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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015 - ANO XXIX - Nº 636 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Mark Gamba

Da Tradição Clássica às crises ambientais 6e7

O que levou Luiz Marques, um intelectual renomado na área da Tradição Clássica, a incursionar no campo do meio ambiente? As respostas estão no livro Capitalismo e Colapso Ambiental (Editora da Unicamp), a ser lançado no próximo dia 9 pelo historiador da arte e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. A obra de Marques traça um painel multifacetado das causas e consequências das crises ambientais.

Kern River Oil Field, Califórnia, EUA: feita em maio de 2008, foto ilustra a capa do livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”, do historiador Luiz Marques

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Os bárbaros de um certo país tropical A tutela do Estado na economia chinesa

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Crime e pantomina na tragédia dos refugiados

Mundo tem 3 trilhões de árvores, diz censo

O hibridismo nas canções vertidas por versionistas

Nome do fundador do ‘PubPeer’ vem à tona

‘Ciência feita no escuro’ no Irã é tema de edição

TELESCÓPIO

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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Clara Rowe/Divulgação

Há 3 trilhões de árvores no mundo O primeiro censo global de florestas indica que existem 3 trilhões de árvores no mundo, cerca de 400 árvores para cada ser humano vivo, de acordo com artigo publicado na revista Nature. Desse total, 1,4 trilhão encontram-se em zonas tropicais e subtropicais, 740 bilhões na zona boreal e 610 bilhões em áreas temperadas. A estimativa anterior era de 400 bilhões de árvores no mundo, mas foi posta em xeque quando se estimou que, apenas na Amazônia, havia 390 bilhões delas. O número pode parecer grande, mas os autores do levantamento, baseado em uma série de mais de 400 mil medições de densidades de florestas, estimam que mais de 15 milhões de árvores são cortadas a cada ano, e que a população total de árvores do planeta caiu em 46% desde o início da civilização. O artigo na Nature é assinado por uma grande equipe internacional de cientistas, incluindo americanos, finlandeses, chilenos, britânicos, russos, chineses e brasileiros.

À prova de TNT Artigo publicado na revista Science identifica uma mutação da planta Arabidopsis thaliana, um modelo comum em estudos genéticos em botânica, que permite que o vegetal decomponha o 2,4,6-trinitrotolueno, o explosivo TNT. O TNT é um “contaminante ambiental altamente tóxico e persistente”, escrevem os autores, da Universidade de York, no Reino Unido. O trabalho aponta que uma enzina específica da planta faz com que o TNT absorvido do solo se torne tóxico para a Arabidopsis. Variedades mutantes, deficientes nessa enzima, têm maior tolerância ao contaminante.

Ciência no Irã A edição mais recente da Science traz uma seção especial sobre o estado da ciência no Irã, país que sofre, há décadas, com sanções econômicas e isolamento internacional. Com a perspectiva de redução desse isolamento, a partir no novo acordo nuclear com os Estados Unidos, o mundo em breve poderá tomar contato com essa “ciência feita no escuro”, como define nota da revista. A seção especial trata das estratégias usadas pelos pesquisadores iranianos para seguir trabalhando nos anos de ostracismo; conta a história do Observatório Nacional Iraniano, projeto de um grande telescópio, iniciado nos anos 80, inviabilizado por guerras e dificuldades econômicas, mas que deve finalmente ser construído ainda nesta década; e fala da crise ambiental causada pelo ressecamento do Lago Urmia, salgado, cujo desaparecimento vem expondo ao ar sais que, levados pelo vento, acabam tendo efeito tóxico sobre plantações e seres humanos.

Técnica para lidar com lixo espacial Pesquisadores da Universidade de La Rioja, na Espanha, apresentam, no periódico Advances in Space Research, um cálculo para otimizar o descarte, ao final da vida útil, dos satélites de órbitas altamente elíp-

Nível do mar O nível dos oceanos subiu uma média de 8 centímetros desde 1992, com a elevação chegando a 23 centímetros em alguns locais, de acordo com uma compilação de dados de satélite divulgada pela Nasa no fim de agosto. “Dado o que sabemos sobre como o oceano se expande à medida que aquece, e como as capas de gelo e geleiras estão lançando água nos mares, é quase certo que estamos destinados a ver um aumento do nível do mar de pelo menos um metro”, disse, em nota, o líder da Equipe de Mudança do Nível do Mar da Nasa, Steve Nerem, da Universidade do Colorado. “Mas não sabemos se isso acontecerá em cem anos, ou mais”.

Censo publicado na “Nature” estima que 15 milhões de árvores são cortadas a cada ano

ticas, ou HEO, como são chamadas na sigla em inglês. Esses satélites se destacam por ter trajetórias onde a razão entre a maior e menor distância atingida em relação à Terra pode chegar a dez vezes, e por terem órbitas bem inclinadas em relação ao equador. O movimento desses satélites é fortemente influenciado pela gravidade da Lua e do Sol e, à medida que vão saindo do controle dos operadores na Terra, tornam-se um perigo para os satélites que usam as vias de “tráfego intenso” da órbita terrestre baixa (LEO) e órbita geoestacionária (GEO). Também há o aumento do risco de uma reentrada descontrolada na atmosfera. Uma forma de descartar satélites em HEO antes que causem danos é reservando parte do combustível para arremessar o satélite em direção à Terra de modo controlado, ao final de sua vida útil. Essa reserva, no entanto, acaba consumindo recursos que poderiam ser usados para prolongar a missão do satélite. Os pesquisadores espanhóis apresentam, em seu artigo, cálculos que permitem minimizar a reserva necessária. O trabalho aproveita os efeitos gravitacionais a que o satélite em HEO é submetido, somando-os à energia do propelente. Os resultados serão testados na eliminação do observatório espacial Integral, da Agência Espacial Europeia (ESA), com reentrada prevista para 2029.

Sistema imunológico no espaço Astronautas enviados à Estação Espacial Internacional (ISS) sofrem alterações em seu sistema imunológico que persistem durante toda a duração da permanência no ambiente de microgravidade, informa artigo publicado no periódico npj Microgravity, do grupo Nature. Os autores, dos Estados Unidos, analisaram amostras de sangue de 23 astronautas, coletadas antes, durante e depois de missões espaciais de seis meses de duração. As amostras coletadas durante as missões foram extraídas pelos próprios astronautas, pouco antes do retorno de um ônibus espacial ou uma cápsula Soyuz à Terra, e analisadas até 48 horas depois. As principais alterações detectadas tratam da redução de atividade das células-T. Os autores dizem que não está claro se a mudança é causada pela microgravidade ou por outras condições vinculadas à vida na ISS, como o confinamento e o estresse constante.

Perigo para os pássaros

Aumento de CO22 afeta bactérias do oceano As cianobactérias marítimas, que fertilizam os oceanos da Terra ao fixar o nitrogênio atmosférico numa forma que outros organismos marinhos são capazes de utilizar, sofrem mudanças irreversíveis quando forçadas a se adaptar a um ambiente com alta concentração de dióxido de carbono, diz artigo publicado no periódico Nature Communications. O trabalho, de autoria de pesquisadores vinculados a instituições dos Estados Unidos, acompanhou o crescimento de 850 gerações da cianobactéria Trichodesmium, sob as concentrações de CO2² previstas para o fim deste século. Os pesquisadores detectaram uma elevação quase imediata da taxa de crescimento dos organismos e de fixação de nitrogênio. Além disso, o tempo necessário para a fixação atingir seu nível máximo, após o início da incidência de luz solar, dobrou, chegando a até nove horas. Essas modificações persistiram mesmo depois de a cultura ser transferida para um ambiente com níveis atuais de CO2. ²

O lixo plástico que chega aos oceanos pode representar ameaça para as aves marinhas, diz artigo publicado no periódico PNAS, de autoria de pesquisadores da Austrália e do Reino Unido. “A poluição por plásticos dos oceanos é uma preocupação global”, diz o artigo, “com concentrações chegando a 580 mil fragmentos por quilômetro quadrado, e a produção crescendo exponencialmente”. Os autores fizeram uma análise de risco utilizando estimativas da distribuição espacial do lixo e as áreas habitadas por 186 diferentes espécies de aves marinhas, para modelar a exposição dos animais aos dejetos. “Embora a evidência de impactos da poluição plástica no nível de populações ainda esteja emergindo, nossos resultados sugerem que essa ameaça é ampla, universal e aumenta rapidamente”, afirmam.

Animal sem órgãos O Trichoplax adhaerens, animal em forma de disco com cerca de um milímetro de diâmetro, totalmente desprovido de órgãos internos ou mesmo neurônios, digere seu alimento fora do corpo, diz artigo publicado no periódico PLoS ONE. Os autores, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos EUA, observaram que o Trichoplax, mesmo sem um sistema nervoso – o corpo do animal contém apenas seis diferentes tipos de célula –, é capaz de coordenar a atividade de suas células para consumir alimento. “Quando o Trichoplax desliza sobre uma área de algas, seus cílios param de bater e ele para de se mover. Um subconjunto de um dos tipos celulares (...) secreta grânulos cujo conteúdo dissolve rapidamente as algas”, diz o artigo. “Essa secreção é dirigida com precisão, já que apenas células próximas das algas liberam os grânulos”. Os autores constatam que “o controle global do deslizamento é coordenado com o controle local preciso da secreção (...) sugerindo a presença de mecanismos de comunicação e integração celular”.

Revelado fundador do ‘PubPeer’ O fundador do site PubPeer (https:// pubpeer.com/), que permite que pesquisadores façam críticas, públicas e anônimas, ao trabalho publicado dos colegas finalmente revelou sua identidade, depois de anos de segredo: é Brandon Stell, neurocientista americano, atualmente pesquisador da Universidade de Paris Descartes. Fundado há três anos, o PubPeer já enfrentou polêmicas, chegando a ser processado por um investigador que disse ter perdido uma oportunidade de trabalho por conta das críticas a um artigo seu publicadas no site. De acordo com nota divulgada no serviço Science Insider, da revista Science, críticas originadas no PubPeer já levaram a “numerosas correções e retratações”. Há, atualmente, mais de 35 mil comentários no site. Ao revelar sua identidade, Stell também anunciou a criação de uma fundação sem fins lucrativos para manter o website e, também, para reunir fundos para eventuais despesas jurídicas que venham a ser necessárias para proteger o anonimato dos comentaristas.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Fábio Reis Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015

Historiador revisita representações feitas por franceses acerca da identidade nacional brasileira

Um projeto civilizatório para o país da ‘barbárie’

imagem do Brasil como “um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, enaltecida por Jorge Ben Jor e por tantos outros, ganhou força com o pensamento social francês do século 19. A hipótese é sustentada pelo historiador Luis Fernando Tosta Barbato, em tese de doutorado sobre a formação da identidade nacional brasileira, orientada pelo professor Edgar Salvadori de Decca. “Entre preconceitos, conceitos e impressões: o Brasil e sua condição tropical na Revue des Deux Mondes (1829-1877)” é o título da tese defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “Considero essa pesquisa importante para que o brasileiro conheça melhor a história de sua própria formação como povo”, afirma o autor da tese. Procurando entender as representações que foram feitas sobre o Brasil, especialmente naquilo que o caracteriza como um país tropical de natureza rica e exuberante, Luis Fernando Barbato recorreu a uma das publicações mais importantes e influentes de então, a Revue des Deux Mondes. “O uso do periódico é recorrente entre os pesquisadores do século 19, devido à sua proposta de enviar viajantes para conhecer as realidades de outros países e trazer o que de melhor encontrassem para o desenvolvimento da sociedade francesa. Suas edições alcançaram muitos leitores ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde a publicação fez muito sucesso no cenário intelectual, sendo citada na obra de Machado de Assis e tendo Pedro II como leitor assíduo.” Embora a Revue circule até hoje, o autor explica que optou pelo recorte da pesquisa de 1829 a 1877 por englobar os dois anos iniciais de fundação e o seu tempo áureo sob o comando do editor François Buloz, que lhe deu projeção internacional. “Reproduzi na tese uma imagem que ilustra as primeiras edições da revista e embute uma ideia preconcebida que vai guiar todo meu trabalho: a vinheta simboliza a França, que saía do lugar mais civilizado do planeta para colocar em prática um projeto civilizatório em países periféricos, que segundo as concepções da época mantinham “um pé na barbárie”, e dentre os quais se encaixava o Brasil. Daí a ‘Revista dos Dois Mundos’, que colocava mundos distintos, em diferentes estágios civilizacionais, frente a frente.” O formato tradicional da Revue des Deux Mondes era de um livro denso e pesado, sem ilustrações, com relatos longos e minuciosos dos viajantes, como desejavam os leitores que não dispunham de outros meios para se informar sobre outras plagas. A imagem única (reproduzida nesta página) é de uma edição de 1831: retrata o encontro de duas mulheres, uma europeia trajada à moda medieval e uma autóctone marcada pela nudez, que trocam olhares cordiais; à nativa são apresentadas inscrições no tronco da árvore com grandes nomes da civilização ocidental, como Homero, Dante, Goethe, Camões e Byron. Na opinião de Luis Fernando Barbato, a vinheta já mostra a assimetria desta relação, estando de um lado a Europa com seus barcos, roupas, escritores, cientistas e desbravadores; e do outro a América, com sua nudez resignada e bárbara e a natureza frondosa. “Os viajantes exaltavam a beleza natural, mas questiono até que ponto as exaltações eram benéficas para a imagem do Brasil, já que pelo modelo da época um país representado pela natureza era um lugar onde a civilização ainda não havia chegado. Mesmo naquele contato aparentemente inocente e cordial entre os dois mundos, já se vislumbra a civilização rasgando e apagando a natureza e a barbárie com letras, artes e ciência; é uma forma de imperialismo, não pela força das armas, mas com a força das palavras.” Se o autor da tese, inicialmente, foca sua análise nas imagens positivas produzidas pelos viajantes franceses, com uma profusão de descrições de belas cenas tropicais em praticamente todos os textos da Revue, o tom torna-se mais sombrio quando se trata das gentes brasileiras. O capítulo intitulado “A civilização versus a barbá-

para uma nova colonização – e não apenas a elite pensadora, mas também agricultores, comerciantes, pescadores. E os viajantes apontam a própria França como inspiração e solução para aquele Brasil condenado.” Luis Fernando Barbato lembra que o século 19 é reconhecido historicamente como a era dos impérios, quando as grandes potências mundiais, principalmente França e Inglaterra, buscam ampliar suas zonas de influência política. “Mesmo que não fosse o imperialismo formal, em que se chega com o exército para hastear a bandeira na região, a relação era imperialista. E, para que esse poder se efetivasse, era preciso que os povos a ser dominados enxergassem a presença do dominador como necessária, que esta se justificasse.” E justamente naquele momento, conforme o pesquisador, o Brasil vivia a necessidade de se mostrar ao mundo e ganhar prestígio internacional, passando por um processo de construção da identidade nacional. “Havia um grande risco de fragmentação territorial, com uma série de rebeliões separatistas em diversas regiões do país. A solução buscada pelo governo imperial foi criar uma identidade nacional, fazendo com que os brasileiros se vissem como membros de uma mesma comunidade. Até então, quem vivia na Bahia não se enxergava como brasileiro, ou muitas vezes sequer como baiano, pois não existia esse sentimento de pertencimento à terra.”

