Ju 550 virando paginas 2

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Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012 - ANO XXVI - Nº 550 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

IMPRESSO ESPECIAL

9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Fotos: Antonio Scarpinetti / Divulgação

Quem é este intelectual?

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Eustáquio Gomes recebe título de Servidor Emérito

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Gesso pode ser reciclado, aponta pesquisa da FEC

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Identificação de moléculas lança luz sobre a epilepsia

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Equipamento obtém extrato de plantas nativas

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Obras do novo prédio do Cotuca começam em 2013

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Etienne Samain e as imagens que dão sentido à existência

Tese resgata trajetória do escritor e jornalista baiano Édison Carneiro (foto).

DE CLASSE MUNDIAL

6 e7

Indicadores demonstram que a ampliação do grau de internacionalização, no último biênio, está consolidando a Unicamp como universidade de classe mundial.

Recepção a estudantes estrangeiros

O Jornal da Unicamp volta a circular em fevereiro de 2013


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Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

Cotuca vai ganhar novo prédio Fotos: Antonio Scarpinetti / Siarq

Previsão é que a construção seja iniciada ainda no primeiro semestre de 2013 MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), pertencente à Unicamp, vai ganhar um prédio novo que abrigará salas de aula, laboratórios, refeitório, quadras esportivas e sanitários. O edifício, que terá três pavimentos e somará 4 mil m2 de área, será construído em um terreno contíguo à sede atual, que é tombada como patrimônio histórico. “Os recursos necessários às obras, da ordem de R$ 5 milhões, já estão previstos no orçamento da Universidade. Nossa expectativa é que a construção seja iniciada ainda no primeiro semestre de 2013”, adianta o pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, professor Roberto Rodrigues Paes. De acordo com a diretora do colégio, professora Teresa Celina Meloni Rosa, a construção do novo prédio é uma antiga aspiração de alunos, professores e funcionários. Ela explicou que o Cotuca iniciou as atividades no prédio localizado na Rua Culto à Ciência, no Centro de Campinas, em 1967, já com a previsão de que seria posteriormente transferido para uma sede no campus de Barão Geraldo. “Por causa dessa perspectiva de mudança, ao longo dos anos nunca foi feita uma restauração ampla no prédio, como seria indicado. Assim, as intervenções foram sempre paliativas. Ocorre que chegamos num ponto em que não é possível mais fazer reformas pontuais. O prédio está exigindo um trabalho de restauro extenso”, diz. Antes de a Unicamp decidir pela construção do novo prédio na própria área onde está o colégio, continua a diretora, foram tentadas outras soluções, como a compra de um terreno nas imediações ou em outro ponto da cidade. “Infelizmente, esses planos não deram certo. A alternativa que nos restou foi construir o edifício no próprio terreno do Cotuca. A proposta recebeu o aval do Condepacc [Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas], o que nos estimulou a buscar um projeto arquitetônico que fosse adequado tanto ao espaço disponível quanto à harmonização com a nossa sede histórica”, relata. Depois de muito pesquisar, apoiada pelo então pró-reitor de Desenvolvimento, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva, a direção do Cotuca encontrou um projeto arquitetônico que atendia às duas necessidades, que foi cedido pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão vinculado à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Conforme a professora Teresa Rosa, a construção do novo prédio já foi aprovada pelo Condepacc e nos próximos dias deverá ser também analisada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,

Artístico e Turístico (Condephaat), este de âmbito estadual. Segundo Edilene Teresinha Donadon, arquiteta da Coordenadoria de Projetos e Obras (CPO), órgão subordinado à Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU), o novo prédio do Cotuca será um presente não somente ao colégio, mas para toda a cidade de Campinas. De acordo com ela, assim que o edifício estiver pronto, várias atividades desenvolvidas na atual sede histórica serão transferidas para o novo espaço. “Com isso, finalmente será possível realizar uma restauração ampla nesse monumento arquitetônico, que pertence à sociedade em geral. Uma das necessidades mais urgentes é a troca do telhado. Esse é o tipo de serviço que jamais poderia ser feito com o local ocupado por alunos, professores e funcionários”, esclarece. Edilene destaca que o novo prédio será construído obedecendo aos critérios de acessibilidade. A diretora do Cotuca conta que, assim que o prédio novo estiver concluído, somente as atividades administrativas serão mantidas na sede antiga. O pró-reitor de Desenvolvimento lembra que a construção de um novo edifício para abrigar as atividades do colégio faz parte do esforço da Unicamp em ampliar a infraestrutura de ensino e pesquisa da Universidade, que não se restringe à graduação e pós-graduação.

Vista aérea do Colégio Técnico de Campinas: projeto arquitetônico vai se adequar ao espaço disponível

Teresa Celina Meloni Rosa (esq.), Roberto Rodrigues Paes e Edilene Donadon: recursos da ordem de R$ 5 milhões

Colégio começou a funcionar em 1967

REFORMAS MELHORAM CONDIÇÕES DE ENSINO Independentemente da construção do novo prédio, a Unicamp também já investiu R$ 760 mil em reformas e melhorias que foram e estão sendo feitas no Cotuca. Além do montante já investido, outros R$ 800 mil estão destinados à conclusão de projetos iniciados. Um dos destaques é a reforma no Laboratório de Alimentos, por onde passam diariamente 120 alunos. A área de 220 metros quadrados foi totalmente remodelada, com a reforma de 12 bancadas, das instalações de gás e do telhado. “Com isso, estamos garantindo mais segurança e conforto aos estudantes”, diz a diretora do Cotuca. Também foram realizadas recentemente a construção de nova portaria com sistema de identificação por meio de catracas eletrônicas; benfeitorias prediais de combate a incêndio; e instalação de sistema contra descargas elétricas. Ainda estão em andamento ou em fase de projeto ações como a reforma da cobertura, melhoria nas instalações elétricas, reformas nos sanitários e intervenções de acessibilidade. “As reformas na infraestrutura certamente produzirão impacto nas condições do ensino, com resultados positivos no desempenho dos alunos”, pondera a diretora.

O Cotuca em foto de 1970: edifício é tombado pelo Condepacc e Condephaat

O Cotuca está instalado em um prédio doado em testamento por Bento Quirino dos Santos, vereador e abolicionista, que já previa a instalação de uma escola técnica no local. O edifício é tombado tanto pelo Condepacc quanto pelo Condephaat, em razão do seu valor arquitetônico e histórico. A Unicamp instalou seu colégio técnico ali em 1967, oferecendo inicialmente os cursos de Mecânica, Eletrotécnica e Alimentos, todos no período diurno. Em 1971 foi implantado o curso de Enfermagem diurno e, em 1973, os de Processamento de Dados diurno e Eletrotécnica e Mecânica, ambos no período noturno.

PROJETO

TIPO

ÁREA (m)

STATUS

Em 1978 o Cotuca passou a oferecer, à noite, cursos sequenciais para portadores de diploma de Segundo Grau (atual Ensino Médio), de Técnico em Mecânica e Eletrotécnica. Em 1987, o curso de Eletrotécnica foi reestruturado, transformando-se no curso de Eletroeletrônica, oferecido nos períodos diurno e noturno. Em 1993 foram implantados mais dois cursos sequenciais (atualmente denominados subsequentes). No início do mesmo ano, foi criado o curso de Plásticos e, no mês de agosto, o de Habilitação em Equipamentos Médico-Hospitalares, ambos no período noturno. Em 1997 teve início o curso noturno de Informática Sequencial (hoje subsequente) e, em 1999, o curso de Telecomunicações, noturno, VALOR DA OBRA também no regime sequencial.

CONSTRUÇÃO DE NOVA PORTARIA

OBRA NOVA PREDIAL

29,00

OBRA CONCLUÍDA

R$ 75.820,42

PROJETO DE COMBATE A INCÊNDIO

BENFEITORIA PREDIAL

OBRA CONCLUÍDA

R$ 145.217,51

INSTALAÇÃO DE SISTEMA DE PROTEÇÃO CONTRA DESCARGAS ATMOSFÉRICAS

BENFEITORIA PREDIAL

OBRA CONCLUÍDA

R$ 70.000,00

REFORMA LABORATÓRIO ALIMENTOS

REFORMA PREDIAL

OBRA CONCLUÍDA

R$ 35.000.00

REFORMA DA COBERTURA

BENFEITORIA PREDIA

PARTE CONC. E PARTE EM PLANEJAMENTO

R$ 568.590.87

REFORMA INSTALAÇÕES ELÉTRICAS PRÉDIOS DO COTUCA

BENFEITORIA PREDIAL

PARTE CONC. E PARTE EM PLANEJAMENTO

R$ 653.656,93

NOVO BLOCO DE SALAS DE AULA

OBRA NOVA PREDIAL

4.000,00

DESENV. PROJETO

R$ 5.000.000,00

REFORMA DOS SANITÁRIOS DO PRÉDIO PRINCIPAL

REFORMA PREDIAL

100.00

DESENV. PROJETO

R$ 70.000,00

ACESSIBILIDADE PARA O PRÉDIO PRINCIPAL E PRÉDIO ANEXO.

BENFEITORIA PREDIAL

PLANEJAMENTO

EM ESTUDOS

OBRAS DO COTUCA

220,00

TOTAL DE RECURSOS LIBERADOS

R$ 6.618.285,73

A partir de 1998, em função de modificações introduzidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, o Cotuca passou a oferecer o Ensino Médio vinculado a alguns dos cursos técnicos, além de Educação Profissional, com organização curricular e matrículas distintas. Os cursos técnicos em Alimentos, Eletroeletrônica, Enfermagem, Informática e Mecatrônica, no período diurno, e Eletroeletrônica e Mecatrônica, no noturno, podem ser cursados concomitantemente ao Ensino Médio oferecido pelo colégio. No período compreendido entre 2001 e 2003 foram implantados ainda os cursos técnicos em Segurança do Trabalho, Meio Ambiente com ênfase em Gestão (atual Meio Ambiente) e Informática com ênfase em Programação e Internet (atual Informática para Internet), e as especializações de nível técnico em Gestão pela Qualidade e Produtividade, Projetos Mecânicos Assistidos por Computador e Materiais Metálicos. Atualmente, o Cotuca conta com cerca de 2 mil alunos, sendo que a cada ano 780 novos estudantes ingressam na instituição por meio de processo seletivo, conhecido como Vestibulinho.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador-Geral Edgar Salvadori De Decca Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Roberto Rodrigues Paes Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli Pró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita Neto Pró-reitor de Graduação Marcelo Knobel Chefe de Gabinete José Ranali

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail leitorju@ reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab (kassab@reitoria.unicamp.br) Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos (kel@unicamp.br) Reportagem Carmo Gallo Neto Isabel Gardenal, Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor de fotografia Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti e Jaqueline Lopes. Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

EUSTÁQUIO GOMES, um Servidor Emérito Jornalista e escritor implantou e coordenou a Ascom por trinta anos Fotos: Antoninho Perri

