), substituiu “Comunicação e Expressão” por ensino de “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”. Da mesma forma, não se fala mais em “redação”, mas em “produção textual” baseada em gêneros. Os multiletramentos e as novas tecnologias também são ressaltados nos PCNs.

“Lendo os currículos oficiais encontramos vários pontos que discutem o ensino de língua materna dialogando, por exemplo, com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, dois professores da universidade de Genebra que propõem trabalhar com gêneros em sala de aula. Estamos dialogando com a Europa o tempo inteiro e isso tem chegado às escolas por meio de livros didáticos recomendados e distribuídos pelo MEC”, diz. Cynthia também é corretora do Enem e afirma que a concepção de linguagem norteadora do trabalho é a que não admite qualificar um aluno pela quantidade de seus erros ortográficos, “que ele seja penalizado por cada acento que esquece”. Mesmo os vestibulares, acrescenta, muitos não são mais quantitativos. “Sei que esse é um aspecto muito criticado de nosso trabalho, sem razão. Claro que ainda há muito o que melhorar mas creio que o Enem está na travessia certa”, conclui.


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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014

Sistema facilita a comunicação com surdo e deficiente auditivo Fotos: Antonio Scarpinetti

Dispositivo desenvolvido na FT-Limeira funciona a distâncias de até cinco metros, em locais internos e externos CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

uem convive, de alguma forma, no trabalho ou no lar, com um deficiente auditivo enfrenta no dia a dia dificuldades ao tentar iniciar com ele a comunicação através de ato ou gesto. Esse é o tema de um vídeo que mostra com humor um jovem deficiente auditivo ou surdo em sua residência, concentrado na leitura de um livro, em posição que não lhe permite visão dos demais ocupantes do ambiente e dos que por ele eventualmente circulam. Quando estes desejam atrair sua atenção para iniciar uma comunicação, utilizam os clássicos recursos do contato visual direto, do toque físico, de sinais luminosos como apagar e acender luzes, de pancadas no solo ou em móveis de modo a produzir vibrações que possam ser percebidas. Os mais preguiçosos jogam almofadas que estejam à mão. Por décadas os métodos utilizados para captar a atenção de um deficiente auditivo ou surdo para iniciar uma interação são sempre os mesmos. Apesar da profusão de tecnologias de comunicação em uso entre as comunidades de deficientes auditivos e surdos, a dificuldade para captar a atenção inicial deles não foi ainda superada com a utilização de novas tecnologias. Esse cenário motivou Marcelo Sodré Plachevski, graduado em Tecnologia de Informática, a dedicar-se ao mestrado em que projetou e desenvolveu um sistema que utiliza a tecnologia de reconhecimento de voz, através de um dispositivo móvel, sensível à voz de qualquer locutor, capaz de gerar um alerta vibratório e luminoso para o surdo quando uma das palavras previamente registradas no dicionário do sistema é pronunciada. O trabalho foi orientado pelo professor Rangel Arthur, da Divisão de Telecomunicações da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, campus de Limeira, atual coordenador do curso de Engenharia de Telecomunicações, e foi coorientado pelo professor Francisco J. Arnold. O pesquisador lembra que não existe uma tecnologia com reconhecimento de voz voltada para o alerta do deficiente auditivo como a proposta em seu projeto. Ainda hoje ele depende muito de alertas tradicionalmente utilizados. Por essa razão, a ideia que conduziu ao trabalho constitui uma inovação e despertou o interesse da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) de São Paulo, quando o conceito inicial da ideia foi apresentado por ele ainda em fase de concepção. Ainda no início do desenvolvimento do estudo, Marcelo constatou essa realidade ao visitar a Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade (ReaTech), que acontece anualmente em São Paulo e que reúne todas as tecnologias existentes voltadas para deficiências de forma geral. Na ocasião, ao manter contato com associações de deficientes auditivos e com empresas que trabalham com produtos voltados para a audição, ele confirmou que não existia nada similar ao que pretendia criar.

Marcelo Sodré Plachevski, autor da dissertação: sistema é composto por itens físicos e lógicos

O professor Rangel Arthur, orientador: palavras podem ser pronunciadas por qualquer locutor

A IDEIA Em linhas gerais, a ideia que orientou a construção do sistema criado pelo pesquisador é simples. O deficiente auditivo mantém, à sua frente ou junto ao corpo, um smartphone que emite um sinal luminoso ou vibração quando uma pessoa próxima pronuncia seu nome. O deficiente fica sabendo que sua atenção está sendo solicitada e dirige então o olhar para o locutor com vistas a estabelecer a comunicação que pode se desenvolver com a utilização de vários recursos, entre eles o emprego da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Os testes mostraram que o sistema funciona a distâncias de até cinco metros, em locais internos e externos e suporta até determinados níveis de ruído, pois quanto mais silencioso o ambiente maior a possibilidade de um reconhecimento adequado. A importância do trabalho ressalta quando se sabe que a população mundial com algum tipo de deficiência é estimada em um bilhão de pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, de acordo com o censo do IBGE, de 2010, 45,6 milhões de pessoas possui algum tipo de deficiência, o que representa 23,9% da população. Desse universo, 9,71 milhões declararam-se com algum tipo de deficiência auditiva. Diante desse quadro o autor da dissertação se perguntou inicialmente o que poderia ser feito para auxiliar essas pessoas e como a tecnologia pode ser utilizada para facilitar suas vidas. Sobre a importância dessas iniciativas ele encontrou apoio no que diz Mary Pat Radabaugh, uma especialista na área de Tecnologia Assistiva: “Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis”.

