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Campinas, 10 a 16 de novembro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 613 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antoninho Perri

Varrendo a praga

do cacau

Mudas de cacau usadas em pesquisas desenvolvidas no Instituto de Biologia

6 e7

Por meio de técnicas de sequenciamento genético, cientistas do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenados pelo professor Gonçalo Pereira, abriram caminho para a produção de drogas que erradiquem a vassoura-de-bruxa, praga que infesta as plantações de cacau no país. Os resultados do trabalho foram publicados na revista The Plant Cell.

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Uma proteína que faz as vezes de inseticida Solução para reparos na rede de fibra óptica

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Pesquisas detalham riscos do infarto Condições de vida e saúde bucal de jovens

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Qual é o alcance do empreendedorismo? A nova realidade da gente pantaneira


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Campinas, 10 a 16 de novembro de 2014 ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

s insetos-praga causam grandes prejuízos à agricultura, promovendo estragos, transmitindo doenças e se alimentando dos tecidos de plantas e de grãos armazenados. Economicamente, as perdas antes da colheita, devido ao ataque desses insetos, foram estimadas em 15% da produção total em 2004, representando mundialmente gastos da ordem de US$ 100 bilhões, apesar do uso de inseticidas. No Brasil, essa perda é algo em torno de 7%, mas oscila entre 2% e 30%. Estes dados representam cerca de US$ 2,2 bilhões ao ano, justificando medidas econômicas e de controle. O consumo mundial de pesticidas tem chegado a 2,6 milhões de toneladas anualmente. Assim, o país desponta-se como o sexto maior consumidor de agrotóxicos. Um estudo de doutorado desenvolvido no Instituto de Biologia (IB) indicou que a proteína CFPI (Inibidor de Proteinase de Clitoria fairchildiana) é uma promessa para atacar o problema, pois mostrou ser um bom alvo como inseticida natural para o controle das pragas da lavoura. A autora do trabalho, Miriam Dantzger, constatou que essa proteína tem ação inseticida e inibitória das enzimas digestivas de insetos lepidópteros. Ela impede a atividade enzimática das lagartas conhecidas como traça-da-farinha do arroz (Ephestia sp.) e traça do arroz (Corcyra cephalonica). O inibidor age ligando-se às enzimas responsáveis pela digestão e retardando esse processo, o que resulta na morte dos insetos. Lepidópteros são pragas avassaladoras, uma ordem de insetos que passa por metamorfose e que inclui, além das mariposas, também as borboletas. As mariposas, foco do estudo, aparecem no Brasil o ano todo, ao longo do crescimento da planta e do armazenamento dos grãos.

Proteína tem ação inseticida Inibidor impede a atividade enzimática de lagartas que infestam lavouras Fotos: Antonio Scarpinetti

Miriam Dantzger, autora da investigação, no laboratório (ao lado) e sob o sombreiro do qual retirou as sementes: desenvolvendo um novo método de purificação

PURIFICAÇÃO Essa pesquisa, segundo a bióloga, ainda requer testes futuros com outras larvas na alimentação, mas desde já sugere que pode atuar complementando a ação inseticida sobretudo dos químicos. Isso porque a proteína purificada não traz danos ambientais e nem aos seres humanos. Miriam, sob orientação da docente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Maria Lígia Rodrigues Macedo, abordou em seu estudo basicamente proteínas-inseticidas, que interferem no sistema digestório dos insetos. Essas proteínas precisam ser ingeridas para que seus efeitos possam aparecer, uma vez que o exoesqueleto dos insetos oferece uma espécie de proteção contra elas. As proteínas avaliadas são retiradas de sementes de leguminosas, especificamente da Clitoria fairchildiana, chamada popularmente de sombreiro, devido à sua copa densa que produz sombra. É mais encontrada na região amazônica. A pesquisadora obteve grande quantidade de sementes de sombreiro no próprio campus da Unicamp. Foi assim que conseguiu

Publicação Tese: “Inibidor de proteinase do tipo Bowman-Birk isolado de sementes de Clitoria fairchildiana (Fabaceae): caracterização e atividade biológica sobre Anagasta kuehniella e Corcyra cephalonica” Autora: Miriam Dantzger Orientadora: Maria Lígia Rodrigues Macedo Coorientador: Sérgio Marangoni Unidade: Instituto de Biologia (IB) Financiamento: CNPq

isolar a proteína de interesse e testou a sua capacidade de inibir enzimas digestivas de insetos. Notou in vitro e in vivo que tal proteína tinha potencial como proteína-inseticida. Na pesquisa prática, ela oferecia CFPI aos insetos misturada à refeição, durante o seu desenvolvimento, desde a larva neonata até o quarto instar, a penúltima fase larval na qual o inseto começa se preparar para ser pupa. Após esse período, a doutoranda avaliou a mortalidade e o peso médio das larvas, e extraiu o intestino para avaliar a atividade das enzimas digestivas, proteínas presentes nesse órgão. Para comparação, havia um grupo-controle que somente se alimentava com refeição sem o inibidor. Essa proteína-inseticida não foi purificada pelas técnicas usuais, por se tratar de um inibidor que aparece em pequena quantidade na planta. A autora desenvolveu um método de purificação novo que separou a proteína por diferença de peso molecular e interação hidrofóbica (que não se dilui em água). A autora prossegue estudando outras funções para essa proteína, tida como multifuncional, uma vez que possui atividade contra insetos e também atividade anticoagulante e inibidora de tumores. O processo de purificação, juntamente com as diversas aplicações desta proteína, estão sendo patenteados pela Unicamp e pela UFMS. Além de o inibidor CFPI poder ser transformado em inseticida natural, essa substância pode ser agregada a árvores, espalhada nas folhas ou até mesmo ser aproveitada na área de engenharia genética, modificando-a para ser expressa nas plantas alvejadas pelas pragas. A doutoranda conta que os inibidores de enzimas digestivas podem ser encontrados em diversas partes das plantas, mas os órgãos de reserva – sementes e tubérculos – são as principais fontes dessas proteínas.

Estudos recentes têm inclusive sugerido que a presença dos inibidores de enzimas digestivas nas plantas aumenta sua resistência ao ataque das pragas. Ocorre que nem sempre os inibidores estão em plantas de interesse comercial ou, quando estão, não aparecem em níveis suficientes para combater as pragas. “Os insetos que não conseguem digerir o alimento morrem por privação dele. Os seres humanos também têm as chamadas enzimas digestivas. Suas proteínas podem teoricamente inibi-las, porém é preciso um estudo detalhado para saber o quanto se deve comer de proteína para que isso ocorra. Há estudos com ratos que se alimentaram de inibidores de enzimas digestivas e desenvolveram pancreatite”, explica. Em geral, proteínas de leguminosas passam por cocção (cozimento) no seu preparo, perdendo atividade e se degradando. As legu-

minosas possuem essa proteína de forma natural. O feijão e a ervilha são exemplos disso. “Não somos alvos deles porque são cozidos. Ninguém come ervilha e feijão crus”, expõe. “É o caso da proteína avaliada. Se fosse pensar em plantas que passam por cozimento, elas deixariam de ter essa atividade.” A importância deste estudo é que essa é uma proteína nova. Ninguém a isolou no mundo. “Possui ótima atividade anticoagulante e tem papel coadvujante no tratamento do câncer. São, porém, estudos iniciais”, afirma. Miriam pertence à linha de pesquisa de proteínas-inseticidas extraídas de plantas, para o controle natural de insetos, coordenada por sua orientadora. O estudo foi financiado pelo CNPq e teve apoio do Laboratório de Química de Proteínas (Laquip), dirigido pelo professor do IB Sérgio Marangoni.

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Campinas, 10 a 16 de novembro de 2014

Estudos desvendam mecanismos que Três pesquisas desenvolvidas na FCM buscam validar biomarcadores na população brasileira

previnem e aumentam

riscos de infarto Fotos: Antonio Scarpinetti

EDIMILSON MONTALTI Especial para o JU

infarto do miocárdio é popularmente conhecido como ataque cardíaco e é causado pela redução do fluxo sanguíneo do coração. É uma das mais frequentes causas de óbito em todo o mundo. Estima-se que 65% de indivíduos no Brasil com mais de 30 anos de idade podem vir a ter um infarto. Aproximadamente 50% dos pacientes infartados morrem antes de chegar ao hospital e, mesmo para os que chegam, a mortalidade permanece elevada. Pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp que integram o Brasilia Heart Study (BHS), coordenados pelo professor da disciplina de cardiologia da FCM Andrei Carvalho Sposito, apresentaram em congressos de cardiologia nacionais e internacionais o resultado de três pesquisas que avançam no entendimento e também no tratamento do infarto. Os pesquisadores trabalharam com três frentes de pesquisa que buscam validar biomarcadores na população brasileira e que podem ser úteis no mundo: o uso de estatinas em pacientes diabéticos, a ação do colesterol HDL na prevenção do infarto e o estudo de uma mutação genética presente em 50% da população. “Os três estudos revelaram parâmetros genéticos e metabólicos que são inéditos. São potenciais alvos de intervenção terapêutica que podem resultar na atenuação da mortalidade e sobrevida dos pacientes infartados”, revelou Andrei.

DIABETES

As estatinas são medicações largamente utilizadas em pacientes cardíacos estáveis, desempenhando papel redutor do colesterol ruim (LDL). Por esse motivo, o uso de estatinas tem sido recomendado em pacientes com infarto. Porém, um de seus efeitos colaterais, é o aumento da glicose no sangue após meses de tratamento. Hiperglicemia na fase aguda do infarto do miocárdio é um potente marcador de mortalidade, particularmente em não diabéticos. Desde 2006, 366 pacientes não diabéticos com infarto do miocárdio foram tratados sem estatina ou com sinvastatina 20, 40 ou 80 mg/dia. De acordo com a pesquisa, doses elevadas de estatinas pioram a capacidade das células gordurosas em captar glicose, levando a hiperglicemia nos pacientes com infarto. Os pacientes que não foram tratados com estatinas e que tiveram hiperglicemia nas primeiras horas após o infarto tiveram três vezes mais chances de morrer em dois anos, comparados aos pacientes com glicose sanguínea mais baixa. Porém, naqueles que usaram estatinas, a presença de hiperglicemia não aumentou a mortalidade.

As pesquisas “Elevados níveis da lipoproteína de alta densidade (HDL) disfuncional na fase aguda do infarto do miocárdio associam-se a reduzida dilatação fluxo-mediada e biodisponibilidade de óxido nítrico” Autores: Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, Simone Nascimento dos Santos, Rodrigo Gimenez Pissutti Modolo, Natália Baratella Panzoldo, Foncieli Fontana, José Carlos Quinaglia e Silva, Eliana Cotta de Faria e Andrei Carvalho Sposito Unidades: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e Hospital de Base do Distrito Federal “Estatina na fase aguda do infarto do miocárdio induz resistência a insulina por inibição da sinalização intracelular sem atenuar benefício clínico” Autores: Andrei Carvalho Sposito, Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, Filipe Azevedo Moura, Riobaldo Marcelo Ribeiro Cintra, Jose Carlos Quinaglia e Silva, Osorio Luis Rangel de Almeida, José Mario Abdalla Saad e Otavio Rizzi Coelho Unidades: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e Hospital de Base do Distrito Federal “TCFL2 polymorphism is associated with decreased insulin secretion and increased intra-hospital mortality following myocardial infarction” Publicação: Journal of the American College of Cardiology, 2014 Autores: Filipe A. Moura, Riobaldo M. R. Cintra, Filipe A. Moura, Luiz Sergio F. Carvalho, Mauricio D. A. Gomes, Simone N. Santos, Francisco A. R. Neves, Jose C. Quinaglia e Silva e Andrei Carvalho Sposito Unidades: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e Hospital de Base do Distrito Federal

Paciente é submetido a teste no Ambulatório de Cardiologia do HC: pesquisas em várias frentes

“O estudo provou que dar estatina no paciente infartado de fato piora a glicemia e a sensibilidade à insulina, mas não aumenta a mortalidade. Isso mostra que o benefício da ação protetora de estatinas no paciente com infarto do miocárdio supera o risco relacionado ao aumento da glicose no sangue. A pesquisa é inédita ao estabelecer como isso acontece”, explica Andrei.