dução Foto: Divulgação/Repro

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

UM LUGAR ESPECIAL

Capa da ‘Revue des Deux Mondes’, cujo conteúdo foi analisado para a elaboração da tese: ilustração é reveladora de uma relação assimétrica

rie” aborda o momento em que o estupor causado pela natureza cede espaço para visões mais concretas. “Em suas andanças pelo Brasil, os franceses da Revue se depararam com as estradas precárias, a falta de conforto, a ignorância na qual grande parte do povo estava imersa e outros cenários caóticos. Nesse ponto, eles começam a questionar a viabilidade de uma civilização no Brasil, pelo menos se continuasse a ser conduzido da mesma maneira.” Segundo o historiador, ficava evidente para os franceses que o Brasil tinha um pé na barbárie e que sua sociedade precisava se espelhar cada vez mais no padrão europeu para que pudesse progredir como civilização. “Dentro dessa lógica, os viajantes repararam na colonização portuguesa, que seria em parte responsável por esta sociedade imperfeita, mas também pelos resquícios de civilização aqui encontrados – a dicotomia é interessante por mostrar o poder do eurocentrismo no século 19. Ainda assim, os franceses deixavam implícito que os portugueses tinham parado no tempo, representando a velha Europa que não se modernizara e, portanto, não eram os europeus mais aptos a conduzir o processo civilizatório.”

RAÇAS TROPICAIS Entre os empecilhos à civilização no Brasil, segundo os autores que publicaram na Revue, estavam as gentes tropicais – indígenas, negros, mestiços – que compunham a maior parte da população brasileira, ao passo que os viajantes, vindos de climas temperados e calcados nos ideais de trabalho e progresso, relacionavam o calor à preguiça, indolência e prazeres da carne. “Vale lembrar que, nessa época, a questão racial era muito importante para se pensar os destinos de uma nação. As impressões, imagens e representações sobre a população brasileira levam à conclusão de que, na visão dos correspondentes da revista, a configuração racial impedia – ou muito dificultava - que o país fosse civilizado.” É diante deste contexto que o autor da tese desenvolve um capítulo sobre “A Europa como redenção”, ou seja, o caminho a ser seguido pelo Brasil enquanto modelo de civilização superior. “Para os viajantes franceses, a única chance de o país superar o atraso estaria em estreitar os laços e absorver o quanto pudesse das características da sociedade europeia, inclusive importando pessoas Foto: Divulgação

O historiador observa que dentro deste projeto lançado pelo governo aparece a questão dos trópicos, na busca por caracteres capazes de mostrar as singularidades do país e de alavancar os brios de se pertencer a um lugar especial. “As belas paisagens, o clima quente e agradável e as riquezas da terra – natureza que provocaria inveja nos visitantes, sendo assim um elemento de orgulho – formam um dos principais alicerces sobre os quais se fundaram a identidade nacional brasileira. Mas sem nunca esquecer que na Europa estava o modelo a ser seguido, caso o país almejasse de fato prestígio internacional.” Avaliando as relações entre Brasil e França no século 19, Barbato demonstra como a cultura francesa foi significativa para o desenvolvimento da cultura brasileira, a ponto de se tornar um modelo de civilização não apenas pela alta-costura, bons modos e bom gosto, mas principalmente pela força das ideias. “No último capítulo da tese podemos observar que dentro da Revue surgiram noções que dividiam o país em espaços dicotômicos, como o Norte e o Sul, o litoral e o sertão, sendo sempre um marcado pela civilização em oposição ao outro marcado pelo atraso. E, assim, o Brasil era analisado pelos franceses como o outro, exótico e, por ser diferente, passível de inferiorização e intervenção.” Luis Fernando Barbato afirma que a análise dos escritos sobre o Brasil publicados na Revue des Deux Mondes permite perceber quão importante foram esses viajantes franceses para a formação da própria noção de Brasil – um país belo e rico, mas alheio ao progresso e que precisava se modernizar se aproximando da Europa e contornando a questão racial. “São noções que, por virem de um lugar considerado como matriz cultural e grande difusor da ciência, letras e cultura, acabaram por serem muito lidas e consideradas pelos próprios brasileiros que se engajaram no processo de construir uma identidade nacional para o Brasil no século XIX.”

Publicação O historiador Luis Fernando Tosta Barbato, autor da tese: “O Brasil era analisado pelos franceses como o outro, exótico e, por ser diferente, passível de inferiorização e intervenção”

Tese: “Entre preconceitos, conceitos e impressões: o Brasil e sua condição tropical na Revue des Deux Mondes (1829-1877)” Autor: Luis Fernando Tosta Barbato Orientador: Edgar Salvadori de Decca Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)


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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015 Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O vice-primeiro-ministro chinês, Wang Yang, fala à imprensa durante reunião com empresários e autoridades em Brasília: apesar de registrar um crescimento econômico acima da média mundial, China enfrenta problemas sociais, como o fosso que separa trabalhadores rurais e urbanos

Sob a tutela do Estado Foto: Antoninho Perri

Segundo estudo do IE, desenvolvimento da China é impulsionado pelos investimentos público e privado no âmbito interno

O economista Alberto Teixeira Protti, autor da tese de doutorado: “Embora sejam importantes, as exportações não podem ser consideradas o motor da economia do país, uma vez que a demanda doméstica contribui com mais de 70% do crescimento econômico chinês”

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

o contrário do que sustentam alguns analistas, a economia da China não é puxada pelas exportações. Embora esse setor tenha relevância dentro do processo de desenvolvimento do país, a locomotiva da economia chinesa é impulsionada pelo investimento público e privado, coordenado direta ou indiretamente pelo Estado. A conclusão é da tese de doutorado do economista Alberto Teixeira Protti, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Fernando Sarti. De acordo com Protti, o interesse por pesquisar a economia da China surgiu ao final do seu mestrado, também desenvolvido no IE-Unicamp. “O interesse pode ser explicado por dois fatores. Primeiro, pelo fato de a China ter se transformado na segunda maior potência econômica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo, pela grande influência que o país exerce sobre o crescimento econômico mundial, uma vez que ele é um grande importador de matéria-prima, energia e insumos de alta complexidade tecnológica. É possível que estejamos diante de uma nação que terá a mesma importância que a Inglaterra teve no século 19 e que os Estados Unidos tiveram no século 20”, justifica. Durante o estudo, o autor do trabalho diz ter constatado que, ainda que parte da literatura especializada confira às exportações o papel de carro-chefe da economia da China, a venda de produtos chineses no mercado internacional não é o principal alavancador do desenvolvimento do país. “De acordo com os dados que obtivemos, as contribuições ajustadas das exportações para o crescimento do PIB entre 1997 e 2013 variaram de aproximadamente 23% a 31%. Ou seja, embora sejam importantes, as exportações não podem ser consideradas o motor da economia do país, uma vez que a demanda doméstica contribui com mais de 70% do crescimento econômico chinês”, sustenta. O autor da tese observa que apesar de o mercado doméstico chinês ser expressivo, dado o tamanho da população [1,3 bilhão de pessoas], este segmento também não é o que imprime vigor à economia do país. O padrão de consumo das famílias chinesas, diz, é historicamente baixo. “São os investimentos públicos e privados, coordenados direta ou indiretamente pelo Estado, que cumprem esse papel. O regime chinês atua fortemente na economia, concedendo todos

os tipos de subsídios, notadamente para o setor industrial. Aliás, se olharmos em retrospectiva, vamos perceber uma obsessão do governo em dotar a China de uma estrutura industrial integrada e independente do resto do mundo”, contextualiza Protti. No decorrer da história recente, continua o economista, a China tem feito opções de investimentos em setores considerados estratégicos pelo país. Nos anos 1970 e 1980, por exemplo, a escolha recaiu sobre a indústria do aço. Atualmente, o foco são as indústrias das áreas de telecomunicação, alta tecnologia e automobilística, entre outras. “Estas recebem um sem número de estímulos e subsídios, como forma de manter a economia fortalecida”, reforça o pesquisador. Dentro desse contexto, segundo Protti, o setor exportador tem a missão de impedir o surgimento de restrições no balanço de pagamentos, o que poderia representar um entrave ao processo de desenvolvimento. O economista explica melhor esse aspecto. De acordo com ele, como qualquer outro país em processo de desenvolvimento, a China precisa importar uma grande quantidade de insumos, máquinas e equipamentos para garantir a atividade do setor industrial. Além disso, à medida que o nível de renda de parte da população cresce, aumenta também o volume de importações de bens de consumo. “Assim, o país precisa manter as exportações num patamar elevado, com o intuito de evitar que uma eventual restrição no balanço de pagamentos comprometa o processo de desenvolvimento”, pormenoriza. Essa política de investimentos do Estado, observa o autor da tese, remonta aos anos 1950, formulada na esteira da Revolução Comunista, liderada por Mao Tsé Tung. “Em 1954, o primeiro Plano Quinquenal do Partido Comunista Chinês previa que o país se tornaria a principal potência econômica mundial nos anos 2000. A previsão chegou perto da realidade. Diferentemente do Brasil, que registra períodos e idas e vindas, a

China manteve uma política de desenvolvimento praticamente inalterada ao longo dos últimos 60 anos. Nesse aspecto, não há dúvida de que se trata de um caso de incontestável sucesso”, analisa Protti. O economista reconhece, no entanto, que o país enfrenta sérios problemas a despeito do seu destacado desempenho econômico. A desigualdade social vem se aprofundando ao longo das últimas décadas. Atualmente, existe um fosso que separa, por exemplo, os trabalhadores urbanos daqueles que atuam no campo. Ademais, é muito provável que a China tenha que rever nos próximos anos a política do filho único. Existem prognósticos que apontam que, por causa do progressivo envelhecimento da sociedade chinesa, daqui a 20 anos a população economicamente ativa do país sofrerá uma importante redução.

GIGANTISMO

Mas o que explica, afinal, o fato de parte dos analistas considerar as exportações como a principal causa do desenvolvimento da China? Protti tem uma hipótese. De acordo com ele, como o país apresenta uma economia muito complexa, os pesquisadores normalmente concentram sua análise em apenas um dos elementos que concorrem para o desenvolvimento da nação. “Quando você confere ênfase a um componente, fica a impressão de que ele é o mais relevante, em virtude da robustez da economia chinesa. De fato, a primeira vista, é difícil acreditar que um país que detém quase 12% do mercado mundial de produtos manufaturados não tenha nas exportações o seu principal motor de desenvolvimento”. Paralelamente à forte atuação do Estado na economia da China, prossegue Protti, alguns condicionantes externos também contribuíram para que o país alcançasse índices de crescimento do PIB bem acima da média mundial – por volta de 7% no último ano. Um deles foi a reaproximação com os Esta-

dos Unidos, nos anos 1970, o que fez com que os produtos chineses encontrassem um novo e importante mercado. A retomada das relações bilaterais foi uma estratégia usada por Washington para conter o avanço da então União Soviética. Além disso, outro fator que ajudou a China a ocupar o segundo lugar entre as potências econômicas mundiais foi a decisão tomada pelas grandes empresas do capitalismo contemporâneo de realocar a sua produção para outros mercados. Pressionadas pela concorrência, essas corporações passaram a instalar unidades em países que ofereciam diversos incentivos à produção e mão de obra barata. Assim, a China assumiu a condição de destino “natural” para muitas dessas companhias. “Esses condicionantes foram fundamentais para a China se tornar o que ela é hoje”, atesta o autor da tese. Mesmo a China tendo um regime relativamente fechado, Protti diz não ter tido dificuldade para obter os dados necessários à sua pesquisa. Segundo ele, organismos como o Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e instituições chinesas de estatística dispõem de muitas informações sistematizadas. “Obviamente, cheguei a uma massa de dados gigantesca, o que exigiu um longo trabalho de garimpagem e análise”, finaliza o economista.