MANUEL ALVES FILHO ROBERTO COSTA manuel@reitoria.unicamp.br rcosta@unicamp.br

jornalista e escritor Eustáquio Gomes, ex-coordenador da Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp, recebeu em 14 de dezembro o título de Servidor Emérito da Universidade. A cerimônia, presidida pelo reitor Fernando Ferreira Costa, foi realizada na residência do homenageado, em Campinas, na presença de familiares e amigos. Durante a solenidade, Fernando Costa destacou a valiosa contribuição dada por Eustáquio Gomes ao longo da sua trajetória profissional na Unicamp, iniciada em 1982. “É uma justa e merecida homenagem a um dos servidores mais dedicados e comprometidos com a Unicamp”, afirmou o reitor. A proposta de concessão do título de Servidor Emérito a Eustáquio Gomes foi apresentada pelo próprio Fernando Costa ao Conselho Universitário (Consu), órgão máximo deliberativo da Unicamp, que a aprovou por unanimidade no dia 29 de novembro de 2011. Na oportunidade, diversos conselheiros manifestaram verbalmente apoio à iniciativa. Antes do ex-coordenador da Ascom, somente outros dois funcionários foram contemplados com a mesma láurea: a ex-secretária geral da Universidade, Arlinda Rocha Camargo, e o coordenador da Diretoria Acadêmica (DAC), Antonio Faggiani. De acordo com Fernando Costa, Eustáquio Gomes sempre soube aliar, no exercício de suas atividades, uma admirável capacidade intelectual ao espírito de serviço, com plena fidelidade à instituição. “Bastariam estas qualidades para credenciá-lo à homenagem, mas destaco, ainda, a integridade, a dedicação e a honestidade como características marcantes de sua personalidade, que extrapolaram, em muito, as tarefas a que estava diretamente ligado na área de comunicação”, completou o reitor. Segundo Leandro Gomes, filho de Eustáquio, a oportunidade de ter contribuído para o engrandecimento da Unicamp, na condição de coordenador de imprensa, é motivo de muito orgulho e satisfação pessoal para seu pai. “É notória sua admiração pela Unicamp e pelas pessoas que a integram. Ele sempre ressalta o quanto aprendeu com a diversidade de ideias e conhecimentos que circulam no meio universitário e com os quais teve contato ao longo dos anos. Este reconhecimento por parte da instituição à qual consagrou parte significativa da sua vida é uma grande honra para meu pai e nossa família, coroando uma carreira dedicada à divulgação da Universidade e do conhecimento nela produzido”, declarou. Eustáquio Gomes, que atualmente se recupera de um problema de saúde, implantou e organizou a Ascom na gestão do então reitor José Aristodemo Pinotti. O órgão, comandado por ele de março de 1982 a setembro deste ano, é responsável pela interface entre a Unicamp e a mídia externa. Também responde pela publicação do Jornal da Unicamp e pela produção de conteúdo noticioso para o Portal da Unicamp. O jornalista e escritor nasceu no povoado de Campo Alegre, no oeste de Minas Gerais, em 1952. Filho de lavradores, contou com a ajuda de amigos para realizar seus primeiros estudos, inicialmente na cidade de Luz (MG) e depois em Assis (SP). Posteriormente, bacharelou-se em jornalismo pela Pon-

O reitor Fernando Costa entrega a Eustáquio Gomes o diploma de Servidor Emérito: fidelidade à instituição

tifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Mais tarde, tornou-se mestre em Letras pela Unicamp. Sua dissertação teve como tema os modernistas de província. Como jornalista, trabalhou em jornais do interior, principalmente nos diários de Campinas. Atuou, ainda, nas áreas de comunicação das empresas Bosch do Brasil e White Martins. Como colaborador regular do campineiro Correio Popular, publicou cerca de 800 crônicas, além de reportagens especiais, entrevistas culturais e outros textos. Apesar da importante produção jornalística, Eustáquio Gomes escreveu certa vez em uma crônica, intitulada A harpa e o beijo: “Apesar de tudo nunca fui um grande repórter, talvez nem mesmo um bom repórter. Era dado a divagações e contemplações, esquecia o principal e preferia os temas leves”. Via-se muito mais como escritor, e não por acaso. Seus primeiros escritos, no formato de crônicas, datam ainda da infância. E foi na condição de escritor que produziu obras de destaque, como o romance A Febre Amorosa, de 1994, possivelmente o seu livro mais conhecido, adaptado posteriormente para o teatro em 1996 e traduzido para o russo em 2005. Ao todo, Eustáquio Gomes produziu 16 livros. Entre eles estão: Cavalo Inundado (poemas, 1975), Mulher que Virou Canoa (contos, 1978), Os Jogos de Junho (novela, 1982), Hemingway: sete encontros com o leão (ensaio biográfico, 1984), Jonas Blau (romance, 1986), Ensaios Mínimos (ensaios, 1988) e Os Rapazes d’a Onda e Outros Rapazes (ensaio, 1992). Eustáquio Gomes também escreveu O mandarim: história da infância da Unicamp (biografia, 2006), que conta como foram os primeiros anos da vida da Universidade, a partir do levantamento de documentos históricos e do depoimento de personagens que ajudaram a construir a instituição. Por ocasião da publicação de fascículos do livro pelo Jornal da Unicamp, no início de 2006, antes de seguir para o prelo, o autor fez o seguinte comentário sobre o desafio que se impôs: “Um livro como este nunca é definitivo, porque com frequência as pesquisas e os depoimentos colhidos para escrevê-lo são incapazes de levar à convergência das versões existentes, por vezes numerosas, sobre um mesmo fato, por simples que seja”.

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Pausa para o almoço CLAYTON LEVY

Na hora do almoço, ele passa na minha sala e seguimos de carro para uma cantina próxima à Universidade. Durante a refeição, ele conta os sonhos da noite anterior. Impressiona-me sua facilidade para achar o significado de cada vivência onírica. Aprendeu isso com Jung, de quem se tornou admirador. Também acostumou-se a anotar os sonhos assim que abre os olhos, quando as imagens ainda estão frescas na memória. Até pouco tempo, vinha colhendo material para um novo livro cujo título, a princípio, seria Sonhos Constelados. Entre uma garfada e outra, a conversa muda de rumo. Agora falamos sobre a morte. Não de um jeito tétrico, mas com a naturalidade que o assunto pede. Uma de suas preocupações é saber se poderá continuar escrevendo. Outra é saber se no além haverá bibliotecas, pois sem bibliotecas nem o paraíso valeria a pena. Tudo isso porque, entre outras coisas, mesmo depois de morto, não pretende interromper o hábito de escrever diários. Essa coisa de diários vem de longe. É um jeito de “filtrar os venenos” do cotidiano. Boa parte dos livros que publicou, 16 ao todo, nasceram desses manuscritos íntimos. Até pouco tempo ainda registrava tudo a mão. Um dia abriu o armário e mostrou-me mais de 20 cadernos recheados de anotações. O segredo está em não banalizar o dia a dia. Miudezas opacas ganham brilho após ser banhadas na riqueza intelectual de seus neurônios. Personagens apagados emergem do anonimato de um jeito que jamais foram vistos. A conversa dá mais algumas voltas, e ele agora fala do passado. Atravessou parte da infância num seminário, mas desistiu da vida eclesiástica a tempo de tornar-se escritor. No início, temeu que Deus punisse a falta mandando-o para o inferno. Mas depois, ao saber que o inferno estava cheio de escritores, passou a olhar o problema com outros olhos. Afinal, se já estavam aceitando essa gente por lá, não devia ser tão mal assim. Conta-me essas histórias e ri do tom caricato com que descreve a si mesmo. Depois do almoço, caminhamos até o sebo que fica ali perto. Ele adora sebos. Conhece todos os que há na cidade, bem como os inquilinos ilustres que habitam cada uma de suas prateleiras. Com paciência e generosidade, apresenta-me um a um: Kafka, Camus, Mann... Pode ter desistido do seminário, mas mantém uma relação religiosa com a literatura. É devoto de Machado de Assis. Corre o dedo pelas lombadas e puxa um volume: O eu profundo e outros eus, de Fernando Pessoa. Abre uma página ao acaso e começa a ler em voz alta: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe, todos eles príncipes, na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana...” Dois estudantes param de conversar e olham com o rabo do olho. A gerente estica o pescoço para certificar-se do que está acontecendo. Ele não dá bola e segue adiante: “...Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos...” A essa altura, já há uma rodinha de curiosos ao nosso redor. Eu, que não sou escritor nem sei declamar, sinto que estou sobrando na cena. Tento esgueirar-me, sair de fininho, mas estou encurralado por pilhas de livros. A plateia entra numa expectativa muda, esperando o próximo ato. Ele se empolga: “... Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos, mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza.” Um dos estudantes começa a bater palmas. Os demais vão atrás. Aliviado, porém orgulhoso, sigo a plateia. Ele ajeita os óculos, fecha o volume e devolve-o à prateleira. Depois, dá uma risadinha sardônica e começamos a sair. Lá fora, o ruído de um monomotor chama nossa atenção. Como num sonho, ganha altura, faz uma curva e some atrás das nuvens. Clayton Levy é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp

Depoimentos de ex-reitores “Conheci o Eustáquio nos anos 1980, durante a gestão do professor Pinotti. Trabalhamos juntos em vários projetos de interesse institucional e em tantos outros de interesse artístico e literário. Em comum, compartilhamos o gosto pelas coisas e pelas razões da vida universitária e a paixão pela efemeridade perene da vida, da literatura e da vida literária. Seguimos trabalhando juntos quando fui vice-reitor e depois reitor da Unicamp no início dos anos 1990 e depois ainda, ao longo dos mandatos seguintes, em que ele continuou a chefiar o setor de imprensa da Universidade. Fico feliz pela homenagem que o escolhe como servidor emérito da Unicamp e que, desse modo, registra, pelo reconhecimento institucional, aquilo que todos, que com ele convivemos, já reconhecíamos na prática afetiva de nossas relações de trabalho, de amizade, de companheirismo e de generoso desprendimento.” Carlos Vogt (1990-1994)

“Um grande ser humano, um excelente jornalista e alguém com um imenso amor à coisa pública e especialmente à Unicamp. Eustáquio conhecia a Unicamp com toda a sensibilidade de sua alma simples, bondosa e competente... Como reitor da Unicamp, sempre encontrei nele uma palavra amiga, um conselho e principalmente uma orientação essencial para essa difícil tarefa de administrar a Unicamp. Muito obrigado pela ajuda que sempre me deu no exercício de meu reitorado, Eustáquio.” José Martins Filho (1994-1998)

“Jovem chegou à Unicamp. Rápido de cabeça e objetivo nas ações, dedicou sua vida à nossa instituição. Revelouse jornalista competente e um chefe organizado, granjeando o respeito dos seus colegas. Escreveu livros cativantes que prendem a atenção do leitor da primeira à última página. Parabéns Eustáquio, Você merece.” Hermano Tavares (1998-2002)

“Além de sua paixão pela literatura, Eustáquio amava a Unicamp e contribuiu com o desenvolvimento da Universidade de forma fundamental. Conhecia como poucos a história da Universidade e das pessoas na Universidade. Sua sabedoria e sua pena ajudaram a formar boa parte da imagem externa da Unicamp.” Carlos Henrique de Brito Cruz (2002-2005)

“Escrever sobre o meu amigo Eustáquio, o cronista da Unicamp, que produzia textos passeando com as palavras para colocá-las em seus lugares mais adequados? Seria eu tão pretensioso? Não, prefiro lembrar palavras dele próprio, escritas há quase 19 anos e publicadas em Viagem ao Centro do Dia - um diário (2007): “E assim me coloco na situação do sujeito que, aos 41 anos, tendo já gasto metade da vida, espera o dia seguinte para começar a viver. Já escrevi sobre isso: a sempiterna sensação de não ter passado ainda da antessala da vida. É como uma infância que não termina, um estado de sono que não passa, uma realidade que não chega. Será ruim? Percebo que todos os meus irmãos reagem como se fossem viver a partir do dia seguinte, e também meu pai, que fazia planos indefinidamente, e sabe-se lá se esse traço não se perde nas brumas da ancestralidade, uma espécie de sortilégio familiar.” José Tadeu Jorge (2005-2009)


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Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

Em busca do gesso sustentável

Pesquisa aponta potencial de reciclagem do material usado na construção civil Fotos: Divulgação

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

m estudo conduzido na Unicamp apontou a viabilidade de reciclar o resíduo do gesso proveniente da construção civil. A pesquisa, desenvolvida pela engenheira civil Sayonara Maria de Moraes Pinheiro, atestou a possibilidade de recuperar o material, mantendo as mesmas propriedades físicas e mecânicas do gesso comercial. O crescimento da construção civil no país na última década tem acentuado o descarte inadequado do resíduo no ambiente, que pode contaminar o solo e o lençol freático. “Com a investigação mostramos que é viável recuperar um resíduo que não era considerado possível de ser reciclado. Tanto que não existem usinas de reciclo para este material no país. Estima-se que o resíduo do gesso represente em torno de 4% do volume do descarte da construção civil, que no Estado de São Paulo corresponde a mais de 50% de todo o resíduo sólido urbano gerado”, evidencia a engenheira civil. A sua investigação integrou tese doutorado defendida em 2011 junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Pelos critérios de originalidade, inovação e qualidade, a pesquisa foi agraciada com o Prêmio Capes de Tese 2012, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Sayonara Pinheiro foi orientada pela docente Gladis Camarini, do Departamento de Arquitetura e Construção da FEC. “O prêmio Capes é a consagração da pesquisa em nível nacional. Eu estou muito feliz! Gostaria de ressaltar a colaboração dos alunos dos PIC Jr. [Programa de Iniciação Científica Júnior] e Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica], além do apoio da minha orientadora. Sem eles não seria possível fazermos ensaios no volume que foi feito. Reciclamos aproximadamente 400 quilos de gesso, algo que é significativo para uma pesquisa de laboratório”, reconhece a premiada.