COLESTEROL

Os pesquisadores avaliaram o papel do colesterol bom (HDL) nas primeiras semanas de 180 pacientes após o infarto do miocárdio. O HDL – lipoproteína de alta densidade – é uma nanopartícula (com muitas moléculas em seu interior) que protege contra doenças cardiovasculares, tendo papel anti-inflamatório e antioxidante. O estudo sugere que a inflamação decorrente do infarto gera alterações na estrutura e na função do HDL, de forma a torná-lo incapaz de proteger e até mesmo ser lesiva às células dos vasos sanguíneos. O plasma do sangue dos pacientes foi obtido nas primeiras 24 horas e no quinto dia após o infarto. Foram medidas a concentração de nitrato (NOx) e marcadores de inflamação sistêmica e estresse oxidativo. As lipoproteínas, incluindo o HDL, foram isoladas por ultracentrifugação. Os pesquisadores mediram a capacidade protetora do HDL sobre a oxidação da lipoproteína de baixa densidade (LDL). Foi também estimada a atividade anti-inflamatória do HDL a partir da secreção de moléculas de adesão por células endoteliais de veia umbilical humana. “Na ocasião do infarto o HDL se torna repleto de espécies reativas de oxigênio, comumente conhecidas como radicais livres, como forma de proteção, e passa a carregar esses radicais livres durante muito tempo. Assim, o HDL perde sua capacidade anti-inflamatória e antioxidante, tornando causador de dano vascular em médio prazo”, disse o médico do Hospital de Base de Brasília e pós-graduando da FCM Luis Sérgio Fernandes de Carvalho.

MUTAÇÃO GENÉTICA

Em outro estudo com 269 pacientes com infarto do coração, os pesquisadores selecionaram uma mutação no alelo T do gene TCF7L2, comum em aproximadamente 50% da população, e que causa menor produção de insulina – hormônio que apresenta além de efeito redutor da glicose sanguínea, propriedades anti-inflamatórias e anticoagulantes.

Pacientes com menor habilidade em produzir insulina sofrem mais com o infarto e tem uma mortalidade maior. Em estudos in vitro e em animais, a uso de insulina tem efeitos benéficos. Mas o uso da insulina em humanos não reduziu a mortalidade, de acordo com a pesquisa. “Nos níveis fisiológicos, a insulina pode ser protetora, mas quando você ministra insulina em grande quantidade nas pessoas, os efeitos não se reproduzem. Os pacientes portadores da mutação no alelo T do gene TCF7L2 apresentaram três vezes mais chances de morrer após 30 dias do infarto”, disse o médico do Hospital de Base Brasília e pós-graduando da FCM Filipe Azevedo Moura. “Todas essas pesquisas são uma janela que está se abrindo para a melhor avaliação do risco e, possivelmente, tratamento de pacientes infartados. Testar estas novas hipóteses é o próximo passo a ser dado”, disse Andrei.

PRÊMIOS

A pesquisa “Estatina na fase aguda do infarto do miocárdio induz resistência a insulina por inibição da sinalização intracelular sem atenuar benefício clínico”, conduzida pelo professor Andrei Carvalho Sposito, da FCM, recebeu os prêmios de Melhor Investigador Sênior do 69º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia de 2014 e de Melhor Pesquisa Aplicada do 35ª Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Além disso, a pesquisa foi finalista do prêmio Jovem Investigador (Yuphar) no Congresso Mundial de Farmacologia em Cape Town, África do Sul. Já a pesquisa “Elevados níveis da lipoproteína de alta densidade (HDL) disfuncional na fase aguda do infarto do miocárdio associam-se a reduzida dilatação fluxo-mediada e biodisponibilidade de óxido nítrico” conduzida pelo médico Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, ganhou o prêmio Jovem Investigador do 69º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia 2014 e foi finalista na categoria de Melhor Pesquisa Aplicada, categoria Jovem pesquisador, do 35º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). A pesquisa “TCFL2 polymorphism is associated with decreased insulin secretion and increased intra-hospital mortality following myocardial infarction” sobre mutação genética, conduzida pelo médico Filipe Azevedo Moura do grupo BHS, recebeu o título de Pesquisa do Ano de 2014 na categoria Jovem Investigador do Congresso da American College of Cardiology (ACC), ocorrido em Washington, Estados Unidos. “É a primeira vez que um estudo integralmente realizado no Brasil recebe o prêmio do ACC. Trata-se de um enorme estímulo para nossos pesquisadores”, disse o professor da FCM Andrei Carvalho Sposito.

SOBRE O GRUPO

Andrei Carvalho Sposito, coordenador das pesquisas: “Pesquisas são uma janela que está se abrindo para a melhor avaliação do risco e, possivelmente, tratamento de pacientes infartados”

O Brasilia Heart Study (BHS) é um grupo de pesquisa sediado no Hospital de Base de Brasília (HBDF) e no Hospital de Clínicas da Unicamp. A coordenação do grupo é do professor da disciplina de cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp Andrei Carvalho Sposito, com a participação dos médicos José Carlos Quináglia e Silva, Osório Rangel, Simone Santos, Luiz Sérgio Fernandes Carvalho, Filipe Azevedo Moura, entre outros. Desde 2006, o grupo já envolveu 600 pacientes com infarto do miocárdio em pesquisas e publicou mais de 15 artigos em revistas internacionais de alto impacto. Nos últimos dois anos, a relevância dos estudos tem aumentado, sendo que três estudos recentes ganharam destaque nacional e internacional após ganharem prêmios de importantes instituições de pesquisa e colegiados de especialistas em cardiologia.


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Pesquisa investiga alcance da ‘universidade empreendedora’ Dissertação analisa cinco grupos envolvidos com pesquisas aplicadas, em quatro áreas LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

radicionalmente focada no ensino e na pesquisa, a universidade vem sendo cada vez mais chamada a transferir conhecimento para resolver questões socioeconômicas e contribuir para o desenvolvimento do país. Vem daí a concepção de “universidade empreendedora”, em que os acadêmicos exercem papel central neste processo, ao interagir com atores externos para criar um ambiente propício a projetos colaborativos com a sociedade, sobretudo com os setores produtivos. Da mesma forma, os estudantes de pós-graduação, recém-doutores e pósdoutorandos dividem este protagonismo, enquanto executores das pesquisas. Nathalia Dayrell Andrade é autora de dissertação de mestrado em que investiga como o empreendedorismo acadêmico influencia a formação e a escolha da carreira dos jovens pesquisadores. O trabalho intitulado “A universidade empreendedora no Brasil: uma análise das expectativas de carreira de jovens pesquisadores juniores” teve a orientação do professor André Luiz Sica de Campos e foi desenvolvido junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Partindo da análise contextual com base em dados quantitativos secundários do mercado de trabalho acadêmico no Brasil, e sobretudo por meio de estudo qualitativo, Nathalia Andrade analisou cinco grupos envolvidos com pesquisas aplicadas, em quatro áreas afeitas à produção de tecnologia: física, biologia, biotecnologia e tecnologia da informação, que também são áreas de excelência da Unicamp (notas 6 e 7, as máximas da Capes) e historicamente próximas à indústria. Os grupos, que a pesquisadora mantém anônimos, são casos de sucesso em parcerias e transferência de tecnologia entre a Universidade e empresas.

A autora da dissertação realizou um total de 17 entrevistas, ouvindo os cinco coordenadores de grupos e 12 doutorandos em final de treinamento, recém-doutores e pós-doutorandos. “Fui conversar com jovens pesquisadores que estão na transição para o mercado de trabalho, a fim de saber a sua formação, o que aprenderam com as atividades que não eram estritamente acadêmicas e as perspectivas de carreira. Junto aos orientadores, eu quis entender como funcionavam os grupos, as linhas de pesquisa, convênios e patentes.” Nathalia informa que o Brasil está formando mais de 10 mil doutores por ano (marca alcançada em 2008), registrando também uma expansão do sistema de ensino superior. E que o governo, por seu lado, vem incentivando atividades empreendedoras por parte das universidades e mais investimentos em inovação pelas empresas, induzindo um ambiente propício para projetos colaborativos, criação de empresas spin-offs e contratação de mão de obra qualificada para pesquisa. “Nos grupos estudados encontramos pesquisas colaborativas, criação de spin-offs por professores e alunos e exploração de propriedade intelectual.” Nathalia Andrade encontrou duas empresas criadas nos grupos de tecnologia da

informação, ambas no mercado. “Em uma delas, muito bem sucedida, o pesquisador diz ter aprendido muito ao desenvolver uma pesquisa mais aplicada e realizado contatos importantes; o outro dono de spin-off também construiu sua rede de contatos e agora tem melhor visão de como idealizar uma pesquisa de interesse do setor produtivo. O sucesso desses grupos de TI se deve a uma particularidade da Unicamp, onde essa área é muito forte em termos de excelência, com inúmeras empresas surgidas da pós-graduação e mesmo da graduação. Mas um professor colaborador também está se dando bem com seu grupo de biotecnologia.” Embora seu foco tenha sido a área tecnológica, a pesquisadora observou um viés social nas pesquisas do grupo de biologia, todas voltadas para eventuais aplicações em um hospital. “Uma das perguntas do questionário é sobre motivação, que nesse grupo é fortemente social: os integrantes querem continuar trabalhando para resolver problemas da saúde, já sabendo que a pesquisa será absorvida pelo hospital. Além disso, o grupo é extremamente produtivo, com várias patentes, e demonstra excelência acadêmica com notas 6 e 7 da Capes e nível altíssimo de publicações.” Fotos: Antoninho Perri

Nathalia Dayrell Andrade, autora de dissertação: expectativa dos pesquisadores de continuar na trajetória acadêmica é majoritária

‘É preciso manter o nível de excelência’ André Luiz Sica de Campos, orientador da dissertação de mestrado de Nathalia Andrade, que é professor de administração pública da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) e da pós-graduação do DPCT, vem trabalhando na relação da universidade com o setor industrial e outros usuários do conhecimento há mais de quinze anos. “Concluindo meu doutorado na Universidade de Sussex, participei do projeto ‘Papéis ocupacionais e carreiras de cientistas acadêmicos envolvidos em colaborações universidade-empresa’, da professora Alice Lam (Universidade de Londres), cujo propósito era observar a atuação de pesquisadores seniores em universidades. Minha contribuição se concentrou nos jovens cientistas e, a partir da amostragem de um estudo de caso, passamos a acompanhar a evolução da carreira deles.” De acordo com André Campos, o grande dilema enfrentado pelos jovens pesquisadores é frente à inserção no mercado de trabalho científico, principalmente no contexto dos EUA e da Europa Ocidental, onde é muito grande a competitividade. “Muitas vezes, as atividades empreendedoras são o que chamamos de alternativa de carreira, e que exigem competências adquiridas durante o doutorado para poder transitar entre essas duas esferas. Uma observação é que a formação acadêmica menos tradicional, mas de alto rigor acadêmico, é a que prepara melhor o jovem pesquisador para carreiras alternativas.”

Nathalia Andrade conta na dissertação que a chamada universidade empreendedora tem como marco uma lei aprovada nos EUA em 1980, o BayhDole Act, permitindo que as universidades fossem titulares de patentes. Com isso, passaram a entrar amplamente na agenda das universidades as atividades relacionadas à “terceira missão”: produção e comercialização de tecnologia (patentes, licenciamentos, royalties); criação de spin-offs; contratos, colaborações e consultorias para instituições não acadêmicas; colocação de estudantes e fluxo de pessoal da universidade para outras instituições; utilização de equipamentos e laboratórios por instituições não acadêmicas; e networking para o público não acadêmico. André Campos acrescenta que este modelo implantado desde os anos 80 consiste na criação de centros de pós-graduação nos quais a indústria tenha espaço para colocar suas demandas e necessidades. “Mais especificamente no Reino Unido, já se torna majoritário um movimento para que determinadas áreas, como de ciências da vida, adotem mais centros com este desenho do que o modelo tradicional. Aqui na Unicamp, o Cepetro [Centro de Estudos de Petróleo] é um exemplo desse tipo de espaço e está sendo bastante exitoso, a partir de uma demanda clara da Petrobras.” O professor da FCA e do IG tem dúvidas se esta seria uma tendência também no Brasil, e mesmo se seria uma tendência positiva, diante da ameaça de desmonte do espaço acadêmico tradicional. “A criação desse ambiente de pós-graduação mais próximo da aplicação ainda está em fase inicial

O professor André Campos, orientador: inserção no mercado de trabalho é o grande dilema enfrentado pelos jovens pesquisadores

no país, mas isso deve ser feito com muito cuidado, mantendo-se o nível de excelência conquistado ao longo de décadas de trabalho e investimentos, com a inserção internacional, as citações, o reconhecimento dos pares. Uma universidade empreendedora precisa ter todas as peças no lugar: institucionalidade, demanda industrial e excelência acadêmica. O desafio no Brasil é montar esse quebra-cabeça sem desorganizar o sistema.”