A Tecnologia Assistiva constitui uma área interdisciplinar do conhecimento que engloba produtos, metodologias, estratégias e serviços com o objetivo de promover a autonomia e independência de pessoas com deficiências ou necessidades especiais, propiciando-lhes uma melhor qualidade de vida. Com base nesse conceito Marcelo criou o sistema de Tecnologia Assistiva para Auxílio a Deficientes Auditivos e Surdos (TAADA), idealizado para eliminar a lacuna existente no processo de captação da atenção inicial do deficiente auditivo ou surdo por parte de uma pessoa considerada ouvinte.

O SISTEMA Utilizando tecnologia de reconhecimento de voz e palavras selecionadas, em conjunto com um dispositivo móvel, o smartphone, o sistema TAADA atua como interface entre o deficiente auditivo e o ouvinte. A TAADA permite chamar a atenção do deficiente através de alertas sonoros emitidos pelo smartphone ou de sinais luminosos no display do aparelho sempre que alguém chame o deficiente auditivo pelo nome previamente registrado no sistema. O autor detalha que o TAADA utiliza recursos de reconhecimento de voz e palavras do PocketSphinx, através de um front end que atua com ele, agregados em um smartphone com sistema operacional Android. Esse conjunto permite que a palavra falada possa ser reconhecida qualquer que seja o locutor.

O sistema desenvolvido é composto por itens físicos e lógicos. A camada física, também chamada de hardware, é constituída por um smartphone que tem o recurso de vibracall. A camada lógica contem o sistema operacional Android, o sistema de reconhecimento de voz PocketSphinx, dicionário de dados e uma interface de aplicação para utilização pelo usuário. O autor lembra que o software livre PocketSphinx exigiu alterações e ajustes necessários para ser utilizado no reconhecimento de voz de forma a que pudesse executar as funções previstas. Na versão original o PocketSphinx transforma a fala em texto, que funciona muito bem para a língua inglesa, mas não atende às necessidades do projeto. Com base em uma tabela em que foram elencados os nomes próprios mais comuns foram feitos ensaios para testar a eficiência do sistema. “Vale frisar que o nosso software é livre, gratuito, com código aberto, e estará proximamente disponibilizado na internet”, lembra Rangel. O docente chama a atenção para o fato de que a maioria dos softwares existentes no mercado o reconhecimento de voz exige treinamento com o locutor para conseguir a conversão do sinal de voz em texto. Como é difícil encontrar um software que identifique qualquer voz, essa foi a dificuldade inicial a ser superada e que levou a restringir o número de palavras a serem usadas, mas que pudessem ser pronunciadas por qualquer locutor tanto em ambientes internos como externos, desde que o ruído não ultrapasse certo número de decibéis. Marcelo explica que, definido o processo de reconhecimento de voz e a utilização do smartphone como hardware, passou a estudar as possíveis delimitações do projeto. Assim é que houve empenho em que o sistema fosse capaz de reconhecer o que foi dito independentemente de quem o diz, eliminando necessidade de treinamento do locutor e, ainda, que pudesse funcionar sem que o smartphone estivesse ligado à internet, garantindo com isso maior universalização do seu uso. A utilização do smartphone impôs também uma redução do número de palavras a serem reconhecidas. No caso, foi usado um elenco de nomes próprios, considerando que é por eles que o deficiente prefere ser chamado. O sistema capta a voz de qualquer locutor, identifica o nome chamado e previamente cadastrado, e emite o sinal de alerta para o deficiente. Nenhum deficiente auditivo vai mais receber almofadadas dos familiares que lhe solicitam atenção.

Publicação Dissertação: “Sistema de tecnologia assistiva para captar a atenção de deficientes auditivos e surdos” Autor: Marcelo Sodré Plachevski Orientador: Rangel Arthur Coorientador: Francisco J. Arnold Unidade: Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp/ Limeira


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 1ª defesa de tese em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos - No dia 19 de novembro, às 14 horas, na sala de defesa de teses (Bloco O) do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp acontece a primeira defesa de tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos do IB. A tese “Prospecção de substâncias bioativas em Pfaffia townsendii e Pfaffia tuberosa (Gomphreneae, Amaranthaceae)” será defendida pelo aluno Wallace Ribeiro Costa. O trabalho foi orientado pelo professor Marcos José Salvador. Mais detalhes: 19-3521-1174 ou e-mail btpb@unicamp.br  Concurso de literatura - A Biblioteca da Área de Engenharia e Arquitetura (BAE) da Unicamp receberá, até 20 de novembro, trabalhos para o II Concurso de Literatura (gênero crônica) “Tecnologia e a felicidade coletiva”. O concurso é aberto aos alunos das faculdades de Engenharia e Arquitetura da Unicamp. O vencedor será conhecido em 11 de dezembro, data em que se comemora o Dia do Engenheiro. Mais informações: telefone 19-3521-6479 ou e-mail bibaedec@unicamp.br  Farra nas Férias - Projeto da Faculdade de Educação Física (FEF) e do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) recebe inscrições no link http://www.fef.unicamp.br/fef/farranasferias2015. Evento ocorre de 5 a 30 de janeiro de 2015.

