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Campinas, 10 a 16 de agosto de 2015 - ANO XXIX - Nº 632 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antoninho Perri

SALÁRIOS

O FUTURO DA UNIVERSIDADE no centro do debate

Alcir Pécora | Armando Boito | Carlos Henrique de Brito Cruz | Eros Grau | João Quartim de Moraes | João Raimundo Mendonça de Souza | Marcelo Knobel | Marcelo Ridenti | Marcos Del Roio | Osvaldo Baffa Filho | Paulo Cesar Centoducatte | Paulo Cesar Montagner


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Campinas, 10 a 16 de agosto de 2015

Descompasso pode apequenar

as estaduais, alerta Brito Cruz Foto: Antoninho Perri

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

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fato de o teto salarial das universidades federais ser superior ao praticado no Estado de São Paulo representa um descompasso que “criará um direcionamento dos jovens mais brilhantes para as universidades em outros Estados, diminuindo o apelo das estaduais paulistas, justamente as melhores universidades do país. Isso não será bom para o desenvolvimento científico e tecnológico nem do Estado de São Paulo e nem do Brasil”, disse o ex-reitor da Unicamp e atual diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Henrique de Brito Cruz. “O problema não é haver um teto, é essa anomalia de o teto paulista ser menor que o federal”. O teto salarial praticado nas universidades federais é o do funcionalismo, fixado com base nos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e está em mais de R$ 33 mil. Já o teto estadual, vinculado ao subsídio do governador, é de R$ 21,6 mil. Na Unicamp, 6,6% do total de funcionários e docentes recebe acima do subsídio do governador, e 0,1% acima dos ministros do STF. “Vamos pensar no caso da cidade de São Carlos, onde há duas excelentes universidades – o campus da USP e a UFSCar. Ali, basta atravessar a estrada para ir de uma universidade onde o professor no topo da carreira ganha R$ 21 mil para outra onde o salário é R$ 33 mil. É algo que destoa de um valor muito caro ao mundo acadêmico, que é o mérito. E os professores das universidades paulistas estão submetidos a critérios de progressão na carreira que são bem mais rigorosos que os das federais”. Brito Cruz acredita quer uma solução desejável seria uma nacionalização do teto. “A educação é uma

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp e ex-reitor da Unicamp: “O problema não é haver um teto, é essa anomalia de o teto paulista ser menor que o federal”

em programas de Pesquisa para Inovação Tecnológica. Ainda em 2014, a Fundação encomendou ao Datafolha pesquisa de opinião pública sobre a percepção das atividades de ciência e pesquisa entre a população o Estado. A profissão de cientista apareceu como a terceira mais admirada pela população (61%), atrás da de professor (77%) e de médico (70%). Além disso, 88% dos entrevistados consideraram o investimento em ciência e tecnologia “muito importante”, mas 70% disseram acreditar que é insuficiente o investimento atual do Brasil no setor, e 86% acham que o governo deve financiar a pesquisa científica.

TRANSPARÊNCIA

atividade de alcance nacional, e não deveria ficar vinculada a um teto regional. Parece-me que seria mais razoável se o teto para a carreira docente nas universidades fosse nacional”. O mais recente relatório de atividades da Fapesp, referente ao ano de 2014, registra que a maior parte dos desembolsos para financiamento de pesquisas no Estado foi destinada a pesquisadores vinculados às universidades estaduais paulistas, sendo 47% para a USP, 14% para a Unicamp e 12% para a Unesp. As instituições federais sediadas no Estado receberam 12% do total. No ano passado, a fundação investiu R$ 1,15 bilhão em fomento à pesquisa.

“Para que nossas universidades tenham competitividade mundial, elas precisam ter carreiras atraentes para pessoas muito qualificadas, e pessoas muito qualificadas podem escolher entre fazer pesquisa em São Paulo ou em qualquer outra parte do mundo”, pondera o diretor da Fapesp. “O Estado de São Paulo faz um esforço muito grande para apoiar a pesquisa e o ensino superior, e obtém excelentes resultados com esse esforço. A anomalia de um teto estadual menor do que o federal restringirá a eficiência do investimento paulista em pesquisa”. O mesmo relatório de atividades da Fundação aponta que, em 2014, a Fapesp investiu R$ 117,57 milhões

Professor e ex-reitor da Unicamp, Brito Cruz diz que a divulgação dos salários de professores e funcionários de universidades públicas acontece em outros países também. “Em outros países também há determinações legais para que os vencimentos de professores e funcionários sejam visíveis para o público, como, por exemplo, na Califórnia”. Uma busca rápida na internet revela que a presidente – cargo equivalente ao de reitor – da Universidade da Califórnia recebe US$ 570 mil líquidos ao ano, ou cerca de R$ 1,9 milhão. Nos Estados Unidos, comenta Brito Cruz, o que frequentemente é criticado é os técnicos dos times esportivos universitários serem mais bem pagos do que reitores e pesquisadores. “Em Berkeley, em 2014, o salário anual bruto médio dos professores titulares com ‘tenure’ foi em torno de R$ 220 mil, valor equivalente a R$ 740 mil. Ou seja, R$ 55 mil por mês, se considerarmos 13º e férias”, disse. De acordo com dados publicados pelo jornal especializado em ensino superior Chronicle of Higher Education, o salário anual médio bruto dos oito reitores mais bem pagos de universidades públicas nos Estados Unidos era, em 2013, da ordem de US$ 725 mil, ou R$ 2,4 milhões.

A Universidade e o teto salarial

único para os funcionários públicos Foto: Antoninho Perri

OSWALDO BAFFA FILHO MARCELO RIDENTI MARCOS DEL ROIO

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grande imprensa de São Paulo – notadamente a Folha, ecoando pressões de controle do Tribunal de Contas – tem publicado matérias sobre o corte de salários de professores das universidades estaduais paulistas que recebem acima do teto salarial do governador do Estado. Enunciada de modo simplista, a questão pode dar origem a todo tipo de mal-entendido. É justo que haja um teto salarial para o funcionalismo público. Mas o teto deve ser único. As reportagens não salientam nem procuram explicar por que o professor de uma universidade estadual paulista deve ter como teto o subsídio do governador e um procurador que trabalha nessa mesma universidade pode ganhar cerca de 50% a mais, assim como um professor de universidade federal ou funcionário do poder Judiciário, cujo teto toma como base o limite de 90,25% dos ganhos dos Ministros do STF. É injusto e de perversas consequências acadêmicas, a curto, e mais ainda a médio prazo, que professores e pesquisadores das universidades estaduais paulistas, responsáveis por cerca da metade da produção científica nacional, sejam discriminados por desníveis no teto entre os

O professor Marcelo Ridenti, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp

funcionários de diferentes poderes, de diferentes Estados e das instâncias federais. O subsídio do governador remunera um cargo eletivo, de ocupação efêmera, cuja fixação depende de cálculos políticos, não podendo, pois, servir de referência para enquadrar o salário de uma carreira que é estabelecida por lei, exige décadas de formação e trabalho e cuja remuneração é a única fonte de rendimento da imensa maioria dos professores, que trabalha em regime de dedicação integral à docência e à pesquisa. É preciso informar à opinião pública que, diferentemente do governador, esses professores não recebem auxílio-moradia, transporte, alimentação etc. Cerca de 800 professores titulares e livre-docentes das três universidades estaduais paulistas já assinaram um documento endereçado ao Conselho de Reitores e aos integrantes da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, pedindo que impeçam o corte de salários dos professores que se encontram, após duas ou três décadas de trabalho dedicado à universidade, no topo da carreira docente. Esses docentes são justamente aqueles que têm maior experiência em docência e em pesquisa e que assumem, em grande parte, as tarefas acadêmicas e administrativas mais complexas da universidade. É urgente, pois, se quisermos preservar a qualidade tão duramente conquistada de nosso ensino superior paulista, que se aprove uma emenda constitucional

colocando o funcionalismo público do Estado de São Paulo em situação similar àquela na qual se encontra o funcionalismo público de dezenove Estados brasileiros (a grande maioria, portanto), cujas Assembleias Legislativas já estabeleceram um subteto único para o funcionalismo estadual, tomando como referência o referido limite do subsídio dos Ministros do STF. Agora, se a proposta é discutir as imensas desigualdades de remuneração na sociedade brasileira, que isso seja feito seriamente. É grande injustiça tomar como bodes expiatórios os professores das universidades estaduais paulistas, que constituem o exemplo de maior sucesso na educação e produção científica brasileira. Sem esquecer a alta porcentagem de professores aposentados ou que já poderiam se aposentar que continuam em plena atividade, sem nenhuma remuneração extra. Em quantas profissões ocorre fenômeno semelhante?