EXPECTATIVA DE CARREIRA

Nathalia constatou nas entrevistas que é majoritária a expectativa dos pesquisadores de continuar na trajetória acadêmica tradicional, como docente ou pesquisador. “Segundo os resultados, parece não haver uma grande influência das atividades empreendedoras nas expectativas de carreira dos grupos analisados e, quando há, existem obstáculos relativos a oportunidades fora da academia. Também não se percebe relatos de um ganho significativo de qualificação para os jovens pesquisadores que desenvolvem essas atividades. Apenas aqueles que abriram empresas afirmaram ter adquirido qualificações adicionais, que os ajudaram na etapa de entrada no mundo dos negócios.” Um aspecto pontuado pela autora é a diferença de contexto entre o Brasil e os países desenvolvidos, especialmente na Inglaterra, onde esta pesquisa teve origem (ver matéria nesta página). “Esses países sofrem com a saturação do mercado de trabalho acadêmico: não existem, nem são abertas vagas para professores na mesma proporção da formação de doutores. É um pouco por necessidade, portanto, que os jovens pesquisadores seguem a via empreendedora, criando as próprias empresas e, também, espaços híbridos em que transitam entre a área acadêmica e o setor industrial.” Nathalia observa que aqui não se vê o mesmo quadro de saturação, ainda, havendo inclusive uma expansão do ensino superior. Ao mesmo tempo, há uma troca de gerações, com muitos professores se aposentando e a abertura de inúmeros concursos para os jovens. “Entretanto, já se registra uma concorrência acirrada nas principais universidades do Sudeste (Unicamp, USP, UFMG, UFRJ), onde se começa a pensar em alternativas de carreira. A questão é que a universidade continua formando pesquisadores tradicionais para alimentar o próprio sistema.” De acordo com a autora, sua pesquisa confirma a concentração dos doutores na academia, por preferência, mas também por representar uma fonte estável de renda e pela falta de alternativas fora dela. “As alternativas seriam a criação de empresas de base tecnológica ou mesmo a carreira mais híbrida – como exemplo cito o dono de uma empresa de TI que faz pós-doc no Instituto de Computação, com o qual mantém projeto colaborativo, passando suas demandas para o professor e vice-versa. No entanto, havendo um mercado de trabalho acadêmico em expansão fora dos grandes centros, e uma indústria com pouca demanda por pesquisa e desenvolvimento, como convencer esse pós-graduando a não seguir a carreira acadêmica?”.

Publicações Artigos ANDRADE, N. D.; DE CAMPOS, A. L. S.; A formação para o empreendedorismo acadêmico e o mercado de trabalho acadêmico brasileiro, Revista Tecnologia e Sociedade, No. 20, no prelo. 2014. ANDRADE, N. D. DE CAMPOS, A. L. S. A universidade empreendedora no Brasil: uma análise das oportunidades de carreira para recém doutores (Conferência Internacional Latin American Network for Economics of Learning, Innovation and Competence Building Systems (LALICS): “Sistemas Nacionais de Inovação e Políticas de CTI para um Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável”, BNDES, Rio de Janeiro. 2013. LAM, A.; DE CAMPOS, A. L. S.; ‘Content to be sad’ or ‘runaway apprentice’? The psychological contract and career agency of young scientists in the entrepreneurial university, Human Relations, no prelo. Dissertação: “A universidade empreendedora no Brasil: uma análise das expectativas de carreira de jovens pesquisadores juniores” Autora: Nathalia Dayrell Andrade Orientador: André Luiz Sica de Campos Unidade: Instituto de Geociências (IG)


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Técnica soluciona gargalo na manutenção de fibras ópticas Fotos: Antoninho Perri

Método localiza trechos em redes que apresentem problemas ou que estejam comprometidos

Carolina Franciscangelis, autora da dissertação: “O nosso método tem por trás uma técnica mais simplificada e que exige menos equipamentos ativos, o que representa baixo custo”

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

manutenção das redes de fibra óptica, implantadas para atender ao constante aumento da demanda por informação e transmissão de dados, exige uma logística bastante complicada. Tomando o exemplo de 60 quilômetros de cabos ópticos de uma cidade a outra, se houver defeitos, como elevada dispersão dos modos de polarização (PMD), que possam degradar o sinal e impedir que a informação chegue à outra ponta, equipes da operadora terão que percorrer todo o trajeto, cavando e desenterrando as caixas de emenda instaladas a cada 4 km; a medição do sinal em cada caixa é que permitirá localizar o trecho com problemas para reparação. É um esforço que demanda muitos homens, deslocamentos, tempo e custo elevado. Uma técnica inédita, desenvolvida em pesquisa conjunta da Unicamp com o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), promete aliviar bastante o trabalho dos operadores. “Técnica de medição distribuída de PMD em enlaces ópticos baseada em pOTDR” é o título da dissertação de mestrado de Carolina Franciscangelis, orientada pelo professor Fabiano Fruett, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), e coorientada pelo pesquisador Claudio Floridia, do CPqD. “A técnica é inovadora. O estudo da literatura mostrou que sua concepção e validação foram realizadas pela primeira vez”, afirma a autora da dissertação. Segundo Carolina Franciscangelis, a motivação deste trabalho foi desenvolver um método para localizar trechos comprometidos em redes de fibra óptica de forma qualitativa e quantitativa, com respeito à sua PMD de primeira ordem, vulgo DGD [sigla em inglês para Atraso Diferencial de Grupo]. “Propusemos uma técnica de medição distribuída de um parâmetro que penaliza o sinal óptico transmitido, que chamamos de DGD. A técnica permite localizar os trechos de maior DGD e estimar seus valores. Abordagens similares já existem na literatura, mas são complexas porque envolvem a medição de parâmetros complicados de se obter – e poucas oferecem esta visão quantitativa. O nosso método tem por trás uma técnica mais simplificada e que exige menos equipamentos ativos, o que representa baixo custo.” A autora observa na dissertação que os sofisticados sistemas de comunicação óptica requerem sensores precisos e estáveis para monitorar parâmetros como de PMD (Dispersão dos Modos de Polarização), que causa um alargamento temporal do pulso óptico que acaba degradando a recepção do sinal. A proposta, demonstrada experimentalmente, foi de uma técnica para medição de PMD com o uso de um equipamento já comercializado, o Refletômetro Óptico no Domínio do Tempo (OTDR), associado a um módulo totalmente passivo para polarização da luz (pOTDR). O coorientador Claudio Floridia, do CPqD, explica que as técnicas atuais permitem medir a PMD apenas ponto a ponto nos enlaces ópticos, que costumam ter centenas de quilômetros. “Uma alternativa é dividir o enlace ao meio para ir cercando o trecho defeituoso, processo que demanda tempo e custos elevados. Com a técnica desenvolvida é possível localizar e estimar o valor de trechos com alta PMD a partir de um ponto de medição apenas, gerando economia para operadoras e fabricantes de cabos ópticos.”

De acordo com Floridia, os problemas nas redes ópticas podem decorrer de imperfeições já na fabricação do cabo, mas que por serem subterrâneas e instaladas ao longo de rodovias, cortando áreas rurais, também estão sujeitas a agentes externos como temperatura, pressão, torção e estresse mecânico. “Geralmente as operadoras solicitam medições a várias entidades, inclusive ao CPqD, para verificar a qualidade do cabo. Mas os problemas podem ocorrer na instalação, a exemplo de trações e torções de fibras. Nosso método é capaz de localizar todos esses defeitos.” Carolina Franciscangelis ressalta que os problemas surgem especialmente em fibras ópticas instaladas há mais tempo, que os técnicos chamam de “legado”. “Hoje em dia, existe na fabricação um controle mais rígido em relação à DGD, a fim de que esse parâmetro seja o mais baixo possível. Esta preocupação era menor nas fibras legado, assim como o cuidado na instalação. Embora nosso método vise também às redes atuais com fibras novas, o foco maior está nas redes legado, que dificilmente serão substituídas totalmente no curto prazo.”

O PROTÓTIPO A pesquisadora informa que o dispositivo mais usado para analisar as perdas de uma fibra óptica é o OTDR (sigla em inglês para Optical Time Domain Reflectometer), base do método que desenvolveu. “É um instrumento já comercial, cujo princípio de funcionamento está no fenômeno chamado retroespalhamento Rayleigh. O OTDR lança pulsos ópticos de determinadas larguras temporais ao longo do enlace óptico e esses pulsos lançados sofrem espalhamento Rayleigh devido a pequenas variações em seu índice de refração; e parte da luz, retroespalhada, retorna ao ponto de lançamento, atenuada ao longo do enlace, sendo capturada pelo OTDR.” Este sinal que volta, prossegue Carolina, é redirecionado, passando por um polarizador que traduz as variações no estado de polarização ao longo da fibra em variações de potência óptica, relacionando-as com a distância em quilômetros. “O que temos é um gráfico da atenuação do sinal ao longo na fibra, com uma curva mostrando trechos lisos, sem grandes variações de amplitude, e

O professor Fabiano Fruett, orientador: “O desafio é grande, pois estamos num país continental, com demanda crescente por comunicação”

Claudio Floridia, coorientador: “Com a técnica desenvolvida é possível localizar e estimar o valor de trechos com alta PMD”

trechos rugosos, de grande variação – os lisos são os problemáticos. E o operador, verificando somente a resposta no OTDR, pode trocar o trecho do enlace sem que precise ir ao local para fazer a medição com instrumentos tradicionais. Além desta variação qualitativa, técnicas desenvolvidas na dissertação permitem um pós-processamento dos dados para estimar os valores de PMD e os trechos mais penalizados da fibra.”

O PRODUTO O professor Fabiano Fruett, que orientou a autora da dissertação e também coordena o Laboratório de Sensores Microeletrônicos da FEEC, atenta que a técnica desenvolvida pode contribuir para melhorar a qualidade da internet. “Um estudo recente, envolvendo 140 países, concluiu que a internet brasileira é uma das mais lentas do mundo. O desafio é grande, pois estamos num país continental, com demanda crescente por comunicação e aumento na capacidade de transmissão. Dentro do Estado de São Paulo, até que estamos bem servidos, mas essa necessidade de comunicação óptica aumenta à medida que entramos em pontos mais longínquos do Centro-Oeste, Norte e Nordeste.” Em relação a outro aspecto salientado por Fabiano Fruett, que é a cooperação entre Unicamp e CPqD, o pesquisador Claudio Floridia lembra a tradição de sua instituição em sistemas de comunicações e em óptica, desde a fundação, oferecendo laboratórios, insumos e uma ótima infraestrutura. “Tratase de uma colaboração com a Universidade envolvendo uma pesquisa mais aplicada, que vai continuar no doutorado de Carolina Franciscangelis, ex-pesquisadora do CPqD, assim como outros trabalhos envolvendo alunos que são nossos funcionários ou não.” A aluna da Unicamp pretende continuar as investigações sobre sensores ópticos distribuídos em seu doutorado. Uma possível proposta é aumentar o alcance da técnica que desenvolveu, visto que ainda não cobre enlaces de fibras ópticas superiores a 100 quilômetros; e quem sabe, futuramente, transformá-la em um produto comercial, possibilidade que Claudio Floridia admite já estar sendo pensada. “Dentro do universo do CPqD existem empresas capacitadas a fabricar o dispositivo em escala, embora considere que o método está mais caracterizado para serviços.”

Publicação Dissertação: “Técnica de medição distribuída de PMD em enlaces ópticos baseada em pOTDR” Autora: Carolina Franciscangelis Orientador: Fabiano Fruett Coorientador: Claudio Floridia Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) e CPqD


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Mapeamento de doen

abre caminho para pro ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

popular vassoura-de-bruxa, doença que causa graves danos à plantação de cacau no Brasil, consumindo até 50% da safra, está prestes a ser totalmente desvendada. Cientistas do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, envolvidos no programa nacional Genoma Vassourade-Bruxa, liderado pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, caminham na direção de decifrar totalmente a interação entre o cacau e o fungo em nível molecular. Usando a metodologia de sequenciamento de RNA-seq, o grupo conseguiu chegar a um mapeamento da doença e entender exatamente as suas vias de acesso para atingir o cacau. Com base nesse mapa da doença e com o uso de ferramentas de última geração, está sendo possível compreender exatamente em que ponto atacar a vassoura-debruxa com moléculas fungicidas para que a doença seja destruída. O próximo passo será conseguir outro financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para desenvolver uma nova droga agrodefensiva, que já tem inclusive um protótipo. “Graças à técnica de RNA-seq, foi reconstruído o campo de batalha entre o cacau e o fungo com um nível de detalhe sem precedentes, fornecendo uma leitura dos genes afetados na planta e do fungo”, afirma Gonçalo. Como ápice desse trabalho de 14 anos, acaba de sair um paper no periódico The Plant Cell, de alto impacto na área de Fisiologia de Planta, com o título em inglês “High-resolution transcript profiling of the atypical biotrophic interaction between Theobroma cacao and the fungal pathogen Moniliophthora perniciosa”. O trabalho integra o Projeto Temático “Estudo integrado e comparativo de três doenças fúngicas do cacau: vassoura-de-bruxa, monilíase e mal do facão”. O texto, que passou por uma longa submissão, exigindo ajustes e mais pesquisas, mereceu destaque em um editorial da revista. Assinam o trabalho, como autores principais, os pós-doutorandos do IB Paulo José Teixeira e Daniela Toledo Thomazella, orientados pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, líder do programa Genoma Vassoura-de-Bruxa e do Laboratório de Genômica e Expressão da Universidade. O fruto: única cultura que convive com a floresta no seu estágio nativo