Publicação Tese: “China: uma análise do papel das exportações e do investimento doméstico para o modelo de desenvolvimento econômico no período recente” Autor: Alberto Teixeira Protti Orientador: Fernando Sarti Unidade: Instituto de Economia (IE)


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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015

Bioinformática organiza

sequenciamento do exoma Fotos: Antoninho Perri

Pesquisador da FCM usa ferramentas computacionais para encontrar alterações que possam ser associadas a doenças CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

árias doenças podem ser explicadas através da informação contida dentro do genoma de cada indivíduo. Mais especificamente, existe dentro do genoma uma região, que corresponde a menos que 2% de sua totalidade, chamada de exoma, tida como potencialmente responsável por armazenar as informações que determinam a composição e regulação dos mecanismos celulares de todo o corpo. Murilo Guimarães Borges, graduado em física-médica pela Unicamp, desenvolveu trabalho em nível de mestrado em que aplica métodos computacionais para organização das sequências de DNA que compõem o exoma de forma a localizar alterações nesta região que possam vir a ser associadas aos mais variados tipos de doenças. Borges explica que a organização dessas sequências se assemelha à montagem de um quebra-cabeças em que se pode permitir que algumas peças fiquem fora do lugar. São elas que tornam os indivíduos únicos. O desafio é verificar se essas peças deslocadas correspondem a uma variação normal e aceitável em relação àquelas que são patológicas. Não é uma constatação simples. No trabalho, o pesquisador desenvolve formas mais eficientes de encontrar as respostas. O DNA – ácido desoxirribonucleico –, do ponto de vista químico, é um imenso polímero constituído de unidades mais simples, as bases nitrogenadas. Ele contém as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento dos indivíduos e transmitem suas características. Seu principal papel é armazenar as informações necessárias para a construção de proteínas. Ele é constituído por duas fitas complementares, formadas por moléculas de adenina, citosina, guanina e timina. Cada tipo de base de uma cadeia se liga apenas a uma base complementar da outra cadeia. A informação contida nesta molécula de DNA pode conter alterações que resultarão na formação de proteínas que não funcionam como deveriam. Algumas destas variações são responsáveis por doenças.

O TRABALHO O DNA humano é constituído por mais de três trilhões de bases. Em uma reação de sequenciamento, em que se utilizam aparelhos para sua leitura, não se consegue ler todo o genoma de uma só vez. Então se utiliza um sequenciador que lê porções menores da informação que o constituem. Isso é basicamente o que acontece numa reação de ressequenciamento. Finalmente, procuram-

Publicação Dissertação: “Aplicação de protocolos e métodos em bioinformática para análise de sequenciamento de exomas humanos” Autor: Murilo Guimaraes Borges Orientadora: Iscia Teresinha Lopes Cendes Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Lâmina usada nas pesquisas: avaliando protocolos e aplicações disponíveis para análise de dados

Murilo Guimarães Borges, autor da dissertação: organização de sequências se assemelha à montagem de um quebra-cabeça

-se as diferenças com o genoma de referência porque elas, que individualizam os indivíduos, podem estar também relacionadas a doenças. No trabalho o autor faz a aplicação de protocolos e métodos em bioinformática para a análise de sequenciamento de exomas humanos. Na bioinformática se usam computadores e softwares para coletar, analisar e interpretar informações biológicas. A análise através dela é essencial para lidar com o alto volume de dados gerados e realizar a ligação entre eles e o experimento biológico. Os objetivos do estudo foram avaliar protocolos e aplicações disponíveis que pudessem ser utilizadas na análise dos dados gerados pelo sequenciamento de exomas humanos; aplicar e aperfeiçoar protocolos e aplicações disponíveis para predizer variantes potencialmente patológicas a partir de dados gerados pelo sequenciamento de exomas humanos; caracterizar o impacto das diferenças técnicas e populacionais na cobertura resultante da captura do exoma. A propósito, Murilo esclarece: “Procurei encontrar uma forma, um método que, com base nas informações fornecidas pelo se-

quenciador, possibilitasse chegar a uma lista das variantes encontradas. Não nos cabe diagnosticar a doença, mas apontar diferenças no exoma e, a partir daí, possibilitar que um especialista tente localizar que alteração é potencialmente responsável por ela”. O desafio é montar o quebra cabeça para identificar as diferenças que podem ou não ser patológicas de modo a garantir que as alterações observadas de fato ocorreram no genoma analisado e não decorrem do emprego do computador ou do trabalho de bancada no laboratório. “Ao fornecer as alterações no DNA há necessidade de garantir ao máximo que elas sejam reais e não resultem da técnica utilizada, e isso é o que tentamos fazer em nossas análises em bioinformática”, esclarece o autor.

RESULTADOS Realizado o sequenciamento é determinante um contraste com a literatura, onde se encontram informações de que malefícios essas pequenas diferenças podem vir a provocar no individuo, em que porcentagens podem ser danosas, ou seja, o grau de benignidade ou malignidade das alterações encontradas.

Murilo conclui: “Aplicamos o protocolo nas amostras estudadas e chegamos a resultados que podemos fornecer para os pesquisadores de forma anotada, com informações relevantes para guiar experimentos futuros”. Ele identificou também algumas oportunidades. Assim é que, uma variante em relação ao genoma de referência suscita uma questão: esta diferença não estaria relacionada ao fato de se estar comparando o genoma de um brasileiro com a de um indivíduo de outro background genético? É uma possibilidade que deve ser considerada. Este fato o levou a julgar de extrema importância a montagem de um banco de variantes da população brasileira. Mesmo porque uma mutação frequente na população do Brasil pode não ser patogênica e podem estar sendo feitas associações equivocadas em relação à genética de outros povos. Daí a importância da geração de banco das alterações comuns na população brasileira. Ele identificou, ainda, que é possível modificar as sondas utilizadas para selecionar o exoma incluindo nelas diferenças relacionadas à população considerada, porque essas sondas podem não ser as mais eficientes na nossa população. Em decorrência, uma empresa que produz kits para captura de exomas poderia se beneficiar dessas informações para construir sondas que contribuíssem para maior eficiência da metodologia. O protocolo apresentado mostra a sequência de passos e de programas computacionais utilizados para, a partir das sequências brutas que saem do sequenciador, chegar às listas de variantes anotadas fornecidas aos pesquisadores. Resumindo, diz Murilo: “Partindo do DNA, selecionamos o exoma e a partir dele, que constitui 2% das sequências do DNA, utilizamos vários passos que permitiram, com base nas sequências brutas, chegar às variantes no indivíduo analisado em relação ao genoma adotado como referência. Tentamos mostrar que essas variantes são verdadeiras e que não resultavam de um viés da técnica utilizada. Adicionamos, ainda, várias informações a essas variantes, que constituem as anotações. Então, a partir das sequências brutas, chega-se a uma lista de variantes anotadas para que o pesquisador, responsável pelas sequências, possa tentar associar cada uma delas com a doença ou condição estudada”.


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Campinas, 7 a 13 de

Capitalismo é o motor aponta livro de Luiz Ma MARTA AVANCINI Especial para o JU

Foto: Antonio Scarpinetti

a década de 1990, sete acordos multilaterais, somados a importantes documentos e protocolos, tais como a Agenda 21, a Carta da Terra e o Protocolo de Kyoto, alimentavam a promessa de um novo arranjo político, econômico e social internacional, capaz de conter o processo de degradação ambiental do planeta. Duas décadas mais tarde, inúmeras pesquisas realizadas nas mais diversas áreas do conhecimento, apontam para uma situação significativamente diferente daquela preconizada pelos acordos firmados entre os países. Um deles, o Protocolo de Kyoto é emblemático da mudança de perspectiva: os países signatários se comprometiam a reduzir a emissão de gases poluentes responsáveis pelo efeito estufa e o aquecimento global. Mas ao invés de redução, o que se assiste, nessas primeiras décadas do século 21, é o aumento das emissões, somado à tendência de esvaziamento dos compromissos então assumidos. Esse é um dos cenários reconstituídos no livro Capitalismo e Colapso Ambiental, de Luiz Marques, professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Reconhecido por sua produção intelectual sobre a Tradição Clássica, o historiador Marques apresenta, em sua nova obra, que será lançada dia 9, em São Paulo, e é dividida em duas seções, um amplo e diversificado painel ilustrativo do que ele classifica como “caos socioambiental” no qual a sociedade contemporânea está imersa, além de analisar as condições sociais, políticas, históricas e econômicas que o desencadearam e o potencializam. “As crises ambientais tornam inadiável a necessidade de uma reflexão sobre o caos socioambiental em que corremos risco de naufragar. Já de há muito a percepção desses riscos entrou na circulação sanguínea da Unicamp, tanto nas áreas das ciências quanto nas humanidades”, afirma Marques, ao explicar os motivos que o levaram a se envolver com as temáticas ambientais que resultaram no novo livro.

Atualmente, ele participa, com um coletivo de professores da Unicamp, da criação do portal Rio+40, voltado para informação, pesquisa, debate e mobilização acadêmica em torno das crises socioambientais contemporâneas. O portal deverá estar disponível para consulta até o final de 2015. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista que Luiz Marques concedeu ao Jornal da Unicamp. Jornal da Unicamp - O senhor é conhecido por sua produção intelectual sobre a Tradição Clássica. O que o levou a se envolver com as temáticas ambientais? Luiz Marques - Desde a pós-graduação, meu trabalho como pesquisador teve por objeto o que se convencionou chamar a Tradição Clássica, com ênfase na arte figurativa italiana dos séculos XIII ao XVI. É um campo apaixonante em que permaneço engajado. Mas as crises ambientais tornam inadiável a necessidade de uma reflexão sobre o caos socioambiental em que corremos um risco crescente de naufragar. Muitos colegas do IFCH [Instituto de Filosofia e Ciências Humanas], para falar apenas do meu ambiente imediato, desenvolvem há decênios trabalhos sobre diversos aspectos das crises ambientais. Que a questão ambiental tenha sensibilizado nos últimos anos um historiador da arte não é senão um sinal a mais, entre tantos, de seu agravamento e ubiquidade. Há em curso, de resto, uma proposta de criação de um portal da Unicamp para dar mais visibilidade a esses trabalhos em todas as áreas da Universidade e promover o debate entre elas, que espero que esteja em funcionamento até o fim do ano. JU - Existe algum o fio condutor entre sua produção como intelectual/ pensador/historiador que articule sua produção no campo da história e no campo do ambientalismo? Luiz Marques Sim. Até certo ponto, este livro não é um parêntese em relação ao meu interesse pela área imensa da Tradição Clássica, pois nasce também da reflexão sobre a superação na Idade Contemporânea

dos paradigmas mentais herdados dessa tradição – lenta superação, que se esboça já com a dominação hispano-habsbúrgica sobre a Itália a partir do terceiro decênio do século 16 e que se acelera e se consolida, como é sabido, em estreita interação com a expansão do capitalismo industrial ao longo dos séculos 19 e 20. Um dos capítulos do livro procura demonstrar como a dinâmica expansiva e centrífuga do capitalismo, substituindo os mitos de origem pelos mitos de futuro, é a condição histórica de possibilidade das crises ambientais contemporâneas. É, aliás, não apenas sua condição necessária, mas também suficiente. JU - O que sua obra aporta para a reflexão e o debate sobre o mundo contemporâneo e, em particular, sobre as questões ambientais? Luiz Marques - Cada linha deste livro tem o objetivo de argumentar em favor da ideia de que vivemos uma situação de urgência. O traço definidor do momento presente é a corrida contra o relógio, uma corrida que, indubitavelmente, estamos perdendo. A ambição da obra é contribuir para o reconhecimento do fato de que as crises ambientais contemporâneas, por sua envergadura, ubiquidade e aceleração, devem redefinir profundamente os temas e as prioridades na pauta dos debates socioeconômicos e políticos que polarizam hoje nossas sociedades. JU - Considerando o conjunto de estudos sobre a atual crise ambiental, não é possível identificar um consenso quanto aos impactos do modelo econômico contemporâneo sobre o meio ambiente. Como o senhor situa sua obra nesse contexto? Luiz Marques - O livro se divide em duas partes e por isso há duas respostas à sua pergunta. Na primeira parte do livro, intitulada A Grande Convergência, Convergência atenho-me a justapor os resultados das pesquisas científicas sobre as crises ambientais. Esses resultados são (como é o próprio da ciência) “conservadores”, isto é, necessariamente cautelosos e probabilísticos. Isso não significa que a ciência esteja dividida sobre a gravidade das crises ambientais. Em ciência, como em outras áreas do saber, consenso não significa quase nunca unanimidade. No que se refere, por exemplo, às mudanças climáticas, 97% dos cientistas (e são os mais qualificados) afirmam que há 95% a 99% de chances de que as mudanças climáticas em curso sejam preponderantemente antropogênicas. Para todos os fins práticos, econômicos e políticos é da mais elementar prudência considerar essas altíssimas probabilidades como uma certeza plena. Na segunda parte do livro, na qual procuro identificar no modus operandi do capitalismo global e no antropocentrismo os motores que nos impelem em direção ao colapso ambiental, posso talvez ser considerado radical por aqueles que ainda acreditam ser possível “educar” o capitalismo para a sustentabilidade. Começam, contudo, a ser menos numerosos os que ainda comungam dessa crença, que é, em meu entender, a mais extraviadora ilusão do pensamento político, social e econômico contemporâneos, pois a de mais graves consequências.

O professor Luiz Marques, autor do livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”: “O capitalismo internacional devasta numa escala e ritmo superiores à capacidade da biosfera de se recompor e se adaptar”

JU - Qual o cenário que se extrai da produção científica sobre a crise ambiental? Luiz Marques - Por mais “conservadores” que sejam, os resultados das pesquisas científicas constituem um quadro geral alarmante: maiores concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, aquecimento das temperaturas médias globais, supressão e degradação das florestas (com fragmentação ou mesmo destruição completa dos habitats), colapso da biodiversidade, declínio dos recursos hídricos, secas mais intensas e prolongadas, erosão, desertificação, incêndios mais frequentes, mais devastadores e em latitudes mais amplas, poluição dos solos e do meio aquático por esgotos, pelo lixo municipal e industrial, intoxicação química dos organismos e da troposfera, aquecimento e acidificação oceânica, multiplicação das zonas mortas por hipóxia ou anóxia nos rios, lagos e mares, destruição já de cerca de 50% dos recifes de corais, declínio do fitoplâncton, elevação média global de 3,2 milímetros por ano do nível do mar, degelo do Ártico, da Groenlândia, da região ocidental da Antártica e do chamado Terceiro Polo, degelo também dos pergelissolos, com risco crescente de liberação catastrófica de metano na atmosfera, furacões maiores, inundações, alguns invernos setentrionais mais rigorosos, paradoxalmente num mundo de verões letais. A lista está longe de terminar e mesmo as posições mais conservadoras admitem uma piora generalizada das coordenadas ambientais do planeta. JU - Como o senhor definiria, de maneira sucinta, a situação atual do planeta? Luiz Marques - O capitalismo internacional devasta numa escala e ritmo superiores à capacidade da biosfera de se recompor e se adaptar. Segundo o Global Forest Watch, apenas entre 2000 e 2012, nosso planeta perdeu 2,3 milhões de km² de florestas, em grande parte por causa do avanço da monocultura e das pastagens. Num estudo recente, The Future of Forests, o Center for Global Development, de Washington, projeta, baseando-se em observações de satélites, que “uma área de florestas tropicais do tamanho da Índia [3,2 milhões de km²] será desmatada nos próximos 35 anos”, se nos mantivermos na rota atual, e isto apenas de florestas tropicais. Em 2006, um estudo da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] afirma que “a criação de gado gera mais gases de efeito estufa, mensurados em CO² equivalente, que o transporte”.