Publicação Tese: “Gesso reciclado: avaliação de propriedades para uso em componentes” Autora: Sayonara Maria de Moraes Pinheiro Orientadora: Gladis Camarini Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) Financiamento: Capes

Sayonara Maria de Moraes Pinheiro: propriedades físicas e mecânicas são mantidas

Na sequência, jazida de gipsita no polo de Araripe, resíduo de gesso, o preparo para a calcinação e o produto já reciclado

POLO DE ARARIPE

O gesso é amplamente utilizado na construção civil. O seu uso mais comum está relacionado ao revestimento de tetos e paredes; confecção de componentes prémoldados como forros e divisórias; e como elemento decorativo, devido as suas propriedades de lisura, endurecimento rápido e relativa leveza. A matéria-prima é o minério de gipsita, cujas maiores jazidas estão localizadas no polo gesseiro de Araripe, no sertão de Pernambuco. O polo é responsável por 95% da produção nacional. Todo o processo produtivo da região foi acompanhado de perto pela estudiosa da Unicamp, atualmente professora da Universidade Federal do Vale de São Francisco (Univasf), situada próxima à região. Ela explica que o segmento gesseiro nacional encontra-se em expansão. A taxa de crescimento anual é da ordem de 8%, com expectativa de crescimento ainda maior, segundo dados do Sindicato da Indústria do Gesso de Pernambuco. O incremento se deve, conforme a engenheira, principalmente, à disseminação de sistemas construtivos alternativos, ao baixo custo do gesso e ao alto teor de pureza das jazidas de gipsita nacional. “A extração da gipsita representa 1,9 milhão de toneladas por ano no Brasil. O polo Gesseiro do Araripe é responsável pela maior parte desta produção, tendo como principais consumidores os Estados da região Sudeste. O polo é constituído por 37 minas de exploração, cerca de 100 calcinadoras e, aproximadamente, 300 pequenas unidades produtoras de componentes, a maioria com processos artesanais”, detalha Sayonara Pinheiro. O volume de resíduos gerado por essas unidades produtoras representa, de acordo ela, massa significativa para proporcionar reciclagem industrialmente.

IMPACTO

A deposição inadequada do resíduo de gesso pode contaminar o solo e o lençol freático, alerta a estudiosa da Unicamp. Isso acontece devido às características físicas e químicas do material, que em contato com o ambiente pode se tornar tóxico. “O resíduo do gesso é constituído de sulfato de cálcio di-hidratado. A facilidade de solubilização promove a sulfurização do solo e a contaminação do lençol freático”, pontua Sayonara Pinheiro. Do mesmo modo, a deposição do resíduo em aterros sanitários comuns não é recomendada. Neste caso, além de tóxico, a dissolução dos componentes do gesso pode torná-lo inflamável, explica a pesquisadora. “O ambiente úmido, associado às condições aeróbicas e à presença de bactérias redutoras de sulfato, permite a dissociação dos componentes do resíduo em dióxido de carbono, água e gás sulfídrico, que possui odor característico de ovo podre. A incineração do gesso também pode produzir o dióxido de enxofre, um gás tóxico. As possibilidades de minimizar o impacto ambiental, portanto, são a redução da geração do resíduo, a reutilização e a reciclagem”, aconselha.

LEGISLAÇÃO

No mesmo ano da defesa do estudo de Sayonara Pinheiro, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) publicou resolução nº 431 estabelecendo uma nova classificação para o gesso. A resolução altera a classificação do material. Antes, ele era agrupado na categoria de “resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitam a sua reciclagem ou recuperação”. Agora, a deliberação inclui o gesso na categoria de “resíduos recicláveis”, tais

como o plástico, papel, papelão, metais, vidros e madeiras. “Mesmo que haja segregação deste resíduo na obra, encontramos um problema: a ausência de local para descartá-lo e a inexistência de usinas de reciclo. E porque não existem as usinas de reciclagem? Porque a Resolução do Conama que recomenda a reciclagem do resíduo é recente, e as pesquisas relacionadas ao processo de reciclagem e ao conhecimento das características do gesso reciclado são incipientes. O objetivo do nosso estudo foi justamente avaliar essas propriedades no material reciclado, desenvolvido em modelo experimental”, revela a pesquisadora.

RECICLAGEM O modelo experimental para a reciclagem do resíduo constituiu, de acordo com ela, nas fases de moagem e calcinação. Após estas etapas foram avaliadas as propriedades físicas e mecânicas do material reciclado. “Os resíduos foram submetidos a ciclos de reciclagem consecutivos. Com estes ciclos, nós queríamos verificar se era possível reciclar o gesso, que já havia passado por processo de reciclo. Chegamos até o 5º ciclo de reciclagem e o gesso apresentou características químicas e microestruturais similares ao longo de todo o processo. Podemos inferir, portanto, que ele pode ser reciclado indefinidamente”, conclui. Os ciclos de reciclagem provam, segundo a engenheira, que o gesso da construção civil pode ser totalmente sustentável. “Pode-se utilizar o resíduo do gesso em diversos ciclos de reciclagem, que é uma das diretrizes da sustentabilidade no setor. Além disso, evita a extração da matéria-prima de fabricação do gesso, que é a gipsita”, complementa Sayonara Pinheiro.


Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

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O intelectual ‘feiticeiro’ sai enfim do limbo PAULO CESAR NASCIMENTO pcncom@hotmail.com

scritor, historiador, etnógrafo, jornalista e folclorista, o baiano Édison de Souza Carneiro (1912-1972) dedicou-se aos estudos sobre o negro brasileiro e tornou-se uma das maiores autoridades nacionais sobre cultos afro-brasileiros. Mas a trajetória desse intelectual, a despeito do relevante papel que desempenhou na história das ciências sociais no Brasil, sobretudo na história dos estudos das relações raciais, ainda não havia recebido atenção condizente com a importância de seu trabalho e de seu legado. A tese de doutorado O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil tem o mérito de realizar pela primeira vez um resgate de fôlego da vida e obra desse personagem um tanto oculto na história. A tarefa coube ao antropólogo social Gustavo Rossi, orientado pela professora Heloisa André Pontes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O esforço na elaboração da aprofundada pesquisa e suas contribuições à compreensão do processo de gênese e formação do campo de estudos das relações raciais no Brasil valeram ao trabalho de Rossi o reconhecimento da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de melhor tese de doutorado nas áreas de Antropologia e Arqueologia defendida em 2011. O prêmio, entregue no último dia 13, também valorizou o trabalho realizado no âmbito do programa de pós-graduação em Antropologia Social do IFCH. Ao investigar a trajetória social e intelectual de Carneiro, Rossi evitou produzir somente uma biografia convencional ou uma interpretação da totalidade da obra do autor. O seu acurado olhar analítico direcionou-se aos aspectos da prática e da produção intelectuais que dão conta do envolvimento do etnógrafo com o campo de estudos ao qual ele esteve mais sensivelmente ligado (o de estudos das relações raciais e das culturas de origem africana na sociedade brasileira) e que permitiram sua inserção no debate sobre a “questão negra” brasileira. “Diferente de certos intelectuais, escritores, ou artistas que, graças aos efeitos de consagração, poderíamos invocar pela simples relevância autoevidente que seus nomes despertam, o caso de Édison Carneiro se encontra no âmbito daqueles em que não se dispensam as apresentações”, observa Rossi. “Ele não se consagrou como um acadêmico ou professor universitário, no entanto tornou-se um personagem cuja vida e obra mereciam ser estudadas de maneira mais densa, até para permitir enxergar o que elas nos expressam tanto em termos de sociedade e vida intelectual brasileiras quanto em termos de gestação e constituição do campo de estudos das relações raciais no país a partir da década de 1930.”

Fotos: Antoninho Perri / Reprodução

tombou na estrada e pegou fogo. Portanto, em teoria, tudo o que sobrou do acervo pessoal de Carneiro estaria disperso pelos arquivos de algumas instituições (no Rio de Janeiro, Museu do Folclore Édison Carneiro, Biblioteca Nacional e Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro; em Salvador, Fundação Clemente Mariani, Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, Fundação Casa de Jorge Amado, Biblioteca Pública do Estado da Bahia e Arquivo Público do Estado da Bahia) e até em mãos de amigos e parentes, como chegou a constatar Rossi ao longo dos quatro anos investidos na pesquisa. Os três capítulos que compõem a tese são, na definição do próprio autor, ensaios que podem ser lidos separadamente, cada um abordando eixos distintos da vida do personagem pesquisado, e, em seu conjunto, acabam por compor uma espécie de mosaico analítico de sua carreira. No primeiro, há uma recuperação da trajetória social e familiar de Carneiro na Bahia, com a finalidade de ajudar a entender como ele e a família, a partir de suas origens, retraduziam suas identidades étnicas na estrutura social da Salvador dos anos 1920 e 1930. O segundo trata das primeiras experiências intelectuais do biografado, abordando sua tentativa de se tornar um literato, a sua participação no grupo literário Academia dos Rebeldes (cujo líder era o jornalista Pinheiro Viegas e que contava também com a participação do escritor Jorge Amado), o engajamento no Partido Comunista e o despertar de seu interesse pelos cultos afro-brasileiros. No terceiro, o autor revela como o biografado começa a abandonar suas pretensões literárias para investir na carreira jornalística, escrevendo sobre ritos e festas dos candomblés baianos para diferentes periódicos, tornando-se um dos maiores defensores da liberdade da prática dessas atividades. A síntese desses três painéis sobre a vida de Carneiro revela um percurso social e intelectual caracterizado por relativo isolamento. Segundo apurou Gustavo Rossi, Carneiro vivera ainda muito jovem, em Salvador, sua cidade natal, uma de suas primeiras frustrações intelectuais, ao ver minguar, na virada das décadas de 1920 e 1930, suas chances de se firmar como literato, não concretizando as fantasias de consagração e reconhecimento autorais que, imaginava, iriam livrá-lo da incômoda condição de “escritor de subúrbio”.

TURBULÊNCIAS Com relação ao campo dos estudos afrobrasileiros dos anos de 1930, a inserção de Carneiro não foi menos turbulenta, revela a premiada pesquisa: conviveu com pretensões frustradas de estágio de estudos e especialização no exterior e relações muitas vezes tensas com os então “donos dos assuntos” afro-brasileiros, Arthur Ramos (1903-1949) e Gilberto Freyre (1900-1987). Acrescentese, ainda, de acordo com Rossi, os recorren-

Édison Carneiro: trabalho do escritor e folclorista baiano é pouco estudado

tes períodos de penúria financeira; as dificuldades de reconhecimento como folclorista frente a uma ciência social emergente nas décadas de 1940 e 1950; o desinteresse das instituições acadêmicas e de incentivo a pesquisas científicas, que fecharam suas portas às suas ambições e aos seus projetos como pesquisador da cultura afro-brasileira e do folclore nacional; as tentativas malsucedidas de ingresso como professor no magistério superior e, por fim, uma militância comunista que lhe rendeu prisões, perseguições e cassações de postos. “Não se pode desprezar ainda o fato de Édison Carneiro ter sido um ‘não branco’ que, a despeito de sua intensa dedicação ao estudo da população negro-africana no Brasil, atuando politicamente em prol da liberdade de suas manifestações culturais e religiosas, vivenciou a partir de um dado momento uma relação rasgada de tensões e cisões com o próprio movimento negro brasileiro, que produziram um distanciamento simbólico significativo dele, mesmo depois de morto, para com os projetos, os destinos, as conquistas e, neste sentido, as memórias do movimento negro”, pondera Rossi.