Cientistas do IB estão próximos de decifrar interação entre o cacau e o fungo em nível molecular; The Plant Cell publica artigo sobre as pesquisas Gonçalo Pereira, em sua sala no IB, e Paulo e Daniela, via Skype [eles estão fazendo pós-doc na Universidade da Carolina do Norte e na Universidade de Berkeley, respectivamente], falaram dos avanços havidos com relação à vassoura-de-bruxa, partindo do ponto zero, ou seja, da pesquisa básica. O “amarramento” foi comemorado pelos envolvidos nessa iniciativa, que é financiada pela Fapesp. Segundo Gonçalo, com esse trabalho eles conseguiram identificar as vias metabólicas da interação do fungo com a planta para “produzir” a doença. “Agora temos um extraordinário arsenal de possibilidades para atacá-la especificamente. Isso porque a maioria dos trabalhos é conduzida em plantas de países temperados ou em plantas-modelos. Estamos falando aqui de um sistema tropical de grande complexidade, para o qual montamos esse mapa rodoviário. Eu diria mais: algumas moléculas que estão sendo desenvolvidas para combater essa doença são efetivas também para debelar outras doenças de plantas como a soja.” Os editores da The Plant Cell, da American Society of Plant Biologists, já enviaram um release à imprensa intitulado “Cientistas buscam a cura para a devastadora doença vassoura-de-bruxa do cacau, a árvore do chocolate”. No texto, informaram que, no início de 1900, o Brasil era o maior produtor de cacau do mundo. Árvores do ‘chocolate’ (Theobroma cacao), o cacau, foram cultivadas em uma região de 800 mil hectares de floresta no Estado da Bahia, sob um dossel denso de árvores de sombras nativas. Considerando que a floresta circundante foi um hotspot de biodiversidade, as árvores do chocolate, obtidas principalmente a partir de sementes introduzidas em meados de 1700, tinham uma variação genética muito baixa. De acordo com Gonçalo Pereira, “este cenário criou uma situação muito romântica, mas muito frágil”, pois a variação genética é fundamental para a sobrevivência de uma população e faz com que aumente a resistência a agentes patógenos.

Em 1989, um desastre aconteceu na Bahia na forma de um fungo devastador chamado Moniliophthora perniciosa. Em dez anos, o fungo erradicou cerca de 70% das árvores de cacau do Brasil, resultando em uma catástrofe econômica e social, afetando dois milhões de pessoas.

CONHECIMENTO No primeiro estágio de seu ciclo de vida, a Moniliophthora perniciosa assume a forma de um fungo avermelhado, um fungo bonito, descreve Gonçalo, mas que, para a árvore do chocolate, é um problema mortal. Ele explica que esse tipo de cogumelo é cheio de milhões de esporos que, liberados, podem infectar plantas suscetíveis através de feridas superficiais e pequenas aberturas das folhas (estômatos), matando lentamente as árvores. Infectadas, essas árvores produzem protuberâncias verdes bizarras que se assemelham a vassouras, por isso do nome da doença. Dois a três meses após a infecção, as vassouras tornam-se marrons e começam a morrer. O fungo então completa seu ciclo de vida mais uma vez, dando origem a outros grupos de cogumelos produtores de esporos.

Gonçalo conta que não havia cura conhecida para esta doença, que ele qualificou de devastadora. Em 2000, sua equipe iniciou o Programa Genoma Vassoura-de-Bruxa com o objetivo de perseguir a cura para tal doença. De acordo com Paulo Teixeira, “conhecer a base molecular e fisiológica de uma doença é um passo importante para o desenvolvimento de estratégias de controle eficiente”. Logo, usando plantas saudáveis como ponto de referência, os cientistas identificaram 1.967 genes que exibem atividades únicas nas estruturas da vassoura-de-bruxa do cacau infectado. A análise destes genes mostrou que a infecção pelo fungo dispara transformações significativas e massivas no metabolismo da árvore do chocolate. Além disso, os cientistas descobriram 8.617 genes do fungo que são ativados na “fabricação” da vassoura-de-bruxa. Usando o Atlas Transcriptômico, uma ferramenta disponível on-line, criada pelo grupo para apoiar estudos da doença vassoura-de-bruxa, foram identificados 433 genes particularmente ativos. Muitos deles produzem proteínas com funções presumidas no mecanismo da doença. Daniela Thomazella explica que “a descoberta deste conjunto de genes do fungo, que possivelmente estão envolvidos na patogenicidade, pavimenta o caminho para estudos mais diretos e funcionais”. Os autores já estão empregando os resultados do estudo para desenvolver um novo fungicida que age especificamente em M.

Publicação Artigo Título: “High-resolution transcript profiling of the atypical biotrophic interaction between Theobroma cacao and the fungal pathogen Moniliophthora perniciosa” Autores: Paulo José Pereira Lima Teixeira, Daniela Paula de Toledo Thomazella, Osvaldo Reis, Paula Favoretti Vital do Prado, Maria Carolina Scatolin do Rio, Gabriel Lorencini Fiorin, Juliana José, Gustavo Gilson Lacerda Costa, Victor Augusti Negri, Jorge Maurício Costa Mondego, Piotr Mieczkowski e Gonçalo Amarante Guimarães Pereira Periódico: The Plant Cell


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nça que dizima o cacau

odução de nova droga Fotos: Antoninho Perri

O coordenador das pesquisas, professor Gonçalo Pereira, em sua sala no IB, e Paulo José Teixeira e Daniela Toledo Thomazella, que fazem pós-doc nos EUA, falam via Skipe sobre as investigações: identificando as vias etabólicas

perniciosa. Além de aumentar o conhecimento acerca dessa doença avassaladora, Gonçalo diz que este estudo apresenta uma base importante para futuras investigações que visam aumentar a segurança alimentar globalmente. Doenças de plantas matam muito mais humanos do que as próprias plantas, revela Gonçalo. “Por isso o nosso interesse em doenças de plantas está relacionado com a segurança alimentar das pessoas.”

RETROCESSO Conforme o docente, o Brasil, em especial a Bahia, era um dos maiores produtores de cacau. No início do século passado, era o primeiro em termos mundiais. Depois consolidou-se como o segundo, figurando atrás somente da Costa do Marfim, África. Com a vinda da doença para cá em 1989, quando foi identificada pela primeira vez, não existia conhecimento para combater essa doença. A primeira providência que o governo tomou foi importar as metodologias de controle da América Central, para aplicar na Bahia. “Isso fez com que os produtores pegassem dinheiro do Banco do Brasil para investir no controle da doença. O que aconteceu é que, como não tinham conhecimento suficiente, as medidas aumentaram a doença, no lugar de diminuir, o que acabou endividando o cacauicultor”, esclarece o professor. O Brasil, que produzia 400 mil toneladas de cacau por ano, passou a produzir menos de 100 mil. Na Bahia, mais ou menos 200 mil postos de trabalho foram perdidos, assim como mais de 100 mil hectares de Mata Atlântica. Já existia até uma determinação do governo para não fomentar mais essa cultura e acabar com o cacau na região. Com isso, seria o fim também da Mata Atlântica. O que segurou essa derrocada naquela região, situa Gonçalo, é que na Bahia havia uma região intacta de planta cacau. “Não teria como preservar a Mata Atlântica se não tivesse cacau. O que aconteceu lá foi uma exploração de madeira violenta quando o cacau entrou em crise”, aponta. O cacau é a única cultura que realmente convive com a floresta no seu estágio nativo. Desta forma, se não fosse descoberta uma solução para o problema, este seria uma espécie de ebola ao contrário: “o ebola está na África mas, se chegar aqui, vai trazer um problemão; a vassoura-de-bruxa está na

América e, se chegar à África, acabará com o cacau no mundo ou então teremos uma queda violentíssima. Isso não é brincadeira”, adverte o docente. Em vista da falta de conhecimento que existia sobre essa doença, e o fato de que nenhum fungicida conseguia combatê-la, iniciou-se esse programa de genômica para entender como a doença funcionava por dentro e como interagia. Anos após os primeiros frutos da iniciativa, Gonçalo reconhece que essa doença trouxe um problema muito sério do ponto de vista social, por conta da verdadeira disrupção que ocasionou no sul da Bahia. “O cacau é plantado junto com a floresta, que aos poucos foi degradada. Embora sendo produzida em pouca quantidade, é imenso o número de produtos que têm como base o cacau. Então é uma cadeia econômica de enorme valor”, dimensiona ele. Mas não é somente isso. Suas repercussões são sentidas também em outros lugares. O cacau, em geral produzido em países pobres, tem no Brasil o país mais rico dentro desse panorama. “Imagine uma vassoura-de-bruxa chegando à África. Acabou o chocolate do mundo”, constata. “O impacto seria inestimável. Para se ter uma ideia, sempre comparo, em tom de brincadeira, a malária, que é uma doença negligenciada, com a vassoura-de-bruxa, que é outra doença negligenciada, mas de planta.”

sol arrebenta molécula, e a chuva não tem persistência, não tem resistência, não penetra. Tem todo um trabalho para desenvolver essas drogas para elas ganharem características de moléculas agroquímicas”, sublinha ele. “É a primeira vez na história do país que será feita uma droga para ser pulverizada na planta, tarefa que terá ampla participação da Unicamp.” A estimativa do docente é de que em dois anos já estaria pronto um protótipo de campo. Depois disso, outra etapa envolverá prospectar uma empresa interessada em apoiar o trabalho e desenvolvê-lo em larga escala para o mercado. “Em quatro anos teremos uma droga comercial”, comemora. Enquanto isso não acontece, a vassourade-bruxa “vai sendo exorcizada”, brinca Gonçalo. “Hoje em dia, o nosso grupo conseguiu, até por consequência do projeto e da dedicação do agrônomo e cacauicultor Edvaldo Sampaio, já falecido, entender a base bioquímica da doença.”

Gonçalo relata que Edvaldo, a partir de suas ideias, concebeu um pacote de como agir para controlar a doença. “Então juntamos o conhecimento dele com o nosso e montamos um pacote tecnológico, que hoje é usado na Bahia. Com isso, conseguimos recuperar significativamente a produção”, informa. “Edvaldo foi um sujeito extraordinário. Ele sabia como fazer e não sabia o porquê e nós sabíamos o porquê e não sabíamos fazer. Agora sabemos fazer e sabemos o porquê, contudo isso não substitui a necessidade de uma droga, que servirá para mitigar, ajudar e aumentar significativamente a produção. Vai, porém, uma ressalva: a doença ainda está lá.”

Para acessar o artigo http://www.plantcell.org/content/ early/2014/11/04/tpc.114.130807. abstract

NOVO TEMÁTICO Nesse momento, um novo temático da Fapesp está em julgamento a fim de desenvolver o protótipo de uma droga própria para uso no campo. Em países tropicais, nunca se desenvolveu alguma droga específica. Todas as moléculas fungicidas tinham sido produzidas para outras doenças que, ao chegarem ao Brasil, tinham que ser usadas três a quatro vezes mais a quantidade recomendada. Rapidamente, o Brasil tornou-se o maior consumidor de fungicida e de agroquímico do mundo, por eles não serem específicos. O que acontece? Gonçalo ressalta que essas drogas até funcionam. Elas matam fungos e resolvem o problema. Só que não são capazes de serem levadas a campo. “O

A Moniliophthora perniciosa: cogumelo libera milhões de esporos, matando lentamente as árvores

Estufa com mudas de cacau usadas nas pesquisas: em busca da primeira droga a ser pulverizada na planta