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e setembro de 2015

do colapso ambiental, arques Historiador e professor do IFCH lança obra sobre as causas e consequências do caos socioambiental Foto: Antonio Gaudério/Folha Imagem

mínio dos fenômenos que a ecologia abrange é mais amplo que o domínio coberto pela ciência econômica”, de tal modo que “a economia deverá ser absorvida pela ecologia”. É muito difícil para todos nós entender essa inversão de prioridades e admitir o que ela implica, isto é, que a ecologia é mais importante que a economia. É difícil, porque ainda concebemos o meio físico como matéria-prima, ou seja, como um subsistema do sistema econômico e fomos educados pelo dogma de que o bem-estar das sociedades depende da taxa de crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]. Aqui reside, creio eu, a razão primeira de por que as sociedades tardam em reagir à altura dos desafios ambientais que as confrontam. Dados do livro de Luiz Marques mostram que, no período 1970-2013, o desmatamento atingiu uma área de 762.979 km² da floresta amazônica brasileira

O consumo de 92 milhões de barris de petróleo por dia e a produção global de 7,83 bilhões de toneladas de carvão em 2013 são recordes históricos. As grandes barragens hidrelétricas e o aumento do carnivorismo são alguns dos fatores decisivos no agravamento das mudanças climáticas e no colapso da biodiversidade terrestre e marítima. A atual extinção em massa das espécies não é, como as anteriores, mensurável numa escala de tempo geológica, mas numa escala histórica. Em 1900, ela se media numa escala de séculos. Cinquenta anos atrás, a escala de observação mais adequada seria a década. Hoje, a unidade de mensuração do avanço da sexta extinção é o ano ou mesmo o dia. Segundo uma revisão publicada na revista Science de julho de 2014, “estamos perdendo entre cerca de 11 mil e 58 mil espécies anualmente”, algo entre 30 e 159 espécies por dia. O capitalismo global está extinguindo ou ameaçando existencialmente um número crescente de espécies, entre as quais, e não por último, a nossa. JU - E como o Brasil, que detém a maior biodiversidade do planeta, se situa nesse contexto? Luiz Marques - O desmatamento da Amazônia Legal está novamente em trajetória ascensional. De agosto de 2013 a julho de 2014 ele foi de 5.012 km². O que é comemorado como uma vitória por setores do governo é, na verdade, uma devastação estarrecedora, só porque representa uma diminuição de 15% em relação aos 12 meses anteriores (5.891 km²). Na realidade, há aumento de 9% em relação ao período de agosto de 2011 a julho de 2012 (4.656 km²). E já se sabe pelo Instituto Imazon que o desmatamento do período agosto de 2014 – julho de 2015 será expressivamente maior que o dos 12 meses anteriores. Dados para o período 1970-2013 do IBGE/PRODES [projeto que realiza o monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal] indicam uma perda de 762.979 km² da floresta amazônica brasileira, uma área equivalente a 184 milhões de campos de futebol, ou duas Alemanhas (357.051 km²) ou o triplo da área do Estado de São Paulo (248.222 km²). As emissões de CO² cresceram 62% no Brasil entre 1990 e 2005 e apenas em 2013, conforme computado pelo Sistema de Esti-

mativa de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o país gerou 1,56 bilhão de toneladas de CO²eq, um salto de 7,8% em relação a 2012. Trata-se de uma das maiores taxas de crescimento do mundo nesse ano. Mais da metade do acréscimo provém do desmatamento e de incêndios de florestas, boa parte deles a mando de fazendeiros. E não se contabilizam aqui as emissões de metano (CH4) pelas grandes represas e pela pecuária, um gás cujo efeito estufa é muito maior. Segundo Philip Fearnside, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), as barragens necessárias para o funcionamento da usina de Belo Monte emitirão 11,2 milhões de toneladas de CO²-eq apenas em sua primeira década de operação, o que iguala as emissões anuais de CO²-eq produzidas por 2,3 milhões de automóveis. Também o sequestro da agricultura (com uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes) pela engrenagem especulativa das commodities indexadas pelo mercado financeiro tem um peso decisivo no fato de que, globalmente, 120 mil km² de terras produtivas tornam-se estéreis a cada ano (dados da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas - UNCCD, 2014). Em todos esses setores, o Brasil tem certo protagonismo, pois nosso modelo macroeconômico e energético está fortemente ancorado em grandes usinas hidrelétricas e na produção de commodities agropecuárias que engendram desmatamento. JU - Se a crise ambiental é tão profunda, por que os estudos que evidenciam sua extensão e suas graves consequências não repercutem mais intensamente na sociedade, promovendo mudanças de mentalidade e hábitos? Luiz Marques - A preocupação das sociedades em relação às crises ambientais vem crescendo muito rapidamente. Hoje, a ideia de que precisamos diminuir urgentemente nossa “pegada ambiental” saiu do rol circunscrito das revistas científicas e começa a fazer manchete na grande imprensa, a mobilizar a sociedade civil e a forçar sua entrada na “grande política”. O que era impensável há poucos anos, impõe-se hoje com uma força crescente. Mas à medida que a consciência ambiental cresce, crescem também as resistências econômicas, políticas e ideológicas. Nos anos 1970, Nicholas Georgescu-Roegen descobriu algo de transcendental importância para as sociedades contemporâneas: “O do-

JU - No livro, o senhor aborda o retrocesso do multilateralismo como um fator que impulsionou o surgimento do Estado-Corporação. Qual o nexo entre este tipo de organização estatal e a crise ambiental? Luiz Marques - Em 1987, Gro Harlem Brundtland, uma grande artífice do multilateralismo, escrevia ao final de um encontro internacional: “Talvez nossa tarefa mais urgente hoje seja persuadir as nações da necessidade de retornar ao multilateralismo”. Naquele momento, o princípio do multilateralismo e do direito internacional estava ganhando ímpeto e a ECO-92 foi a expressão mais acabada desse entusiasmo. Hoje, a tendência é de retrocesso. São imensos os obstáculos que a COP 21 [Conferência do Clima 2015] terá de superar no fim deste ano em Paris para produzir um texto que ultrapasse o âmbito das declarações de boas intenções. Qualquer resultado aquém de um acordo resolutivo, gerador de hard law, será entendido como mais do mesmo, isto é, como um fracasso, talvez trágico, pois não temos mais tempo a perder. Mas justamente quando mais precisamos passar ao ato, globalmente, mais os Estados nacionais estão identificados com a rede corporativa. Avanço no livro a hipótese de uma verdadeira mudança na natureza do Estado, com a emergência do que se poderia chamar o Estado-Corporação, um novo modelo de simbiose entre Estado e corporação, trazido pela conversão ao capitalismo por parte da China, da ex-União Soviética e dos países da Europa do Leste, mas também pela alavancagem estatal das economias dos “tigres asiáticos” e de países menos industrializados, como a Índia e o Brasil. Os Estados estão hoje completamente absorvidos na lógica da rede corporativa nacional ou transnacional e tendem a funcionar e, sobretudo, a se pensar como um elo dessa dinâmica. De onde advém a dificuldade de assumirem qualquer protagonismo na formulação e condução de políticas capazes de reverter a tendência ao colapso ambiental. Mais que nunca, esse protagonismo recai sobre os ombros das sociedades. JU - Qual é a interface entre a atual crise ambiental e a política? Luiz Marques - Em seu discurso na Rio+20 em 2012, José Mujica, ex-presidente do Uruguai, afirmou: “A grande crise não é ecológica; é política”. Sem desconhecer seu caráter especificamente ambiental, Mujica

SERVIÇO Título: Capitalismo e Colapso Ambiental Autor: Luiz Marques Editora da Unicamp Páginas: 648 Área de interesse: Meio ambiente Preço: R$ 80,00

tem razão ao afirmar que nenhuma reflexão sobre a “grande crise” será fecunda sem o reconhecimento de sua natureza política. De fato, o que decidirá da evolução dessas crises será, acima de tudo, a capacidade das sociedades de, informadas pelos consensos científicos, dotarem-se de formas de governo radicalmente democráticas, sem as quais não será possível reagir a tempo à lógica econômica predatória da biosfera. Na conclusão do livro, mas sem pretender propor receituários, examino rapidamente a questão crucial dessas novas formas de democracia, cujo exame detido situa-se, contudo, além das ambições deste livro. JU - O senhor aponta, como saída para a crise, a superação da ordem política, econômica e social vigente através da constituição de uma ordem pós-capitalista. Acredita na possibilidade de uma alternativa ao capitalismo, capaz de edificar uma nova ordem mundial pautada pelos princípios da sustentabilidade? Luiz Marques - Sim, porque se a história ensina algo é que o futuro não está contido no presente. Mas, no momento, ninguém sabe de onde virá uma ação política coletiva capaz de reverter (e não apenas amenizar) a tendência ao colapso ambiental. Reverter essa tendência requer, em meu entender, a desmontagem da máquina intrinsecamente acumulativa e expansiva do capitalismo. Requer, numa palavra, superar o capitalismo, pois para o capitalismo ser é crescer. E quanto mais dificuldade ele encontra para crescer (inclusive, doravante, por causa das crises ambientais), mais ambientalmente destrutivo ele se torna. O caso do petróleo de xisto e de areias betuminosas é exemplar nesse sentido. Um número crescente de estudiosos defende, a meu ver acertadamente, o programa de um decrescimento administrado como o mais consequente, talvez o único efetivo, para uma sociedade viável. Mas como isso se traduziria concretamente em ação política e numa sociedade alternativa ao capitalismo é ainda uma incógnita. De resto, não se pode descartar, por mais trágica e extrema que seja, a hipótese de que talvez não esteja em poder do Homo sapiens desmontar a armadilha que seu engenho lhe armou. Em todo o caso, a primeira condição para enfrentar as crises ambientais presentes e futuras é colocá-las sem mais delongas e subterfúgios como o problema central e impreterível da humanidade. É precisamente isso o que o livro propõe. É encorajadora a célebre hipótese de Marx, formulada em 1859, segundo a qual “a humanidade só se coloca tarefas que pode resolver, pois (...) a própria tarefa surge apenas quando as condições materiais para sua resolução já existem ou ao menos estão em vias de se constituir”. Tomara que Marx esteja certo. Mas há uma questão prévia: a humanidade não será capaz de resolver o problema do colapso ambiental se não o reconhecer como tal ou se só o reconhecer quando ele tiver se tornado irreversível.


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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015 MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

despeito do avanço retórico e normativo da questão regional registrado durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010), o governo federal não criou meios concretos para implantar uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) no Brasil no período. A constatação é da tese de doutorado do gestor público federal Vitarque Lucas Paes Coêlho, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Fernando Cézar de Macedo Mota. “Dada a ausência de uma efetiva política nacional de desenvolvimento regional, como eixo aglutinador e articulador de ações, persistiu a guerra fiscal entre Estados e municípios, as iniciativas localistas e os particularismos na obtenção de recursos federais e na atração de investimentos privados”, afirma o autor do trabalho. Intitulada “A Esfinge e o Faraó: a política regional do governo Lula (2003-2010)”, a tese de Vitarque Coêlho procurou entender as razões pelas quais o governo federal não criou instrumentos adequados que permitissem às instituições com atuação no âmbito regional, como o Ministério da Integração Nacional, enfrentar as desigualdades regionais brasileiras. De acordo com o autor, houve avanços nas políticas regionais “implícitas”, por meio da ampliação de políticas sociais e previdenciárias, que tiveram maior impacto nas regiões mais atrasadas. “Entretanto, tal esforço não contribuiu para a definição de uma política de desenvolvimento socioeconômico que trouxesse autonomia às regiões. Houve transferência de renda, mas a dependência não foi superada”, analisa. Em sua pesquisa, Vitarque Coêlho discute as interpretações da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) acerca da natureza estrutural da economia brasileira, periférica e subdesenvolvida. De acordo com ele, a transformação estrutural brasileira é relativamente recente. Começou a tomar forma a partir do final da década de 1920, com o avanço da industrialização, sob o governo Vargas. “Na investigação, eu desenvolvo as ideias do professor Wilson Cano sobre a questão da liderança do Estado nacional para o desenvolvimento econômico. Segundo ele, em países subdesenvolvidos a força do capital privado é insuficiente para gerar investimentos que promovam uma transformação estrutural. Nesse caso, a participação do Estado é indispensável”, diz. Conforme o autor da tese de doutorado, a crise financeira dos anos 1980 e a hegemonia liberal delineada a partir dos anos 1990 promoveram o que ele classifica de esgarçamento do aparato de planejamento do Estado. “O que passamos a observar, a partir de então, é uma indefinição em torno de um projeto nacional de desenvolvimento, condição indispensável para a formulação de uma política de desenvolvimento regional. Em outas palavras, carecemos de um projeto de nação que possa orientar as políticas públicas, entre elas as de caráter regional”. De acordo com Vitarque Coêlho, o governo do presidente Lula poderia ter avançando em relação à pauta do desenvolvimento regional, mas o fez apenas timidamente. A ampliação do emprego formal e o aumento real do salário mínimo provocaram impacto regional positivo, sobretudo nas regiões mais pobres, concentradas no Norte e Nordeste do país. O mesmo ocorreu quanto à ampliação do Programa Bolsa Família (PBF). “Essas políticas contribuíram para a elevação da renda da população e deram maior dinamismo ao comércio e serviços. No entanto, boa parte desses efeitos virtuosos se manteve na esfera do consumo. Não houve, portanto, a formulação de uma política sustentável de desenvolvimento. Como o perfil de produção e o padrão tecnológico não foram alterados, persistiu o quadro de dependência econômica das regiões”, reforça o autor. Atualmente, conforme o pesquisador, observa-se uma fragmentação política e administrativa do Estado, o que impede a coordenação horizontal e vertical de políticas intersetoriais de planejamento público. “Sem dúvida, esse fator contribuiu para comprometer as intervenções desenvolvimentistas, sobretudo em regiões periféricas que exigem ações complementares e simultâneas, seja na provisão de infraestrutura social e econômica, seja na qualificação profissional ou apoio à inovação”. Ademais, observa Coêlho, os bons resultados econômicos obtidos pelos governos Lula, refletidos na ampliação do emprego formal, na retomada do crescimento e na diminuição da pobreza, levaram ao descrédito a necessidade da formulação de um projeto nacional de desenvolvimento. “Diversamente do ‘flagelo das secas’, no final dos anos 1950, que comoveu a nação e incentivou a criação da Sudene [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], sob o comando de Celso Furtado, o êxito das políticas sociais do governo Lula levou ao entendimento equivocado de que tudo ‘vai bem’ nas periferias, o que dispensaria a necessidade de uma política estruturada de desenvolvimento regional”. Estabelecer consenso em relação a uma política nacional de desenvolvimento, reconhece o pesquisador, não é uma tarefa trivial. Tal missão se torna ainda mais complicada em razão da já mencionada ausência do Estado como protagonista desse processo. “Mesmo nas economias centrais, a presença do Estado é fundamental. Afinal, é responsabilidade desse ente prover, por exemplo, uma moeda confiável, um sistema nacional de inovação e uma infraestrutura adequada ao crescimento econômico. Sem esses pressupostos, fica muito difícil superar o atraso”, entende. “A famigerada Esfinge, uma alegoria mitológica