FOGO NA ESTRADA

Na ocasião, o caminhão de mudanças

Para Rossi, a vida de Carneiro expressa com vigor dilemas e transformações que acometeram não apenas o campo de estudos das relações raciais, mas também as ciências sociais brasileiras como um todo, cujo processo de institucionalização destravou, a partir da década de 1930, o rompimento com um modelo de intelectual que o biografado encarnava muito bem: o polígrafo, autodidata. Sua atuação e suas metamorfoses na evolução do debate racial nacional urdiram uma experiência, senão exemplar, certamente expressiva do processo de gênese e formação deste campo de estudos, enfatiza o antropólogo. De outra parte, nelas também se revelam os estágios de “transição” das ciências sociais em que começaram a se desenvolver os rituais de instituição e segregação de linguagens, estilos de abordagem e padrões de cientificidade, buscando-se, assim, suplantar o ensaísmo e as diversas formas de heteronomias na interpretação da vida social, aponta o autor. “Os dilemas de Édison Carneiro revelam esse processo pelo inverso, uma vez que ele passou a personificar o modelo de intelectual que as ciências sociais modernas buscaram justamente combater e expelir como cientificamente autorizados a falar sobre o social”, salienta Gustavo Rossi em sua tese.

Nessa empreitada, foi necessário um minucioso garimpo de informações biográficas praticamente a partir do zero, já que aspectos básicos da trajetória do folclorista eram desconhecidos. De acordo com Rossi, talvez por falta de tempo, interesse ou até pela forma abrupta como adoeceu e morreu (vítima de uma trombose cerebral), no Rio de Janeiro, Carneiro praticamente não deixou páginas, artigos, volumes ou manuscritos de memórias, onde refletisse sobre sua história de vida ou suas práticas intelectuais. Outra hipótese que explicaria a inexistência de eventuais escritos autobiográficos de Carneiro é a de que eles tenham sido perdidos ou, literalmente, “queimados”, conforme informou seu filho, Philon. Segundo ele, um volume considerável da papelada do pai foi queimado acidentalmente, logo após a morte do intelectual, quando a então recente viúva Magdalena Carneiro resolveu se transferir do Rio de Janeiro para Salvador.

“Resta dizer também que havia sempre a possibilidade concreta de, em muitos dos episódios em que se envolveu, a ‘raça’ de Édison ter funcionado como fator de exclusão, preterimentos ou interdições veladas às posições e aos postos por ele pleiteados”, enfatiza o autor.

Sinal eloquente nesse sentido foram as indefinições classificatórias que resvalaram na carreira intelectual de Carneiro: escritor, historiador, etnógrafo, jornalista, folclorista. Ele foi todas elas, sem conseguir ser nenhuma delas por inteiro.

Publicações

O antropólogo social Gustavo Rossi: “Carneiro tornou-se um personagem cuja vida e obra mereciam ser estudadas de maneira mais densa”

Tese: “O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil” Autor: Gustavo Rossi Orientadora: Heloisa André Pontes Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)




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Aparelho obtém extrato de plantas Equipamento é um dos resultados de tese desenvolvida na FEA e premiada pela Capes Fotos: Antoninho Perri

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

m dos destaques da tese de doutorado do engenheiro químico Diego Tresinari dos Santos foi a construção de um equipamento multipropósito que funciona com fluidos pressurizados para a obtenção de extratos de plantas e para a formação de micro e nanopartículas. O seu valor ecológico e social esteve em usar como solvente um gás causador do efeito estufa que de outro modo seria considerado maléfico ao ambiente e ao organismo humano, mas que no estudo mostrou-se uma experiência positiva. A pesquisa mereceu o Prêmio Capes de Tese deste ano. O pesquisador conta que ficou “passado” com a notícia e feliz por darem valor a este trabalho totalmente nacional. “Com isso, terei três anos de bolsa e vou permanecer no meu grupo no pós-doutorado, para complementar minha formação num ambiente que gosto e fazendo pesquisa. A tese também concorre ao Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade – Edição 2012”, comenta. Maria Ângela, também honrada com o sucesso da pesquisa, realça que essa é a primeira vez que um pós-graduando que orienta é laureado com o Prêmio Capes. No ano passado, uma de suas orientandas recebeu menção honrosa. “Batemos na trave e vimos que os nossos estudos estavam no caminho certo. Fomos distinguidos e agora trouxemos inovação ao laboratório.” O equipamento foi batizado como Aradime, reunindo trechos dos nomes do técnico de Laboratório que montou o equipamento, Ariovaldo Astini (Ara); de Diego (Di), o autor do invento, e da professora Maria Ângela A. Meireles (Me), sobrenome da orientadora da tese. Foram gastos nesse projeto, financiado pelo CNPq, R$ R$ 65 mil. O estudo foi feito na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) entre 2008 e 2011. Geralmente, para fazer a extração e a formação de partículas cada equipamento do mercado, de fluidos supercríticos, é dedicado a um processo – ou só produz extratos ou só forma partículas – e é comercializado por várias empresas que trabalham com fluidos à alta pressão. “Fizemos dois equipamentos em um”, comemora Diego. Sobre esse invento, a professora explica primeiramente o que é fluido pressurizado. “É um gás do efeito estufa – o dióxido de carbono (o CO2) – com altíssimas pressões: 100 ou 150 vezes a pressão atmosférica, o qual comporta-se semelhantemente a um líquido e que tem o poder de dissolver substâncias”. A pesquisa de Diego sugeriu que é factível a construção de um equipamento versátil relativamente econômico (mais que qualquer equipamento do mercado) e de fácil operação. Foi idealizado a fim de obter o extrato de plantas brasileiras e de formar partículas bem pequenas, até a escala “nano”. “O fato de ser nano”, explica a docente, “permite uma melhor interação com o organismo bem como com o meio ambiente. E também o fato de usar esse fluido pressurizado, que parte de um gás do efeito estufa, mostrou-se imprescindível porque se trata de um processo verde”. Esse incremento, produzido 100% no país, inexistia na Unicamp. Foi executado no Laboratório de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracionamento e Identificação de Extratos Vegetais (Lasefi), dirigido pela professora Maria Ângela desde 1984. Diego fez ainda um estágio na Universidad de Valladolid, na Espanha, de três meses, onde trabalhou em um equipamento similar, mas que só fazia processos de formação de partículas. Ariovaldo Astini já vinha construindo outras unidades conforme necessidade do Lasefi. Esta é a oitava geração desse recurso. A primeira data de 1985. “A ideia de levar o equipamento ao mercado dependerá do interesse”, diz a docente. Diego expõe que também elaborou um manual de uso, hoje disponível em sua tese digitalizada, contendo informações para a sua reprodução. É política do Lasefi que o conhecimento seja compartilhado entre os demais grupos de pesquisa, esclarece. O seu trabalho transcendeu o projeto, pois inicialmente pensava-se num equipamento que se prestasse apenas à formação de partículas. O diferencial foi que ele também possibilitou obter extratos de plantas, diferentemente dos equipamen-

mar partículas, ao que chamamos processos em linha, partindo da matéria-prima e saindo com o produto encapsulado, em sua forma estável.” Os resultados preliminares já demonstraram que é possível, da matéria-prima, obter um produto final com um valor agregado muito maior do que simplesmente o extrato. A tese de Diego redundou num doutorado direto com três anos de duração e com pelo menos 12 publicações em revistas de alto impacto científico. “Esses achados já descortinam horizontes para outros estudos no laboratório ligados à linha de tecnologia supercrítica e de solventes ambientalmente corretos, de qualidade Gras (Generally Recognized as Safe), reconhecidos como seguros à saúde humana e ao meio ambiente”, garante a orientadora. Trata-se de um processo limpo no qual se coloca uma matriz vegetal sob alta pressão, usando como solvente dióxido de carbono, no caso de alimentos. Esse processo não deixa resíduos de substâncias tóxicas, nem nos produtos, nem na matriz vegetal original. Após serem extraídos os princípios de interesse, a matriz ganha várias alternativas como alimentação, por não possuir tais resíduos, e produtos como extrato, óleo essencial, além de produtos químicos.

PROJEÇÃO

A professora Maria Ângela Meireles, orientadora, o técnico Ariovaldo Astini (centro), que montou o equipamento, e o engenheiro químico Diego Tresinari dos Santos (à dir.), autor da tese Detalhe do equipamento: funcionando à base de fluidos pressurizados

tos comercializados no momento. Maria Ângela comenta que, quando se pede para comprar uma unidade do equipamento, ela sai mais barata, porém, é preciso dimensionar o vaso de pressão, que designa todos os recipientes capazes de conter um fluido pressurizado – de uma panela de pressão de cozinha até os mais sofisticados reatores nucleares. O pedido é feito para uma empresa metalúrgica, que acaba tendo que parar o processo em escala comercial no qual estava envolvida para atuar no projeto de escala laboratorial. “Obviamente esse custo torna-se então mais elevado”, relata ela. A intenção é que o Aradime entre em escala industrial e aumente a versatilidade dos fluidos pressurizados, muito conhecidos hoje pela parte de extração. Começando a parte de formação de partículas, isso iria beneficiar a etapa de estabilização dos extratos vegetais, visto que o Brasil tem uma rica flora e dela podem ser obtidos muitos compostos bioativos. Basicamente o trabalho consistiu em colocar o extrato dentro de um “recheio” (encapsulamento) para estabilizá-lo, para manter as suas propriedades bioativas. O grande problema é a estabilidade da mistura dos compostos que formam os extratos. “Logo, a produção de partículas viria ao encontro desse propósito até o momento do uso”, esclarece Diego.