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O republicanismo

democrático de Condorcet WALQUÍRIA G. D. LEÃO REGO w.leaorego@uol.com.br

hega em boa hora o livro de Condorcet Escritos político-constitucionais, organizado, traduzido e apresentado por Amaro de Oliveira Fleck e Cristina Foroni Consani, prefaciado por Newton Bignotto e publicado pela Editora da Unicamp. O texto nos revela um pensador da política, dono de grande vigor analítico, de força normativa e impressionante poder de antecipação de campos problemáticos e conceituais. Está dividido em cinco partes. Na primeira, em “Ideias sobre o despotismo (1789)”, Condorcet expõe tipologicamente sua teoria sobre suas formas, em destaque: o despotismo direto e o indireto e suas diferentes modalidades de atuação. Ambos os tipos portam graves e profundos perigos à liberdade, sendo o indireto o mais perigoso porque menos perceptível aos cidadãos. Um exemplo disso, em relação à representação, se refere ao fato de que o despotismo indireto existe mesmo “[...] quando, apesar da resolução da lei, a representação não é nem igual nem real, ou quando se está submetida a uma autoridade que não é estabelecida pela lei” (p. 30). O despotismo de tipo legislativo pode ocorrer quando a representação do povo cessa de ser real ou se torna demasiadamente desigual. Prevenir-se-á esse perigo vigiando a composição das leis que prescrevem a forma segundo a qual se devem ele-

ger os representantes (p. 33). Crucial advertência diz respeito ao despotismo dos tribunais ou do despotismo judiciário: “Ele é mais inevitável ainda se esses tribunais têm alguma participação na potência legislativa, se eles formam um corpo entre eles, se seus membros são julgados por eles próprios” (p. 36). Na segunda parte, “Ao corpo eleitoral, contra a escravidão dos negros (1789)”, lembra que a escravidão atenta contra os direitos da natureza e que nenhum homem pode, por nenhuma escritura, tornar-se propriedade de outro homem. Com isso rompe com justificativas teóricas e morais antigas da escravidão, talvez até mesmo com as de J. Locke. Na terceira, escreve “Sobre a admissão do direito de cidadania às mulheres (1790)”. O escrito sem dúvida antecipa as reflexões de John Stuart Mill sobre a questão, em especial o trabalho Sujeição das mulheres, escrito em 1869. Pode-se dizer que Condorcet, como todos os pensadores do século XVIII, defendeu intensamente a necessidade de normas, porque acreditava na sua indispensabilidade à racionalização da vida em sociedade. A liberdade deveria ser fundada nas normas: sem elas, sequer a liberdade seria possível; restaria apenas o seu contrário, o arbítrio de todos e a liberdade de ninguém. Neste ponto, vale a pena perceber sua concepção de lei e de reformas institucionais, ambas de grande originalidade, pois pensadas conforme a importância que se confere aos procedimentos legislativos. A preocupação com o processo legislativo e seus procedimentos recebe for-

te argumento em favor do debate e da participação ampla da cidadania. Evidentemente isso se articula com a preocupação com a boa e justa Constituição, que devia estar em relação direta com sua força normativa, cuja eficácia residiria em sua capacidade de modelar cidadãos inquietos, ativos, e demandantes por melhorias progressivas das instituições e do agir político. Finalmente, chega-se ao “Plano de Constituição (1793)”. Seu ponto central reside no desenho institucional elaborado por Condorcet. Aqui, claramente, promove a conciliação entre democracia representativa e democracia direta, isto é, estabelece canais formais para a deliberação política e para o controle dos representados sobre os representantes. Como se sabe, a representação foi e ainda é uma das grandes categorias da política. Condorcet compreendeu muito bem a questão e sua complexidade, por isso procurou estabelecer controles sobre sua qualidade e legitimidade democráticas. A peculiaridade de sua proposta se ancora sobre três bases: a multiplicação dos espaços deliberativos e decisórios, o estabelecimento de tempo político (ou intervalos) para o agir coletivo e o estabelecimento de poderes positivos e negativos que criam a possibilidade de reversibilidade das decisões tomadas, aproximando os cidadãos das atividades políticas (pp. 73-76). Por todas essas razões, vale lembrar que as reflexões de Condorcet interpelam fortemente nosso presente político. Têm muito a nos dizer sobre nossas crises de representação e de partici-

SERVIÇO Título: Escritos político-constitucionais Autor: Condorcet Organização, tradução e apresentação: Amaro de Oliveira Fleck e Cristina Foroni Consani Editora da Unicamp Páginas: 208 Preço: R$ 38,00

pação na vida pública. Não há como não invocar para elas a ideia benjaminiana do anjo da história, que, no seu quase voo através da ventania, mira o passado, mas bem que gostaria de se deter, despertar os mortos e recompor o que foi feito em pedaços. Walquíria G. D. Leão Rego é professora titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

Segregação socioespacial atinge Santos Fotos: Antonio Scarpinetti

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

esquisa de mestrado conduzida pela geógrafa Maria Isabel Figueiredo Pereira de Oliveira Martins identificou em Santos, cidade do litoral sul do Estado de São Paulo (SP), forte segregação socioespacial advinda do processo de urbanização do município. Conforme o estudo, esta divisão está atrelada à ação de agentes produtores do espaço que operam sob a chancela dos órgãos públicos, por meio da constante implementação de empreendimentos imobiliários verticais em áreas específicas. “O espaço urbano em Santos é produzido para atender uma classe social abastada. Os altos preços dos terrenos fazem com que algumas áreas da cidade sejam valorizadas. A população de baixa renda e a classe média, por sua vez, não têm acesso a esses espaços. Elas são obrigadas, por conta desta valorização diferencial, a fixar suas moradias em áreas que não têm tanta infraestrutura urbana”, expõe a pesquisadora. A dissertação de Maria Isabel Martins foi defendida junto ao Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, sob a orientação do professor Lindon Fonseca Matias. O estudo integra projeto temático da Fapesp sobre mudanças climáticas nas regiões metropolitanas de SP. A orla marítima do município e o seu entorno são as áreas “escolhidas” para os empreendimentos verticalizados de alto padrão, que trazem consigo as melhores infraestruturas urbanas, aponta a autora da investigação. “Há, nesta região, que tem investimento público em infraestrutura de saneamento, esgoto e transportes, muita especulação imobiliária”. A geógrafa exemplifica, acrescentando que, em muitos casos, empreendimentos localizados às margens da orla e do seu entorno chegam a vender o metro quadrado de condomínios compostos por torres de médio e alto padrão entre R$ 6,5 mil e R$ 8 mil. Por outro lado, o município abriga grande concentração de favelas sobre palafitas. As mais populosas são conhecidas como Rádio Clube e Dique da Vila Gilda, ambas localizadas na zona noroeste do município. “Estas regiões pobres estão separadas por morros e são as que apresentam maiores dificuldades de acesso viário às outras áreas de Santos. Elas carecem de melhorias na

Prédios na orla santista e a geógrafa Maria Isabel Martins, autora do estudo: verticalização e especulação imobiliária

infraestrutura de saneamento básico, transporte e qualidade de vida para os moradores. A maioria são moradias irregulares. O plano diretor do município - embora congregue a utilização do Estatuto da Cidade, que visa uma utilização urbana mais democrática ainda não agrega a população de baixa renda”, critica. Em 2011, de acordo com ela, houve uma revisão do plano diretor na tentativa de solucionar, principalmente, problemas que envolvem a democratização do espaço urbano, no sentido de proporcionar mais acessibilidade às áreas do município. “Mas, mesmo assim, algumas localidades ainda carecem de uma ampla gama de prioridades, como é o caso dos moradores da zona noroeste”, pondera. A utilização não democrática da cidade e a inexistência de espaços para o seu crescimento horizontal são, conforme Maria Isabel Martins, uma das principais dificuldades do município na atualidade. A pesquisadora informa que o grau de urbanização da área insular é de aproximadamente 99%. Isso acarreta uma densidade demográfica de aproximadamente 1.500 habitantes/km². Os vazios urbanos correspondem a aproximadamente 1% da área urbana total. “A cidade não tem, praticamente, mais espaço para crescimento, pois ela está localizada numa ilha. E na área continental existem manguezais, uma APA [Área de Proteção Ambiental] e o Parque Estadual da

Serra do Mar, regiões em que construções são proibidas. Por ter esta grande ausência de vazios urbanos, Santos não consegue, por exemplo, implantar programas habitacionais voltados às famílias de classe média e baixa renda, como o programa federal Minha Casa Minha Vida”, exemplifica. Embora a cidade concentre os setores de serviço da Baixada Santista desde a década de 1970, o crescimento populacional do município está estacionado, justamente por conta da falta de espaços para o crescimento da sua mancha urbana. A carência de espaços livres e de vazios urbanos, aliada à ocorrência de alta densidade demográfica, faz com que Santos passe por constantes processos de refuncionalização do seu território. “A saturação do espaço urbano santista gera construções de empreendimentos imobiliários verticalizados. Com isso, antigas edificações são demolidas, alterando a configuração urbana. E a cidade não se expande mais horizontalmente”, constata. Para subsidiar sua pesquisa, Maria Isabel Martins classificou em 37 tipos as atividades que predominam em cada quadra urbana de Santos. Ela produziu diversos mapas de intensidade de ocorrência dos usos da terra urbana por meio do estimador de intensidade Kernel. Tais mapas permitem uma análise da intensidade de ocorrência de cada uma dessas atividades e uma melhor compreensão da estruturação do espaço urbano do município no período atual, ressalta.

“A minha pesquisa produziu um alto nível de detalhamento, permitindo compreender a diversidade de usos do espaço urbano, mas identificando, principalmente, a predominância de usos mistos, sejam comerciais, residenciais e de serviços. Uma das justificativas para a predominância das atividades mistas é a ausência de espaços livres e de vazios urbanos”, acrescenta.

Publicações MARTINS, M. I. F. P. O. . A DINÂMICA TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE SANTOS-SP E A PRODUÇÃO DA SEGUNDA RESIDÊNCIA. In: 14º Encontro de geógrafos da América Latina, 2013, Lima (Peru). Anales del 14ª EGAL, 2013. v. 1 Dissertação: “Estudo do processo de urbanização e das transformações do uso da terra urbana no município de Santos – SP com uso de geotecnologias” Autora: Maria Isabel Figueiredo Pereira de Oliveira Martins Orientador: Lindon Fonseca Matias Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Fapesp


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Tese associa condição social à incidência de cáries em jovens Cirurgiã-dentista examinou 1.179 adolescentes piracicabanos com idade entre 15 e 19 anos ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

studo de doutorado da cirurgiãdentista Fabiana de Lima Vazquez concluiu que, entre adolescentes moradores da periferia de Piracicaba, prevalece uma grande necessidade de tratamento da cárie e da doença periodontal (infecção bacteriana crônica que afeta as gengivas e o osso que dá suporte aos dentes). A pesquisa apontou um importante impacto na saúde bucal dessas pessoas para as atividades diárias e para sua qualidade de vida. Foram examinados 1.179 adolescentes com idade entre 15 e 19 anos. A pesquisadora, que realizou a sua tese na Faculdade de Odontologia (FOP) de 2011 a 2014, investigou as doenças bucais (cárie, doença periodontal e má oclusão) que mais acometem os adolescentes e sua associação com variáveis individuais e contextuais. Além de avaliar a saúde bucal, esses adolescentes receberam orientações e, os que necessitaram de tratamento odontológico, foram encaminhados para as Unidades de Saúde da Família (USF). Eles responderam a questionários socioeconômico, de coesão familiar, de qualidade de vida e de impacto da saúde bucal nas atividades diárias. A doutoranda verificou nesse trabalho que variáveis socioeconômicas tiveram associação com as doenças bucais. Esta foi inclusive uma das primeiras investigações associando a variável ter “prisioneiro na família” à cárie, assim como aglomerado familiar. Ambos mostraram ser fatores de vulnerabilidade social. A doença periodontal esteve associada com impacto nas atividades diárias e com áreas que não tinham esgoto doméstico. “Apesar de Piracicaba ter 100% de esgoto e de abastecimento de água, pequenas variações em alguns subúrbios da cidade significam estado de vulnerabilidade, formando áreas de risco social.” Outro achado da pesquisa, orientada por Antonio Carlos Pereira, docente da FOP, foi que o sexo feminino mostrou maior impacto sociodental em comparação ao sexo masculino. Vários estudos têm feito essa associação, em que as mulheres relatam uma pior qualidade de vida que os homens. Segundo A.J. Barsky e colaboradores (1994), as mulheres mencionam sintomas corporais mais intensos, mais numerosos e mais frequentes que os homens. Um dos fatores para isso parece ser que eles diferem em seus limiares para julgar uma determinada sensação de nocivo, desagradável e incômodo.

PRIORIDADES O trabalho de campo abrangeu 34 USF e 21 escolas estaduais. A amostra foi calculada com base na experiência de cárie da região Sudeste, usando dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – Projeto SB Brasil.

Publicação Tese: “Risco e vulnerabilidade às doenças bucais em adolescentes brasileiros” Autora: Fabiana de Lima Vazquez Orientador: Antonio Carlos Pereira Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)

Um ano após a primeira abordagem de Fabiana, os adolescentes que haviam sido encaminhados para tratamento foram reavaliados e verificou-se que muitos não compareceram à consulta. As principais justificativas para a não adesão tiveram relação com as diferentes prioridades estipuladas pelos adolescentes. Conforme apurou em entrevistas, a necessidade de dedicar atenção à saúde bucal depende do que os adolescentes consideram urgente, importante e interessante. A procura pelo tratamento e pelo dentista somente foi priorizada quando a dor ou o interesse de usar aparelho ortodôntico os motivou a ir. “O aparelho estimulou o interesse e o estabelecimento das prioridades na atenção à saúde bucal dos avaliados”, percebeu. A adolescência foi escolhida para ser estudada, pois, além de ser uma faixa etária pouco avaliada hoje em dia, ela é por si só uma fase de risco. “Os adolescentes passam por transições entre a infância e a fase adulta, sentindo-se imortais, fortes, capazes de tudo e, portanto, mais vulneráveis”, ponderou. A contribuição de tais achados, acredita, é inovadora para programar ações futuras. Por isso, na opinião de Fabiana, é imprescindível que as intervenções em saúde pública impliquem o cuidado com a saúde para esses sujeitos dos grupos mais vulneráveis aos riscos sociais.