Oswaldo Baffa Filho, representante dos professores titulares no Conselho Universitário da USP. Marcelo Ridenti, professor titular de Sociologia, IFCH, Unicamp. Marcos Del Roio, professor titular de Ciências Políticas da Faculdade de Filosofia e Ciência, campus de Marília. Este artigo foi orginalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Fábio Reis Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Direitos adquiridos e conjunto de políticas motivam servidor

Fotos: Antoninho Perri

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

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uando conquistou a autonomia acadêmica e financeira em 1989, juntamente com as outras duas universidades estaduais paulistas, USP e Unesp, a Unicamp contava com aproximadamente 2,5 mil docentes, 10 mil funcionários e 13 mil alunos. Decorridas duas décadas e meia, estes números passaram por mudanças significativas. Ao mesmo tempo em que o contingente de professores e servidores técnicos-administrativo sofreu redução [1,8 mil e 8,5 mil, respectivamente, nos dias que correm], o de alunos experimentou um importante salto, passando para 35 mil nos âmbitos da graduação e da pós-graduação. Na esteira das mudanças, também ocorreu um expressivo aumento da produção intelectual da Universidade. Em 2013, por exemplo, foram publicados 4.134 artigos em periódicos especializados arbitrados [média de 2,2 por professor], sendo 82,5% deles em publicações de circulação internacional. O fato de a Unicamp ter conciliado a redução do quadro de profissionais com a ampliação quantitativa e qualitativa das atividades de ensino, pesquisa e extensão decorre da execução de um conjunto de políticas voltadas ao melhor aproveitamento de suas potencialidades. Uma das ações mais importantes nesse sentido foi a definição de uma carreira para docentes e funcionários, com o objetivo de valorizar os dois segmentos. Assim, a instituição procurou, ao longo dos anos, oferecer salários competitivos com os praticados pela iniciativa privada. “Essa decisão contribuiu, sem dúvida, para que a Unicamp alcançasse o patamar de uma das melhores escolas de ensino superior da América Latina”, afirma o chefe de gabinete da Reitoria, professor Paulo Cesar Montagner. De acordo com ele, os vencimentos dos servidores docentes e técnico-administrativos da Unicamp são compostos por um salário base, que pode ser acrescido de determinados valores relativos a direitos assegurados pela Constituição Estadual ao conjunto do funcionalismo público paulista. Estes são incorporados conforme o profissional progride na carreira. Desse modo, quem trabalha na Universidade tem direito de incorporar ao vencimento dois estímulos: quinquênio e sexta-parte. Os vencimentos também são compostos por gratificações de representação, horas-extras, plantões e adicionais de insalubridade e periculosidade (confira nas páginas 6 e 7 o detalhamento de cada um destes itens). Recentemente, a Universidade tornou pública a relação dos vencimentos de seus profissionais. A lista apontou a existência de um grupo de 1.018 servidores [6,6% do quadro geral] que recebem salários acima do subsídio do governador de São Paulo, atualmente fixado em R$ 21,6 mil. Segundo Montagner, alguns fatores concorreram para que esses profissionais alcançassem esse patamar de remuneração. A primeira explicação está na própria carreira. Diferentemente do que acontece com o governador do Estado, que é um ente político, quem trabalha na Unicamp acumula vantagens ao longo do tempo, recebe reajustes anuais com base na inflação e, eventualmente, índices de aumento real. O chefe do executivo estadual, ao contrário, não cumpre uma carreira, visto que sua função é exercida por no máximo oito anos, quando ocorre reeleição.

Vista área do campus da Unicamp: conjunto de medidas possibilitou que a Universidade conciliasse a redução do quadro de profissionais com a ampliação das atividades de ensino, pesquisa e extensão

Outra diferença fundamental é que o subsídio do governador de São Paulo, que referencia os salários pagos pelo serviço público estadual, é mantido propositadamente abaixo dos índices de inflação. Entre 2005 e 2015, por exemplo, esse subsídio sofreu reajuste de 45,66%, enquanto que o índice inflacionário acumulado no período foi de 65,35 % segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), medido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Em outros Estados do país, o teto salarial dos servidores públicos é bem maior. Naqueles em que a referência é o subsídio dos desembargadores, como Minas Gerais, Bahia, Amapá e Mato Grosso, o limite está fixado em R$ 30,4 mil, valor do subsídio pago aos desembargadores. Se o teto salarial do serviço público paulista fosse semelhante ao do funcionalismo federal, a lista de profissionais da Unicamp com vencimentos acima deste teto equivaleria a somente 0,1% do quadro geral de recursos humanos da Universidade. Se o teto fosse o mesmo aplicado nos Estados que têm como referência o subsídio dos desembargadores, o índice seria de 0,4%. Ao julgar as contas de 2006 da Unicamp, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) entendeu que a Universidade não tinha cometido qualquer ato de má-fé ao pagar os vencimentos que haviam extrapolado o subsídio do governador do Estado. Entretanto, o TCE determinou que os salários passassem a ser congelados, até que eles se passassem a se enquadrar, com o passar dos anos, ao subsídio do governador do Estado. Os profissionais que se en-

contram nessa situação deixaram de receber reajustes ou aumentos. A Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), porém, ingressou com ação na Justiça e obteve, em julho de 2014, uma liminar que determinou que os vencimentos dos professores não sofressem qualquer tipo de redução até o julgamento final da matéria. Como faz em relação a todas as decisões da Justiça, a Unicamp acatou a ordem. Ocorre, porém, que no último dia 3 de agosto o Tribunal de Justiça (TJ) julgou a ação impetrada pela Adunicamp e determinou que Unicamp voltasse a congelar os vencimentos dos docentes que ultrapassam o subsídio do governador, a exemplo do que vem ocorrendo com os servidores técnico-administrativos. Foram mantidos fora da decisão os valores correspondentes ao cumprimento de plantões. Um aspecto que tem preocupado as universidades estaduais paulistas, diz o dirigente, é a possível perda de profissionais qualificados caso o teto salarial do serviço público seja mantido. Se isso acontecer, de acordo com ele, as instituições deixarão de ser atrativas justamente para aqueles que somam mais experiência e especialização. “Existe o risco da fuga, por exemplo, de docentes e pesquisadores para universidades federais e de outros Estados, nas quais os salários são significativamente maiores. Isso pode impactar de modo importante e irreversível todo o sistema de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico de São Paulo, que é o Estado mais dinâmico da nação”, infere.

O chefe de gabinete da Reitoria, professor Paulo Cesar Montagner: “É importante destacar que o subsídio pago separadamente aos dirigentes da Universidade não se incorpora, a nenhum título, à remuneração que eles recebem como servidores”

É importante lembrar, nesse aspecto, que Unicamp, USP e Unesp não estão entre as melhores universidades do mundo por acaso. Entre as razões que explicam o sucesso das três instituições, vale reafirmar, estão o cuidado com o planejamento e a gestão de seus orçamentos e o estabelecimento de uma carreira atrativa, condição indispensável para conquistar a liderança qualitativa que hoje ostentam. Sem contar com os melhores professores e pesquisadores, as universidades estaduais paulistas jamais teriam conseguido chegar aos níveis de qualidade que hoje apresentam, patamar este que dá sustentação à produção e disseminação do conhecimento, bem como à formação de profissionais altamente qualificados em todas as áreas do saber. Montagner aproveita esse ponto para fazer uma reflexão sobre a folha de pagamento da Unicamp, que hoje absorve 93% do orçamento da instituição. O chefe de gabinete da Reitoria reconhece que o índice é elevado, mas assinala que ele é fruto principalmente da importante redução do orçamento da Universidade, provocada pela queda da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que por sua vez foi causado pelo fraco desempenho da economia do país. Em 2014, por exemplo, a queda real do orçamento da instituição foi de 2,53% em relação ao ano anterior. O orçamento da Unicamp é constituído por uma quota parte da do ICMS, que corresponde a 2,1958% da arrecadação desse tributo. Outro aspecto abordado pelo docente foi a questão da “segunda matrícula”, assunto que foi objeto de questionamento por alguns segmentos. Montagner esclarece que não há qualquer irregularidade no procedimento. A esse respeito, a Procuradoria Geral (PG) da Universidade elaborou um parecer, a partir de questionamento apresentado pela Adunicamp. O documento explicita que a segunda matrícula é um mecanismo aplicado somente em relação aos vencimentos dos dirigentes da institui-ção: reitor, coordenador-geral, próreitores, chefe de gabinete e chefe de gabinete adjunto. A adoção de duas matrículas para os integrantes da Administração Superior da Unicamp, aponta a PG, se deu para solucionar uma questão de ordem prática, qual seja, a de explicitar em uma delas os vencimentos pagos pelo exercício do cargo/função desses servidores como docentes e, em outra, os subsídios pago a eles pelo cumprimento do cargo/função em comissão, o que está previsto na Constituição Federal, que permite a acumulação do cargo de professor com outro de ordem técnica ou científica. “É importante destacar que o subsídio pago separadamente aos dirigentes da Universidade não se incorpora, a nenhum título, à remuneração que eles recebem como servidores, daí a importância desses valores serem discriminados em matrícula própria. Assim, quando deixam os cargos e funções em comissão, os dirigentes deixam de receber o subsídio, e a matrícula correspondente é imediatamente extinta”, pormenoriza o chefe de gabinete da Reitoria.


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Os princípios da autonomia Fotos: Antoninho Perri

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

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teto salarial do funcionalismo paulista, vinculado ao subsídio pago ao governador do Estado, de R$ 21,6 mil, comprime os vencimentos dos professores das universidades estaduais, desestimulando a produtividade, a busca de progressão na carreira e, até mesmo, a captação de novos talentos, já que torna o ingresso no ensino federal, onde o teto é dado pelo salário dos ministros do STF (superior a R$ 33 mil), mais atraente. É o que argumenta um grupo de professores que propõe a adoção de um novo teto estadual, também vinculado aos vencimentos do STF, por meio de abaixo-assinado lançado no início do ano, e que já conta com mais de 800 assinaturas de docentes, tanto da Unicamp quanto também da Unesp e da USP (leia a íntegra na página 9).