EVENTOS FUTUROS PAINEL DA SEMANA  Trabalho análogo à escravidão: desafios acadêmicos e políticos - Fórum de Políticas Públicas e Cidadania acontece no dia 19 de novembro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento está sob a responsabilidade da professora Silvia Hunold Lara. O fórum propõe o diálogo entre a comunidade acadêmica e agentes públicos e militantes, que atuam no combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil. Busca suscitar o interesse de alunos e docentes da Unicamp para um tema candente, que envolve debates que atravessam a sociedade brasileira com repercussões internacionais. O evento faz parte das atividades do Projeto Temático “Entre a escravidão e o fardo da liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho em perspectiva histórica”, sediado no Cecult-IFCH. Inscrições e outras informações no site http:// www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/politicaspub03.html ou telefone 19-3521-5039.  Afrikanizar - Formado por bailarinos do curso de Dança do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, o grupo “Afrikanizar” faz apresentação gratuita, dia 19 de novembro, às 13 horas, no auditório da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BC-CL). O evento é organizado pelo Laboratório de Acessibilidade da BC-CL. Mais detalhes: telefone 19-3521-6487.

 1º Seminário Nacional do Bordado - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), órgão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), organiza nos dias 24 e 25 de novembro, nos auditórios 1 e 2 do Centro de Convenções da Unicamp, o 1º Seminário Nacional do Bordado na Unicamp. As inscrições, abertas desde o último dia 25 de agosto, podem ser feitas no link http:// www.preac.unicamp.br/cac/bordado/?page_id=249, em grupo ou individualmente, sendo possível a submissão de até três trabalhos, nos seguintes eixos temáticos: Cultura, Arte e processos criativos; Educação, Filosofia, territorialidade; Saúde e qualidade de vida, e Economia criativa, inclusão social e geração de emprego e renda. Mais informações pelo e-mail terezabarretocosta@gmail.com  Ciclo de debates sobre o ensino médio - Encontram-se abertas as inscrições para o Ciclo de debates sobre ensino médio intitulado “Base nacional comum do currículo: que jogo é este?”, evento a ser realizado em 25 de novembro, das 9 às 12 horas, no auditório do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp. O Ciclo é promovido pela Linha de Pesquisa Ciências Sociais e Educação da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp em conjunto com o Grupo Interinstitucional Ensino Médio em Pesquisa (EMpesquisa) e o Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Leia mais: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/11/07/ciclo-de-debates-sobre-ensino-medio

DESTAQUE

 Atualidade do pensamento de Celso Furtado - O Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp organiza evento em memória aos dez anos de falecimento do economista Celso Furtado. Será no dia 26 de novembro, às 9 horas, no auditório do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O objetivo é discutir a atualidade do pensamento furtadiano e suas principais contribuições em campos como a História Econômica Brasileira e a relação entre Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento. Mais informações: telefone 19-3521-4555 ou e e-mail eventocelsofurtado@gmail.com.  20 anos de Rua - O Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) organiza em seu auditório, dia 26 de novembro, às 9 horas, evento para comemorar os 20 anos de existência da Revista “Rua”. O evento tem como proposta refletir sobre as políticas científicas e a circulação do conhecimento, debatendo o papel dos periódicos científicos na relação entre a produção, a avaliação e a circulação do conhecimento na área das Ciências Humanas. O objetivo principal da revista é abrir espaço para abordagens de diferentes áreas do conhecimento que tomem o espaço urbano como objeto de estudo. “Rua” publicou, até 2008, 13 números com periodicidade anual e em formato impresso, quando migrou para o formato eletrônico, passando a ser uma publicação semestral. Mais informações no site http://www.labeurb. unicamp.br/rua20anos ou telefone 19-3521-7900.  Propostas para fóruns de 2015 - A Coordenadoria Geral da Universidade (CGU) receberá, até 27 de novembro, as propostas de Fóruns Permanentes para o ano de 2015. Elas serão avaliadas por uma comissão formada por professores e pesquisadores das várias áreas do conhecimento. O resultado final deverá ser divulgado até 19 de dezembro de 2014 e os contemplados serão notificados por e-mail. Saiba mais no link http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/10/31/foruns-permanentes-para-o-ano-de-2015

TESES DA SEMANA  Artes - “As canções de Estércio Marquez Cunha sob o ponto de vista do pianista colaborador” (doutorado). Candidata: Marina Machado Gonçalves. Orientadora: professora Adriana Giarola Kayama. Dia 19 de novembro de 2014, às 9h30, na CPG do IA.  Biologia - “Prospecção de substâncias bioativas em Pfaffia townsendii e Pfaffia tuberosa (Gomphreneae, Amaranthaceae)” (doutorado). Candidato: Wallace Ribeiro Corrêa. Orientador: professor Marcos José Salvador. Dia 19 de novembro de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses, bloco O do IB.  Computação - “Um algoritmo eficiente para o problema do posicionamento natural de antenas” (mestrado). Candidato: Bruno Espinosa Crepaldi. Orientador: professor Cid Carvalho de Souza. Dia 17 de novembro de 2014, às 10 horas, no auditório do IC.