À espera do desenvolvimento Estudo aponta que governos do presidente Lula não criaram meios concretos para a implantação de uma política nacional de avanço regional

Foto: Divulgação

Vitarque Coêlho, autor da tese: “Falta criar condições para transformar as economias locais”

dos mistérios que interditam a evolução humana, representa o monstro que conserva as seculares contradições do subdesenvolvimento brasileiro. O enigma que a Esfinge apresenta ao Brasil é o desafio da superação do atraso, dos interesses particularistas, da dependência financeira e tecnológica”, completa.

GUERRA FISCAL Diante da fragmentação das políticas públicas de desenvolvimento, acrescenta Vitarque Coêlho, estados e municípios buscaram alternativas às consequências da decisão do governo federal de abdicar, a partir dos anos 1980, de promover o planejamento para o desenvolvimento econômico. Uma das saídas encontradas foi a deflagração da chamada “guerra fiscal”, que consiste em oferecer benfeitorias e incentivos tributários, entre outras vantagens, para atrair empresas para seus territórios. O que decorre desse embate são leilões para decidir quem oferece mais para ter o direito de abrigar determinada empresa. “O problema desse tipo de iniciativa é que ela gera uma disputa espúria entre entes públicos pela atração de um ente privado, um torneio locacional onde o grande ganhador é o empresário capitalista, que tende a migrar quando os benefícios se extinguem. De todo modo, já não é possível continuar oferecendo tanto nesse sentido, seja em função das limitações fiscais dos estados e municípios, seja pela reversão recente das expectativas de crescimento”, aponta. Coêlho faz questão de destacar que as dificuldades para a formulação de uma política de desenvolvimento regional não têm relação com a falta de potencial das regiões. “Por décadas, o semiárido nordestino sofreu o escândalo da seca, sempre acompanhado por grave drama social. Isso exigiu uma política pública de enfrentamento dos problemas locais. Hoje, ainda existe seca, mas não há mais fome como havia, em grande medida graças ao Programa Bolsa Família. As pessoas estão mais bem alimentadas e educadas, mas não estão satisfeitas. Elas precisam de mais. Falta criar condições para transformar as economias locais. É preciso formatar políticas que incentivem, por exemplo, os produtores a inovar e agregar valor às suas atividades primárias, organizar coletivamente a produção e a comercialização, de modo a gerar mais e melhores empregos a partir de atividades econômicas sustentáveis e com forte potencial de crescimento”. Nessa linha, Coêlho assinala a importância de se estimular a agricultura familiar para potencializar as economias regionais. Nesse caso, é fundamental a oferta de uma rede de apoio aos produtores. “Até existem alguns canais disponíveis, como o Sebrae, a Embrapa e a Rede Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, mas falta diálogo entre as instituições, além de planejamento e financiamento adequados. Ainda precisamos construir uma narrativa comum e uma fonte confiável de recursos”, defende.

Um exemplo de ação possível, cita o autor da tese de doutorado, vem de projetos pilotos desenvolvidos pelo Ministério da Integração Nacional, em parceria com a Embrapa e a Codevasf [Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco]. O programa, chamado Rotas de Integração Nacional, apoia o fortalecimento de cadeias e sistemas produtivos regionais, com capacidade de transformar a economia das regiões mais pobres. No semiárido nordestino, o programa atua na profissionalização da cadeia produtiva da ovinocaprinocultura e da apicultura, entre outros setores estratégicos para inclusão produtiva. Na região Norte, é possível desenvolver o potencial da fruticultura, da piscicultura e da exploração sustentável dos princípios ativos da floresta amazônica, com vistas à produção de cosméticos e medicamentos fitoterápicos. Em Tauá, no Sertão de Inhamuns, no Ceará, os produtores de ovinos e caprinos, que recebem capacitação da Embrapa, organizaram-se para melhorar seus rebanhos e promover compras coletivas, de modo a reduzir os custos de produção. “O modelo tem funcionado bem, conta com participação dos municípios, do Estado, da Embrapa, entre outras instituições, mas é preciso garantir que os criadores tenham capacitação continuada, sob pena de o projeto ter vida curta. É aí que entra o diálogo e a ação coordenada, para não acontecer o que aconteceu na região do Amazonas, às margens do rio Solimões. Lá, foram adquiridos R$ 20 milhões em equipamentos para o fomento à piscicultura, que estão sem uso. Qual a razão? A comunidade de pescadores simplesmente não foi capacitada para desenvolver o projeto”. O grande desafio, finaliza Coêlho, é organizar uma atuação convergente do poder público nos territórios, o que requer liderança do Estado nacional, seja para alinhar as políticas federais, seja para construir um pacto federativo para o desenvolvimento, com a atribuição de competências para a União, Estados e municípios. “O mercado é incapaz de soldar esta aliança federativa. Porém, como diria o professor Wilson Cano, este esforço não ocorrerá sem a definição de um Projeto Nacional de Desenvolvimento, que representa nada menos que a construção do nosso ‘ideal de nação’”.

Publicação Tese: “A Esfinge e o Faraó: a política regional do governo Lula (2003-2010)” Autor: Vitarque Lucas Paes Coêlho Orientador: Fernando Cézar de Macedo Mota Unidade: Instituto de Economia (IE)


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Uma pantomima

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que prenuncia guerras ma palhaçada precursora de guerra, ou melhor: guerras. Assim pode ser definido o “excelente trabalho de equipe” 1 realizado nesses últimos meses pelos governos dos países da União Europeia para responder à carnificina de emigrantes da África, ocorrida em 19 de abril, no Canal da Sicília, além de dezenas de outras registradas depois. É uma autêntica palhaçada, porque essa interminável sequência de reuniões de “alta cúpula” expressa tão somente a negociação entre os diferentes países da União Europeia sobre onde “alocar” 20 mil (!) solicitantes de refúgio que moram em campos de refúgio fora da União Europeia e sobre como “repartir” entre os Estados membros os solicitantes de refúgio que já se encontram em território europeu. Os 20 mil são um número ínfimo, porque a massa de prófugos 2 em fuga de guerra e de guerras civis, que está em movimento para a Europa pela extensa faixa de território da África e do Oriente-Médio3 , é estimada em milhões (há 500 mil somente na Líbia, segundo B. Leon, encarregado da ONU); também por causa dos 321.800 pedidos de refúgio, solicitados somente nos primeiros meses de 2014, considerando a Alemanha, Suécia e Itália. Tudo indica que a decisão “humanitária” de acolher 20 mil solicitantes de refúgio “com evidente necessidade de proteção internacional” contém dentro de si a decisão de intensificar ao extremo a guerra aos refugiados e aos emigrantes, como mostraremos a seguir, em uma escala territorial cada vez mais ampla. Igualmente ridícula, e nauseante, é a negociação sobre os critérios das cotas dos solicitantes de refúgio nos diferentes países; uma negociação que toma como pressuposto, engenhosamente disseminado na opinião pública, que os refugiados são um custo a ser bancado pelos países europeus, quando, na verdade, constituem um investimento econômico e político com alta rentabilidade. Em primeiro lugar, para os circuitos legais (geralmente ligados às igrejas) e ilegais (geralmente ligados à administração pública) que fazem negócios – e que negócios 4 – com a gestão dos “centros de acolhimento” e o fornecimento de diversos tipos de serviços. Em segundo lugar, pelo fato de que uma cota crescente dos solicitantes de refúgio é utilmente destinada, por necessidade, a servir à economia dos baixos salários, em aumento em toda a Europa, bem como à produção informal; em ambos os casos, aumenta a força de trabalho de reserva, que é fundamental para a desvalorização da força de trabalho como um todo.5 Em terceiro lugar, em função das relações que são estabelecidas com os países de origem. Em quarto lugar, porque os refugiados representam um bode expiatório ideal para as campanhas xenófobas e racistas de Estado (não só para as direitas explicitamente anti-imigrantes), ao apresentarem esses refugiados como supostos parasitas que vivem nas costas das sociedades de “acolhimento” 6 ou, pior ainda, que escondem “terroristas infiltrados” (é a tese expressa pelo premiê italiano Renzi). No entanto, a pantomima das reuniões oficiais convocadas com urgência para “evitar outros mortos no mar”, em meio a um dilúvio de falsas lágrimas, não representa só uma palhaçada. Ao contrário! Ela coloca em prática um verdadeiro plano geral de guerra

Ilustração: Fábio Reis

PIETRO BASSO Especial para o JU

aos emigrantes da África e do Oriente Médio. Com os inúmeros navios, aviões de combate, drones, os bombardeios (talvez já iniciados) – isto numa extensa área de intervenção – os financiamentos triplicados para Frontex, Triton e Poseidon, além da operação em terra na Líbia, como mostrou o The Guardian. E também com a intervenção militar e “civil” (isto é: de serviços secretos e de companhias militares privadas) no Níger, na Nigéria e em todos “os países de origem das migrações”. Da mesma forma, com a estreita colaboração entre Europol, Frontex, Easo, Eurojust para aumentar a pressão dos controles de polícia sobre os imigrantes. E, ainda, com a retenção das impressões digitais de todos. Com a multiplicação dos campos de detenção, dentro e fora das fronteiras europeias. Por fim, com o megaprograma, apoiado no braço armado da Frontex, para “expulsar rapidamente os indocumentados”. Foto: Universitá Ca’ Foscari/Divulgação

Pietro Basso é professor de Sociologia da Università Ca’ Foscari, onde é diretor do Master sull’Immigrazione. Um dos mais qualificados pesquisadores do tema na Europa, é autor de vários livros e artigos

Qual é o objetivo de tudo isso? Mogherini respondeu com uma hipocrisia ímpar: “enfrentar as causas na raiz de sua emergência, destruindo as organizações criminosas e ajudando os migrantes a fugir das suas mãos” 7. Todavia, na raiz dessa “emergência” – que não é propriamente uma emergência, pois perdura há muitas décadas e está destinada a durar por longo tempo – se encontram os Estados da União Europeia que, junto com os Estados Unidos e Israel, estão mais do que nunca dispostos a esfolar vivos os povos da África; que semearam e estão semeando guerra, morte, miséria, caos, doenças, terror nos ângulos mais remotos do mundo árabe e islâmico, atiçando todo tipo de ódio, étnico e religioso; que são, no fim das contas, há séculos, os verdadeiros grandes traficantes de escravos, que se utilizam dos proprietários de barcos e de contrabandistas 8 de forma semelhante à que os chefes da máfia se utilizam de seus membros do estrato mais baixo da filiação criminosa, os picciotti, quando eventualmente não os matam. “Libertar” os emigrantes das mãos dos pequenos traficantes? Quando toda a operação aplicada serve a reforçar as garras dos Estados europeus e das empresas europeias sobre a carne e a vida dos emigrantes, a dificultar a entrada na Europa, a intensificar capilarmente os controles e a aumentar os mortos no mar, com o fim preciso de aterrorizar e disciplinar certeira e silenciosamente os sobreviventes! Graças às políticas “Fortress Europe”, o Mediterrâneo se tornou a via de emigração mais perigosa do mundo. E as recorrentes – e cada vez maiores – carnificinas de emigrantes não são, como defende, B. Spinelli “war crimes and massacres in times of peace” da Europa em razão de a Europa ser culpada do “failing of rescue” 9. Elas existem de fato porque o capitalismo, o imperialismo europeu, é diretamente responsável como o primeiro mandatário dessa carnificina. E as medidas “extraordinárias” que serão colocadas em prática, com o consenso ou não da ONU, com o consenso ou não dos governos-fantoche da Líbia de hoje

e de outros países da região, jogarão outras montanhas de cadáver não só no Mar Mediterrâneo, mas em toda a área que os governos europeus consideram como o “quintal da nossa casa”. O que se tem em vista é a maior repulsão em massa da história recente, tem-se em vista uma nova série de guerras contra os povos africanos e árabes. A que se deve tamanha fúria? Além da necessidade vital das empresas europeias de se apropriar dos recursos naturais daqueles territórios e de dispor de novos, grandes contingentes de trabalhadores a baixo custo e sem nenhum direito, também à necessidade dos Estados europeus, com a ferocidade e astúcia dos velhos poderes coloniais, de continuar a reprimir diretamente – não bastando a isso os Sisi, os fétidos monarcas petroleiros, os Assad e todo o resto – a insurgência das massas árabes, que, da Tunísia e do Egito, se propagou nos últimos anos até o Bahrein, o Yemen, a Síria, e mesmo as zonas das petromonarquias; à necessidade de esmagar com sangue toda tentativa de resistência que tenha conteúdo (mesmo que confusamente) anti-imperialista; e à necessidade de bloquear a estrada dos velhos e novos concorrentes da Europa. O “excelente trabalho de equipe” desempenhado recentemente pelos funcionários do capital europeu e global anuncia novas tragédias. Conseguiremos combatê-las somente saindo da indiferença e da passividade que hoje aprisionam, além dos trabalhadores, também as forças anticapitalistas na Europa. Somente denunciando as verdadeiras causas de fundo dessas tragédias e a política europeia que as reproduz infinitamente, sem cair nas suas variantes “humanitárias” e “papais”. Somente colocando em prática uma solidariedade incondicionada aos emigrantes, aos imigrantes, aos refugiados e às suas lutas, e aos movimentos de resistência ao neocolonialismo europeu e às suas novas empresas de guerra na África, no Oriente Médio e na Europa do Leste. Trata-se de um longo e árduo empenho de luta que demandaria também, para a nossa linha de frente, um “trabalho de equipe” internacionalista.