O professor Alcir Pécora: “Sem autonomia financeira não há como ter confiança no sistema, na carreira. Antes dela, ficava-se completamente dependente”

“Nosso teto é 50% inferior ao das federais”, disse o pesquisador Alcir Pécora, professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. “Sendo que as universidades estaduais paulistas concentram 50% da produção científica do Brasil, e sempre aparecem como os principais destaques brasileiros nos rankings internacionais, geralmente com a USP em primeiro lugar no país e a Unicamp em segundo”. Um dos organizadores da campanha pela elevação do teto estadual, o pesquisador Armando Boito, docente e cientista político do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH), lamenta que a divulgação recente de casos pontuais de vencimentos, pagos pela universidade, muito superiores ao subsídio do governador possa vir a viciar esse debate. “O que se aponta na mídia são pontos fora da curva, que estão sendo usados como pretexto para achatar a curva”, disse ele. “Nós reivindicamos um teto que, se aplicado, acabará com esses megassalários”. Da forma como a carreira docente está estruturada, explicam os professores, um doutor que ingressa no quadro da Unicamp vê seus vencimentos baterem no limite superior imposto pelo Estado antes mesmo de chegar ao topo da carreira acadêmica. O salário inicial de um doutor recém-concursado é da ordem de R$ 11 mil. “Com as progressões naturais da carreira, mais as indenizações por tempo de serviço público, comuns a todo o funcionalismo paulista, um professor pode atingir o teto com cerca de 20 anos de carreira, antes de prestar o concurso para livre-docente. Então, para que fazer esse concurso? O título se torna meramente honorário”, disse Boito.

O professor Armando Boito: “Você tem um sistema milionário de universidades privadas, que hoje é um capital internacional e que tem interesses”

“No caso, sobretudo, das universidades de excelência, como é o caso da Unicamp, onde a pessoa só entra como doutor, já é preciso ter uma longa carreira antes de começar a dar aula aqui. Dificilmente o professor entra aqui sem ter, antes, vários anos de trabalho acadêmico”, lembrou Pécora. “Ninguém entra na universidade com menos do que 33 anos de idade”, estima Boito. “Hoje em dia, tem que fazer a graduação, são pelo menos quatro anos. Depois, mais dois a três anos para o mestrado e dissertação de mestrado, mais quatro, cinco anos no doutorado, dois a três anos de pós-docs. São cerca de nove anos, além da graduação. Um bacharel de Direito, para ser juiz, pode terminar a faculdade e prestar concurso direto. Já para ser professor na Unicamp, são nove anos além da graduação”. Boito cita que, num concurso recente para professores no Departamento de Sociologia do IFCH, compareceram 13 candidatos, sendo que num processo semelhante realizado na Universidade Federal de São Carlos (UFScar) na mesma época apresentaram-se mais de 30 candidatos. “A médio prazo, as estaduais paulistas vão perder espaço na competição por talentos, no cenário nacional”, acrescentou o sociólogo Marcelo Ridenti, também do IFCH.

CONGELAMENTO E AUTONOMIA Os pesquisadores lembram, ainda, que o subsídio do governador é definido com base em critérios políticos, não técnicos ou de carreira, e está congelado há anos, congelamento que atribuem a um cálculo político demagógico. “Já que o Estado optou por manter o teto do funcionalismo vinculado ao subsídio do governador, deveriam ser feitos reajustes anuais para o cargo, e isso de acordo com os índices utilizados para os reajustes gerais do funcionalismo”, disse Pécora. “Mas o Alckmin [governador Geraldo Alckmin, que governa o Estado desde 2011] não tem feito isso, e algumas vezes em que a Assembleia Legislativa aprovou um aumento para seu cargo, ele vetou. Ou seja, o subsídio dele está defasado, num claro pro-

cedimento de uma estratégia que é de arrocho do funcionalismo, de um lado, e populista de outro, jogando para a plateia”. O debate da questão do teto, acredita Pécora, envolve também a autonomia universitária. “Acho que a autonomia foi claramente ferida nesses casos todos, nessa interferência. A organização da própria carreira é um princípio claro da autonomia, faz parte da autonomia financeira. Se a universidade não tiver autonomia financeira, não tem autonomia nenhuma. Na verdade, foi graças à autonomia que a universidade cresceu. O crescimento mais nítido da universidade foi a partir da autonomia”, disse ele. “E sem autonomia financeira não há autonomia nenhuma. Porque sem autonomia financeira não há como ter confiança no sistema, na carreira. Antes dela, ficava-se completamente dependente”. “As universidades paulistas expandiram-se enormemente nos últimos 15, 10 anos”, acrescentou Boito. “As vagas na graduação, as vagas na pós-graduação, o número de cursos de graduação e de pós-graduação. Os cursos noturnos. E nossa produção científica, a produção de teses cresceu enormemente, tudo durante o período da autonomia”.

derrubar nossa produção”, aponta Boito, referindo-se à reação negativa causada pela ênfase dada pela mídia à questão dos “megassalários”, os “pontos fora da curva”, como ele os chama.

OPINIÃO PÚBLICA Os pesquisadores estão cientes de que convencer a população de que um professor universitário que ganha mais de R$ 20 mil ao mês está sendo mal remunerado – num país onde o salário mínimo não chega a R$ 1 mil – é uma tarefa ingrata. “Nossa causa é impopular, mas é justa”, disse Boito. “Mas eu poderia dizer o seguinte: no Brasil, o salário mínimo está R$ 788. Um funcionário público que ganhe três mínimos, ou aproximadamente R$ 2.400, e que tenha completado o ensino médio já é, se você assumir uma posição um tanto cínica, um privilegiado em relação a grande parte da população que paga imposto. Ele já é um privilegiado em relação ao trabalhador comum”, afirma.

O princípio da autonomia universitária foi consagrado na Constituição Federal de 1988. Dados da edição mais recente do “Anuário Estatístico da Unicamp” revelam um crescimento de mais de 400% no número de cursos noturnos, tendo como base o ano 1989; de mais de 100% nas vagas da graduação; de mais de 230% no de cursos de doutorado; mas uma queda de quase 10% no número de docentes ativos.

“Num país com tanta desigualdade como o Brasil, o uso desse tipo de argumento subentende uma linha de corte arbitrária: o que você pode perguntar para nós, que somos professores titulares com 40 anos de trabalho nas costas, a gente poderia perguntar para um professor da rede pública que dá aula recebendo R$ 3 mil ou R$ 4 mil, depois de 20 anos de trabalho: ‘Professor, como você quer receber R$ 3 mil de dinheiro de impostos, se está cheio de gente que não tem onde dormir, está abaixo da linha de pobreza?’. Há um uso interessado, mal intencionado, desse argumento”, acredita.

“E é nessa situação, de expansão de atividades e redução de professores, que resolvem intervir na universidade para comprimir a carreira docente e, aí sim,

O pesquisador vê motivações econômicas por trás do que acredita ser uma manipulação deliberada do debate na grande mídia. “Você tem um sistema

milionário de universidades privadas, que hoje é um capital internacional e que tem interesses”, afirma. “Quando se publica uma matéria, baseada em pontos fora da curva, dizendo que, por exemplo, na USP tem um ou outro gato pingado que ganha um megassalário, mas escondendo que são poucos gatos pingados, sugerindo que é um caso geral, isso vai agradar muito aos proprietários das universidades privadas, porque são dois sistemas concorrentes: cada ponto que o sistema público perde, junto à opinião pública, é um ponto que o sistema privado ganha”, acredita. “É um jogo de soma zero, sim. Creio que há uma campanha de difamação que interessa ao ensino privado, e que foi mobilizada contra o ensino público no Brasil”. “O sistema universitário público estabelece um padrão que é um permanente incômodo para o sistema universitário privado”, acrescenta. “Eles têm todo o interesse em minar o prestígio, enfraquecer financeiramente e detonar a carreira da universidade pública. Porque os professores da universidade privada reivindicam uma carreira, entre outros motivos, porque sabem que existe uma carreira na pública”.

ACESSO Os professores concordam que um aumento da participação popular na universidade, e do acesso das camadas menos favorecidas da população ao ensino superior público, poderia reduzir a percepção de que a universidade estadual é uma torre de marfim que transforma os impostos de muitos em privilégio para poucos. “É preciso fazer a democratização do acesso”, disse Boito. “Porque todas as universidades federais têm cota social e racial. Das três universidades paulistas, entre as mais importantes universidades


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e os pontos fora da curva públicas do Brasil, só a Unesp tem cotas, mas muito menores que as federais”. “Infelizmente, existe uma resistência, oriunda do fato de o governo do Estado, que é o mesmo governo que decidiu comprimir a nossa carreira, rebaixar o nosso teto frente a todos os outros Estados do país, ser o governo que impede a adoção de cotas e que assim nega, recusa e impede que os egressos da escola pública e os afrodescendentes entrem nesta universidade como entram nas federais”, acrescenta.