 Educação Física - “Avaliação das habilidades motoras de jogadores de handebol em cadeira de rodas” (mestrado). Candidata: Priscila Samora Godoy. Orientador: professor Edison Duarte. Dia 18 de novembro de 2014, às 9h30, no auditório da FEF.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Habitação de interesse social em centros urbanos consolidados: análise de projetos elaborados na cidade de São Paulo e em Madri (20042014)” (mestrado). Candidata: Cássia Bartsch Nagle. Orientador: professor Leandro Silva Medrano. Dia 21 de novembro de 2014, às 10 horas, na sala CA22 da CPG da FEC.  Engenharia de Alimentos - “Análise do ciclo de esterilização de tanques assépticos em processamento de alimentos” (mestrado). Candidato: Marcio Scucuglia. Orientador: professor Flavio Luis Schmidt. Dia 19 de novembro de 2014, às 9h30, no Espaço Gourmet do Departamento de Tecnologia de Alimentos da FEA.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Navegação de robôs móveis assistivos por controle compartilhado baseado em campos vetoriais” (doutorado). Candidato: Leonardo Rocha Olivi. Orientador: professor Eleri Cardozo. Dia 18 de novembro de 2014, às 13h30, na CPG da FEEC.  Engenharia Química - “Análise de variáveis de processo via CFD visando aperfeiçoamento de performance em riser de FCC” (doutorado). Candidato: Helver Crispiniano Alvarez Castro. Orientador: professor Milton Mori. Dia 18 de novembro de 2014, às 10 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Linguagem - “Orações relativas livres do PB: sintaxe, semântica e diacronia” (doutorado). Candidato: Paulo Medeiros Junior. Orientadora: professora Mary Aizawa Kato. Dia 19 de novembro de 2014, às 13h30, na sala de defesa de teses do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Análise estatística da decisão: analisando informações para uma escolha consciente” (mestrado profissional). Candidato: André da Silva Coura. Orientadora: professora Laura Leticia Ramos Rifo. Dia 19 de novembro de 2014, às 10 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “O estresse em enfermeiros e alterações sistêmicas e bucais” (mestrado profissional). Candidato: Danilo Rodrigues. Orientadora: professora Dagmar de Paula Queluz. Dia 19 de novembro de 2014, às 14 horas, na sala seminários da periodontia da FOP. “Distribuição das tensões mecânicas no pilar pterigoideo baseado em sua geometria. análise de elementos finitos” (mestrado). Candidata: Elisa Camila Santos Rolfini. Orientador: professor Felippe Bevilacqua Prado. Dia 21 de novembro de 2014, às 9 horas, na sala da congregação da FOP.  Química - “Síntese do fragmento c1-c9 da (-)-dictiostatina e estudos visando a síntese total da (+)-tautomicetina” (doutorado). Candidato: Danilo Pereira de Sant’Ana. Orientador: professor Luiz Carlos Dias. Dia 17 de novembro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

DO PORTAL

Unicamp e Inpe assinam

protocolo de intenções

para atividades conjuntas Unicamp e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) assinaram um protocolo de intenções com o objetivo de promover atividades de pesquisa; orientação conjunta de estudantes de pós-graduação; intercâmbio de estudantes, pesquisadores e docentes; e disseminação de resultados de pesquisas por meio de publicação na área de política e gestão de ciência, tecnologia e inovação da indústria aeroespacial, com vigência de cinco anos. O protocolo de intenções foi assinado no último dia 10 por José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp, e Leonel Perondi, diretor do Inpe. “O Inpe é um instituto de pesquisa bastante tradicional, consolidado, que tem prestado grandes contribuições em várias áreas que também são tratadas pela Unicamp. Estabelecer esse tipo de parceria faz com que as duas instituições possam se complementar e contribuir ainda mais nas áreas em que atuam”, disse Tadeu Jorge. Leonel Perondi lembrou que o Inpe e a Unicamp – através do Departamento de Política Científica Tecnológica (DPCT) – vêm realizando estudos conjuntos de política industrial, da própria indústria e de capacitação na parte de análise espacial. “Ao longo dos anos foram diversos estudos sobre esses arranjos de política industrial. Este protocolo expressa uma formalização que vai além dos trabalhos acadêmicos esporádicos, visando uma relação mais contínua, com trabalhos em novo formato e tempos de duração.” O professor André Furtado, do DPCT, explicou que o protocolo de intenções é voltado à área da política e gestão da inovação aplicada ao setor aeroespacial brasileiro. “Está se criando uma plataforma para que se desenvolvam cooperações entre Unicamp e Inpe, uma instituição com atuação multi-