São palavras de Federica Mogherini, representante das relações externas da União Europeia. Cada prófugo é, ou se torna, um refugiado ou um solicitante de refúgio, sendo que a massa de prófugos é maior, até mesmo muito maior, daquela de refugiados. 3 Para não falar do Afeganistão ou do Kosovo, outras importantes fontes de solicitantes de refúgio, assim como todos os países “libertados” pela OTAN. Além disso, o crescimento das migrações forçadas por razões políticas (refugiados, solicitantes de asilo, deslocados forçados) se mostra uma tendência em escala mundial nos últimos anos (UNHCR, Asylums Trends 2014. Levels and trends in industrialised countries, Geneva, 2015). 4 S. Buzzi, um dos principais representantes do circuito criminoso flagrado pela operação “Máfia capitale”, de dezembro de 2014, dirigente de algumas cooperativas encarregadas do business das estruturas para solicitantes de refúgio, em uma das suas conversas telefônicas afirmou: “se ganha mais com os imigrantes [neste caso, com os solicitantes de refúgio] do que com o tráfico de drogas” (Il fatto quotidiano, 2 dez. 2014). 5 O Ministro italiano A. Alfano foi além... além do salário (seja aquele baixo ou informal), com a seguinte proposta: “Devemos pedir às Prefeituras para aplicar a nossa circular que permite obrigar os imigrantes a trabalhar gratuitamente. Ao invés de ficarem lá sem fazer nada, que os obriguem a trabalhar” (L’Huffington Post, 7 maio 2015). Ninguém conhecia essa circular, secreta como todas as circulares. Esse episódio clamoroso, silenciado de imediato, demonstra mais uma vez o quanto a presença dos trabalhadores imigrantes e dos refugiados está sendo submetida aos arbítrios das medidas administrativas (I. Gjergji, Circolari amministrative e immigrazione, Milano: Angeli, 2013). 6 Quando, ao contrário, a imigração significa sempre uma (grande) vantagem para os países que a recebem. Não me refiro só à superexploração do trabalho dos imigrantes e das imigrantes pelas empresas e por parte das famílias (quase sempre) de classes altas; refiro-me também às contribuições dos imigrantes aos caixas dos Estados, iguais ou maiores que as dos trabalhadores assalariados nacionais. Por exemplo, o Dossier Statistico Immigrazione 2014, constatou que, na Itália, em 2012, o balanço entre os valores dispensados pelos imigrantes ao Estado e os recebidos em bens, transferências e serviços (incluídos os “salvamentos em mar”) é negativo de quase 4 bilhões para as populações imigrantes (16,5 bilhões de euros contra 12,6). Mas, como demonstrou G. De Michele, os prejuízos são efetivamente muito mais significativos do que os 4 bilhões de euros (Immigrati: costi e numeri, quelli veri, 17 nov. 2014, www.carmillaonline.com). 7 Cf: www.repubblica.it/esteri, 13 maio 2015. 8 Diferente da imagem propagada pela grande mídia, há também italianos entre os contrabandistas. Cf: Non solo immigrati, anche italiani tra gli scafisti, www.ilgiornaleditalia.org, 7 maio 2015. 9 Cf: B. Spinelli, Why Do We Need the UN, Il sole 24 ore, 21 abr. 2015. 1 2

Tradução de Patricia Villen.


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Destaque

do Portal

UPA de muitos sotaques DIRETO DA BAHIA

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

ejam muito bem-vindos à Unicamp. Desfrutem da nossa estrutura, pois queremos vê-los como nossos alunos no futuro. A mensagem foi transmitida na manhã do último dia 29 pelo coordenador-geral da Unicamp, professor Alvaro Crósta, na abertura da Unicamp de Portas Abertas (UPA), evento anual que recepciona estudantes de todo o Brasil, principalmente do ensino médio, interessados em conhecer a Universidade e os cursos que ela oferece. A cerimônia, que contou com a presença de diversos dirigentes da instituição, foi acompanhada por centenas de jovens, de diversas origens e sotaques. Em sua fala, o coordenador-geral afirmou aos upeiros que o objetivo do evento é abrir as portas da Unicamp para que eles conheçam as diferentes facetas da Universidade. “Fiquem à vontade para visitar nossas faculdades, institutos, laboratórios, museus e bibliotecas. Também não deixem de se informar sobre o nosso Vestibular e sobre os programas de inclusão social que mantemos”, convidou o professor Crósta. De acordo com o dirigente, a UPA é uma grande oportunidade para a Unicamp se apresentar aos estudantes de ensino médio de todo o país, especialmente os matriculados em escolas públicas. “Queremos atrair os melhores talentos, estejam onde estiverem”, afirmou. O assessor da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU) e coordenador executivo da UPA, José Reinaldo Braga, também deu boas-vindas aos visitantes e destacou que o evento somente é possível graças ao trabalho de cerca de 2 mil pessoas. Braga destacou que foi criada uma ampla estrutura para receber e orientar os upeiros. O Veículo Interno de Atendimento em Saúde (VIDAS), recém-adquirido pela Universidade, foi posicionado nas imediações do estacionamento do Ginásio da Universidade, onde se concentrou a maior parte dos participantes da UPA. No local, ocorreram diversas apresentações artísticas e culturais, na Tenda de Recepção. Alunos do Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), supervisionados por um professor, operaram um drone, atividade que chamou a atenção do público. O equipamento é utilizado em um projeto multidisciplinar de monitoramento de áreas verdes de Campinas. Conforme o coordenador-geral da Unicamp, na véspera da abertura da UPA, o Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) iniciou suas ações relacionadas ao evento, que tiveram continuidade neste sábado. Uma das atrações foi a participação de medalhistas da Olimpíada Brasileira de Matemática em atividades de integração com os upeiros.

Painel da semana  Modelagem preditiva em alimentos - De 8 a 12 de setembro ocorre no Rio de Janeiro a 9ª Conferência Internacional sobre Modelagem Preditiva em Alimentos (9th ICPMF). O evento é organizado pelo professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, Anderson de Souza Sant’Ana; pelo Comitê Internacional sobre Modelagem em Alimentos e pela Elsevier. A conferência tem como objetivo discutir as questões de qualidade e de segurança alimentar enfrentados globalmente através de abordagens quantitativas abrangendo modelagem preditiva e risco. O evento é aberto a pesquisadores, professores, jovens cientistas, estudantes, agências governamentais e ao setor da indústria de alimentos. Serão discutidos temas relevantes no campo e para o avanço da divulgação e maior aplicação de modelagem preditiva e de risco para melhorar a qualidade e segurança dos alimentos. Para mais detalhes e inscrições, acesse o site do evento http://icpmf9.com/  Família, negócios e riqueza em Campinas 17791900 - Tema estará em debate no dia 9 de setembro, às 13 horas, no auditório do Núcleo de Estudos da População (Nepo). A organização é da professora Maísa Faleiros. O evento faz parte da série de seminários Tempo de Debate. Outras informações: 19-3521-0363.

Logo pela manhã, centenas de ônibus, vãs, micro-ônibus e automóveis particulares já circulavam pelo campus de Barão Geraldo, trazendo adolescentes ávidos por conhecer detalhes sobre a Unicamp. Por volta das 9h, um grupo de 13 estudantes do 9º ano da Escola João Paulo I, de Feira de Santana, na Bahia, desembarcou no estacionamento do Ginásio da Universidade. Acompanhados por cinco professores, os jovens percorreram 1.800 km para visitar faculdades e institutos e participar de palestras. De acordo com a professora Edinália Aquino, a viagem a Campinas faz parte de um dos programas pedagógicos da escola, intitulado Projeto Vida. “Nesse projeto, nós orientamos os alunos acerca do seu futuro. A abordagem não está voltada somente à formação profissional do estudante, mas também à sua formação como cidadão, que terá a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade”, explicou a educadora. Junto com ela, também vieram para participar da UPA os seguintes professores: Rita de Cássia Braz, Alzeni Azevedo, Valmir Mota e Elisabeth Vasconcelos.

Entre os alunos da escola baiana, uma das mais entusiasmadas com a UPA era Amanda Portugal, que pretende fazer Medicina, preferencialmente na Unicamp. “Tenho interesse na área de neurologia. Pretendo ser uma neurocientista. Acho muito interessante que a Unicamp abra as portas para que a gente possa conhecer os seus vários cursos e pesquisas. Adoraria vir estudar aqui, numa das melhores universidades do país, localizada numa das maiores cidades brasileiras”, considerou. Sarah Cerqueira, da mesma escola, disse que aproveitaria o dia para se informar sobre as áreas de Medicina e Economia. “Quero assistir a uma das palestras que tratará sobre a atual situação econômica do país. Nós estamos atravessando uma crise, que deverá se estender por mais tempo. Acho importante saber o que podemos esperar no futuro próximo”, ponderou. Já Lucas Fraga estava ansioso por conhecer os cursos e pesquisas nas áreas de Medicina e de engenharias. “Ainda estou em dúvida sobre qual será a minha escolha, mas espero sair daqui com informações suficientes para fazer essa opção”, declarou. Fotos: Antonio Scarpinetti

Cenas da edição deste ano da UPA: Universidade recebeu milhares de estudantes de todo o país

 (Des)Equilibrando avessos - O Grupo Dançaberta estreia no dia 10 de setembro, no auditório do Instituto de Artes (IA), às 20 horas, o espetáculo de dança contemporânea “(Des)Equilibrando avessos”. O espetáculo, que permanecerá no local até o dia 12, é dirigido pela professora Julia Ziviani. O show foi livremente inspirado no livro “Mulheres que correm com os lobos”. Mais detalhes pelo telefone 11-98376-9343 ou e-mail iatemoteo@gmail.com  Panorama da Música Brasileira - Murillo Santos é o próximo compositor que será homenageado na série Panorama da Música Brasileira, evento organizado pelo Ciddic e pela Orquestra Sinfônica da Unicamp (OSU). A apresentação ocorre no dia 10 de setembro, às 12h30, no Espaço Cultural Casa do Lago. A entrada é livre e a regência será da maestrina Cinthia Alireti. Santos foi homenageado recentemente pela Academia Brasileira de Música com a Medalha Villa-Lobos, na categoria compositor, pelo conjunto de sua obra. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5025 ou e-mail alireti@unicamp.br  Oficina de diagramação de material de apresentação - A Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU) receberá, até 11 de setembro, as inscrições para uma Oficina de Diagramação de Material de Apresentação (elaboração de bâneres e apresentações em PowerPoint) como forma de estímulo para as apresentações de trabalhos no 2º Congresso de Extensão da Associação do Grupo Montevideo (AUGM). O Congresso, que também está com inscrições abertas (http://www.preac.unicamp.br/augm/ inscricoes.html), ocorre entre 9 a 12 de outubro, no Centro de Convenções da Unicamp. A AFPU oferece 100 bolsas para o evento. Para a Oficina, a Agência está oferecendo 70 vagas. As aulas estão programadas para ocorrer nos dias 16 e 17 de setembro, das 13 às 17 horas, no auditório 1 da unidade. Interessados em participar devem procurar o representante de treinamento da unidade/órgão para fazer a inscrição. Mais informações sobre a Oficina podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-4507 ou e-mail afpu@reitoria.unicamp. br. Para inscrições e outros detalhes sobre o Congresso de Extensão da AUGM acesse o link http://www.preac.unicamp.br/augm/  Corrida e caminhada da FCM - A I Corrida e a VIII Caminhada da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Unicamp acontecem no dia 13 de setembro (domingo), às 7 horas, no campus da Unicamp. Para a caminhada o percurso será de 5 Km. Já os apaixonados pela corrida poderão participar dos percursos de 5 e 10km. Para participar basta realizar inscrição pelo site da FCM e levar 1 kg de alimento não perecível no dia da corrida. O recebimento das doações acontecerá às 7 horas, quando também ocorre a retirada das camisetas para os primeiros 300 inscritos. Mais detalhes pelo link http://www.fcm.unicamp.br/fcm/i-corrida-e-viii-caminhada-da-fcm. Outras informações: 19-3521-8968.