Assembleia de professores na Adunicamp: teto de docentes das universidades federais é cerca de 50% maior que o das estaduais paulistas

O abaixo-assinado dos professores das universidades estaduais paulistas pede que a Assembleia Legislativa paulista aprove a adoção de um subteto salarial para o funcionalismo baseado não no subsídio do governador, mas nos vencimentos dos ministros do STF. Também há um projeto de lei federalizando os pisos salariais dos Estados, tramitando da Câmara dos Deputados. Caso venham a ser aplicados cortes nos salários dos professores mais graduados, Pécora e Boito preveem uma queda na produção acadêmica e uma onda de aposentadorias de professores que estão no topo da carreira. “Há muitos professores que já poderiam estar em casa, recebendo seus salários integrais, e que continuam dando aula sem ganhar um tostão a mais por isso”, disse Pécora. “Se eles tiverem seus salários cortados, o desestímulo será muito grande”.

Em defesa da

qualidade acadêmica JOÃO QUARTIM DE MORAES

S

ão recorrentes na grande imprensa matérias que divulgam os rankings acadêmicos internacionais. Admitindo que estes rankings apresentem certa objetividade, as três universidades públicas do Estado de São Paulo classificam-se entre as melhores da América Latina e estão bem colocadas entre as melhores do mundo. Juntas, elas acolhem mais de cento e oitenta mil estudantes e respondem por boa parte da pesquisa científica nacional. A Unicamp, em particular, tem sido a maior produtora de patentes de pesquisa do Brasil. Entretanto, se depender do governo estadual e de jornais que dominam a notícia, essas três universidades caminharão a médio e mesmo a curto prazo para a decadência. É fácil entender por quê. O subteto salarial que define o vencimento máximo de um professor/pesquisador das estaduais paulistas corresponde, no final de uma carreira de trinta/quarenta anos, ao subsídio do chefe do Executivo, hoje de pouco mais de 21 mil reais. O teto dos professores/pesquisadores de universidades federais ultrapassa 29 mil reais. Evidentemente, os mais qualificados optarão pelas federais. Por que tão chocante diferença? É que em São Paulo, o Estado mais rico do Brasil, o subteto é um dos mais baixos entre os 27 Estados que compõem a Federação, só perdendo para o Ceará e o Espírito Santo, cujos subtetos são de 19,4 mil reais. Os outros 24 Estados (DF incluído) têm pisos superiores, a grande maioria em torno de trinta mil reais. O termo “teto” sugere um nível fixo. Mas em São Paulo, por obra de Alckmin e da maioria monolítica de que ele dispõe na Assembleia Legislativa (Alesp), o subteto se move tetricamente para baixo, produzindo um gradual e constante efeito de achatamento do salário real. Na última década (2005-2015), o reajuste do salário dos docentes da USP, da Unicamp e da Unesp foi de 45,66%, enquanto a inflação atingiu 69,47% segundo o Dieese e 69,24% segundo o IPCA.

Os efeitos destrutivos dessa política já afetaram o Regime de Dedicação Integral à Docência e Pesquisa (RDIDP), que viabilizou durante décadas as condições profissionais da excelência acadêmica, tornando a carreira mais atrativa através de salários maiores, mas exigindo concentração plena e exclusiva no ensino e pesquisa de alto nível. Infelizmente, esse regime exitoso, que aproximou as instituições universitárias brasileiras das melhores do mundo, está sendo minado pelo achatamento salarial. Um número crescente de docentes e pesquisadores altamente qualificados vem sendo empurrado para fora das universidades públicas paulistas. Não que lhes falte desprendimento. Basta considerar a alta porcentagem de professores aposentados que continuam em plena atividade, sem nenhuma remuneração extra. Em quantas profissões ocorre fenômeno semelhante? Mas o altruísmo não está imune à sensação de injustiça provocada pelo subteto discriminatório. Longe, entretanto de se preocupar com as ameaças que pesam sobre o RDIDP, influentes órgãos de imprensa, notadamente a Folha, tem se empenhado em sucessivas campanhas exigindo imediata e irrestrita aplicação do corte de salários de professores e pesquisadores que recebem acima do teto salarial do governador do Estado. É bem provável que esse zelo contra a carreira docente das universidades públicas reflita o interesse de grandes grupos privados de educação superior em sucatá-las para impor o ensino pago. A campanha da Folha não menciona que o subsídio do governador remunera um cargo eletivo, de ocupação efêmera, cuja fixação depende de cálculos políticos, não devendo, pois, servir de referência para enquadrar o salário de uma carreira que exige décadas de formação e trabalho e cuja remuneração é a única fonte de rendimento dos que a ela estão integralmente dedicados. Oculta também que, diferentemente do governador, esses professores não recebem de graça um palácio para morar, transporte terrestre e aéreo de luxo, alimentação farta, além de outras vantagens inerentes à chefia do Executivo. Fixar um teto igualitário de vencimentos nos serviços públicos é justificável para evitar rendimentos abusivos. Mas não o subteto, que é uma instituição perversa em si mesma: ela estabelece para um mesmo trabalho, de

O professor João Quartim de Moraes

igual qualificação, possibilidades de ascensão salarial diferentes, ferindo o princípio universal “para trabalho igual, salário igual”. Ela se torna duplamente perversa quando o espírito da lei do teto é demagogicamente deturpado, como ocorre em São Paulo, onde o subsídio do governador é decidido na base de manobras políticas que o mantêm escandalosamente baixo (em 25º lugar de 27). Do ponto de vista eleitoreiro, o cálculo de Alckmin parece ter funcionado até agora. Renunciando, com baixíssimo custo (já que não tem as despesas do comum dos mortais), a aumentar seu subsídio, ele reforça a imagem de austeridade que lhe tem valido vitórias folgadas no Estado de São Paulo. Mesmo porque os efeitos maléficos do achatamento da carreira acadêmica demoram um pouco para se manifestar.

Por tudo isso, se quisermos preservar a qualidade tão duramente conquistada das universidades públicas de São Paulo, teremos de continuar lutando com todo nosso empenho e com o estímulo moral que nos proporcionam os mais de oitocentos colegas da USP, Unicamp e Unesp que subscreveram o manifesto pelo teto salarial único, pela aprovação de uma emenda constitucional que ponha fim à destrutiva discriminação a que estão injustamente submetidos. João Quartim de Moraes é professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.


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Campinas, 10 a 16

Entenda a composição sala

O servidor, seja pesquisador, docente ou funcionário, entra na Unicamp por meio de concurso público, ocorre a progressão do servidor nas etapas da carreira, previstas no estatuto da Universidade, além dos O salário do servidor também pode, ao longo de sua permanência na Unicamp, agregar adicionais de representação – e aos trabalhadores brasileiros em geral, como insalubridade, adicional noturno Essa progressão normal na carreira pode acabar levanto o servidor, após vários anos, a ati Por exemplo, um servidor técnico-administrativo, com mais de 20 anos de Universidade e g de duas décadas de Unicamp e gratificação incorp

Ponto a Ponto

UNICAMP - TOTAL DE SERVIDORES POR FAIXA SALARIAL Base: Junho/2015 5.000

100%

4.500

30,4%

32,0%

90% Quantidade de Servidores Percentual Acumulado

Quantidade de Servidores

4.000

80%

3.500

70%

3.000

60%

20,2%

2.500

50%

6,6%

2.000

40%

10,8%

1.500

30%

0,4% 6,2%

1.000

20%

0,1%

500

0,0% O

0

0,3% 5.000

10.000

15.000

21.631

30.471

Subsídio do Governador do Estado de São Paulo

Subsídio de Desembargador

Valor máximo em cada Faixa Salarial (Em R$ 1,00) Nota: 93,4% dos Servidores se enquadram em faixas salariais inferiores ao Subsídio do Governador do Estado de São Paulo. Fonte/Elaboração: DGRH/AEPLAN

33.763 Subsídio do Ministro do STF

0,1% > 33.763

10% O%

O

O que é a ‘dup

s detentores de postos de direção na Universidad ao nível em que se encontram na carreira docen tivo. No caso específico do reitor e de outras figu dade, pró-reitor, chefe de gabinete e chefe de ga base, ao contrário do que normalmente acontece Por conta disso, o sistema de recursos hum número de matrícula em separado , gerando as chamadas “dup mesmo servidor acumula cargos obtidos em concursos distint artigo 37, inciso 16, alíneas “a”, “b” e “c” da Constituição Feder de professor com outro de técnico ou científico; e dois cargos o também encontra amparo legal no Decreto nº 41.915 de 02/07 empregos e funções no âmbito do serviço público estadual. No que diz respeito aos cargos da administração superior, n.º 52.568, de 12 de dezembro de 1970, que criou os cargos d estabeleceu a igualdade dos vencimentos do reitor ao cargo de O respectivo valor, pago ao reitor na forma de “Vencimento 2 valor incorporável, à razão de um décimo ao ano. Os demais ca cação de Função”, também incorporável, tendo como base o va Em 26 de dezembro de 2006, a Lei n.º 12.473 substituiu o Secretários de Estado por um único subsídio. Nestes termos, pagamento pelo exercício do cargo de reitor e de outros cargos Como resultado dessa alteração, o valor antes pago na forma matrícula separada, por tratar-se de valor não incorporável. Ou s vinculados à segunda matrícula, que se refere ao cargo de direç O mesmo ocorreu com os cargos de coordenador geral da nete adjunto, que recebem valor proporcional ao subsídio do rei gratificação de função. Os valores pagos a título de Subsídio da Administração Supe destes cargos com o cargo de docente está em acordo com o A