Foto: Antoninho Perri

José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp, e Leonel Perondi, diretor do Inpe, assinam protocolo de intenções

facetada, focando o campo científico, tecnológico e da inovação, e promovendo atrás de si uma indústria de fornecedores para a indústria espacial. Isso envolve tanto política científica como política industrial, interface na qual o DPCT vem atuando bastante.” Após a assinatura do protocolo, Leonel Perondi foi ao auditório do IG para conceder palestra sobre “Os preparativos para o lançamento do CBERS-4” (sigla referente ao Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terres-

tres), programado para dezembro. “Estamos lançando o quinto satélite desta cooperação com a China: tivemos o CBERS-1 em 1999, o CBERS-2 em 2007 e o CBERS-2b em 2007, sendo que todos operaram em órbita cumprindo a sua missão de gerar imagens do território nacional com grande número de aplicações. Tentamos lançar o CBERS-3 em dezembro passado, mas perdemos o satélite devido a problemas com o lançador. Agora, a expectativa é muito grande.”

Também participaram do encontro no Gabinete do Reitor os professores Roberto Perez Xavier, diretor do Instituto de Geociências (IG); Leda Maria Gitahy, chefe do DPCT; André Tosi Furtado, também do DPCT, e André Luiz Sica de Campos, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA). O diretor do Inpe veio acompanhado do assessor Milton Chagas. (Luiz Sugimoto)


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Tese associa agrotóxicos a transtornos mentais

Foto: Antoninho Perri

Estudo foi feito em quatro bairros do município de Atibaia CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

intoxicação por agrotóxicos é um dos principais fatores, entre outros, associados ao risco de desenvolver transtornos mentais entre a população rural da região de Atibaia (SP), mostra análise estatística realizada como parte da tese de doutorado “Avaliação da qualidade de vida e transtornos mentais comuns de residentes em áreas rurais”, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O autor da tese, Paulo Junior Paz de Lima, chama atenção para o fato de que seu estudo lidou não apenas com os trabalhadores rurais, que manipulam diretamente os defensivos agrícolas, mas com a população em geral. “Peguei comunidade rural, não só os trabalhadores do campo”, disse ele em entrevista ao Jornal da Unicamp. “Nem todo mundo que mora naquelas comunidades trabalha na agricultura. Mas mesmo quem não trabalha na agricultura está exposto, se a aplicação de agrotóxico é feita por via área ou por máquina, sem um horário específico para acontecer. O agrotóxico chega à casa das pessoas, aos arredores das plantações/lavouras”, explicou. As áreas de estudo compreendem os bairros de Laranjal, Pedreira, Ponte Alta e Rio Abaixo, no município de Atibaia. A tese relata que “em relação ao contato e exposição a agrotóxico, seja no processo de trabalho ou por residir próximos as lavouras, 18,9% relataram ter contato (...) 25,2% mencionaram morar próximo às plantações, sentir o cheiro durante a aplicação de agrotóxicos, puxar a mangueira para aplicação de agrotóxico por outro, permanecer próximo quando os agrotóxicos são aplicados e lavar roupas usadas durante a aplicação desses produtos”. Quando a questão é intoxicação por agrotóxico, “13,3% mencionaram ter sofrido intoxicação. No entanto, o número dos que relataram ter se sentido mal durante a aplicação desse tipo de defensivo foi maior, 16,6%”.

PARKINSON “Tem pessoa que não pode nem passar perto da lavoura, que tem um problema alérgico absurdo. Na tese não aparecem essas questões, porque o escopo do estudo é limitado, mas a gente vê esses problemas”, disse Paz de Lima. “Muitas vezes, os problemas relacionados a transtornos mentais aparecem e o médico do local não associa ao agrotóxico”. O pesquisador explica que a intoxicação pode causar sintomas semelhantes aos do mal de Parkinson, entre outros. “A pessoa chega com tremedeira, você vai achar que é Parkinson. Não é, é intoxicação por agrotóxico. Está intoxicado e o médico sequer perguntou com o que a pessoa trabalha”, disse. “E não estou falando de pessoas com mais de 50, 60 anos e trabalho no campo, estou falando de garotos, jovens de 18 anos”. Na tese, Paz de Lima escreve que “intoxicações e mortes por agrotóxicos, no contexto rural brasileiro, são problemas de saúde pública e que necessitam de maior atenção do poder público, no intuito de preveni-las”. Em 2009, o Ministério da Saúde registrou 171 mortes e 5.253 casos de intoxicação por defensivos de uso agrícola.

SEXO E ESCOLARIDADE Quando se amplia o foco para além dos trabalhadores vítimas de intoxicação por agrotóxicos, os dados levantados na tese