SAÚDE BUCAL

Dados da World Dental Federation (FDI) sugerem que mais de 90% da população mundial terá alguma doença bucal em sua vida; apenas 60% dessa população têm acesso a cuidados bucais; e a dor de dente é o maior motivo de faltas nas escolas, principalmente das crianças com baixo poder aquisitivo, até mesmo em países desenvolvidos como os Estados Unidos, onde a prevalência de cárie é muito baixa. Na adolescência, a cárie e a doença periodontal são as patologias mais comuns mundialmente, sendo que, no Brasil, em particular a cárie é o principal problema de saúde bucal. A média dos dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD), como indica levantamento nacional SB Brasil 2010, é de 5,16 em adolescentes de 19 anos. Em Piracicaba, a média do CPOD na amostra estudada foi de 2,10, mas no grupo polarizado – de adolescentes mais vulneráveis – a média do CPOD foi de 5,24, corroborando os dados nacionais, informa Fabiana. A cárie continua sendo a doença bucal mais comum entre os brasileiros. Aos 12 anos, o seu índice é de 56%. O número médio de dentes cariados é de 2,1, com variações por regiões. A necessidade de próteses dentais em adolescentes é de 52%, ao passo que, nos adultos, diminuiu em 70%. A conclusão é que as extrações de dentes vêm cedendo espaço ao tratamento restaurador, frisou. Fotos: César Maia/Divulgação

Fabiana de Lima Vazquez, autora da pesquisa, na FOP e durante entrevista com adolescentes: estudo pode nortear políticas públicas

Para a pesquisadora, a desigualdade na distribuição das riquezas tem reflexos diretos no setor da saúde. Assim, locais ou comunidades com grande desigualdade social apresentam mais problemas de saúde bucal. “A simples melhoria do nível de pobreza não supera a desigualdade do indivíduo ou da família. E a falta de interlocução das comunidades continua gerando vulnerabilidade.”

PREVENÇÃO A saúde bucal no país obteve um grande avanço após a conclusão do levantamento epidemiológico do Ministério da Saúde em 2003. Em 2004, foram formuladas as Diretrizes da Política Nacional de Saúde – o Brasil Sorridente –, que projetou a saúde bucal a um novo patamar no contexto das políticas públicas de saúde. Atualmente, o esforço ocorre em torno da integração da saúde bucal aos serviços de saúde em geral e com diretrizes para a promoção da saúde e prevenção de riscos das doenças bucais, além de orientações específicas nos ciclos de vida que abrangem os lactantes (0 a 24 meses), as crianças (2 a 9 anos), os adolescentes (10 a 19 anos), os adultos (20 a 59 anos), os idosos com 60 anos ou mais e as gestantes. A presente tese indicou que, junto dos fatores de risco individuais, é necessário considerar as variáveis do contexto em que esses jovens vivem, com vistas a haver formulação de políticas de saúde bucal para a adolescência. Por outro lado, enfatiza, é necessário refletir conjuntamente sobre outros fatores que podem influenciar comportamentos de risco, como o nível de capital social no espaço em estudo. “Se esse fator for usado como ferramenta de estudos científicos, pode gerar soluções edificantes. Deveria ser prioridade para ações dos governantes e dos gestores do país”, opinou. Para a pesquisadora, a expansão da Estratégia de Saúde da Família foi um salto em direção ao acesso aos cuidados básicos de saúde para grande parte da população, antes excluída das ações. Fabiana conta que os responsáveis, as USF e as escolas foram informados sobre os resultados dessa pesquisa através de relatórios com as condições bucais gerais dos adolescentes de Piracicaba. Os adolescentes que foram diagnosticados com necessidade de tratamento e suas famílias ainda continuam em acompanhamento. Também as famílias dos adolescentes que não aderiram ao tratamento odontológico recebem visitas domiciliares de profissionais que atuam na USF, grupo que procura utilizar estratégias educativas para sensibilizar os participantes no cuidado com sua saúde bucal.


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PAINEL DA SEMANA  Convênio entre Unicamp e Inpe - A Unicamp e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) assinam, dia 10 de novembro, um Protocolo de Intenções com o objetivo de promover atividades de pesquisa, orientação conjunta de estudantes de pós-graduação, intercâmbio de estudantes, pesquisadores e docentes, e disseminação de resultados de pesquisas, por meio de publicação na área de Política e gestão de ciência, tecnologia e inovação da indústria aeroespacial, com vigência de cinco anos. Na mesma data, o diretor do Inpe, Leonel Perondi, ministrará palestra no Auditório do IG, às 11 horas. Ela fala sobre o tema “Os preparativos para o lançamento do CBERS 4”. O evento é aberto à comunidade da Unicamp. Trata-se do satélite sinobrasileiro que estará sendo lançado em dezembro do presente ano. Mais informações: 19-3521-5124 ou e-mail dpct@ige.unicamp.br  Unicena - Alunos do curso de Artes Cênicas da Unicamp organizam, de 10 a 14 de novembro, no Paviartes (Rua Pitágoras 500), Campus da Unicamp, o Festival Cênico da Unicamp “Unicena”. O objetivo do evento é estimular a criatividade e promover o encontro entre interessados (artistas ou não) nas artes da cena. Esta edição abordará temas pertinentes à ditadura, especialmente em três momentos: no exercício cênico dos calouros das Artes Cênicas da Unicamp, orientados pelos professores Verônica Fabrini e Rodrigo Spina; na Mostra Cênica, espaço aberto a todos aqueles que quiserem apresentar cenas relacionadas (ou não) ao regime militar; e na apresentação do espetáculo da Cia. de Teatro Acidental, “O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer”, que aborda o discurso de ódio da internet a partir de uma releitura da obra “Beijo no Asfalto” do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. Mais: http://www.unicamp.br/unicamp/ eventos/2014/11/03/alunos-de-artes-cenicas-organizam-unicena-2014  Semana de empreendedorismo - O Núcleo das Empresas Juniores da Unicamp organiza, entre 10 e 14 de novembro, a 3ª edição da Semana Global de Empreendedorismo (SGE) com o tema “Se há um sonho, há um caminho”. A abertura oficial do evento acontece às 18 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A SGE é evento global, que prevê uma série de atividades e palestras voltadas ao empreendedorismo. Este ano, ela busca mostrar que empreender é um caminho gratificante de carreira e também um meio de atingir sonhos. A terceira edição é direcionada para a comunidade acadêmica da Unicamp e

também ao público externo, incluindo empreendedores e empresários da região de Campinas e Limeira, alunos de escolas e outras universidades e entusiastas sobre o tema. Todas as palestras são gratuitas. Mais detalhes podem ser obtidos pelo telefone 19-9-9116-3933 ou e-mail presidencia@nucleoejunicamp.com.br  Cátedra Unesco em Educação Aberta - No dia 11 de novembro, às 9 horas, no auditório da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BC-CL), a Cátedra Unesco em Educação Aberta (Unicamp) promoverá uma rede de colaboração ao redor da Educação Aberta (EA) e Recursos Educacionais Abertos (REA) em proximidade com outras Cátedras Unesco em temas similares (Canadá, Eslovénia, Holanda, Nova Zelândia e México). Na ocasião, o professor Celso Costa, diretor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-coordenador geral da Universidade Aberta do Brasil e ex-diretor da DED/CAPES, profere aula aberta. Uma apresentação sobre a Cátedra Unesco com Adauto Soares, coordenador de comunicação & informação da Unesco Brasil também ocorre no encontro. A organização é do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED). Mais detalhes pelo telefone 19-3521-7350 ou e-mail tamiel@unicamp.br  Economia solidária - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), órgão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), organiza no dia 11 de novembro, das 9 às 17 horas, mais uma edição da Feira de Economia Solidária. A Feira será realizada na rua dos Flamboyants, localizada entre o Restaurante Administrativo (RA) e o prédio da Engenharia Básica. No local, além da comercialização de comidas típicas, bebidas e produtos orgânicos/artesanais, ocorrem atividades musicais e roda de capoeira. A Feira de Economia Solidária pertence à Rede de Economia Solidária de Campinas, associação que está sob a responsabilidade da Secretaria de Trabalho e Renda da Prefeitura do município. Seu objetivo é promover a inclusão de pessoas que produzam algum tipo de produto artesanal com vistas à sua comercialização a preço justo. A Feira é aberta ao público em geral. Outros detalhes podem ser obtidos mediante contato com o telefone 19-3521-2936 ou e-mail cac@reitoria.unicamp.br.  Palestra com Simon Campbell - A Coordenadoria Geral da Unicamp (CGU) e a Agência de Inovação (Inova) organizam palestra com Simon Campbell, ex-presidente da Royal Society of Chemistry. Será no dia 11 de novembro, às 14h30, no Centro de Convenções da Unicamp. Campbell falará sobre os processos de pesquisa que levaram à criação dos fármacos Norvasc (cujo princípio ativo é a amlopidina) e Viagra (cujo princípio ativo é o sildenafil), a partir de sua perspectiva pessoal, destacando a importância de equipes de projeto multidisciplinares, os desafios que surgiram durante a descoberta e o desenvolvimento, e os fatores que influenciaram as decisões chave das pesquisas. Inscrições gratuitas e limitadas pelo site http://www. inova.unicamp.br/evento/3299  Inclusão e diversidade - Discutir as políticas públicas de acesso à universidade, com foco nas cotas e ações afirmativas, é o objetivo do Fórum Inclusão e Diversidade, que será realizado na Unicamp no dia 13 de novembro. Organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses) e professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, o evento vai reunir acadêmicos, movimentos sociais e autoridades governamentais para debater experiências e políticas de inclusão social implantadas nas instituições brasileiras, com especial atenção às demandas das universidades públicas paulistas. Mais: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/10/30/inclusao-na-universidade-e-tema-de-forum-na-unicamp

Silvia Hunold Lara. O Fórum propõe o diálogo entre a comunidade acadêmica e agentes públicos e militantes que atuam no combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil, buscando suscitar o interesse de alunos e docentes da Unicamp para um tema candente, que envolve debates que atravessam a sociedade brasileira, com repercussões internacionais. O evento faz parte das atividades do projeto temático “Entre a escravidão e o fardo da liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho em perspectiva histórica” (Processo Fapesp 2013/21979-5), sediado no Cecult-IFCH. Inscrições e outras informações no site http://www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/politicaspub03.html ou telefone 19-3521-5039.  Concurso de literatura - A Biblioteca da Área de Engenharia e Arquitetura (BAE) da Unicamp receberá, até 20 de novembro, trabalhos para o II Concurso de Literatura (gênero crônica) “Tecnologia e a felicidade coletiva”. O concurso é aberto aos alunos das faculdades de Engenharia e Arquitetura da Unicamp. O vencedor será conhecido em 11 de dezembro, data em que se comemora o Dia do Engenheiro. Mais informações: telefone 19-3521-6479 ou e-mail bibaedec@unicamp.br  Seminário Nacional de Bordado na Unicamp - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), órgão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), organiza nos dias 24 e 25 de novembro, nos auditórios 1 e 2 do Centro de Convenções da Unicamp, o 1º Seminário Nacional do Bordado na Unicamp. As inscrições, abertas desde o último dia 25 de agosto, podem ser feitas no link http://www.preac.unicamp.br/cac/bordado/?page_id=249, em grupo ou individualmente, sendo possível a submissão de até três trabalhos, nos seguintes eixos temáticos: Cultura, Arte e processos criativos; Educação, Filosofia, territorialidade; Saúde e qualidade de vida, e Economia criativa, inclusão social e geração de emprego e renda. Mais informações pelo e-mail terezabarretocosta@gmail.com ou no site http://www.preac.unicamp.br/cac/bordado/  Celso Furtado - O Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp organiza evento em memória aos dez anos de falecimento do economista Celso Furtado. Será no dia 26 de novembro, às 9 horas, no auditório do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O objetivo é discutir a atualidade do pensamento furtadiano e suas principais contribuições em campos como a História Econômica Brasileira e a relação entre Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento. Mas informações: telefone 19-3521-4555 ou e e-mail eventocelsofurtado@gmail.com  20 anos de Rua - O Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) organiza em seu auditório, dia 26 de novembro, às 9 horas, evento para comemorar os 20 anos de existência da revista “Rua”. O evento tem como proposta refletir sobre as políticas científicas e a circulação do conhecimento, debatendo o papel dos periódicos científicos na relação entre a produção, a avaliação e a circulação do conhecimento na área das Ciências Humanas. O objetivo principal da revista é abrir espaço para abordagens de diferentes áreas do conhecimento que tomem o espaço urbano como objeto de estudo. “Rua” publicou, até 2008, 13 números com periodicidade anual e em formato impresso, quando migrou para o formato eletrônico, passando a ser uma publicação semestral. Mais informações no site http://www.labeurb.unicamp.br/rua20anos ou telefone 19-3521-7900.