CASCA DE JABUTICABA

O pesquisador e a sua orientadora trabalharam com o extrato da casca de jabuticaba (Myrciaria cauliflora), planta nativa do Estado de São Paulo. Maria Ângela esmiúça que não se trata propriamente de uma biomassa, porque adotaram a casca de jabuticaba produzida em laboratório. Posteriormente, esse trabalho deu origem a outros nos quais foram usados resíduos de fabricação de geleia e de licor de jabuticaba. “Então era uma biomassa só para compostagem. Retiramos compostos importantes para a saúde e os estabilizamos”, conta a professora. Ainda como consequência desse projeto, o grupo de pesquisa alcançou um novo finan-

ciamento do CNPq, de maior vulto, com vistas a produzir um equipamento para a formação tanto de partículas secas (sólidas) quanto de partículas em suspensão (ainda na fase líquida), para diferentes aplicações nas áreas de alimentos, fármacos e cosméticos. A casca de jabuticaba possui muitas antocianinas (pigmentos pertencentes aos flavonoides que dão uma ampla variedade de cores vindas das frutas, flores e folhas, indo do vermelho-alaranjado ao vermelho intenso, roxo e azul) para serem aproveitadas como antioxidantes ou promotoras de crescimento, evitando a morte de bactérias tidas como proativas no organismo. Isso já foi devidamente testado, abrindo portas para a extração a partir da casca de jabuticaba e de produtos com uma dupla função: conferir aroma e produzir cor. Maria Ângela ressalva que ainda não se fala de uma empresa interessada no extrato em si. Só no estudo da formação das nanopartículas. “Estamos investindo em um ingrediente da flora nacional para desenvolver uma gama de produtos com aplicação futura em diversas áreas, desde alimentos funcionais até dietas especiais e para atletas”, salienta a orientadora. O CO2 produzido pelo setor industrial está sendo utilizado-reutilizado e não libera este composto químico para a atmosfera. Deste modo, do ponto de vista do meio ambiente, trata-se de uma tecnologia limpa. Na indústria de fármacos, a produção de nanopartículas será relevante porque poderá reduzir em muito a dosagem dos medicamentos, já que as cápsulas depositam os fármacos no lugar onde as drogas precisam agir. Com isso, há ganhos em relação a custo e em termos de efeitos colaterais ao paciente. Por outro lado, para a indústria de cosméticos, a sua atuação se traduz em um efeito potencial como corante natural, na forma de um extrato liquefeito ou de uma partícula sólida, para compor cremes, exemplifica Diego. A sua investigação sinalizou que um único equipamento é capaz de fazer os dois processos. “Pensamos em uni-los continuamente: fazer a extração e alimentar o extrato para for-

O futuro, ressalta a docente, é o desenvolvimento de processos integrados para uso total da matéria-prima. “Vão sendo usados processos em série, entre eles extração e particulação. Se sobram resíduos no processo, eles podem ser empregados para produzir novos compostos.” É possível ainda da biomassa produzir novos compostos por hidrólise, também com fluidos em condições de alta pressão e alta temperatura. Na extração e hidrólise, explica Diego, em geral são utilizados no Lasefi três fluidos que podem ser mesclados em diferentes proporções e/ou usados de maneira sequencial: o dióxido de carbono, o etanol e a água. Todos os três são ambientalmente corretos. Já, no caso da formação de partículas, apenas trabalha-se com o dióxido de carbono. Enquanto a indústria de extratos vegetais obtém o extrato e faz muitas vezes a compostagem ou o descarte, os pesquisadores do Lasefi estão investindo em diferentes compostos valiosos a partir do resíduo da etapa de extração mediante a sua re-extração ou hidrólise com outros fluidos pressurizados. Assim, busca-se demonstrar a viabilidade de uma futura “biorrefinaria” baseada no uso de fluidos pressurizados em todas as etapas para o aproveitamento integral de materiais vegetais.

Publicações - SANTOS, D.T.; MEIRELES, M.A.A. Optimization of bioactive compounds extraction from jabuticaba (Myrciaria cauliflora) skins assisted by high pressure CO2. Innovative Food Science & Emerging Technologies, v. 12, p. 398-406, 2011. - SANTOS, D.T.; VEGGI, P.C.; MEIRELES, M.A.A. Optimization and economic evaluation of pressurized liquid extraction of phenolic compounds from jabuticaba skins. Journal of Food Engineering, v. 108, p. 444-452, 2012. - SANTOS, D.T.; VEGGI, P.C.; MEIRELES, M.A.A. Extraction of Antioxidant Compounds from Jabuticaba (Myrciaria cauliflora) Skins: Yield, Composition and Economical Evaluation. Journal of Food Engineering, v. 101, p. 23-31, 2010.

Tese: “Extração, micronização e estabilização de pigmentos funcionais: Construção de uma unidade multipropósito para o desenvolvimento de processos com fluidos pressurizados” Autor: Diego Tresinari dos Santos Orientadora: Maria Ângela A. Meireles Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Financiamento: CNPq


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Bióloga identifica moléculas que provocam malformação cerebral Descoberta pode contribuir para a melhor classificação das displasias corticais ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Um estudo inédito na área de epilepsia apresentado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) conferiu recentemente o título de mestre à bióloga Simoni Helena Avansini. A pesquisadora conseguiu identificar pequenas moléculas chaves para o desenvolvimento das malformações cerebrais ditas displasias corticais. São elas os microRNAs batizados como miR-31, miR34 e o let-7f, além do gene NEUROG2, que no estudo tiveram sua expressão alterada e explicam a presença de células aberrantes nessas displasias, em formato de “balão”. O achado pode começar a desvendar as causas das displasias corticais e contribuir para sua melhor classificação. Essa célula em balão, observa ela, é indiferenciada porque o seu crescimento foi interrompido na metade do processo, e o gene que deveria estar regulando a diferenciação não está se expressando bem e nem no tempo adequado. “Acreditamos que, como o NEUROG2 está com os seus reguladores (os microRNAs, principalmente o miR-31) alterados, ele também está desregulado, fazendo com que a célula embrionária não se diferencie apropriadamente em neurônio e leve à formação dessa célula em balão”, compartilha Íscia Cendes, orientadora da dissertação. O estudo, que também teve coorientação dos biólogos da FCM Fábio Rossi Torres e Danyella Barbosa Dogini, avaliou essa malformação cerebral que é causa frequente de epilepsia e, na maior parte das vezes, tem o diagnóstico feito apenas na juventude. O problema é que, apesar de fazerem uso de medicação, os pacientes não chegam a um controle efetivo da doença e, para a maior parte dos que têm epilepsia causada pela displasia cortical, a alternativa para diminuir as crises é a cirurgia para retirar a região que oculta a malformação. Ocorre que nem com essa medida “radical” é possível obter 100% de controle pelo fato de, às vezes, as malformações acontecerem em áreas cerebrais “eloquentes”. Nesse caso, não podem ser retiradas por completo, por exercerem uma função essencial e por serem muito extensas. “O que pode ser retirado é o mínimo necessário para o controle das crises, porque falamos de tecido cortical cerebral, um tecido nobre que rege movimentos, sensações, fala, raciocínio e uma série de funções superiores”, esclarece Íscia. “O ideal seria tirar o máximo possível da área alterada, entretanto isso poderia afetar essas funções motoras ou sensitivas do indivíduo. Então o cirurgião vive o insano dilema do que pode ser retirado de uma lesão, que está levando à epilepsia, e o que ele gostaria de retirar para debelar o problema”, menciona a médica.

camada mais externa do cérebro – que normalmente é dividido em seis camadas. “Ele perde essas seis camadas e fica desorganizado. A diferença é evidente com o cérebro normal, que tem o tamanho certo e que emite dendritos e axônios, condutores de impulsos nervosos para as regiões corretas”, contextualiza Fábio. Estando desorientados, esses neurônios aberrantes (gigantes) fazem conexões anormais com outros neurônios e, entremeados a esses, aparecem também as células que se assemelham a balões, típicas desse tipo de displasia. Segundo Fábio Rossi, o diagnóstico é feito por meio de ressonância magnética, que indica se aquilo é displasia cortical, e pelo exame do tecido retirado após a cirurgia, que é avaliado pelo grupo da Anatomia Patológica, com vistas a confirmar o diagnóstico. Para isso, Simoni contou com um banco de tecidos de pacientes que tinham sido operados. Na investigação desses pacientes foram realizados exames de neuroimagem, indicando os segmentos displásicos que deveriam ser operados; além de eletroencefalograma, que mapeou a área epileptogênica. A cirurgia é realizada somente após as tentativas de controlar as crises com drogas antiepiléticas. Então é escolhida a área epileptogênica para ser retirada durante a intervenção.

MECANISMOS

Íscia informa que a sua orientanda estava focada nos mecanismos que geravam a lesão e buscando pistas, nos tecidos avaliados, que levassem ao desenvolvimento da displasia nos pacientes com epilepsia. A docente expõe que, quando se está interessado em desvendar mecanismo molecular (os processos celulares e as moléculas envolvidas), uma das primeiras investigações deve ser sobre o que está regulando a expressão de genes. Na verdade, há uma série deles que são ativados e desligados para que o desenvolvimento ocorra normalmente. Há pouco, foram decifrados os microRNAs, que também se encarregam de desligar os genes com a seguinte informação: “nesse momento não precisamos mais de sua ação”. É fundamental que essa mensagem ocorra ao longo do desenvolvimento, mas no momento exato, já que é de se esperar

que determinados genes funcionem numa determinada etapa para depois serem desligados quando não são mais necessários. “Logo, microRNA serve para isso: ‘desligar’ genes cuja função não é mais necessária. Se não funcionar bem, na hora certa, alterações patológicas no desenvolvimento podem ocorrer”, constata Íscia. A hipótese do seu grupo era então de que a malformação era causada por uma falta de regulação de determinados genes no desenvolvimento. “Então olhamos como estariam os microRNAs no tecido da displasia que foi retirado na cirurgia”, descreve ela. Notou-se que três microRNAs estavam desregulados, ou seja, não estavam expressos na quantidade adequado no tecido displásico, comparativamente ao tecido normal. “Quando eles não estão na quantidade exata, acabam não desligando os genes no momento em que deveriam”, informa a geneticista. Deste modo, os genes ligados (expressos) causam processos moleculares atípicos. A célula em balão, comenta ela, estava lá porque era uma célula indiferenciada que não cumpriu o seu caminho até o neurônio por falha no mecanismo de diferenciação. O que se sabia sobre o assunto era muito limitado. Não se sabia nem se essa célula em balão era de origem neuronal ou da glia, dimensiona Íscia. Desta forma, expõe, o trabalho de Simoni trouxe várias contribuições para o avanço do conhecimento científico. Um deles é que foi relevante para a compreensão do mecanismo de desenvolvimento da displasia cortical, o que ajuda a entender também o crescimento normal do córtex cerebral. O outro foi o fato de que os microRNAs identificados podem ajudar na classificação das displasias corticais, isso porque existe uma classificação para afirmar com certeza se se trata de uma displasia 2A ou 2B. Isso depende de uma categorização histopatológica, feita mediante um estudo microscópico dos tecidos das células doentes ou com lesões. Essa classificação é valiosa pois tem relação com o prognóstico do paciente após a cirurgia. É verdade que o paciente, quando submetido à cirurgia, tem chance de obter um melhor controle das crises ou não, dependendo do tipo de displasia. Só que encontrar essas células às vezes é uma tarefa difícil. É preciso examinar diversos campos e nem sempre se chega a uma conclusão. Utilizando esses microRNAs, foi possível identificar uma “assinatura molecular” ou um biomarcador tecidual para a displasia do tipo 2B. O processo até aqui (fase 1) mostra que era preciso avaliar o tecido reti-

rado na cirurgia para falar: “esta é uma displasia 2B porque eu examinei o material”. O próximo passo, que segue com o doutorado de Simoni, tem como objetivo verificar se a assinatura de microRNAs no tecido também aparece no plasma dos pacientes. “O que fizemos foi identificar uma assinatura molecular da displasia no tecido. Agora, se isso poderá ser usado como marcador no plasma do paciente antes dele ser submetido à cirurgia, isso não sabemos ainda. Essa será a nossa expectativa na fase 2”, antecipa a orientadora. Primeiro a bióloga identificou microRNAs que estavam diferencialmente expressos no tecido e relacionados com o processo molecular que leva à displasia. Agora, a questão é: “será que poderemos detectar essa mesma assinatura de microRNAs de uma maneira não invasiva, que não precise do tecido e sim somente de uma a amostra de sangue do paciente antes de partir para a cirurgia?” Se realmente funcionar, realça a orientadora do estudo, a classificação será feita sem a necessidade de ter o tecido em mãos, estabelecendo o prognóstico que dirá se o paciente vai responder bem a cirurgia. O trabalho de Simoni, na linha de investigação das bases moleculares das epilepsias, não seria possível sem a colaboração de uma equipe multidisciplinar e do centro de cirurgia de epilepsia na Unicamp, no qual os pacientes são operados, acoplado a um grupo que faz pesquisa básica. Tiveram participação no trabalho profissionais dos Departamentos de Anatomia Patológica, Neurologia e Genética Médica da FCM. Contribuíram para o trabalho os neuropatologistas Fábio Rogério e Luciano de Souza Queiroz; os neurocirurgiões Hélder Tedeschi e Evandro de Oliveira; os neurologistas Ana Carolina Coan, Clarissa Yasuda, Fernando Cendes, e o biólogo Rodrigo Secolin. “Precisamos de muita gente até que o material chegue ao laboratório para assim aplicarmos as técnicas de biologia molecular”, salienta Íscia.