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6 de agosto de 2015

arial do servidor da Unicamp

, com um salário definido no edital. Ao longo dos anos, esse salário inicial pode evoluir à medida que reajustes obtidos em negociações salariais, como acontece com todas as categorias de trabalhadores. s comuns a todo o funcionalismo público paulista – como quinquênios, sexta parte, gratificações e periculosidade. Ocorrências eventuais, como horas extras e plantões, também são remuneradas. ingir uma remuneração que supera o subsídio do governador do Estado, de R$ 21,6 mil. gratificação incorporada, terá um salário de R$ 22,8 mil. Já um professor titular, com mais porada, atinge uma remuneração de R$ 26,2 mil.

pla matrícula’

as raízes desse mecanismo institucional remontam ao Decreto de provimento em comissão da Unicamp, momento em que se Secretário de Estado. 2 de Reitor”, era creditado na mesma matrícula, por tratar-se de argos da administração superior eram pagos a título de “Gratifialor do “Vencimento 2 do Reitor”. o vencimento mensal e as vantagens pecuniárias atribuídas aos foi extinto o antigo referencial utilizado pela Universidade para da administração superior. a de gratificação foi substituído pelo subsídio e vinculado a uma seja: o reitor não incorpora ao seu salário os valores do subsídio ção. Universidade, de pró-reitor, chefe de gabinete e chefe de gabiitor, nos mesmos percentuais antes utilizados para o cálculo da

erior estão limitados ao valor do MS-6, em RDIDP. A acumulação Artigo 115, inciso XVIII da Constituição do Estado de São Paulo.

Base: Junho/2015

5.000 4.500

100% 90%

30,7% 29,0%

4.000

Quantidade de Servidores

de, entre eles o reitor, recebem, além do salário correspondente nte, uma remuneração específica, referente ao cargo administrauras da alta administração, como coordenador geral da universiabinete adjunto, essa remuneração não é incorporável ao salário e com as gratificações de representação. manos da Unicamp lança esses valores não-incorporáveis num plas matrículas”, que também aparecem nos casos em que um tos, sem conflito de jornada de trabalho, conforme previsto no ral, que autoriza acúmulo de dois cargos de professor; um cargo ou empregos privativos de profissionais da saúde. Esse cenário 7/1997, que dispõe sobre acumulações remuneradas de cargos,

UNICAMP - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DO TOTAL DE SERVIDORES POR TEMPO DE SERVIÇO

Quantidade de Servidores Percentual Acumulado

80%

3.500

70%

3.000

60%

2.500

50%

2.000

40%

11,2% 1.500

9,2%

30%

9,0%

7,0%

1.000

20%

3,0%

500

10%

0,7% O

0 a 10 anos

10 a 15 anos

15 a 20 anos

20 a 25 anos

25 a 30 anos

30 a 35 anos

Tempo de Serviço UNICAMP Nota: 53,0% dos Servidores possuem mais de 20 anos de tempo de serviço. Fonte/Elaboração: DGRH/AEPLAN

35 a 40 anos

40 a 45 anos

0,1% > 45 anos

O%

Artes: Carlos Paraizo/Assessoria de Comunicação da DGRH

Teto Salarial dos Estados


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Campinas, 10 a 16 de agosto de 2015

Presidente da Adunicamp teme

êxodo de professores MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

A

ssociação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) não é contra a definição de um teto salarial para o funcionalismo público de São Paulo, mas considera o atual limite, referenciado pelos vencimentos do governador do Estado, inadequado. A afirmação é do presidente da Adunicamp, professor Paulo Cesar Centoducatte, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp. De acordo com ele, o teto atual é inconveniente porque está baseado nos proventos de um ente político, que ocupa um cargo eletivo, e não numa função relacionada a uma carreira profissional, que exige anos de formação, dedicação e progressão. Ainda segundo Centoducatte, se o teto salarial dos servidores paulistas não for revisto, há o risco de uma fuga dos profissionais mais experientes e qualificados, professores inclusive, para a iniciativa privada ou para instituições de ensino federais ou de outros Estados, que oferecem melhores condições salariais. “Se esses profissionais deixarem a Universidade, as consequências serão enormes. Isso sem dúvida impactará negativamente a qualidade do ensino, bem como o processo de desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo e, consequentemente, do Brasil”, considera o diretor da Adunicamp. Na entrevista que segue, Centoducatte fala sobre esses e outros assuntos relacionados à atual “polêmica” sobre o teto salarial em vigor em São Paulo. Jornal da Unicamp – Como o senhor recebeu o resultado do julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que determinou a aplicação do teto salarial também aos docentes da Unicamp? Paulo Cesar Centoducatte – As expectativas não eram boas em relação ao julgamento, por tudo que aconteceu até a decisão. Fazendo um breve histórico, o Tribunal de Contas do Estado, ao avaliar as contas da Unicamp, fez uma série de recomendações à Universidade em relação ao teto salarial, que depois se transformaram em exigências. A Unicamp, então, informou que iria aplicar o teto conforme as determinações do TCE. Em meados de 2014, a Adunicamp ingressou com uma ação coletiva na Justiça e obteve uma liminar que impediu a Unicamp de aplicar o teto aos associados da entidade. Após a concessão de nossa liminar houve a decisão, com repercussão geral, do STF. Agora, o TJ julgou a ação. A decisão foi contrária ao nosso pleito. Entretanto, os desembargadores retiraram os valores referentes a plantões do cálculo do teto.

o Fórum das Seis, temos atuado junto à Assembleia Legislativa no sentido de convencer os deputados para a necessidade de se alterar o teto salarial do funcionalismo público de São Paulo. Em outros Estados, o teto é o subsídio dos desembargadores, como permitido pela Emenda Constitucional 47, de 2005. JU – E qual tem sido a receptividade dos deputados estaduais ao pleito das entidades representativas dos docentes? Centoducatte – Estamos fazendo um trabalho de convencimento dos deputados, levando a eles os nossos argumentos. Já tivemos a oportunidade de conversar com o Colégio de Líderes e com os integrantes das comissões de Finanças e Orçamento, Educação e Ciência e Tecnologia. Ainda não solicitamos a qualquer deputado a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição Estadual, pois esse tipo de matéria precisa de quórum qualificado para ser aprovada, e o governo tem maioria na Casa. Por enquanto, estamos apresentando nossas argumentações sobre a inconveniência do atual teto. São Paulo é um dos poucos Estados da federação que tem como teto os vencimentos pagos ao governador. A maioria tem como limite os subsídios dos desembargadores. Paraná e Tocantins, por exemplo, têm como teto os subsídios pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso mostra o descompasso entre os Estados. JU – Por que o teto salarial do funcionalismo público de São Paulo é inadequado? Centoducatte – Há argumentos variados em relação à inviabilidade do teto baseado nos vencimentos do governador do Estado. É bom lembrar que esses vencimentos são definidos com base em critérios políticos. Eles estão relacionados, portanto, a um cargo eletivo e não a uma carreira, que exige anos de formação, dedicação e progressão. Um aspecto que precisa ficar claro é que a Adunicamp e as demais entidades que compõem o Fórum das Seis não são contra a definição de um teto. Somos a favor, mas entendemos que o teto atual é inconveniente. Um breve cálculo demonstra essa inconveniência. Em 2005, o subsídio pago ao governador era de R$ 14,8 mil. Atualmente, é de R$ 21,6 mil. Isso representa um

JU – Qual deve ser o impacto da aplicação do teto para a categoria dos docentes? Centoducatte – A Unicamp acatou a posição do TCE, que determinou que os salários dos docentes e servidores técnico-administrativos que estivessem acima do teto fossem congelados. Assim, com o decorrer do tempo, esses salários se equiparariam com os vencimentos do governador do Estado. Nesse caso, os docentes perderiam o último (e os próximos) reajuste salarial, cujo pagamento foi dividido pela Universidade em duas parcelas. Entretanto, se a decisão for de aplicar o teto pura e simplesmente, aí o impacto será grande e atingirá um número importante de professores. JU – Isso exigiria ações mais urgentes por parte da Adunicamp? Centoducatte – Cabendo recurso à decisão do TJ, nós obviamente vamos fazê-lo. Além disso, vamos dar continuidade ao que temos feito nos últimos meses. Junto com as demais entidades que compõem