Agricultor aplica pesticida em lavoura: em 2009, o Ministério da Saúde registrou 171 mortes e 5.253 casos de intoxicação por defensivos de uso agrícola

mostram que a frequência entre residentes rurais com os chamados transtornos mentais comuns é maior entre pessoas do sexo feminino (81,9% dos afetados), com idade entre 21 e 40 anos (55,4%), com companheiro (73,5%), de cor parda ou preta (51,8%), com escolaridade baixa, de no máximo quatro anos de estudo (42,2%), desempregado (45,8%), com renda inferior a um salário mínimo (34,9%), não alcoolista (79,3%), não tabagista (80,5%), não trabalhador rural (73,2%) e que mencionaram ter algum problema de saúde (60,3%). O trabalho de Paz de Lima compara esses dados a levantamentos feitos em outras partes do país. “A prevalência de transtornos mentais comuns (TMC), assim como as taxas de alcoolismo, tabagismo, morbidades e uso de medicamento foram relativamente altas entre a população de estudo”, escreve. A prevalência de TMC na população estudada na tese, 23,4%, superou a proporção apurada num trabalho realizado entre cortadores de cana de Nova Andradina (MS), que ficou em 12%, e também a verificada na população da cidade de São Paulo, onde, em 2008, constatou-se uma proporção de 16,5% de portadores de transtornos mentais comuns entre os maiores de 16 anos. “Os resultados apontaram que pertencer à cor/etnia branca, ser mais jovem, ser do sexo masculino, não ter problema de saúde e ter maior nível de escolaridade são fatores que podem contribuir para diminuir a chance de desenvolver TMC”, escreve o autor.

QUALIDADE DE VIDA Além de levantar dados sobre a saúde mental, a tese de Paz de Lima buscou avaliar a qualidade de vida da população estudada. “A definição de qualidade de vida é mais abrangente que estado de saúde e capacidade funcional, pois inclui aspectos do meio ambiente que podem ou não ser afetados pela saúde”, escreve o autor. “A discussão sobre as concepções de saúde e qualidade de vida no contexto e trabalho no campo é importante porque tem assumido um aspecto secundário, dada a urgência de outras prioridades, bem como a garantia da sobrevivência, mesmo em condições de trabalho degradantes”, diz a tese. O instrumento escolhido para auferir a qualidade de vida, de modo mais amplo, foi um questionário de 26 perguntas desenvol-

vido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), WHOQOL-Bref. Já a qualidade de vida referente à saúde foi medida por outra ferramenta, o questionário SF-36, criado originalmente para o “think tank” americano RAND Corporation para avaliar o custo-benefício de tratamentos médicos. Trata-se de um instrumento que “vem sendo traduzido e adaptado cultural e psicometricamente por vários países, incluindo o Brasil”, diz a tese. O autor, no entanto, chama atenção para uma dificuldade: “Quando você faz e valida um instrumento no Brasil, seja ele para avaliar qualidade de vida ou para avaliar saúde mental, esse instrumento é validado para qual população? Para a população urbana”, disse ele à reportagem. “Não é validado para a população rural. É complicado avaliar a população rural a partir de um instrumento que foi criado para a população urbana. É outro empecilho, porque não tem instrumento. Embora haja instrumentos validados em comunidades rurais fora do Brasil, no Brasil não tem, não foi validado”. O pior desempenho de qualidade de vida, no questionário da OMS (WHOQOLBref), apareceu no domínio ambiental – o instrumento se divide em questões relativas a quatro domínios temáticos: psicológico, físico, social e ambiental. “Os resultados apontaram as variáveis idade, sexo, estado civil, escolaridade, renda, tipo de posse de propriedade, queixas de problemas de saúde e uso de medicamento como associadas estatisticamente aos domínios de qualidade de vida”, diz a tese. “Fatores como idade avançada, baixa escolaridade, assim como sofrimento mental, problemas de saúde e efeito colateral de medicamento contribuem para um baixo nível de qualidade de vida”.

quisa, ou não se encontra artigo porque não se publica? Talvez as pessoas façam teses e deixem tudo nas faculdades. Mas mesmo nas faculdades não se encontra muito”, afirmou. “Você encontra estudos de sociologia do meio rural, mas de epidemiologia, saúde mental, qualidade de vida, quase não há”. Ele aponta duas hipóteses para explicar essa lacuna nos estudos disponíveis: as linhas de pesquisa das universidades, já previamente voltadas para a área urbana, e o fato de a maioria dos ingressantes em programas de pós-graduação também ter origem urbana e encontrar grande dificuldade de pesquisar o meio rural. “Não é fácil fazer pesquisa na área rural”, disse. “E quando você chega a esses locais, você também tem um empecilho, dependendo do município e da prefeitura, eles não querem mexer na questão dos trabalhadores rurais, porque aí entra, entre outras questões, a questão do agrotóxico, evitada por eles”. O texto da tese constata que “os residentes rurais, em específico os trabalhadores rurais, geralmente temem participar de pesquisas e dar informações sobre o processo de trabalho. Eles desconfiam que as pesquisas estejam relacionadas à investigação sobre emprego de praguicidas na lavoura, visto que muitos desses produtos, embora proibidos em seus países de origem, ainda são empregados no Brasil”. Paz de Lima reconhece que seus resultados são específicos para a área estudada e não podem ser, do ponto de vista científico, considerados válidos para o Brasil como um todo. Mas considera que o trabalho pode ser importante para orientar novos estudos sobre o tema em outras comunidades rurais.