Publicação Dissertação: “O papel dos microRNAs nas displasias corticais focais” Autora: Simoni Helena Avansini Orientadora: Íscia Terezinha Lopes Cendes Coorientadores: Fábio Rossi Torres e Danyella Barbosa Dogini Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Foto: Antoninho Perri

CÉLULAS EM BALÃO

Simoni investigou os mecanismos que causavam essa lesão: o que estaria formandoa durante o desenvolvimento e o que houve de errado para que a tivesse desencadeado? A mestranda inicialmente avaliou tecidos de 35 pacientes atendidos no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp e, no decorrer de suas análises, a casuística restringiuse a 17 pacientes. É que foram selecionados apenas aqueles casos que tinham células em balão. Essas células, diante de um olhar mais apurado, põem em dúvida, principalmente para quem avalia, se são células da glia (células de sustentação do sistema nervoso central) ou neurônios (responsáveis pelo impulso nervoso). Além disso, na displasia cortical ocorre uma deslaminação do córtex maduro – a

Em pé, da esq. para a dir., Danyella Barbosa Dogini, Íscia Cendes, Fábio Rossi Torres e, sentada, Simoni Helena Avansini, autora da tese: malformação é causa frequente de epilepsia


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Painel da semana 45 anos do CCUEC - O Centro de Computação (CCUEC) realiza, dia 17 de dezembro, às 14h30, uma cerimônia para comemorar os seus 45 anos de existência. Ela acontece no auditório da unidade. O CCUEC iniciou as suas atividades em 10 de novembro de 1967, com o nome de Centro de Processamento de Dados. Nessa época ficava instalado no prédio onde hoje funciona o Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca). Ligado à Faculdade de Engenharia da Unicamp, ainda não existia como unidade, contava apenas com um computador IBM 1130 e atendia basicamente às atividades de ensino, no que se refere ao processamento de trabalhos dos alunos. Em 1969 passou também a servir à administração, processando a folha de pagamento dos funcionários. Em 15 de abril de 1969, com a publicação da portaria GR 31/69, o Centro de Processamento de Dados da Unicamp foi promovido a Centro de Computação, que em 1971 tornou-se um órgão subordinado ao Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação (Imecc). Nesse período já estava instalado no campus da Universidade e o seu diretor era o professor Odelar Leite Linhares. Em 1973 o Centro de Computação passou a ser subordinado diretamente à Reitoria, ficando assim até 1998, quando ocorreu a sua vinculação à Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU), permanecendo assim até os dias atuais. Na década de 70, quando o Centro de Computação ganhou a sua autonomia, o seu diretor era o professor Nelson Castro Machado, que ficou no cargo até 1987.

University para alunos da Unicamp. As inscrições se encerram em 30 de dezembro. Anualmente, são oferecidas 30 vagas. O custo, ainda com valor promocional para a Unicamp, é de USD$ 2.825,00, por cartão internacional. O custo inclui o curso mais o software STATA, de estatística. Neste valor não estão incluídos possíveis gastos relacionados com o workshop de 2013, que é opcional. O curso terá início em fevereiro de 2013 e término previsto para o final de outubro do mesmo ano. As aulas obrigatórias são transmitidas por videoconferência as quintas-feiras, das 17 às 20 horas, na Sala da Congregação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, com alterações pequenas nos horários de verão do Brasil e EUA. A presença do aluno é certificada diretamente por Harvard. Há temas semanais que são colocados em discussão, o que exige, em média, de quatro a seis horas semanais de estudo. As propostas de inscrições, bem como eventuais dúvidas, devem ser direcionadas ao e-mail hmoreno@uol.com.br com breve currículo de no máximo duas páginas. Após este encaminhamento inicial e a confirmação local de vaga, os procedimentos de inscrição formal e pagamento do curso são realizados diretamente no site www. clinicalresearchlearning.org.

Teses da semana

Harvard abre inscrições para curso de pesquisa clínica a alunos da Unicamp - Já estão abertas as inscrições o Primary Principles of Clinical Research (PPCR) de 2013, transmitido pela Harvard

 Alimentos - “Catalogação das espécies poten-

cialmente toxigênicas de aspergillus: ocorrência, taxonomia polifásica, distribuição e preservação” (mestrado). Candidata: Aline de Souza Lopes. Orientador: professor José Luiz Pereira. Dia 17 de dezembro, às 9h30, no auditório do Departamento de Ciência de Alimentos da FEA.  Artes - “Mobilidade e cultura participativa: transformações da ação social contemporânea” (doutorado). Candidata: Maíra Valencise Gregolin. Orientador: professor Hermes Renato Hildebrand. Dia 17 de dezembro, às 15 horas, no IA.  Computação - “Programação por restrições aplicada a problemas de rearranjo de Genomas” (mestrado). Candidato: Victor de Abreu Iizuka. Orientador: professor Zanoni Dias. Dia 19 de dezembro, às 15 horas, no auditório IC 2.

“Uma ferramenta de auditoria para algoritmos de rearranjo de genomas” (mestrado). Candidato: Gustavo Rodrigues Galvão. Orientador: professor Zanoni Dias. Dia 20 de dezembro, às 9 horas, no auditório IC 2.  Economia - “Processo sóciotécnico MACBETH

de apoio multicritério à decisão e a organização de comunidades tradicionais: o caso da Comunidade do Marujá no Vale do Ribeira - SP” (mestrado). Candidato: Lucas Ferreira Lima. Orientador: professor Ademar Ribeiro Romeiro. Dia 17 de dezembro, às 14h30, na sala 23 do Pavilhão da Pós-graduação do IE. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “O processo de ordenação do território de Jaguariúna [SP] a partir de conformação do espaço produtivo nas bacias dos rios Jaguari e Camanducaia” (mestrado).

Candidato: Roberto José D’Alessandro. Orientador: professor André Munhoz de Argollo Ferrão. Dia 17 de dezembro, às 9 horas, na sala CA-22 da FEC. “O desenho e o reconhecimento do objeto histórico: os princípios metodológicos do projeto de restauro arquitetônico” (mestrado). Candidato: Pedro Murilo Gonçalves de Freitas. Orientadora: professora Regina Andrade Tirello. Dia 17 de dezembro, às 15 horas, na sala CA 22 do prédio de sala de aulas da FEC. “Logística e transportes na digital supply chain: estudo de caso único sobre a rede de oferta e demanda de música digital” (doutorado). Candidato: Raul Arellano Caldeira Franco. Orientador: professor Orlando Fontes Lima Júnior. Dia 18 de dezembro, às 9h30, na sala de defesa de teses da CPG/FEC. Engenharia Elétrica e de Computação - “Avaliação da inflência da barragem de Barra Bonita na morfodinâmica do rio Tietê e seus impactos à navegação” (mestrado). Candidata: Maria Clara Albuquerque Moreira. Orientador: professor Tiago Zenker Gireli. Dia 19 de dezembro, às 8h30, na sala CA 22 do prédio de sala de aulas da FEC. “Desenvolvimento de fotômetros thz para observação de explosões solares” (mestrado). Candidato: Luís Olavo de Toledo Fernandes. Orientador: professor Jacobus Willibrordus Swart. Dia 21 de dezembro, às 10 horas, na CPG/FEEC. Engenharia Mecânica - “Construção de um turbidímetro de baixo custo para controle de qualidade de efluentes industriais”(mestrado). Candidato: Gabriel Soares Martins. Orientador: professor Luiz Otávio Saraiva Ferreira. Dia 19 de dezembro, às 16 horas, no auditório KD.

 Engenharia Química - “Bioconversão de carbono em fotobiorreatores” (doutorado). Candidata: Mônica Regina Piovani. Orientadora: professora Telma Teixeira Franco. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, na sala de defesa de teses da FEQ.  Física - “Supercondutividade em semimetais e isolantes topológicos” (doutorado). Candidato: Luís Augusto Gomes Báring. Orientador: professor Iakov Veniaminovitch Kopelevitch. Dia 18 de dezembro, às 14 horas, na sala de seminários do Departamento de Física Aplicada do IFGW.  Geociências - “Reativação da rede de drenagem e processos erosivos na Bacia do Santos Anastácio - SP” (doutorado). Candidato: Cristiano Capellani Quaresma. Orientador: professor Archimedes Perez Filho. Dia 17 de dezembro, às 14 horas, no auditório do IG.

“Modelagem estocástica para estimativa de custos em mineração de ferro” (mestrado). Candidato: Wesley Silva Xavier. Orientador: professor Armando Zaupa Remacre. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, na sala A do DGRN/IG. “Regulação e autorregulação bancária em matéria socioambiental e sua aplicação em investimentos na atividade minerária” (doutorado). Candidata: Liege Karina Souza Lazanha. Orientador: professor Hildebrando Herrmann. Dia 18 de dezembro, às 14 horas, na sala A do DGRN/IG.

 Linguagem - “História, memória e violência em Nocturno de Chile, Estrella Distante e Amuleto de Roberto Bolaño” (mestrado). Candidata: Carmen Cecilia Rodriguez Almonacid. Orientador: professor Francisco Foot Hardman. Dia 18 de dezembro, às 10 horas, na sala de defesa de teses do IEL.

“O fluxo e a cesura: um ensaio sobre linguagem, poesia e psicanálise” (doutorado). Candidato: Paulo Sergio de Souza Júnior. Orientadora: professora Cláudia Thereza Guimarães de Lemos. Dia 20 de dezembro, às 9 horas, na sala dos colegiados doIEL.  Matemática, Estatística e Computação Cien-

tífica - “Análises matemáticas de dois modelos de interação fluido-estrutura utilizando as equações Alpha-navier-stokes e Campo de fases” (doutorado). Candidata: Ariane Piovezan Entringer. Orientador: professor Jose Luiz Boldrini. Dia 18 de dezembro, às 13h30, na sala 253 do Imecc. “Limitantes para empacotamentos de esferas em variedades flag” (doutorado). Candidato: João Paulo Bressan. Orientadora: professora Sueli Irene Rodrigues Costa. Dia 20 de dezembro, às 10 horas, na sala 253 do Imecc.

 Medicina - “Qualidade de vida relacionada

à saúde dos idosos sem sintomas depressivos do estudo SABE” (doutorado). Candidata: Keila Cristianne Trindade da Cruz. Orientadora: professora Maria José D’Elboux. Dia 17 de dezembro, às 13 horas, no anfiteatro da FCM. “Saúde, capacidade funcional, envolvimento social e satisfação em idosos da comunidade: Estudo Fibra Unicamp” (mestrado). Candidata: Juliana Martins Pinto. Orientadora: professora Anita Liberalesso Neri. Dia 17 de dezembro, às 9 horas, na Sala Verde da CPG/FCM. “Desempenho cognitivo, capacidade funcional e sintomas depressivos em idosos atendidos no Ambulatório de Geriatria do Hospital de Clínicas da Unicamp” (mestrado). Candidata: : Ana Flávia Marostegan de Paula. Orientadora: professora Maria Elena Guariento. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, no anfiteatro da CPG/FCM. “Técnicas de otimização de cotos em amputações transtibiais. Proposta de um novo retalho osteoperiosteal para pinte óssea” (doutorado). Candidato: Maurício Leal Dias Mongon. Orientador: professor Bruno Livani. Dia 19 de dezembro, às 9 horas, na sala amarela da Pós-graduação da FCM.