Ou seja, os vencimentos pagos ao governador perderam de longe para a inflação. Para nós, fica muito claro que o governo do Estado utiliza o teto salarial como ferramenta para aplicar uma de política de arroxo salarial contra o funcionalismo público. Ao não corrigir os próprios proventos, o governador rebaixa o limite que pode ser alcançado pelos servidores estaduais em geral, não somente os da Unicamp. Os mais prejudicados, nesse caso, são aqueles profissionais que ocupam funções que demandam maior qualificação; aqueles que investiram muito tempo e recursos na sua formação. JU – Que consequências podem advir da aplicação do atual teto salarial? Centoducatte – Uma possibilidade real é a ocorrência de um êxodo de servidores, justamente os mais qualificados. As pessoas começarão a deixar o serviço público em busca de melhores condições salariais. No caso da Unicamp, e considerando somente os docentes, um professor de nível MS6 com 25 anos de carreira e que tenha incorporado somente o quinquênio e a sexta-parte já recebe um salário acima do teto atualmente em vigor. A alternativa para ele não permanecer com o salário estagnado será trocar a Universidade pela iniciativa privada ou por instituições federais e de outros Estados. Obviamente, não faltará colocação para um profissional com esse perfil. No médio prazo, essa política de arroxo salarial vai empurrar a carreira docente para um limite muito menor. No futuro, isso pode levar a Universidade a ter uma massa de docentes com pouca experiência. JU – Qual o impacto desse possível êxodo para as atividades de ensino, pesquisa e extensão? Centoducatte – O impacto será enorme. Nunca é demais lembrar que, no Brasil, pesquisa é feita quase que exclusivamente na universidade. No caso da Unicamp, pesquisa e ensino caminham juntos. Também é bom destacar que as principais linhas de investigação científica são conduzidas justamente pelos docentes mais experientes. As próprias agências de fomento

só liberam recursos para projetos liderados por professores experimentados e com produção científica significativa. Se esses profissionais deixaram a Universidade, as consequências serão enormes. Isso sem dúvida impactará negativamente a qualidade do ensino, bem como o processo de desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo e, consequentemente, do Brasil. JU – O senhor diria que as discussões geradas em torno do teto salarial do funcionalismo público paulista contribuem para esclarecer a sociedade sobre a questão? Centoducatte – Para a sociedade entender e discutir temas como este, é preciso que ela receba informações corretas, fidedignas. A sociedade também precisa ter acesso a diferentes argumentos. Hoje, a grande mídia é muito unilateral. Nessa questão do teto, os jornais em nenhum momento colocaram, por exemplo, que a Emenda Constitucional 47, de 2005, permite que o Estado adote outro teto que não o vinculado aos vencimentos do governador. Essa informação tem sido sonegada. A sociedade está recebendo informação totalmente parcial. Assim, o jogo fica muito desigual. A “briga” não é nem de Davi contra Golias. É muito menos que Davi e muito mais que Golias. JU – O senhor considera que existe, então, uma campanha contra a universidade pública? Centoducatte – Sem dúvida alguma! E esta campanha não parte somente do governo estadual. O governo federal também joga contra a universidade pública quando cria programas que concedem bolsas de estudo para criar vagas nas instituições particulares, como o Prouni. Um estudo apresentado pelo Conselho de Reitores das Universidades Federais revelou que as instituições públicas poderiam criar mais vagas que as geradas pelo programa, se recebessem o mesmo volume de recursos. Apesar de todos os ataques que têm sofrido, as universidades públicas seguem oferecendo ensino e produzindo pesquisa com qualidade muito superior à verificada nas instituições particulares. O nosso papel continua sendo o de resistir e defender o ensino público, gratuito e de qualidade no Estado e no país. Foto: Antoninho Perri

JU – Quais serão, agora, os novos passos da Adunicamp em relação ao tema? Centoducatte – Ainda temos que aguardar a publicação do acórdão por parte da Justiça, para saber em detalhes como foi determinada a aplicação do teto. Vamos nos reunir com os advogados da Adunicamp e com os associados para analisar a melhor maneira de darmos sequência à defesa dos interesses de nossos associados.

reajuste de 45,66% no período. Ocorre que a inflação medida na década foi de 69,47% segundo o Dieese, e de 68,24% conforme o IPCA.

O presidente da Adunicamp, professor Paulo Cesar Centoducatte: “Apesar de todos os ataques que têm sofrido, as universidades públicas seguem oferecendo ensino e produzindo pesquisa com qualidade muito superior à verificada nas instituições particulares”


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Campinas, 10 a 16 de agosto de 2015

Constituição

Foto: Antoninho Perri

deve ser respeitada, diz diretor do STU MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

O teto salarial e a transparência na gestão dos salários fazem bem ao serviço público. Portanto, é importante que esses mecanismos existam. Agora, se o teto não é adequado, essa é uma discussão que precisa ser feita separadamente”. O entendimento, que representa também a posição do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), é do diretor da entidade, João Raimundo Mendonça de Souza, o Kiko. De acordo com ele, o STU defende a aplicação da emenda constitucional que limita os vencimentos dos servidores públicos paulistas, inclusive os das universidades, aos proventos do governador do Estado, hoje fixados em R$ 21,6 mil. O pressuposto básico do STU, conforme Kiko, é o de que a Constituição Estadual precisa ser cumprida. Ele reconhece, porém, que o fato de o teto salarial dos servidores estar vinculado ao salário do governador cria problemas, principalmente para profissionais de maior qualificação que se encontram no topo da carreira, como é o caso dos docentes mais experientes da Unicamp, USP e Unesp. Ele lembra que na maioria dos outros Estados os salários do funcionalismo público estão vinculados aos vencimentos dos desembargadores, que também são servidores que cumprem uma carreira. Nesses Estados, o teto em vigor é significativamente maior que o de São Paulo. No Paraná, por exemplo, esse limite é de R$ 33,7 mil. “Nas discussões que temos feito dentro do Fórum das Seis [instância representativa de docentes, funcionários e estudantes das três universidades públicas paulistas], há a compreensão de que esse teto precisa ser revisto. Um professor que esteja no topo da carreira, mesmo que não tenha incorporado nenhum tipo de gratificação ao longo do tempo, já alcança o teto constitucional. Entretanto, enquanto esta questão não é revista, a Constituição deve ser respeitada”, reforça o dirigente do STU. Kiko também defende maior transparência na gestão dos salários do serviço público, na Unicamp em particular. Segundo ele, a questão da chamada “segunda matrícula”, que nas suas palavras era de conhecimento restrito, surgiu de forma transparente somente agora, com a divulgação

pública dos vencimentos dos servidores docentes e técnico-administrativos da Universidade. “Esse ponto precisa ser devidamente esclarecido tanto para a comunidade universitária, quanto para a sociedade em geral. Outro tema que precisa ser explicado é o mecanismo que permite que os docentes obtenham uma complementação salarial de até 100%”, afirma. Na avaliação do diretor do STU, é indispensável a construção de uma política no âmbito da Unicamp que permita uma discussão mais ampla e transparente dos recursos orçamentários e extra-orçamentários, como forma de estabelecer prioridades para os gastos. Ainda em relação ao teto salarial, Kiko entende que a solução encontrada pela Universidade, que promoveu o congelamento de reajustes e aumentos, não atende por completo o que determina a Constituição Estadual. “Quem ganhava acima do teto, continua ganhando. O pareamento com os vencimentos do governador só ocorrerá com o decorrer do tempo”, pondera. Kiko admite que o possível rebaixamento dos salários dos docentes, como condição ao cumprimento da emenda constitucional que estabeleceu o teto salarial, pode gerar situações indesejáveis, como a fuga dos quadros mais qualificados e experimentes da Unicamp para instituições federais ou de outros Estados, nas quais a realidade salarial é significativamente superior. “Esse risco existe, principalmente no médio e longo prazo. Entretanto, é preciso considerar que um pesquisador ou docente não vem trabalhar na Unicamp somente por causa do salário que a Universidade oferece. A excelente reputação da instituição, inclusive em nível internacional, também pesa nessa decisão”. Ainda conforme o dirigente sindical, a política salarial da Unicamp precisa estabelecer uma coerência entre o teto e o piso pago aos seus profissionais. “Os salários não podem ser tão altos que permitam regalias que outras categorias não têm e nem tão baixos que impeçam que o servidor leve uma vida digna. O ideal é que a remuneração seja adequada à função e que permita a atração e retenção dos melhores profissionais. Nós do STU entendemos, por exemplo, que o piso salarial nas três universidades públicas paulistas deveria ser o salário mínimo calculado pelo Dieese [Departamento Intersindical Estatística e Estudos Socioeconômicos]”, diz. Em junho, conforme o Dieese, esse mínimo deveria ser de R$ 3.299,66.

João Raimundo Mendonça de Souza, diretor do STU: “Os salários não podem ser tão altos que permitam regalias que outras categorias não têm e nem tão baixos que impeçam que o servidor leve uma vida digna”

Na atualidade, prossegue Kiko, somente as chamadas carreiras típicas do Estado, como as vinculadas aos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, têm funções bem remuneradas. No restante do serviço público estadual, diz, a grande parcela do funcionalismo ainda é mal paga. Por fim, o diretor do STU considera que a recente divulgação pública dos salários praticados na Unicamp leva à reflexão e ajuda a esclarecer a sociedade para a importância da definição de carreiras no âmbito do serviço público. A Universidade, pontua Kiko, é ou deveria ser um laboratório para a execução de experiências concretas de organização do trabalho na esfera pública. “Isso traz reflexos importantes para a qualidade das atividades de uma escola pública de nível superior como a Unicamp, que são o ensino, a pesquisa e a extensão. Nós ainda estamos longe de atingir esse patamar, mas não podemos perder o objetivo de vista. É fundamental que envolvamos a sociedade nesse debate, que em última análise visa à valorização do serviço público”.

Aos reitores da USP, Unesp e Unicamp e aos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

N

ós abaixo assinados, professores titulares e associados das universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), vimos pela presente solicitar que o Conselho de Reitores de nossas universidades bem como os integrantes da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo impeçam o corte de salários dos professores que se encontram, após duas ou três décadas de trabalho dedicado à universidade, no topo da carreira docente. Esses docentes são justamente aqueles que têm maior experiência em docência e em pesquisa e são eles que assumem, em grande parte, as tarefas acadêmicas e administrativas mais complexas da universidade. Esse corte salarial fere nosso sentimento de justiça e ameaça a excelência do ensino e da pesquisa nas universidades públicas do Estado de São Paulo.