Eventos futuros  Trilhas musicais de Moacir Santos - Fruto de pesquisas acadêmicas realizadas na Unicamp, no dia 14 de setembro, às

9 horas, no Instituto de Artes (IA), será lançado o site do Projeto Trilhas Musicais de Moacir Santos. O objetivo é levar ao público diversas transcrições em partitura de algumas das trilhas musicais compostas por Moacir Santos para o cinema brasileiro, no início da década de 1960 (Seara Vermelha, Ganga Zumba, Os Fuzis e O Beijo). Além disso, outras informações complementares formam o conteúdo do projeto, de modo a ser um ponto de referência sobre o tema, de acesso universal e gratuito. As partituras foram transcritas por Lucas Zangirolami Bonetti e revisadas por renomados músicos, como: Nailor “Proveta”, André Mehmari, Ari Colares, Fernando Corrêa, Fernando Hashimoto, Paulo Moura, Douglas Berti, Sérgio Schreiber e Marisa Silveira. Nos últimos anos a obra de Moacir Santos vem sendo recorrentemente resgatada, com uma expressiva quantidade de trabalhos artísticos e acadêmicos. O lançamento é apoiado pelo Rumos Itaú Cultural e pela Fapesp. Mais informações: 11-99392-9342 ou e-mail lucaszanbonetti@gmail.com  Desenvolvimento econômico e governança de terras - Seminário acontece nos dias 14 e 15 de setembro, no auditório do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O evento é organizado pelo professor Bastiaan Philip Reydon. A abertura será às 9 horas. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5716, e-mail mmessias@eco.unicamp.br ou site http://www3.eco.unicamp.br/nea/ nucleo/146-destaque/522-seminario-desenvolvimento-economico-e-governanca-de-terras  Dimensões da utopia: história e topografia de uma ideia - Curso será ministrado por Gianluca Bonaiuti, da Università Degli Studi di Firenze (Itália), de 15 de setembro a 6 de outubro, às terças-feiras, das 14 às 18 horas, na Sala de Colegiados do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Com carga horária de 20 horas, é aberto à comunidade da Unicamp. Para se inscrever envie nome completo para o e-mail eventos@iel.unicamp.br.  Artigos para a Conception - Publicação online do Programa de Pós-graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes (IA) receberá, até 15 de setembro, artigos e resenhas para a sua próxima edição com o tema Hibridismos e fricções. Artistas, pesquisadores e professores de Artes da Cena ou áreas afins, podem enviar as suas reflexões no formato de artigos, resenhas ou documentos artísticos (fotos, vídeos e relatos de processos artísticos). A revista também aceita artigos e resenhas em fluxo contínuo fora desta temática. Conceição/Conception é um periódico semestral, que abrange os campos do teatro, da dança e da performance. Mais informações no link http://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/ppgac  Prêmios Santander Universidades - Está lançada a temporada de inscrições para a 11ª edição dos Prêmios Santander Universidades, por meio dos quais são incentivadas ideias e projetos de alunos, professores, pesquisadores para a valorização da gestão das Instituições de Ensino Superior no Brasil. As inscrições podem ser feitas no site: www.santanderuniversidades.com.br/premios, até 17 de setembro.  Exposição de mosaicos - O Espaço Cultural Casa do Lago recebe, de 18 de setembro a 1º de outubro, em sua Galeria, a exposição “Mosaico, vida e arte! Cada um de nós, um mosaico”, da artista Sandra Racy. A expositora é natural de Pirajuí-SP e começou

a se interessar por mosaicos há quatro anos. A mostra pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 22 horas, na rua Érico Veríssimo 1011, no campus da Unicamp . Entrada livre.

Teses da semana  Computação - “Disseminação de dados em redes veiculares com diversas condições de tráfego de veículos” (mestrado). Candidato: Ademar Takeo Akabane. Orientador: professor Edmundo Roberto Mauro Madeira. Dia 9 de setembro de 2015, às 14 horas, na sala 85 do prédio IC 2 do IC.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Implementação de simulador numérico de propagação hidráulica de fratura plana em meio tridimensional multicamadas” (doutorado). Candidato: Paulo Cesar de Alvarenga Lucci. Orientador: professor Philippe Remy Bernard Devloo. Dia 11 de setembro de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses 3 da FEC.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Fabricação de matrizes de multieletrodos (MEAs) de 60 canais para futuro uso em culturas de células neurais” (mestrado). Candidata: Vanessa Pereira Gomes. Orientador: professor Jacobus Willibrordus Swart. Dia 11 de setembro de 2015, às 14 horas, na FEEC.  Engenharia de Alimentos - “Mecanismos de estabilização de emulsões contendo leveduras” (mestrado). Candidata: Thais Caldas Paiva Moreira. Orientadora: professora Rosiane Lopes da Cunha. Dia 8 de setembro de 2015, às 9 horas, no salão nobre da FEA. “Avaliação das propriedades antioxidantes presentes no extrato de batata doce roxa (Ipomoea batatas (L.) iam)” (mestrado). Candidata: Yanett Noemi Villanueva Pari. Orientadora: professora Glaucia Maria Pastore. Dia 11 de setembro de 2015, às 9h30, no auditório do Departamento de Ciências doa Alimentos da FEA. “Aplicação de micro-ondas na estabilização de farelo de arroz” (mestrado). Candidata: Camila dos Santos Ribeiro de Souza. Orientadora: professora Neura Bragagnolo. Dia 11 de setembro de 2015, às 14 horas, no auditório do Departamento de Ciências dos Alimentos da FEA.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Topologia das folheações e decomposição de fluxos estocásticos” (doutorado). Candidato: Alison Marcelo Van-Der-Laan Melo. Orientador: professor Paulo Regis Caron Ruffino. Dia 11 de setembro de 2015, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Química - “Desenvolvimento de biossensores do tipo transistor de efeito de campo e base de grafeno (GraFETS) decorados com nanopartículas de ouro aplicados na detecção ultra-sensível de biomarcadores de câncer de mama” (doutorado). Candidata: Cecilia de Carvalho Castro e Silva. Orientador: professor Lauro Tatsuo Kubota. Dia 9 de setembro de 2015, às 14 horas, no Miniauditório do IQ.


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Smartphone mede tremor de Parkinson Pesquisadora realizou ensaios mecânicos para verificar precisão de sensores do equipamento LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

doença de Parkinson é um transtorno de causa desconhecida que aparece a partir da dos 50 anos de idade e atinge aproximadamente uma em cada mil pessoas desta faixa etária. O tremor dos braços, mesmo em estado de repouso, afeta cerca de 70% dos pacientes – há outros sintomas como lentidão, redução ou perda de movimentos, rigidez e anomalias posturais. O uso do smartphone como dispositivo de medição da aceleração devida ao tremor na doença, abrindo a possibilidade de autodiagnostico para acompanhar a evolução do quadro e o efeito da medicação, foi o objeto da pesquisa de mestrado apresentada por Amanda Pe López na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). A dissertação intitulada “Medição do tremor da doença de Parkinson com smartphone e estimativa das forças de controle

para sua atenuação” teve orientação do professor Alberto Luiz Serpa e coorientação do professor Ricardo Barros, da Faculdade de Educação Física (FEF). “No atendimento ao paciente, geralmente não se mede o tremor, faz-se apenas uma inspeção visual. Quantificar o tremor seria importante para verificar mudanças nos dados em relação à medição anterior, numa avaliação mais objetiva. Como o tratamento envolve medicamentos pesados, é preciso atenção do especialista quanto ao aumento da dosagem para não prejudicar o paciente”, afirma a autora da pesquisa. Amanda López explica que os smartphones de hoje já possuem recursos que permitem estudar o movimento do tremor em repouso. No caso, recorreu ao modelo Samsung Galaxy SII, que dispõe de acelerômetro e giroscópio, os dois sensores testados. “Este celular possibilita a aquisição simultânea, o armazenamento e a exportação de dados para que sejam trabalhados em um computador. Estamos propondo uma primeira metodologia, em que validamos o smartphone realizando experimentos mecânicos e também Foto: Antoninho Perri

O professor Alberto Serpa, orientador, e Amanda Pe López, autora da tese: testes feitos no Hospital de Clínicas da Unicamp

com pacientes, que simplesmente seguravam o celular para medirmos a aceleração por conta do tremor.” Para o professor Alberto Serpa, a popularização do smartphone torna a solução bastante prática, com o doente de Parkinson verificando o comportamento da doença na própria casa, a exemplo do aparelho medidor de pressão arterial. “A vibração é um tema usual na mecânica e a associação com Parkinson, utilizando uma ferramenta de baixo custo em relação à instrumentação específica e que permite o autodiagnostico, foi o que motivou esta parceria com a FEF”, recorda, em alusão à ideia do professor Ricardo Barros para que a aluna procurasse o Departamento de Mecânica Computacional da FEM para viabilizar o desenvolvimento do projeto. Amanda López realizou ensaios mecânicos para verificar se os sensores contidos no smartphone eram adequados e depois comparou estas medições com outros obtidos através de câmeras de vídeo – técnica denominada cinemetria, que possibilita uma análise biomecânica quantitativa dos movimentos humanos. “Os instrumentos do Laboratório de Instrumentação Biomecânica da FEF são mais precisos, mas bastante caros e utilizados para experimentos na área acadêmica. Marcam-se seis pontos anatômicos no membro superior e três pontos no celular, verificando-se a posição desses elementos reflexivos num software de reconstrução. A comparação comprovou a acurácia com que o smartphone mediu os movimentos.” No Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, a autora da dissertação fez testes com pacientes do Ambulatório de Distúrbio do Movimento, onde encontrou grande receptividade também por parte dos profissionais da saúde. “Como os testes foram na clínica de neurologia e havia outros pacientes além de Parkinson, os funcionários me ajudaram muito indicando aqueles que se encaixavam em nosso projeto. O paciente ficava com o membro superior sobre o braço da cadeira, deixando os músculos em repouso e segurando o celular; iniciado o tremor, bastavam dez ou quinze segundos para se medir o sinal de aceleração.”

Alberto Serpa adianta que o próximo passo é criar um aplicativo onde seja feito um histórico das medições do tremor, a fim de avaliar objetivamente a progressão da doença. “Precisamos definir os limites críticos, quanto o tremor está mudando e em quanto tempo, com o usuário realizando a medição com frequência para que nosso software comprove possíveis alterações. Este foi apenas um primeiro trabalho para avaliar o celular como um instrumento simplificado de medição e mostra sua viabilidade para outros movimentos.” Ainda conforme o professor, os tremores causados por Parkinson – não apenas em repouso, mas de diferentes tipos – são a causa do estigma que envolve os pacientes e, portanto, de exclusão social. O grande número de afetados tem motivado muitos estudos visando entender mais detalhadamente tais movimentos involuntários e atenuá-los. O outro foco desta dissertação esteve na síntese de um controlador para atenuação da flexão-extensão do punho, o movimento de maior amplitude em relação aos demais. Amanda López informa que foi feita uma modelagem simplificada do membro superior visando facilitar a compreensão e o estudo do movimento do tremor e a localização das forças atuantes na mão. “O conhecimento das forças necessárias para atenuar a vibração pode levar, no futuro, ao desenvolvimento de dispositivos para compensá-la, como por exemplo, um sistema eletromecânico atuante sobre a mão, trazendo maior conforto para o doente de Parkinson.”

Publicação Tese: “Medição do tremor da Doença de Parkinson com smartphone e estimativa das forças de controle para sua atenuação” Autora: Amanda Pe López Orientador: Alberto Luiz Serpa Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

Dentista avalia eficácia de anestésico ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

nestésicos locais são fármacos bastante empregados no controle da dor em procedimentos clínicos nas áreas de Medicina e de Odontologia, isso porque bloqueiam os canais de sódio, o que impede o trajeto dos impulsos nervosos que seriam conduzidos ao sistema nervoso central. Dentre os anestésicos mais utilizados, estão as amidas, grupo no qual se destacam a lidocaína, bupivacaína, ropivacaína, mepivacaína, prilocaína e articaína. A articaína, que se desponta no mercado como uma das mais novas drogas, apresenta uma boa difusão e uma rápida biotransformação. Apesar dessas características interessantes, o seu uso ainda está associado a complicações locais, como a parestesia (anestesia persistente com duração além da esperada), e a uma maior sensibilidade pós-operatória que a lidocaína. “Esses sintomas estão associados à alta concentração (4%) ao se administrar a articaína”, explicou a pesquisadora.

Publicação Tese: “Biocompatibilidade, perfil de permeação e eficácia anestésica de formulações de articaína associada a nanocápsulas de Poli (Epson-Caprolactona)” Autora: Camila Batista da Silva de Araujo Candido Orientadora: Maria Cristina Volpato Coorientadora: Michelle Franz Montan Braga Leite Colaboradores: Leonardo Fraceto e Nathalie Melo Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)

Sistemas de liberação como as nanocápsulas têm sido sugeridos na esperança de melhorar a disponibilidade e diminuir a toxicidade dos fármacos. Neste estudo, o uso da encapsulação em poli(ε-caprolactona), polímeros biocompatíveis e biodegradáveis, diminuiu a toxicidade da articaína em células epiteliais e aumentou a sua permeação. Com isso, demonstrou uma possível aplicação futura em anestesia tópica, segundo concluiu a dentista Camila Batista da Silva de Araujo Candido em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP). A doutoranda testou no seu trabalho a citotoxicidade da articaína associada a nanocápsulas, bem como avaliou a sua eficácia anestésica em tecidos inflamados, além da sua capacidade de permeação. A ideia era saber se uma formulação da articaína, associada à nanocápsula de poli(ɛcaprolactona), com ou sem epinefrina (adrenalina), teria ganhos em relação à articaína sem aditivos. Na prática, todos os anestésicos apresentam uma melhor eficácia ao se associarem a um vasocontritor como a epinefrina, pois a toxicidade diminui e a duração da anestesia aumenta. Camila escolheu esse tema com base nos trabalhos que fez envolvendo fármacos e carreadores tanto na iniciação científica como no mestrado. Sua finalidade era reduzir a toxicidade e os efeitos indesejáveis da droga, bem como melhorar a biodisponibilidade. Seu estudo de doutorado foi orientado pela professora Maria Cristina Volpato, coorientado pela professora Michelle Franz Montan Braga Leite e contou com a colaboração do professor do Departamento de Engenharia Ambiental da Unesp-Sorocaba Leonardo Fraceto e de sua aluna Nathalie Melo.