Livro

da semana O amor da língua Autor: Jean-Claude Milner Tradução e notas: Paulo Sérgio de Souza Jr. Ficha técnica: 1ª edição, 2012; 128 páginas; Formato: 14 x 21 cm; peso: 0,16 kg ISBN: 978-85-268-0980-2 Área de interesse: Linguística, Psicanálise Preço: R$ 36,00 Sinopse: O amor da língua, do consagrado linguista francês Jean-Claude Milner, apresenta os efeitos de sua incursão no meio psicanalítico francês, especialmente do contato que manteve com Jacques Lacan. A originalidade de sua abordagem aos estudos da linguagem apresentada neste livro consiste na excelente leitura que realiza dos fundamentos da linguística (consubstanciada nas teorias de Saussure e Chomsky) a partir da consideração da hipótese do inconsciente. Revisita os princípios e pressupostos do estudo científico da linguagem e esclarece os lugares de exclusão necessários para a construção de seu objeto. Além disso, esclarece distinções relevantes no que concerne aos conceitos de língua, linguagem e fala a partir da inclusão do termo exorbitante forjado por Lacan para referir-se à articulação precisa entre a dimensão da língua e o desejo inconsciente, qual seja: lalangue. Autor: Linguista, filósofo e ensaísta, JeanClaude Milner foi aluno da Escola Normal Superior, professor de linguística na Universidade Paris VII (Diderot), membro da antiga Escola Freudiana de Paris e diretor do Colégio Internacional de Filosofia (19982001). Entre outros trabalhos, é autor dos livros A obra clara (Jorge Zahar, 1996) e Os nomes indistintos (Companhia de Freud, 2006). Atualmente suas obras versam sobre questões ideológicas, abordando temas como política, antissemitismo e cultura europeia.

Química - “Petroleômica: caracterização de petróleos nacionais por espectrometria de massa de altíssima resolução: o que os compostos ácidos podem relevar sobre o petróleo” (doutorado). Candidata: Rosana Cardoso Lopes Pereira. Orientador: professor Marcos Nogueira Eberlin. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

“Química das recompensas florais de krameriaceae e malpighaceae do cerrado” (doutorado). Candidato: Muhammad Abdul Haleem. Orientadora: professora Anita Jocelyne Marsaioli. Dia 19 de dezembro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

DESTAQUES do Portal da Unicamp

Aplicativo permite acesso a serviços essenciais O Centro de Computação (CCUEC) da Unicamp desenvolveu um aplicativo para dispositivos móveis como celulares, smartphones e tablets destinado a fornecer informações de serviços essenciais da Unicamp. Com o Unicamp Serviços, os usuários poderão consultar o cardápio do dia dos restaurantes universitários e o saldo do cartão de identidade do aluno; os horários e trajetos do circular interno; e o acesso ao Portal Unicamp e ao site do Centro de Computação. O download gratuito está disponível no endereço no site do CCUEC. O objetivo é facilitar o dia a dia da comunidade universitária, informou o analista de sistemas do CCUEC, Edmilson Bellini Chiavegatto. Ele é um dos responsáveis pelo projeto. “A ideia foi desenvolver um aplicativo gratuito, fácil de usar e seguro. O aplicativo torna o acesso aos serviços da Unicamp muito mais rápido. Ao invés de o usuário ter que ir buscar as informações num determinado website, o aplicativo já permite isso diretamente. O usuário encontra todos os serviços integrados”, explica Edmilson Chiavegatto, que atua como diretor de Sistemas de Apoio à Comunidade. O aplicativo foi desenvolvido para a plataforma Android, sistema operacional baseado no software livre Linux. O Android é mantido pela empresa Google. Edimilson Chiavegatto argumenta que a opção pela plataforma levou em conta a sua popularidade; o fato de o Android ser um sistema livre e de poder ser instalado em diversos aparelhos, desde os mais simples ao mais sofisticados. O diretor do CCUEC adian-

Fotos: Antonio Scarpinetti

tou que, no futuro, o aplicativo deverá estar disponível também na plataforma iOS, sistema operacional da Apple, fabricante, entre outros, do Iphone e Ipad. A ideia para o desenvolvimento do sistema surgiu a partir de demanda identificada no Planejamento Estratégico (Planes) do CCUEC. O analista de sistema Thiago Watanabe Takoa foi o desenvolvedor do aplicativo.

NOVOS SERVIÇOS

O analista de sistemas Edmilson Bellini Chiavegatto: fácil de usar

Fernando Moreno Mendonça, diretor do CCUEC: “tendência forte”

Outros novos serviços devem ser agregados a futuras versões do aplicativo. Edmilson Chiavegatto citou alguns exemplos, como acesso ao Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU); a consulta ao saldo do vale alimentação dos funcionários; o acesso ao sistema de vida funcional e às informações de vida acadêmica dos alunos; entre outros.

TENDÊNCIA

Thiago Watanabe Takoa, desenvolvedor do aplicativo: demanda

Para Fernando Moreno Mendonça, diretor da Divisão de Sistemas Acadêmicos do CCUEC, o desenvolvimento de aplicativos para facilitar o dia a dia da população é uma “tendência forte”. “Hoje, esta questão de ter a informação ‘na palma da mão’ está muito forte. Acreditamos que este aplicativo facilite bastante a vida da comunidade universitária. Outro ponto importante é que este sistema vem na perspectiva de inclusão digital. Atualmente, com um dispositivo móvel e os serviços associados a ele consegue-se oferecer muitos serviços a uma grande parcela da população”, afirmou. (Silvio Anunciação)


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Os prós e os contras de uma

fronteira agrícola emergente Fotos: Divulgação/Antoninho Perri

Dissertação de mestrado detalha mudanças ocorridas no Estado do Tocantins CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

expansão do agronegócio em direção ao Centro-Oeste e Norte do Brasil passou a ter maior expressão já a partir das décadas de 70 e 80, impulsionada por políticas públicas voltadas à ocupação de terras e ao desenvolvimento regional. Chegava ao Cerrado o cultivo de grãos impulsionado por condições topográficas e climáticas adequadas e extensas áreas disponíveis à exploração que tornaram esse bioma em palco de transformações decorrentes da introdução da agricultura moderna científica e globalizada. No Estado do Tocantins, o Cerrado ocupa a maior parte do território, abarcando uma área de fronteiras agrícolas ainda em expansão. Considerado um novo eldorado para o agronegócio, vislumbram-se no Estado novas oportunidades ao cultivo de commodities agrícolas por sua localização estratégica, que favorece a competitividade nas exportações. Some-se a isso a disponibilidade de terras a baixo custo, se comparados com outras regiões, a disponibilidade de um grande potencial energético e hídrico e o estabelecimento de estruturas técnicas recentemente instaladas e necessárias ao desenvolvimento dos sistemas agrícolas modernos que atendam às demandas dos agronegócios. Emancipado do Estado de Goiás através da Assembleia Constituinte de 1988, Tocantins passou a partir daí por grandes transformações e pode ser incluído hoje, depois de pouco mais de 20 anos, entre as mais recentes áreas de expansão de fronteiras agrícolas do território nacional. É o que mostra a dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Geociências da Unicamp pelo geógrafo Alexandre Caselli Fornaro, em estudo orientado pelo professor Ricardo Castillo. Constituiu objetivo do trabalho analisar como a criação do Estado do Tocantins estabeleceu uma nova solidariedade institucional que facilita a expansão do agronegócio em seu território, evidenciada pela formação de novas regiões agrícolas competitivas – aquelas que atendem aos parâmetros de produção da agricultura moderna e globalizada - em que a logística passa a ser fundamental. A partir dessa perspectiva, a pesquisa procura identificar fatores históricos, políticas públicas federais e estaduais que, a partir de leis, planos e programas, caracterizam um planejamento estratégico de desenvolvimento. Para o estudo da organização, uso e regulação do território do Tocantins, o autor analisa as principais infraestruturas de transporte, caso da Ferrovia Norte-Sul, a atuação

das grandes empresas do agronegócio e suas implicações sobre a agricultura familiar, a formação das regiões competitivas, sobretudo as que envolvem a soja e a cana-de-açúcar. Alexandre resume seus objetivos dizendo que “nos propomos estudar a expansão da fronteira agrícola moderna no estado do Tocantins analisando as culturas da soja e da cana-de-açúcar, seus complexos agroindustriais e a logística envolvida, destacando o papel regulador do governo federal, mas principalmente o exercido pelo governo do Tocantins, que manifesta uma nova solidariedade institucional, possibilidade concretizada a partir da criação do Estado”.

QUATRO PARTES

O autor dividiu sua abordagem em quatro partes. Na primeira, apresenta aspectos geopolíticos e geoeconômicos do Tocantins com ênfase na emancipação de Goiás a partir de 1989. Em razão da importância para a expansão do agronegócio, compara a estrutura fundiária do Estado com a nacional. Apresenta um panorama geral da pecuária extensiva que continua como uma das principais atividades econômicas do Estado. Como o agronegócio constitui o tema central da pesquisa, ele comenta as principais atividades agrícolas do Tocantins, casos da soja, cana-de-açúcar, arroz, milho, sorgo, mandioca, feijão, algodão, melancia, abacaxi. Termina esta parte com a discussão dos espaços agrícolas com áreas urbanas, as chamadas cidades do agronegócio, ligadas à produção moderna no campo. Na segunda parte, são relacionados e analisados os planos federais sobre uso e organização do território e as políticas públicas estaduais voltadas para o agronegócio que revelam a “solidariedade institucional”. Destaca o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), cuja terceira fase foi implantada no município de Pedro Afonso, com o objetivo de expandir a produção e oferta de alimentos para o mercado externo, no caso a soja. Devido à importância da logística para a expansão do agronegócio, a terceira parte destaca os sistemas de movimentos existentes no Tocantins, particularmente a Ferrovia Norte-Sul que atravessa o Estado em toda a sua extensão e que constitui um sistema de transporte de commodities agrícolas de grande capacidade de carga e volume. No caso das rodovias, destaca em especial o eixo da BR-153, que atravessa o Estado de norte a sul e constitui um importante sistema de circulação que se conecta com muitas rodovias que servem o território tocantinense. Por fim, na quarta parte, o autor discute a expansão das fronteiras agrícolas modernas e a formação das regiões competitivas no Tocantins. Coloca a questão do preço da terra em relação à expansão do agronegócio, do arrendamento das terras, conjuga sistemas de movimento com logística e seu papel na competitividade territorial, apresentada como um dos fatores que pode alavancar o Tocantins como fronteira agrícola moderna no Brasil.

Plantação de soja: estudo aborda o surgimento das chamadas cidades do agronegócio no Estado

Aborda na sequência as ações das grandes empresas do agronegócio e suas implicações para a agricultura familiar.

CONCLUSÕES

Analisando os dados colhidos nas pesquisas de campo, Alexandre conclui que o Tocantins reúne as condições básicas necessárias à expansão dos circuitos espaciais produtivos da soja e da cana-de-açúcar para consolidação do agronegócio globalizado nas próximas décadas. Ele considera que a constituição políticoadministrativa do Estado, em 1988, constitui marco de uma nova escala de solidariedade institucional que orienta de forma peculiar a organização e o uso do território. Lembra que a formação do Estado do Tocantins está vinculada a interesses de grupos políticos e econômicos locais que contribuíram para sustentar o ideal de desenvolvimento econômico com base na expansão do agronegócio. Constata que a questão fundiária é a mesma que caracteriza todo o território nacional, embora em dimensões menores. Observa que a expansão das atividades agrícolas em relação à pecuária não necessariamente muda essa situação, mesmo porque os sistemas de produção agrícola atuais requerem elevados montantes de capital e níveis sofisticados de organização técnica e administrativa, além de envolver produção em escala, o que induz à permanência de grandes propriedades. As fronteiras agrícolas atuais respondem a demandas internas e principalmente externas por commodities, passando a representar interesses do capital, das grandes corporações do agronegócio nacional e internacional, do que resultam comandos extra-locais no domínio dos centros produtivos. Daí emerge o valor das fronteiras agrícolas como elemento para o planejamento e para a elaboração de um projeto nacional. Para o capital, a fronteira agrícola é um espaço onde é possível implantar rapidamente novas estruturas a serviço de mercados internacionais e em benefício, ainda que não exclusivo, das empresas que dominam as diversas etapas dos circuitos espaciais produtivos. No Tocantins, observa o autor, já existem áreas em que o capital se reproduz rapidamente, casos de Pedro Afonso e Porto Nacional, onde podem surgir regiões competitivas agrícolas, a exemplo do que já ocorre em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goi-