Ingressando na carreira docente, o professor assume incumbências intelectuais, científicas, pedagógicas e administrativas variadas que vão se tornando mais complexas e numerosas conforme o docente avança na carreira. Ministrar disciplinas na Graduação e na Pós-Graduação, orientar estudantes em iniciação científica, no mestrado e no doutorado, supervisionar estágios de pós-doutorado, publicar pesquisas originais em periódicos nacionais e internacionais, coordenar grupos de pesquisa, estabelecer convênios com universidades e grupos internacionais, animar publicações científicas e muitas outras atividades vão se acumulando ao longo da carreira docente. Após muitos anos de trabalho, ele se qualifica para prestar o concurso para professor livre docente e, passados outros tantos anos, pode se capacitar para prestar o concurso para professor titular, o que geralmente ocorre quando o docente encontra-se na casa dos cinquenta anos.

Enquanto nas demais profissões que exigem diploma universitário, os jovens ingressam no mercado de trabalho após completar a graduação, isto é, aos 21 ou 22 anos de idade, um professor universitário na USP, na Unesp e na Unicamp só pode ingressar como professor após uma formação muito mais demorada. Precisa completar o curso de graduação, fazer o curso de mestrado e defender a dissertação que lhe dá o título de mestre e, por último, fazer o curso de doutorado e defender a tese que lhe dá o título de doutor. São cerca de oito anos de estudo e pesquisa além da graduação, o que faz que tais professores só ingressem no mercado de trabalho, na melhor das hipóteses, aos 29 ou 30 anos de idade. Ser obrigado a postergar o ingresso no mercado de trabalho representa um sacrifício, sobretudo considerando que o título de doutor é a exigência mínima para disputar uma vaga nas universidades estaduais paulistas.

A minoria de docentes que logra atingir o título de professor livredocente e, posteriormente, o cargo de professor titular atinge, em consonância com tal título e cargo, um nível salarial mais elevado, além de receber, como todo funcionário público estadual de São Paulo, os quinquênios e a sexta-parte em decorrência das décadas de trabalho dedicado ao serviço público. A ascensão na carreira faz com que atinja, nos últimos anos de dedicação ao ensino e à pesquisa, um salário superior ao teto que foi estabelecido para o funcionalismo estadual de São Paulo, a saber o subsídio que é concedido ao Governador do Estado. Ora, o subsídio destinado a um cargo eletivo, de ocupação efêmera e cuja fixação depende de circunstâncias e de cálculos políticos, não pode servir de referência para enquadrar o salário de uma carreira que é estabelecida por lei, exige décadas de formação e trabalho e cuja remuneração é a única fonte de rendimento daqueles que a ela se dedicam – a imensa

maioria dos professores das universidades estaduais paulistas trabalha em regime de dedicação integral à docência e à pesquisa o que os impede de exercer outra atividade remunerada. Hoje, são principalmente os professores titulares que estão na iminência de sofrer, ou que já sofreram, o injusto corte salarial. Amanhã, serão os professores livre docentes mais ativos que, ascendendo na carreira, também serão atingidos pela guilhotina salarial. É toda a carreira docente, esteio da excelência das universidades paulistas, que está ameaçada. Os abaixo assinados dirigem-se aos Reitores das três universidades paulistas e aos integrantes da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo solicitando o maior empenho em fazer tramitar e aprovar a emenda constitucional que colocará o funcionalismo público do Estado de São Paulo em situação similar àquela na qual já se encontra o funcionalismo público de outros Estados brasileiros cujas Assembleias Legislativas já estabeleceram um subteto único para o funcionalismo estadual, tomando como referência o limite de 90,25% do subsídio dos Ministros do STF. Essa emenda atende aos princípios da justiça e preserva a integridade da carreira docente e a excelência das universidades públicas paulistas. São Paulo, março de 2015

Confira os nomes dos signatários em http://www. adunicamp.org.br/?p=1197#comment-87


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Campinas, 10 a 16 de agosto de 2015

Teto fere isonomia e caráter Em parecer produzido após consulta feita pelo reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, o jurista Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), evoca a Constituição, a regra da isonomia e o caráter nacional da educação superior para fundamentar o documento, no qual diz que “a Unicamp deve adotar o mesmo teto remuneratório aplicável aos docentes das universidades públicas federais”. Leia a seguir a íntegra do parecer.

Sala de aula no Ciclo Básico II: segundo Eros Grau, “resulta inadimissível a fixação de tetos remuneratórios distintos para professores de universidades federais e de universidades estaduais”

O Magnífico Reitor da UNICAMP, Prof. Dr. José Tadeu Jorge, encaminhou-me a seguinte “Consulta: Os vencimentos dos docentes da UNICAMP têm sido comparados ao subsídio do Governador do Estado de São Paulo, atualmente fixado em R$ 20.662,00, para aferição do teto remuneratório. Já os professores das universidades públicas federais têm suas remunerações comparadas ao teto remuneratório federal, que desde janeiro de 2012 corresponde ao valor de R$ 28.059,29. Assim, teoricamente, um Professor Titular da UNICAMP pode receber no máximo uma remuneração de R$ 20.662,00, enquanto um Professor Titular da UNB ou da UFSCAR pode perceber R$ 28.059,29 de vencimentos. Trata-se de uma diferença que não só fere o princípio da isonomia e o caráter nacional da educação superior (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), como também desestimula o ingresso de futuros docentes nos quadros da UNICAMP e incentiva a saída de seus professores mais qualificados, que preferirão seguir suas carreiras nas universidades federais, onde o pagamento de salários mais elevados é viabilizado pelo teto remuneratório federal de R$ 28.059,29. Indaga-se se, considerando o princípio da isonomia e o caráter nacional da educação superior (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), é possível que a UNICAMP, autarquia de regime especial do Estado de São Paulo, adote o mesmo teto remuneratório aplicável aos docentes das universidades públicas federais?”.

PARECER 01. A Constituição do Brasil confere à educação, bem assim ao ensino, caráter nacional. Define que à União compete privativamente legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional1 . Trata do ensino público como um todo, o que se pode discernir do disposto no artigo 206. Todas as universidades públicas, sejam federais, sejam estaduais, “gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, nos termos do que determina seu artigo 207. Mais ainda, nos termos do disposto em seu artigo 214, “[a] lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas

dos poderes públicos das diferentes esferas federativas”.

projeta a partir dele — desse texto — até a Constituição.

02. Além disso, o § Io do artigo 8 o da lei 9.394/96 — que estabelece as “diretrizes e bases da educação nacional” — define que “[caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais”.

Por isso um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico não expressa significado normativo algum, o que vale ainda em relação aos preceitos veiculados pela Constituição. Também os seus textos — artigos e parágrafos — devem ser interpretados no quadro da totalidade constitucional, vale dizer no quadro da totalidade normativa da Constituição.

O artigo 9 o dessa mesma lei designa incumbir à União, entre outras atribuições, (I) a elaboração do Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios2 ; (II) assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino3; (III) baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pósgraduação4; (IV) assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino5; e (V) autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino6 . E o § Io desse mesmo artigo 9o estabelece que “[na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei”. 03. Daí o caráter nacional da educação, em especial o ensino superior, objeto de consideração neste meu parecer. A Constituição do Brasil o afirma, reiterando-o a lei 9.394/96. Por isso resulta inadmissível a fixação de tetos remuneratórios distintos para professores de universidades federais e de universidades estaduais. 04. O artigo 37, XI da Constituição do Brasil estabelece que a remuneração dos servidores públicos em geral não pode “exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, (...) nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo” 7. Mas distinção entre servidores públicos federais e estaduais não alcança os docentes das universidades públicas federais e estaduais. 05. Com efeito, a Constituição consubstancia uma totalidade. Totalidade normativa que não se pode interpretar em tiras, aos pedaços. Dela não se pode destacar determinado preceito, a fim de que se o interprete individualizada, isoladamente. A interpretação do direito é interpretação do direito, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta textos de direito isoladamente — permito-me repeti-lo —, mas sim o direito, no seu todo. Isso tenho reiteradamente sustentado 8. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se

06. Ademais, a Constituição evidentemente não se contradiz. Seu artigo 37, XI admite a fixação de tetos distintos de remuneração aplicáveis aos servidores públicos em geral, mas essa autorização para discriminar somente subsiste na medida em que adequada à isonomia. 07. A igualdade se expressa em isonomia [= garantia de condições idênticas asseguradas ao sujeito de direito em igualdade de condições com outro sujeito de direito] e na vedação de privilégios. Decorre da universalidade das leis — jura non in singulas personas, sed generaliter constituuntur8. Reunidos os dois princípios, igualdade e universalidade das leis, assim se traduzem: a lei é igual para todos e todos são iguais perante a lei. Nem sempre foi assim, contudo. Tal como inscrito nos primeiros textos constitucionais, o princípio da igualdade era interpretado exclusivamente como determinação de igualdade na aplicação do direito. Essa determinação vincularia unicamente os órgãos que aplicam o direito, não alcançando o legislador, o que despertou acesa crítica de Kelsen 9. Após passou a ser tomado também como determinação de igualdade na formulação do direito, o que importa em que todos devam ser tratados de modo igual pelo legislador11. A anotação de Francisco Campos é primorosa: “O mandamento da Constituição se dirige particularmente ao legislador e, efetivamente, somente êle poderá ser o destinatário útil de tal mandamento. O executor da lei já está, necessàriamente, obrigado a aplicá-la de acordo com os critérios constantes da própria lei”12. 08. Diz o artigo 5 o da Constituição do Brasil: “Art. 5o - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (grifei). Encontra-se no enunciado deste artigo 5 o, caput — enunciado bem distinto dos que anteriormente, nas nossas Constituições antecedentes, o institucionalizaram — a consagração da igualdade não apenas em termos formais, mas ainda em termos materiais13. Vale dizer: o que a nova Constituição postula, expressamente, é o entendimento que vinha a doutrina contemplando, segundo o qual a tão-só igualdade perante a lei nada significaria14. Ela se manifesta, no texto, qual observa José Souto Maior Borges15, como instrumento de preservação de si própria: a igualdade formal garante a igualdade material e a igualdade material garante a igualdade formal. Não basta que a todos se aplique; é necessário que o seu conteúdo alcance todos igualmente. 09. A concreção da regra16 da igualdade reclama a prévia determinação de quais sejam os iguais e quais os desiguais, mesmo porque — e isso é repetido quase que automaticamente, desde Platão e Aristóteles17 — a igualdade consiste em dar tratamento igual aos iguais, desigual aos desiguais.