NEGLIGÊNCIA A saúde mental já é negligenciada quando se fala em estudos sobre populações urbanas e, ainda mais, na população rural, disse Paz de Lima. “Quando se vai para a população rural, aí você não encontra mesmo esse tipo de pesquisa no Brasil”. Ele aponta, ainda, uma grande dificuldade em publicar trabalhos nessa área em periódicos científicos nacionais. “E, então, a pergunta é: será que não há artigos sobre saúde mental e qualidade de vida no meio rural porque não se faz pes-

Publicação Tese: “Avaliação da Qualidade de Vida e Transtornos Mentais Comuns de Residentes em Áreas Rurais” Autor: Paulo Junior Paz de Lima Orientadora: Helenice Bosco de Oliveira Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


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Campinas, 17 a 23 de novembro de 2014 Fotos: Divulgação/Reprodução

‘Una historia de amor’ na tela e no palco A pesquisadora Natacha Muriel López Gallucci, autora da pesquisa, durante ensaio e ministrando aula na Casa do Lago, na Unicamp: cinema influenciou a codificação gestual do tango dançado

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

partir de uma detalhada e inédita compilação de dados sobre o cinema e o tango da Argentina das suas origens à atualidade -, a pesquisadora da Unicamp Natacha Muriel López Gallucci identificou muito mais que uma história comum entre estas duas expressões artísticas e culturais. Ao longo de toda a história, o tango dançado e o cinema rodado na Argentina mantiveram, de fato, “um romance intenso e cheio de tensões”, revela a estudiosa que acaba de defender tese de doutorado sobre o tema. Com as performances do tango no cinema, afirma Natacha Gallucci, o povo argentino começa a se ver na grande tela e, quando isso acontece, ele observa, gosta, critica e se aprimora. Ela sustenta que as imagens cinematográficas produzidas pelo cinema argentino, desde o período mudo até a atualidade, contribuíram e influenciaram a codificação gestual do tango dançado. Além disso, acrescenta, a transmissão oral dos conhecimentos sobre o tango desenvolveu uma filosofia do corpo no país. Filósofa natural de Rosário, município da província de Santa Fé, na Argentina, Natacha Gallucci acaba de defender tese de doutorado junto ao Programa de PósGraduação em Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Na pesquisa, ela promove uma discussão estética a partir da relação entre o cinema argentino e as performances do tango. “Já no início do século 20, o cinema e a dança do tango começam a se entrelaçar e a se difundirem, utilizando um as ferramentas do outro, e gerando uma linguagem imagética própria. Nesta época, por exemplo, muitos diretores de cinema eram também poetas, músicos, pintores ou cenógrafos teatrais. A maioria, imigrantes, pertencia à boemia deste ritmo nascente que era o tango. Por consequência, não é estranho que a linguagem do tango tenha sido capturada como uma das principais linguagens do cinema argentino e se tornasse um ‘modelo de representação’. Na pesquisa, constatei as hipóteses que afirmam existir uma espécie de conúbio, de casamento entre estes dois dispositivos”, reconhece a pesquisadora.

O estudo foi orientado pelo professor Francisco Elinaldo Teixeira, que atua no Departamento de Cinema (Decine) do IA. Este é o segundo doutorado da pesquisadora, que já defendeu tese em 2008 na área de estética e filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Natacha Gallucci é coreógrafa e intérprete com formação em danças clássicas e folclóricas pela Escuela Nacional de Danzas Nigelia Soria, da Argentina. Ela dirige uma companhia de tango no distrito de Barão Geraldo, em Campinas, e coordena o Grupo de Trabalho (GT) Tango & Cultura do Rio de La Plata desde 2004. O GT oferece um espaço de pesquisa teórica e prática como parte dos projetos de extensão no Espaço Cultural Casa do Lago da Unicamp. O espetáculo Tango, uma filosofia do abraço – resultado da sua pesquisa doutoral foi contemplado pelo Projeto Performance 2014 do Centro de Integração, Documentação e Divulgação Cultural (Ciddic) da Unicamp. A apresentação acontece nos dias 26 e 27 de novembro, respectivamente, nos espaços culturais Maria Monteiro e Casa do Lago. Sob a direção artística e coreográfica de Natacha Gallucci, o espetáculo apresenta diversos fragmentos fílmicos e performances em tango dança e canto. Haverá a participação do Quinteto de Cordas da Orquestra Sinfônica da Unicamp. Os arranjos e a direção musical são do pianista argentino Joel Tortul.

Foto: Antoninho Perri

“O processo de criação em tango está associado a uma forma de conhecimento subjetivo. A sua busca performática se insere em um contexto cultural ritualizado. A famosa cadência acessada pelos dançarinos de tango é produto da tensão intrínseca a sua prática em cujo núcleo filosófico se encontra a afirmação da diferença, a concatenação dos corpos como fontes pulsionais do sujeito criativo na crítica ao ideal de unidade e mecanicidade”, argumenta. A consolidação do tango dança remete ao contexto cultural rio-platense no processo que vai da independência da colônia espanhola (1810-1818), passando pelo conflito da Guerra do Paraguai (1864-1870), até as primeiras ondas migratórias. A técnica corporal do tango, segundo Natacha Gallucci, é produto do rearranjo de modos de expressão corporal existentes no folclore local que pouco a pouco se recriam a partir da leitura gestual e da apropriação da grande imigração europeia. Paulatinamente, estes imigrantes “definem” o tango como a maneira própria de dançar da classe nascente argentina. “O surgimento do tango como dança acontece em um momento de reestruturação social na Argentina. A dança conhecida hoje como tango teve sua formação associada, em grande medida, ao abraço praticado nos bailes dos quartéis, onde as mulheres acompanhavam os batalhões de mestiços e pardos enviados a lutar nas fronteiras. Terminada a Guerra da Tríplice Aliança, essas práticas se deslocam para os espaços de convívio próximos dos quartéis reinstalados em Buenos Aires”, contextualiza.