APLICAÇÃO

De acordo com a dentista, vários autores consagrados na Anestesiologia, como Stanley Malamed, Daniel Haas e John Meechan, fize-

ram publicações sobre a articaína, mostrando um visível interesse da classe acadêmica neste anestésico. Sabe-se que, graças a algumas peculiaridades na sua estrutura química (como a presença do anel tiofeno na região hidrofóbica e do grupamento éster na região hidrofílica), a articaína apresenta características como uma maior difusibilidade quando injetada e uma menor meia vida plasmática, sendo mais rapidamente eliminada. A primeira característica garante à articaína a possibilidade de injeção infiltrativa na região posterior da mandíbula com o intuito de anestesiar os dentes desta região. Tendo a mandíbula um osso mais denso que a maxila, somente anestésicos com esse potencial de difusibilidade são efetivos quando esta técnica anestésica é adotada. Para outros anestésicos, como a lidocaína, a mepivacaína ou a prilocaína, a técnica adequada para anestesia dos mesmos dentes é a do bloqueio. As taxas de sucesso para anestesia infiltrativa giram em torno de 95% enquanto que, para as técnicas de bloqueio, este valor cai para 80% a 85%. Esta vantagem da articaína deve ser levada em consideração e utilizada quando possível, salientou Camila. Esse fármaco foi sintetizado em 1969 e comercializado pela primeira vez na Alemanha a partir de 1976. Para compreender a amplitude e o conhecimento sobre essa droga, a doutoranda realizou três experimentos. O primeiro procurou verificar a toxicidade da nova formulação em células epiteliais. O resultado foi que a pesquisadora notou que a articaína associada a nanocápsulas de poli(ɛcaprolactona) apresentava menor toxicidade que a articaína sem aditivos. O segundo experimento investigou o perfil de permeação das nanocápsulas em relação à articaína livre, através da mucosa do epitélio do esôfago de porcos (que é semelhante à mucosa oral dos humanos). A doutoranda observou um aumento do perfil de permeação da articaína em nanocápsulas comparativamente à articaína livre.

Estudo conduzido na FOP analisa biocompatibilidade da articaína O terceiro experimento incluiu um teste da eficácia anestésica em modelo animal em meio inflamado. A articaína associada à nanocápsula não apresentou taxas de sucesso e nem duração diferente da articaína livre. Entretanto, não foi testada somente a articaína associada a carreadores. Duas diferentes concentrações de articaína com epinefrina na concentração 1:200.000 também foram avaliadas e, como resultado, verificou-se uma concentração menor (2%) que a disponível comercialmente (4%). Mostrou ser uma boa alternativa em tecidos inflamados, ao passo que, uma menor concentração do sal anestésico, pode indicar uma menor toxicidade, sendo portanto exitoso o uso de uma menor concentração. O principal achado do estudo de Camila foi ter observado o aumento do perfil de permeação da articaína em nanocápsulas de poli(ɛ-caprolactona) em comparação à articaína livre. “A minha tese sugeriu um novo uso desse sal anestésico”, reforçou.

ATIVIDADE

O estudo confirmou que as nanocápsulas são bons carreadores para articaína, uma vez que os testes exibiram bons parâmetros de caracterização. Esta associação foi menos tóxica que a articaína sem aditivos em células epiteliais da linhagem HaCaT (muito utilizada para testes de toxicidade), mas não foi efetiva para o controle da dor em tecido inflamado. Mesmo sugerindo outros estudos, para que o conhecimento sobre o assunto avance, o trabalho de Camila já sinalizou que esta formulação é promissora para anestesia tópica.


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Campinas, 7 a 13 de setembro de 2015

No compasso do versionista Foto: Divulgação

Adriana Fiuza Meinberg, autora da dissertação: “A tradução de uma letra de música precisa lidar com um gênero que a teoria chama de híbrido, pois não se trata apenas de um texto linguístico, mas também de um texto musical”

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

arnavale di Venezia, Opus 10, composição do século 19 do violonista italiano Nicollo Paganini, pode não ser tão conhecida. Mas a cantiga de roda O meu chapéu tem três pontas, esta sim, está na boca do povo. E pode ouvir, caso tenha dúvida – trata-se da mesma melodia. Carnevale tornou-se uma cançoneta veneziana, e depois viajou para o além-mar, até aportar no Brasil, na bagagem de imigrantes italianos. Fascinação, imortalizada por Elis Regina, é originalmente uma canção popular francesa, da mesma forma que My Way, clássico de Frank Sinatra, de Sinatra tem “somente” a voz, colocada na versão inglesa de Comme d’habitude, de Claude François. As traduções de canções viajam o mundo recebendo, aqui e acolá, modificações e adequações para a língua de destino, com o objetivo de que possam ser cantadas e fazer sucesso, porque afinal de contas, é o que busca a maioria dos versionistas. Mas por que traduzir canções e o que seria uma boa tradução musical? A pergunta que “parece inútil, porque muitas vezes sequer sabemos que estamos ouvindo uma canção traduzida” nos ajuda a refletir sobre “aquilo a que estamos tão acostumados, que já naturalizamos, e acabamos por não mais escutar”, como afirma Adriana Fiuza Meinberg em sua dissertação de mestrado. De acordo com Adriana, seu trabalho, apresentado ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), é um dos poucos na área, considerando um tipo de tradução cantável de música que não é folclórica ou erudita, mas simplesmente popular. Além de tradutora, a autora da dissertação é cantora e conhecer música foi fundamental na hora de analisar as canções escolhidas para o trabalho. “A tradução de uma letra de música precisa lidar com um gênero que a teoria chama de híbrido, pois não se trata apenas de um texto linguístico, mas também de um texto musical”. Além de refletir sobre a tradução de canções populares, procurando entender quais fatores são levados em conta, a autora se preocupa com o ofício do versionista. “Não temos a definição de quem é esse profissional, que dificilmente é um tradutor. Há versões criadas por cantores, por poetas e até por jornalistas. Há inclusive, por incrível que possa parecer, o versionista que não conhece

música ou o idioma que ele está traduzindo”. Adriana conta que um dos principais tradutores que trabalhou nas músicas de Tom Jobim não conhecia o português. Para realizar a pesquisa Adriana definiu um corpus, formado por canções do disco chamado Brasil, de 1987, do quarteto vocal norte-americano Manhattan Transfer. O grupo gravou cinco canções de Djavan (Sina/Soul food to go; Asa/The zoo blues; Capim; Esquinas/So you say; e Água) duas de Ivan Lins (Arlequim desconhecido/Metropolis e Antes que seja tarde/ Notes from the underground), uma de Gilberto Gil (Bahia de todas as contas/ Hear the voices) e uma do Milton Nascimento (Viola Violar/ The jungle pioneer). Dentre as canções, somente Água foi gravada em português. “É um grupo vocal que desenvolve um trabalho de gênero jazzístico. Eles gravaram essas canções num período em que os EUA experimentaram o que foi chamado pelo produtor e músico Quincy Jones como a ‘segunda invasão brasileira’ na cultura musical norte-americana, após a Bossa Nova. Esses compositores, e alguns outros dessa mesma geração, começaram a entrar no mercado americano e havia muito interesse nesse novo mercado para os músicos brasileiros”, destaca. A pesquisadora esclarece que há uma diferença entre os termos versão e tradução. “Na área de Estudos de Tradução o ato de se traduzir do português para qualquer outro idioma é denominado de versão, enquanto que tradução nomeia o processo inverso. Contudo, aparentemente somente no Brasil, quando se trata de tradução de canções, usa-se a palavra versão. Nos outros países esse processo é tratado como uma tradução”.

SUCESSO

Fazer sucesso ou não será uma boa medida de avaliação das traduções? Adriana garante que quem conhece o outro idioma sabe da dificuldade que é encaixar na melodia as palavras da tradução. O mais trabalhoso é encaixar a tradução nas notas musicais. “A sílaba tônica, por exemplo, deve coincidir com o tempo forte dos compassos, e esse é um trabalho muito difícil de recriação artística. Traduções absolutamente fiéis, que têm muita relação com o original, às vezes ‘não acontecem’”. Pode ser o caso do trabalho do letrista brasileiro Carlos Rennó em traduções para o português de canções standarts norte-americanas. “O trabalho de tradução é primoroso, mas as músicas não fizeram

sucesso, com exceção de uma ou outra que constaram de trilhas sonoras de novela”. Uma das razões apontadas pela pesquisadora é que o mercado é quem determina como a tradução será feita e a repercussão depende dessa escolha.

TEORIA

O texto linguístico tem particularidades em relação ao texto musical. A pesquisa utiliza como referência o trabalho de dois teóricos, um deles Klaus Kaindl, professor da Universidade de Viena, que faz uma análise da tradução de canções populares via estudos culturais. “Ele diz que, em primeiro lugar, a razão para que seja feita uma versão é essencialmente comercial, mercadológica. Desse modo, se uma dupla sertaneja decide gravar a versão de uma canção, há vários elementos a serem levados em conta: o público desses artistas e sua expectativa, o gênero musical, os temas normalmente abordados nessas canções. Assim, o resultado da versão criada necessariamente deverá se adequar à realidade desses elementos”. O outro teórico bastante citado na dissertação, Peter Low, desconsidera como um trabalho de tradução, a substituição de textos. “O teórico trabalha especificamente com a relação entre texto linguístico e texto musical sem levar em consideração as forças exercidas pelo mercado, ou a participação de cantores e arranjadores quando a canção vertida é de fato executada”. Os dois pesquisadores oferecem trabalhos que se complementam para a compreensão do resultado de uma versão, observa a autora. “Klaus Kaindl defende que as versões são fruto não apenas do trabalho do versionista, mas que as escolhas feitas pelo arranjador e a personalidade musical do intérprete são também formas de tradução que acabam por influenciar essa versão. Ou seja, o versionista não é o único responsável pela versão das canções populares. Há um grupo de pessoas que divide uma coautoria dessas versões, até mesmo o empresário ou o produtor musical”. A coautoria ocorre até mesmo em canções interpretadas em um mesmo idioma, salienta Adriana. “Elis Regina criou uma versão para Saudosa Maloca completamente diferente daquela apresentada por seu compositor e intérprete Adoniram Barbosa, que por sua vez canta essa canção em tom irônico e em ritmo de samba. Elis Regina imprimiu a essa

canção uma interpretação muito dramática, destacando um problema social que é expulsão de posseiros de um pedaço de terra”. Também Milton Nascimento, em Crooner (1999), gravou canções relembrando a época em que se apresentava em bailes. Nesse disco, ele traz sua interpretação da canção Beat it, de Michael Jackson. “Ele trouxe a personalidade musical dele para esta música, arranjada pelo Wagner Tiso. O que se ouve não é apenas uma canção de muito sucesso e amplamente conhecida cantada em seu idioma original, mas um arranjo criado por um músico de outra cultura, com sua formação musical própria e um intérprete brasileiro que carrega suas próprias influências musicais”. Carlos Rennó, entrevistado pela autora, afirmou que em sua versão da canção I’ve got a crush on you, de Ira e George Gershwin, utilizou elementos nordestinos porque pensou em ter, como intérpretes, Elba Ramalho e Dominguinhos. O título em português ficou Tenho um xodó por ti. “Isso só confirma o fato de que o intérprete passa a ser coautor, ao lado do letrista e do arranjador. A versão em português traz sonoridades típicas da música nordestina, como o acordeão, por exemplo”, acentua Adriana.

BRASIL

Das músicas gravadas pelo grupo Manhattan Transfer para o disco Brasil, a pesquisadora destaca a canção Soul you say, versão homofônica (que tem o mesmo som) para a canção Só eu Sei, de Djavan. A letra em inglês procura levar em conta a sonoridade das palavras acima de sua significação. Nesta canção, a versionsita conseguiu dizer a mesma coisa, mas com outras palavras, conforme Adriana. “As traduções homofônicas são pouco comuns no Brasil. Além disso, tendemos a presumir que se privilegiou a semelhança fônica (sonora) em detrimento absoluto da carga semântica da letra original (seu significado). Contudo, foi justamente isso o que me chamou a atenção nessa versão. Ao cotejar versão e original, percebi que mesmo homofônica, a seu modo, a versionista Amanda Brown levou em conta a carga semântica da letra original ao tratar da mesma temática utilizando outras palavras”. Como o grupo se alinha ao gênero de jazz, as versões destacam – se pela sonoridade do arranjo, e pela preocupação com o texto musical. A versão dessa canção de Djavan é um dos exemplos que conseguem trabalhar igualmente texto linguístico, ou escrito, e o texto musical, que é o trabalho que engloba a melodia, interpretação e todas as características ligadas ao som. “Do ponto de vista da tradução cantável do texto linguístico de uma canção, trata-se de um trabalho de recriação poética e, portanto, absolutamente atrelado ao som, elemento fundamental da poesia. Letra e música passam a atribuir significação uma à outra”. A análise mostrou, sobretudo, que a tradução cantável de canções populares constitui um gênero que a autora considera de tradução “multimodal”, pois deve lidar com elementos verbais e não verbais.

Publicação Dissertação: “Tradução e música: versões cantáveis de canções populares” Autora: Adriana Fiuza Meinberg Orientadora: Maria Viviane do Amaral Veras Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

Fotos: Divulgação

A pesquisadora analisou canções vertidas para o inglês de Milton Nascimento, Djavan e Ivan Lins: “segunda invasão brasileira” no mercado norte-americano


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