ás, oeste da Bahia, sul do Maranhão e do Piauí, que fazem parte do que o geógrafo brasileiro Milton Santos chamou de Brasil agrícola com áreas urbanas funcionais ao agronegócio globalizado. Decorrem daí fortes implicações nas relações sociais no campo que se moderniza, pouco a pouco e às vezes abruptamente. Os pequenos e médios produtores, menos capitalizados, possuem chances menores de sobrevivência diante dos novos sistemas técnicos e encontram dificuldades em acompanhar um novo tempo que se implanta. No estado do Tocantins, a instalação de grandes empresas do agronegócio pode ser um indicativo para o aumento da produção agrícola nos próximos anos. Além delas, países grandes importadores de commodities agrícolas, como China e Japão, enviam representantes para negociar com as administrações públicas estaduais e municipais a possibilidade de investimentos na produção agrícola destinada a atender seus mercados, a exemplo do Prodecer, implantado na década de 90, que impulsionou a produção de soja no município de Pedro Afonso. A gama de oportunidades desse processo de expansão se adensa com a implantação da Ferrovia Norte-Sul, que atravessa o Estado em toda a sua extensão, e de terminais entrando em operação. Ela constitui um elemento logístico que torna o território competitivo ao possibilitar que as produções das regiões que abrange circulem com maior velocidade e eficiência a custos menores. Contribuem ainda para isso os investimentos em novos terminais de armazenagem e distribuição, inclusive nas rodovias de acesso à ferrovia. Juntem-se a esses elementos o clima, a topografia plana e a localização estratégica que permite o escoamento da produção pelo porto de Itaqui, no Maranhão, mais próximo dos mercados dos EUA, da Europa e até da Ásia através do canal do Panamá, em comparação aos portos das regiões Sul e Sudeste do país. Alexandre conclui: “São todos esses aspectos que possibilitam a formação e a consolidação das regiões competitivas agrícolas, assim consideradas partes do território que atendem a parâmetros de produção da agricultura moderna e globalizada e que correspondem a áreas de expansão das fronteiras agrícolas modernas. Nas regiões dos municípios de Campos Lindos, Pedro Afonso, Porto Nacional e Gurupi, a inserção do agronegócio vem promovendo a especialização produtiva e a competitividade regional”.

O geógrafo Alexandre Caselli Fornaro, autor da dissertação: quatro frentes de pesquisa

Publicação Dissertação: “Logística e agronegócio globalizado no Estado do Tocantins: um estudo sobre a expansão das fronteiras agrícolas modernas no território brasileiro” Autor: Alexandre Caselli Fornaro Orientador: Ricardo Abid Castillo Unidade: Instituto de Geociências (IG)

Ferrovia no município de Guaraí: Norte-Sul atravessa todo o Tocantins e é importante canal de escoamento da produção agrícola


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Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

Muito além da ilustração Mais do que ilustrações e documentos, as imagens constituem questionamentos do mundo e da história. A afirmação é do professor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, Etienne Samain, organizador do livro Como pensam as imagens, recém-lançado pela Editora da Unicamp. A obra, que conta com a colaboração de dez autores - brasileiros e estrangeiros -, estimula a reflexão sobre a importância das imagens no mundo atual, mundo no qual a escrita continua merecendo maior relevo como suporte da comunicação humana. “O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísticas em particular, mas não apenas elas, como um território de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens”, afirma o docente. Na entrevista que segue, Etienne Samain fala sobre a obra, de como foi concebida e manifesta o desejo de que ela não circule apenas no meio acadêmico. “Espero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro”. Fotos: Divulgação

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

Jornal da Unicamp – O senhor poderia conceituar a antropologia visual? Etienne Samain – Antropologia é uma etiqueta. Falar de antropologia visual é uma redundância. Em função do nosso contexto, o visual se tornou muito mais presente e fundamental na definição das sociedades e culturas. Como antropólogo, eu posso afirmar que os antropólogos continuam endeusando a escrita, como se ela fosse o único suporte. Respeito muito essa posição, mas diria que, ao lado da escrita, existem outros modos de comunicação humana que representam maneiras diferenciadas de se pensar o mundo; modos e maneiras distintas de organizar a sociedade. Podemos, através de um leque de imagens oferecido pelas sociedades atuais, pensar essas sociedades e as culturas que elaboramos. O drama dos antropólogos é acreditar que só há a afirmação do homem e do mundo com a palavra escrita. Isso é bom para situar se vamos fazer uma antropologia visual. Se quisermos nos aproximar do ser humano, hoje, temos que tomá-lo na sua realidade. E o homem cada vez mais é saturado por imagens. Através delas damos sentido à existência. A antropologia visual é uma etiqueta, algo necessário na sociedade em que vivemos. JU – Essa antropologia visual está intimamente ligada à arte? Etienne Samain – A sociedade se expõe de uma maneira generalizada, através de visualidades diversas. Não vamos limitar as imagens somente àquelas que vivenciamos. Como antropólogo, quero tomar as imagens no sentido mais amplo da palavra. Assim, pode ser fotografia, pintura, escultura, vídeo etc. Quero ver as imagens na sua globalidade, sabendo que são singulares, mas que também estão inter-relacionadas. As imagens, para mim, são cada vez mais referentes à arte. A arte é um fundamento da antropologia. Temos que dar mais relevo às artes. As imagens não são apenas ilustrações e documentos do mundo. São questionamentos do mundo e da história. As artes, portanto, são o coração da antropologia. JU – Como surgiu a ideia do livro? Etienne Samain – Não sei como o livro veio a mim. Sim, foi ele quem veio a mim e não o contrário. E veio em função de questionamentos ao longo dos anos. Teve como razão a questão fundamental da comunicação humana. Nós somos com um grande tear com milhares de fios. Somos feitos de sons, imagens, escritas etc. Então, respeitando as singularidades e complementariedades entre esses suportes da comunicação, achei que valia a pena refletir um pouco mais sobre a questão das imagens no tempo da nossa história. O livro também é resultado das inquietações de um antropólogo, que entende que as imagens não podem ser usadas abertas, desdobradas para pensar o mundo. A obra também traz as reflexões alimentadas por dois grandes

Vigília noturna no Kosovo, Georges Mérillon, 1990 (à esq.), e Madona de Bentalha, Hocine Zaourar, 1997, duas das fotos analisadas no livro

pensadores, Gregory Bateson [1904-1980] e Aby Warburg [1866-1929], o primeiro um antropólogo inglês e o segundo um destacado historiador da arte alemão. Bateson foi o fundador da nova comunicação e Warburg é considerado o pai da iconologia moderna. O encontro desses dois personagens foi importante para que eu ousasse trabalhar com este tema. JU – Como o livro foi organizado? Ele conta com a colaboração e diversos autores, não? Etienne Samain – São dez autores, brasileiros e estrangeiros, todos com destacados trabalhos relacionados de alguma forma ao tema central do livro. O livro foi dividido em três partes. A primeira faz uma abordagem mais epistemológica. Traz a proposta de entender as imagens de outra maneira, de pensá-la na sua essência. De considerá-la em termos fenomenológicos. A imagem não é um ato ou um fato. Ela é uma questão, um problema. Estou falando, obviamente, de boas imagens. Uma boa imagem carrega toda uma memória ancestral, mas que também é portadora de uma promessa, de um desejo. Uma verdadeira imagem questiona o nosso mundo. Não é apenas uma ilustração. O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísticas em particular, mas não apenas elas, como um território de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens. Diria que a imagem é tanto um fenômeno, uma aparição, como ela é uma memória. No ato de fotografar já criamos uma memória. Antes do click, toda imagem leva consigo uma memória ancestral e carrega um desejo de um mundo que poderia ser repensado. As outras duas partes do livro são tentativas de ordem poética de se aproximar da imagem concreta, para ver como ela pode nos conduzir a pensar o nosso mundo. JU – Para os leigos, é simples aceitar que as imagens nos fazem pensar. Entretanto, não parece tão trivial acolher a ideia de que as imagens pensam, como afirma o título do livro. Afinal, como as imagens pensam? Etienne Samain – De fato, não é tão simples entender que as imagens são portadoras e veiculam pensamento. As imagens, sem nós, humanos, são capazes de pensar. Imagine a seguinte situação. Ao colocarmos diversas imagens juntas, elas passam a ter uma convivência entre elas. Elas dialogam em função das formas, das cores etc. Às vezes, um conjunto de imagens pode sugerir uma aparente desordem. Entretanto, quando olhamos mais atentamente, elas compõem uma mensagem profunda, diferente daquela oferecida quando olhadas separadamente. Então, a pergunta “o que pensam as imagens” não é uma boa questão. A questão principal é “como elas pensam”. JU – As imagens presentes no livro estimulam o leitor a fazer esse exercício? Etienne Samain – As imagens do livro são tentativas de aproximação do assunto. Tentam dizer como as imagens nos fazem pensar e como pensam entre elas. A imagem da capa, que mostra um tipo de borboleta conhecida como corujão, é um bom exemplo. Vista com asas abertas, não há dúvida de que se trata de uma borboleta. Com asas fechadas, entretanto, ela se parece com uma cobra. É um recurso de camuflagem, para se proteger de predadores. Essa imagem é uma metáfora. As borboletas passam, são diversas, são leves, são transitórias. São voláteis, não são “sérias”. As imagens também são vistas assim pelas pessoas. Cada um que olha tem uma visão da imagem. Tudo isso faz com que imagem ainda não seja tomada muito a sério. Nesse sentido, a imagem da capa do livro é inquietante e instigante.

Etienne Samain, organizador do livro: “A sociedade se expõe e revela-se através de visualidades e de representações figurativas diversas”

JU – O senhor disse que a imagem ainda não tem o mesmo relevo da escrita. Todavia, há um adágio popular que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. Como explica essa aparente contradição? Etienne Samain – As pessoas reconhecem que a imagem é importante e que ela é reveladora. Ao mesmo, a imagem é capaz de esconder o que pensa. Tem discursos múltiplos em torno dela. O adágio é importante para a relevância da imagem. De um lado, a imagem é muito verborrágica, fala demais, confunde. Por outro, é muda, esconde. No mundo de hoje há uma saturação de imagens. Estamos afogados por elas. Entretanto, muitas imagens são medíocres. Com isso, somos privados de outras imagens. Temos que saber escolher ou criar imagens capazes de expressar o ser humano, os seus destinos de maneira concreta. Não se trata de gerar um objeto simpático. Trata-se de uma imagem com peso de provocação, de tomada de posição. JU – Atualmente, gerar e manipular imagens são procedimentos corriqueiros, graças às tecnologias como os telefones celulares e os programas de computador. Como o senhor vê o emprego desses recursos? Etienne Samain – Há um aspecto potencialmente positivo, pois temos suportes cada vez melhores para produzir imagens. Entretanto, tudo depende do valor de uso dessas potencialidades. As máquinas nos proporcionam vantagens, mas precisamos ver o que vamos retirar delas. Quando eu falo de “uso”, estou me referindo à reflexão sobre o mundo. Atualmente, há uma enorme banalização das imagens e, o mais grave, uma ocultação de coisas, pois as imagens também abafam. No começo da fotografia, dizia-se que ela era reveladora de toda verdade. Agora, diz-se que ela sabe mentir. A imagem sempre foi manipulada. Não existe registro puro. Assim, a imagem pode ser desvirtuada através da manipulação. Por outro lado, a manipulação também pode evocar algo interessante, trazer informações complementares. JU – O livro é voltado apenas aos estudiosos do tema? Etienne Samain – O livro certamente não é para ser livro no avião. Ele é exigente. Mas, espero que ele não fique limitado ao mundo acadêmico. A obra levanta questões do dia a dia, mas requer que o leitor faça certo esforço para compreendê-la. Entretanto, não é um livro hermético. Espero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro.

COMO PENSAM AS IMAGENS Organizador: Etienne Samain Área de interesse: Antropologia, Fotografia Páginas: 240 | Preço: R$ 64,00


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