TESES DA SEMANA

EVENTOS FUTUROS  Trabalho análogo à escravidão no Brasil - Fórum aborda o tema no dia 19 de novembro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento está sob a responsabilidade da professora

DESTAQUE

 Educação - “Educação estética e prática docente: exercício de sensibilidade e formação” (doutorado). Candidata: Luciana Haddad Ferreira. Orientadora: professora Ana Maria Falcão de Aragão. Dia 10 de novembro de 2014, às 14 horas, na FE.  Educação Física - “Os V jogos mundiais militares no Brasil: expressão da inserção do esporte militar na política esportiva

brasileira e de seu posicionamento estratégico junto aos interesses do setor conservador do campo esportivo brasileiro” (doutorado). Candidato: Frederico Jorge Saad Guirra. Orientador: professor Lino Castellani Filho. Dia 14 de novembro de 2014, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Redução de herbicidas através do uso de filtração em múltiplas etapas - fime seguido de colunas de carvão ativado granular de babaçu” (doutorado). Candidata: Ana Cristina Zorato. Orientador: professor José Euclides Stipp Paterniani. Dia 14 de novembro de 2014, às 9 horas, na sala de defesa 1 da CPG da FEC.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Descritores compactos para busca visual em dispositivos móveis” (mestrado). Candidato: Paul Joseph Hidalgo Flores. Orientador: professor Eduardo Alves do Valle Junior. Dia 11 de novembro de 2014, às 14 horas, na sala de reuniões LE42 da FEEC.  Engenharia de Alimentos - “Enterococcus spp. e Bacillus cereus isolados do processamento de ricota: patogenicidade, formação de biofilmes multiespécie e detecção de autoindutores AI-2” (doutorado). Candidata: Meg da Silva Fernandes. Orientador: professor Arnaldo Yoshiteru Kuaye. Dia 10 de novembro de 2014, às 9 horas, no anfiteatro I do DTA da FEA.  Física - “Utilização da fase para estimativa das propriedades ópticas absolutas do tecido biológico com espectroscopia óptica de difusão” (mestrado). Candidato: Reember Cano Rodríguez. Orientador: professor Rickson Coelho Mesquita. Dia 10 de novembro de 2014, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação, prédio D do IFGW.  Linguagem - “Não é fácil ter um corpo: O estrangeiro. Um percurso do imaginário especular à topologia” (doutorado). Candidata: Tânia Maron Vichi Freire de Mello. Orientador: professor Nina Virgínia de Araújo Leite. Dia 14 de novembro de 2014, às 8h30, na sala de defesa de teses do IEL. “Uma leitura de ‘Cocktails’: justaposição de imagens e associação de ideias na poesia de Luís Aranha” (doutorado). Candidato: Júlio Bernardo Machinski. Orientadora: professora Maria Eugênia da Gama Alves Boaventura Dias. Dia 14 de novembro de 2014, às 14h30, na sala de defesa de teses do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Novas identidades envolvendo os números de Fibonacci, Lucas e Jacobsthal via ladrilhamentos” (doutorado). Candidata: Elen Viviani Pereira Spreafico. Orientador: professor José Plínio de Oliveira Santos. Dia 11 de novembro de 2014, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. “Estabilidade estrutural de campos de vetores suave por partes” (doutorado). Candidato: Jesus Enrique Achire Quispe. Orientador: professor Marco Antonio Teixeira. Dia 14 de novembro de 2014, às 10 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Fatores de risco para a saúde geral e bucal em idosos independentes, com ênfase no estado nutricional e na fragilidade: estude corte de base populacional” (doutorado). Candidata: Luísa Helena do Nascimento Tôrres. Orientadora: professora Maria da Luz Rosario de Sousa. Dia 11 de novembro de 2014, às 9 horas, no anfiteatro 4 da FOP. “Avaliação eletromiográfica dos músculos mastigatórios pré e pós tratamento com acupuntura em pacientes com disfunção temporomandibular” (doutorado). Candidata: Cássia Maria Grillo. Orientadora: professora Maria da Luz Rosario de Sousa. Dia 14 de novembro de 2014, às 9 horas, na sala de seminários da Fisiologia da FOP.  Química - “Síntese de nanopartículas metálicas suportadas em sílicas mesoporosas organofuncionalizadas” (doutorado). Candidata: Natália Fattori. Orientador: professor Yoshitaka Gushikem. Dia 11 de novembro de 2014, às 14 horas, na sala IQ14 do IQ. “Técnicas cromatográficas multidimensionais: aplicações em metabolômica de plantas de interesse comercial” (doutorado). Candidato: Leandro Wang Hantao. Orientador: professor Fabio Augusto. Dia 12 de novembro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

DO PORTAL

Oswaldo Luiz Alves é ‘fellow’ da Academia Mundial de Ciências docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp Oswaldo Luiz Alves acaba de receber a notícia de que é membro da The World Academy of Science - TWAS (em português a Academia Mundial de Ciências), cuja sede fica localizada em Trieste, Itália. Ele será empossado oficialmente na próxima assembleia do órgão. O professor foi comunicado sobre esta distinção no último dia 25. Na Unicamp, outro colega que faz parte dessa Academia é o professor Fernando Galembeck. Entre os químicos brasileiros, não são mais que dez. Segundo Oswaldo Alves, este em geral é um processo relativamente longo. “Para propor uma candidatura à TWAS, é preciso antes ser membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da qual já sou. Através da ABC, recebi um convite para me candidatar, o que exigiu a entrega de uma ampla documentação, que passa por currículo, publicações e também o apoio de pessoas que possam dar suporte à candidatura, pesquisadores renomados do mundo todo”, relata ele. Esse processo leva para se desenrolar entre oito e nove meses e, por ocasião da assembleia geral da Academia, são promulgados os eleitos para as diferentes categorias. Oswaldo Alves foi indicado para fellow, a mais alta titulação da TWAS. Conforme o docente, cada encontro acontece num país diferente. A última assembleia aconteceu no Sultanato de Omã e não se sabe ao certo quando será a próxima e nem em que país.

Ele conta que essa academia está muito ligada à parte sul do mundo. O nome anterior da Academia era Third World Academy of Sciences (Academia do Terceiro Mundo), criada em 1983, que se transformou na The World Academy of Sciences. O foco principal é o avanço da ciência nos países em desenvolvimento. Os membros dessa academia são portanto, em sua grande maioria, pessoas que vivem em países em desenvolvimento, atuando no campo da agricultura, economia, física, entre outros. “Fui eleito para a área de Química”, informa.

Para o docente, esta é uma indicação honrosa e relevante em termos acadêmicos, não somente para a Unicamp e para o IQ, mas também pessoalmente. “É um reconhecimento a uma atividade que não é pontual. Não estou entrando para essa academia por um trabalho específico que teve grande repercussão e sim pelo conjunto das minhas atividades”, esclarece. De acordo com o professor, três aspectos foram levados em conta: a sua atividade de desenvolvimento de vidros especiais para optoeletrônica, do antigo projeto UnicampFoto: Antoninho Perri

O professor Oswaldo Luiz Alves, do Instituto de Química: reconhecimento internacional

Telebras; suas atividades em nanotecnologia, sobretudo com nanopartículas; e o seu esforço na transferência de tecnologia para o setor produtivo. “Este último aspecto eu nunca tinha visto nesse processo, demonstrando que a inovação e o relacionamento com o setor produtivo começam a ser distinguidos por academias que em princípio seriam estritamente científicas”, pontua. “Para mim, é uma honra poder fazer parte dessa Academia, e isso chega num momento especial da minha carreira, ao completar exatos 40 anos trabalhando na Unicamp, onde fiz minha graduação e o meu doutorado direto. Fui para o exterior já contratado por esta Universidade e, quando voltei, já passei a atuar como docente.” O professor acredita ter dado importantes contribuições para a organização da área de nanotecnologia no Brasil e diz que procura ter um envolvimento intenso com o setor produtivo. Atualmente soma 25 patentes, sendo três internacionais, e um licenciamento de tecnologia com o setor industrial. Ele também já fez mais de 200 publicações internacionais. “O nosso Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) já formou mais de 50 pós-graduandos”, revela. Mas faz uma ressalva: “os mais jovens não têm uma ideia clara do que seja o trabalho do pesquisador. A instituição é importante para alimentar os nossos sonhos de fazer pesquisa e criar nossas crenças. Tudo isso somente existe se houver um ambiente propício para o nosso desenvolvimento intelectual. Por isso sou grato à Unicamp. Ela tem possibilitado construir minha carreira, que ora começa a ter um reconhecimento para além das nossas fronteiras”, conclui. (Isabel Gardenal)


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Os impactos dos biocombustíveis

no comércio internacional

Dissertação de mestrado desenvolvida na FEM analisa peso dos esquemas de certificação Foto: Antonio Scarpinetti

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

a primeira linha da dissertação de mestrado da graduada em direito Rachel Marini Ravagnani que trata dos potenciais impactos que possam ocorrer no comércio internacional de biocombustíveis em decorrência da implantação de esquemas de certificação, se lê que “nossa economia é movida a petróleo, carvão e gás natural”. Alterações climáticas atribuídas ao seu uso intensivo levaram ao surgimento de pressões ambientais com vistas à modificação nessa matriz energética e à utilização de combustíveis biodegradáveis. Contribuíram ainda para a substituição das fontes fósseis de energia as variações do preço do petróleo, a dependência mundial em relação a poucos países produtores, as instabilidades de governos, a dificuldade de encontrar em curto prazo um substituto para o petróleo sem necessidade de grandes alterações de infraestrutura. Os biocombustíveis surgem então como solução para problemas relacionados à redução de emissões de gases de feito estufa, segurança de suprimento energético e redução da dependência do petróleo e seus derivados. Entretanto, com o aumento do consumo de biocombustíveis, a sustentabilidade da produção da biomassa e da sua conversão no produto final passou a ser considerada com vistas a garantir a contribuição efetiva dessa nova fonte energética. Mesmo porque tanto o cultivo massivo necessário à obtenção de biomassa como a produção de combustível propriamente dito geram, também, pressões ambientais em decorrência do consumo de água, do uso do solo e coloca inclusive o problema da terra tomada à produção de alimentos. Para garantir os benefícios decorrentes da utilização de combustíveis renováveis aliados à forma de produção sustentável, adotaramse tanto para os processos de produção de biomassa como de combustíveis os esquemas de certificações. Em decorrência passouse a questionar então se as certificações não seriam responsáveis por tornarem os custos proibitivos, principalmente para os pequenos produtores, criando barreiras não tarifárias e limitando o comércio internacional. Com o objetivo de verificar qual o potencial dos impactos dos esquemas de certificação no comércio internacional de biocombustíveis e caracterizá-los como barreiras ou facilitadores desse comércio, a pesquisadora Rachel Marini Ravagnani apresentou, na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, dissertação em que analisa os “Potenciais impactos no comércio internacional de biocombustíveis associados à implementação de esquemas de certificação”, orientada pelo professor Arnaldo Cesar da Silva Walter. Como o mercado internacional de combustíveis renováveis é recente, a avalição dos impactos econômicos decorrentes de esquemas de certificação é impraticável, porque ainda de alcance muito restrito, o que levou a pesquisadora a uma análise comparada com setores mais maduros e experientes em relação às certificações. Ela então conduziu o estudo de forma a comparar os impactos verificados nesse comércio internacional com dois setores em que a certificação é utilizada há algum tempo, o de alimentos e produtos florestais. Com base na análise dos resultados observados nesses setores, ela traçou um paralelo que lhe permitiu discutir a influência dos esquemas de certificação nos potenciais impactos no comércio de biocombustíveis. O trabalho levou ao estudo de outras questões como ao exame do panorama do mercado de biocombustíveis; à verificação da efetiva atuação das certificações para o setor; ao descortino das aprendizagens que podem advir de outras áreas; à descoberta dos efeitos das certificações sobre os pequenos produtores. Embora as organizações responsáveis pelas certificações ou normatizações devessem, em princípio, considerar critérios e indicadores que deem sustentação aos requisitos de sustentabilidade, uma grande questão permeia o trabalho: as certificações visam realmente estimular a produção sustentável de biocombustíveis ou criam mecanismos protecionistas e barreiras ao comércio internacional?

8 revelaram-se mais recorrentes e foram selecionados para discussão no trabalho: diferencial de preço do produto comercializado; custos envolvidos em todas as etapas de implantação do processo; influências no volume de exportações; variação da produtividade; percepção dos produtores em relação à experiência; acesso a crédito; renda; e lucro. No setor de produtos florestais foram identificadas 38 espécies de impactos econômicos relacionados às certificações e 11 deles apareceram com maior número de repetições: gestão decorrente da introdução de novas técnicas e procedimento; diferencial de preços do produto; possibilidades de novos negócios; manutenção do mercado; custos de produção; reputação da empresa; transparência; apoio financeiro, produtividade; questões sociais; e exportações. Ao fazer uma análise comparativa dos dois setores, a pesquisadora verificou que os indicadores mais expressivos em ambos foram o diferencial de valores e volumes relacionados a exportações, fatores relevantes em vista dos seus significativos impactos comerciais. Com base nesses elementos ela partiu então para a verificação dos impactos que podem ser esperados no caso dos biocombustíveis. E explica: “Essa comparação me permitiu traçar uma perspectiva em relação aos biocombustíveis, ou seja, o que se pode prever quando os esquemas de certificações passarem a ser uma realidade mais palpável para os biocombustíveis no mercado internacional”.