FILMES SELECIONADOS

A coreógrafa explica que durante a pesquisa constatou a necessidade de historiar a fundo o sentido filosófico da transmissão oral do tango. Deste modo, de acordo com ela, foi possível interpretar “esse furor atual que gera uma quantidade imensa de documentários de tango, mesmo com pouco dinheiro e uma recessão econômica na Argentina.” “O tango, já antes do século 20, era uma manifestação ritualizada, transmitida popularmente no Rio de La Plata. Nas primeiras décadas do século é adotado pelo teatro portenho e pelo cinema, que o difundiu de maneira massiva. Apesar das resistências sociais à sua forma corporal de criação inédita até então, o tango se dissemina, inscrevendo na história mundial da dança um dispositivo corporal vinculado ao seu abraço fechado, íntimo e à sua interpretação intempestiva da música que domina a dinâmica da dança”, afirma. Para a estudiosa da Unicamp houve um “segundo nascimento do tango”, no início do século 20, na Argentina, a partir da chegada do cinematógrafo, aparelho e técnica considerada precursora do cinema. A filósofa lembra ainda como contribuição para este “nascimento” o registro do tango no circo. Ela cita o exemplo do curta-metragem Tango argentino, dirigido por Eugenio Py e produzido pela Casa Lepage & Cia, cuja exibição em 1906 gerou ampla repercussão na Argentina, Europa e Estados Unidos. Esse “acontecimento”, conforme a pesquisadora, operou como um ritual de passagem que mostrou uma técnica corporal nascente, fazendo confluir pela primeira vez o tango e o cinema.

RESISTÊNCIA E TENSÕES

A expressão corporal do tango gerou resistências sociais na Argentina, sobretudo a partir da revolução industrial europeia. Com a consolidação de uma nova classe, a burguesia industrial, o tango tornou-se uma forma de resistência ao trabalho em série por meio do conceito de improvisação. A estudiosa esclarece que esta nova classe preconizava a valsa europeia como uma máquina perfeita, produto da engrenagem dos corpos feminino e masculino trabalhando em sincronia.

A coreógrafa e intérprete analisa, no estudo, a relação entre as imagens fílmicas e o registro do corpo no tango dançado em 30 filmes argentinos selecionados. Desta produção cinematográfica foram extraídos 200 fotogramas para uma investigação minuciosa que permitiu identificar os principais repertórios coreográficos do tango registrados pelo cinema. A estudiosa ressalta que os fotogramas servem como apoio visual para o leitor que não sabe dançar nem conhece o cinema argentino. “Em paralelo aos fotogramas extraídos, realizamos um estudo fotográfico que sintetizou aspectos chaves da codificação das células coreográficas do tango dança aportados pelo cinema na construção de sua linguagem cênica. Foram considerados o enquadramento do casal, a divisão estrutural do corpo e o processo de criação em tango para cinema. O estudo fotográfico serve como um guia de leitura dos processos de criação corporais do tango no cinema argentino extensível à formação pedagógica de novos performers.” Os 200 fotogramas extraídos foram analisados considerando as referências de cinco métodos pedagógicos que refletem sobre o aspecto social da dança, a construção cênica por meio da improvisação e os valores filosóficos do corpo na transmissão da dança. Os métodos são de autoria dos dançarinos e coreógrafos Sebastián Arce e Mariana Montes; Victoria Colosio; Juan Carlos Copes; Rodolfo e Glória Dinzel; e Nicanor Lima. Entre os filmes analisados, a filósofa destaca que alguns foram restaurados recentemente pela Funarte (Fundação Nação das Artes), no Brasil, e pelo Museo del Cine, da Argentina. “Há material cinematográfico do período mudo que parecia perdido e foi recentemente achado e restaurado. Quando eu comecei a pesquisa em 2009, parti de um conjunto de mais de 200 filmes, reduzindo este número para 30 na análise final. A justificativa para a seleção está ligada ao vigor com que estas produções representam para a consolidação de uma linguagem característica na história audiovisual argentina.” O período coberto pelo estudo corresponde à fase do cinema mudo (1900-1933), clássico industrial (1933-1955), moderno e contemporâneo (1955-atualidade). A filósofa analisa a evolução coreográfica e os estilos do tango nos principais diretores e coreógrafos de cada período. Também foram realizadas 200 horas de entrevistas a realizadores audiovisuais, historiadores e bailarinos da Argentina.

Publicação Tese: “Cinema, corpo e filosofia: contribuições para o estudo das performances no cinema argentino” Autora: Natacha Muriel López Gallucci Orientador: Francisco Elinaldo Teixeira Unidade: Instituto de Artes (IA)

Cena do filme La vuelta al bulin, uma das obras analisadas na pesquisa


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