CONCLUSÕES

Rachel Marini Ravagnani: segundo a autora do estudo, não é possível afirmar que o esquema de certificação atue como barreira

Como suporte ao entendimento dos mecanismos e atuação dos órgãos que compõem o cenário jurídico e comercial internacional são abordadas também no trabalho questões de direito e comércio internacionais que permeiam a problemática discutida.

O TRABALHO O estudo inicialmente apresenta o mercado internacional de biocombustíveis e contextualiza a evolução do emprego do etanol e do biodiesel, os mais comuns; discorre sobre a competição entre combustível e alimentos; e discute investimentos necessários a novas gerações, segurança energética, sustentabilidade, perspectiva de comércio, produção e consumo, políticas internacionais e impactos ambientais. Ao discutir o conceito de sustentabilidade, a autora estabelece sua conexão com energia e a forma de integrá-los aos esquemas de certificação e normatizações, suas motivações e barreiras impostas ao comércio internacional. Apresenta a evolução da utilização de esquemas de certificação nos setores de alimentos e produtos florestais, realiza uma análise comparada entre eles e, a partir desses resultados, traça as perspectivas das implementações de esquemas de certificação nos biocombustíveis e suas possíveis consequências. Ao abordar o conteúdo jurídico pertinente, a autora introduz o Direito Internacional, mostra a regulamentação do Comércio Internacional realizada através da OMC e suas atuações na resolução de conflitos e de acordos. Ela discute em particular o cabimento dos acordos em relação aos biocombustíveis.

Por fim, o estudo apresenta conclusões e reflexões a respeito das expectativas traçadas na discussão sobre os impactos no comércio internacional de biocombustíveis.

METODOLOGIA Rachel conta que realizou uma extensa revisão bibliográfica e, em termos de metodologia, delimitou o universo estudado selecionando dissertações, pesquisas e estudos científicos que se ativessem preferencialmente à abordagem dos impactos econômicos decorrentes dos esquemas de certificação. Entre os alimentos mereceram destaque café e cacau e nos produtos florestais os madeireiros e ainda papel e celulose. Ao todo foram analisados 47 documentos, 22 referentes ao setor de alimentos e 25 relacionados a produtos florestais, e compulsados em cada um dos grupos todas as espécies de impactos econômicos mencionados em decorrência das certificações. Dos 33 identificados no setor de alimentos,

Publicação Dissertação: “Potenciais impactos no comércio internacional de biocombustíveis associados à implementação de esquemas de certificação” Autora: Rachel Marini Ravagnani Orientador: Arnaldo Cesar da Silva Walter Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

Para Rachel, tanto a análise como a constatação do potencial dos esquemas de certificação na formação de barreiras não tarifarias revelaram-se complexas, face à diversidade de fatores e variáveis intervenientes. É possível esperar que as certificações para os biocombustíveis apresentem impactos positivos nas exportações desde que o mercado consumidor reconheça a importância dos esquemas de certificação e cobre resultados que indiquem efetiva sustentabilidade. Cabe aos produtores, por sua vez, atender a alguns requisitos como a economicidade e a produção em escala. Embora pairem dúvidas sobre a existência de mercados para produtos certificados, os produtores que não buscarem as certificações correm o risco de se restringirem aos mercados locais, pois elas, além de potencialmente assegurarem a manutenção dos mercados já conquistados, possibilitam a abertura de outros face à confiabilidade que lhes é associada pelos consumidores. A pesquisadora enfatiza que não é possível afirmar que o esquema de certificação atue como barreira, pois depende muito das motivações que as movem. Atua como barreira comercial quando utilizado como imposição mercadológica, diferentemente do que ocorre quando as exigências que orientam as certificações estão atreladas à segurança e buscam a melhor adequação às formas de produção, atendendo aos imperativos da sustentabilidade e da preservação ambiental, flexibilizando inclusive exigências para atender as contingências de diferentes países exportadores. Para ela, foi possível verificar, olhando friamente os números, que os esquemas de certificação até auxiliam o comércio internacional porque de um modo geral as exportações e o diferencial de preços são positivos. Por outro lado, como as adaptações às novas exigências oneram a produção entre 5% a 25%, os custos podem se tornar impeditivos principalmente para os pequenos produtores. Mas não há como afirmar que os esquemas de certificação atuem como barreiras comerciais não tarifárias. Rachel constata que as situações enfrentadas pelos produtores variam muito de região para região e de local para local e, como estão atreladas a experiências específicas e particulares, exigem análise de caso a caso. Ela lembra, a propósito, que “mesmo na literatura especializada há dificuldades em identificar como a normatização e os esquemas de certificação impactam o comércio internacional em qualquer setor da economia. Imagine-se, então em um setor muito recente”.


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Campinas, 10 a 16 de novembro de 2014 Fotos: Divulgação

Entre secas e cheias, irrompe a nova geografia pantaneira Turismo e modernização da pecuária transformaram a dinâmica da região, aponta pesquisa

A onça pintada: de animal hostil a objeto do desejo

MEMÓRIAS E O CICLO DAS ÁGUAS

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

s novas relações de trabalho advindas do turismo e da modernização da pecuária ocorridas na região do Pantanal, a partir da década de 1970, modificaram profundamente o modo de vida da população local. Estudo conduzido pela geógrafa Mara Aline Ribeiro, pesquisadora do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, revela que as transformações social, econômica e cultural da “gente pantaneira” promoveram um novo significado para a geografia da região. No estudo, a geógrafa afirma que a economia global imprimiu novos caminhos para a produção espacial, introduziu novos sujeitos, reorganizou o modo de vida dos habitantes e modificou suas relações com a natureza. Não restou, de acordo com ela, alternativas à comunidade pantaneira, a não ser se adaptar a este novo cenário, “ditado pela economia mundial a partir do processo de globalização.” “O ‘peão’, que antes só cuidava do gado, tem agora que ‘mostrar a fazenda aos turistas’. O dono da fazenda começou a perceber no turismo uma complementação para a pecuária, que teve uma retração, principalmente na década de 1990. Até meados do século passado o trabalho da ‘gente pantaneira’ era quase exclusivamente voltado à lida com o gado, com vínculos sociais e profissionais originários da família. Atualmente, esta população foi incorporada a um novo ordenamento profissional”, analisa. Mara Ribeiro, que vive em Campo Grande e leciona na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sustenta que as transformações no cotidiano da população não ficaram restritas aos vínculos profissionais. Com a chegada de turistas, empresários e profissionais do turismo, introduziram-se outros elementos à cultura local. Os viveres e os fazeres no Pantanal foram significativamente alterados e impactados com a implementação do turismo e modernização da pecuária, observa. “Antes, a população pantaneira lidava com animais e tinha pouquíssimas relações externas. Caracterizados por hábitos simples e de pouco contato com o mundo externo, eles começaram a conviver com pessoas de profissões, nacionalidades, culturas, línguas e objetivos completamente distintos. Inclusive, a linguagem foi muito modificada nestes últimos 50 anos para atender ao turista. Muitos peões agora são monitores ambientais e falam outras línguas”, relata. Para se manter no mercado de trabalho e na região, a “gente pantaneira” teve que alterar a sua relação com a natureza, agora alicerçada na mercantilização e espetacularização, acrescenta a estudiosa da Unicamp. A atividade turística, que inseriu o Pantanal no capitalismo mundial, transformou o viver pantaneiro, mercantilizando e espetacularizando o ambiente, salienta. Ela exemplifica, citando mudanças, ao longo dos anos, na concepção por parte da comunidade em relação à onça pintada, um dos principais símbolos do Pantanal. “Até 30 anos atrás, a onça era vista pela comunidade pantaneira como um animal hostil, uma ameaça, que deveria ser abatida porque ela causava prejuízos econômicos. E hoje este animal ascendeu a um status de objeto do desejo. Ter a onça na fazenda, cuidar do bicho, significa aumento de renda para a pousada... E estas pessoas que estão lá não entendem, muitas vezes, este processo que transformou o animal hostil em espetáculo da natureza”, expõe. O estudo de Mara Ribeiro integra tese de doutorado defendida em abril último junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, Análise Ambiental e Dinâmica Territorial do IG. A pesquisadora foi orientada pelo geógrafo Edvaldo César Moretti, que atua no Programa da Unicamp e é docente da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Uma parte da pesquisa foi conduzida na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, em Portugal, sob a supervisão do professor Zoran Roca. O intercâmbio

Segundo a pesquisadora, “o peão pantaneiro, que antes só cuidava do gado, tem agora que mostrar a fazenda aos turistas”

foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Conforme Mara Ribeiro, o geógrafo croata Zoran Roca forneceu contribuições teóricas relevantes a sua pesquisa, ao abordar o conceito de “terrafilia”, definido como a ligação afetiva entre as pessoas e os territórios as quais pertencem. Os estudos e conceitos de Zoran Roca subsidiaram a pesquisa a partir de um olhar sobre a geografia produzida na Europa. Outro aspecto relevante na metodologia foi a experiência pessoal da autora da tese. Ela desenvolve estudos e pesquisas na região desde 1993, fato que tem possibilitado vivenciar o cotidiano pantaneiro, mantendo-se mais próxima possível da realidade local. Neste sentido, o estudo utilizou como principal recurso metodológico a observação participante, que segundo ela, permitiu um aprofundamento nas práticas e rotinas da população. “No meu trabalho, o termo geografia deve ser compreendido como um conceito revelador do movimento da sociedade e não propriamente como uma ciência. Outro diferencial em relação aos trabalhos já existentes, cujo olhar está focado, sobretudo, numa preocupação com o meio ambiente, é que a minha pesquisa se volta às pessoas que ali vivem, à ‘gente pantaneira’, tentando compreender como esta nova economia tem transformado estas pessoas.”

As memórias coletivas das “gentes pantaneiras” foi um dos elementos relevantes para compreender as transformações sociais, econômicas e culturais da comunidade da região. O levantamento destas memórias por meio de entrevistas com os antigos do local traçou um contraponto entre o viver pantaneiro do passado e do presente. A pesquisadora da Unicamp esclarece que a expressão ‘gentes pantaneiras’ refere-se tanto aos moradores quanto aos produtores do Pantanal, divididos em quatro categorias: proprietários de terras, empregados das fazendas, proprietários de empreendimentos turísticos e trabalhadores do turismo. “Utilizei como elementos comparativos as celebrações festivas, o trabalho, a educação, a família, o sistema de comunicação, o transporte, a infraestrutura, a promulgação das leis, a chegada do turismo, a relação com as águas, a reorganização do território e a adaptação aos novos modelos de produção impostos no Pantanal. Essas recordações auxiliaram na compreensão da geografia construída no Pantanal”, informa. “Independentemente do ordenamento econômico e social no modo de produção capitalista, as memórias das ‘gentes pantaneiras’ são permeadas de valorização e de crítica ou estranheza face aos costumes atuais do mundo do trabalho. No âmbito da memória, eu também abordei o ciclo das águas enquanto responsável pela condução da vida da população, da natureza e da forma de produção local. Busquei compreender como as variações sazonais entre cheias e secas também reorganizam a paisagem”, completa. No período das cheias, de novembro a março, parte do Pantanal recebe grande volume de água. Para proteger a produção da invasão das águas e também se protegerem, os peões levam os rebanhos para terras mais altas e constroem as casas em palafitas. Os únicos meios de transporte são canoas e barcos. Conforme Mara Ribeiro, a comunidade local respeita e reconhece a importância dos ciclos naturais para a renovação da vida no Pantanal. Isso é expresso na fala de um pantaneiro, ouvido pela pesquisadora: “Você nunca desacredita no Pantanal, ou é pequena ou é grande, mas existe a enchente de novembro a março. A própria enchente é guardiã do Pantanal. O Pantanal se não ‘vié’ enchente, acaba. Não a enchente prejudicial a cada trinta anos. Mas a enchente normal. Ela traz o húmus, em todo lugar que a água entra ela traz matéria orgânica. Então a terra é adubada pela natureza, um ciclo. Entra enchente, você para de transitar no Pantanal, a estrada não segue, para. Isso, para a fauna, para a natureza, é lindo. Pantanal sem enchente, não serve”.

Publicação Tese: “Entre os ciclos de cheia e vazante, a gente do Pantanal produz e revela geografias” Autora: Mara Aline Ribeiro Orientador: Edvaldo César Moretti Unidade: Instituto de Geociências (IG) da Unicamp Financiamento: Capes

A geógrafa Mara Aline Ribeiro, autora do estudo: “População foi incorporada a um novo ordenamento profissional”


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