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nacional da educação superior Vale dizer: o direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações desiguais. A questão que fica — crucial — é, na dicção de Celso António Bandeira de Mello 18, a seguinte,: “[a]final, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?”. 10. Tudo se torna mais claro na medida em que considerarmos o quanto afirma Kelsen19: “os homens (assim como as circunstâncias externas) apenas podem ser considerados como iguais, ou, por outras palavras, apenas há homens iguais (ou circunstâncias externas iguais), na medida em que as desigualdades que de facto entre eles existem não sejam tomadas em consideração. Se não há que tomar em conta quaisquer desigualdades sejam elas quais forem, todos são iguais e tudo é igual’. E prossegue, adiante 20, observando que o princípio [= a regra] “postula não apenas um tratamento igual mas também um tratamento desigual. Por isso, tem de haver uma norma correspondente a este princípio que expressamente defina certas qualidades em relação às quais as desigualdades hão-de ser tidas em conta, afim de que as desigualdades em relação às outras qualidades possam permanecer irrelevantes, a fim de que possam haver de todo em todo, portanto, indivíduos ‘iguais’. ‘Iguais’ são aqueles indivíduos que, em relação às qualidades assim determinadas, não são desiguais. E o poderem, de todo em todo, existir indivíduos ‘iguais’, é a consequência do facto de que, se não todas, pelo menos certas desigualdades não são consideradas” (grifo no original). Por isso mesmo pode a lei — como qualquer outro texto normativo —, sem violação da regra da igualdade, distinguir situações, a fim de a uma delas conferir tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo sem que essa violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo da regra. Procurando dar resposta à indagação a respeito de quais situações e pessoas podem ser discriminadas sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos na regra constitucional da isonomia, a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão toma como fio condutor o seguinte: “a máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual não seja possível encontrar uma razão razoável, que surja da natureza da coisa ou que, de alguma forma, seja compreensível, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada de arbitrária”21. Dir-se-á, pois, que uma discriminação será arbitrária quando “não seja possível encontrar, para a diferenciação legal, alguma razão razoável que surja da natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível”22 . Tratando do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello 23 observa que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia envolve a ponderação de três questões: “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é ‘in concreto’, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”. 11. O artigo 37, XI da Constituição do Brasil, vimos acima, admite a fixação de tetos distintos de remuneração aplicáveis aos servidores públicos em geral, mas essa autorização para discriminar somente subsiste na medida em que adequada à isonomia. O que e no que são desiguais professores de universidades federais e de universidades estaduais? 12. O critério de discriminação entre os primeiros e os segundos encontrar-se-ia na circunstância de uns serem professores de universidades federais, os outros de universidade estaduais. Inexiste, a toda evidência, justificativa racional, fundamento lógico, para, em razão de discriminação como tal, distinguir-se os primeiros dos segundos. Distinção como tal está em franca desarmonia com a regra constitucional da igualdade e o caráter nacional da educação, em especial o ensino superior. 13. Situação análoga foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.854 MC, atinente ao teto remuneratório constitucional aplicável os membros da magistratura federal e estadual, cuja ementa transcrevo: “EMENTA: MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remune-

O jurista Eros Grau: “Não há nenhuma razão lógico-jurídica a distinguir docentes de universidades estaduais e docentes de universidades federais” ratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2o da Resolução n° 13/2006 e do art. Io, § único, da Resolução n° 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal”. Tudo quanto nesse julgamento foi observado aplica-se, qual uma luva, à questão versada na consulta. Não há nenhuma razão lógico-

jurídica a distinguir docentes de universidades estaduais e docentes de universidades federais. 14. Ao quesito proposto na consulta dou, portanto, a seguinte resposta: *sim; considerando a regra da isonomia e o caráter nacional da educação superior (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a UNICAMP, autarquia de regime especial do Estado de São Paulo, deve adotar o mesmo teto remuneratório aplicável aos docentes das universidades públicas federais. É o que me parece São Paulo, 12 de novembro de 2013 Eros Roberto Grau

1 - Artigo 22, XXIV. 2 - Artigo 9o, I. 3 - Artigo 9o, VI. 4 - Artigo 9o, VII. 5 - Artigo 9o, VIII. 6 - Artigo 9o, IX. 7 - A Emenda Constitucional 47/05 inseriu um § 12 nesse artigo 37, com a seguinte redação: “§ 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores”. 8 - Vide meu Por que tenho medo dos juízes. 6a edição refundida do Ensaio e discurso sobre a interpretação/ aplicação do direito, Malheiros Editores, São Paulo, 2013, pp. 84/85. 9 - Ulpiano, 1, 3, 10, 8. 10 - A Justiça e o Direito Natural. Armênio Amado, Coimbra, 1963, p. 66 11 - Vide, por todos, Francisco Campos, Direito Administrativo, vol. II, Livraria Freitas Bastos S/A, Rio de Janeiro, 1.958, pág. 189-191; e Direito Constitucional, vol. II, Livraria Freitas Bastos S/A, Rio de Janeiro, 1956, p. 17 e ss. 12 - Direito Constitucional, cit., p. 188; respeitei a ortografia do original. 13 - Isso evidentemente não significa que a igualdade seja realizada efetivamente, como em um passe de mágica, no mundo do ser. O que aponto é o fato de o discurso do texto normativo ter sido alterado. 14 - Observa Kelsen (A Justiça e o Direito Natural, cit., p. 79): “Com efeito, a chamada ‘igualdade’ perante a lei não significa outra coisa que não seja a aplicação legal, isto é, correta, da lei, qualquer que seja o conteúdo que esta lei possa ter, mesmo que ela não prescreva um tratamento igualitário, mas um tratamento desigual”. 15 - Parecer inédito 16 - A propósito da distinção entre regras e princípios, que hoje recuso, meu Por que tenho medo dos juízes, cit., pp. 98 e ss. 17 - Platão, Leis. VI 757; Aristóteles, Política. III 9 (1280a) e Etica a Nicõmano. V 6 (1131a). 18 - O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1978, pp. 15/16. 19 - Ob. cit., p. 67. 20 - Idem, pp. 70/71. 21 - Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte. Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1986, p. 366. 22 - Idem, p. 370. 23 - O conteúdo do principio da igualdade, ob. cit., pp. 27/28.


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Quanto custa um professor titular?

O desafio de atrair o melhor talento MARCELO KNOBEL

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m um livro recente, Philip G. Altbach e colegas apresentam uma comparação criteriosa da remuneração de docentes universitários em diferentes países (Altbach et al., eds., Paying the Professoriate: A Global Comparison of Compensation and Contracts, / Remuneração de Docentes: uma Comparação Global de salários e Contratos, Routledge, 2012). Independentemente da pesquisa em questão, uma das principais conclusões do relatório foi que este tipo de informação é incrivelmente difícil de ser encontrada e sua análise é mais complexa ainda, devido a diferentes descontos e benefícios, concedidos por cada universidade, região ou país. Além disso, na maioria dos países desenvolvidos as trajetórias individuais das carreiras docentes são refletidas em salários diferenciados. Muitos países têm lutado no sentido de desenvolver um sistema de ensino superior sólido, e a atração de jovens motivados e talentosos é fundamental para o desenvolvimento futuro de uma cultura de excelência — necessária para apoiar a educação das futuras gerações. Contudo, no Brasil e em muitos países da América Latina há uma forte tendência contra a remuneração baseada em mérito acadêmico, particularmente nas universidades públicas onde é realizada uma parte considerável da pesquisa acadêmica. Neste artigo cito um exemplo de uma política pública do Estado de São Paulo que certamente afetará a atração de jovens talentos para suas universidades, colocando em risco o esforço da construção de um sistema de ensino superior de alta qualidade já em evolução há mais de 60 anos. Em principio, dados sobre salários e remunerações deveriam ser de fácil rastreamento no Brasil, onde um código de relativa isonomia tem regido os salários no sistema de ensino superior. Apesar de diferenças na produtividade, ensino, impacto e sucesso na atração de recursos financeiros adicionais, a situação estabelecida indica que membros docentes no mesmo nível de suas carreiras devem receber o mesmo estipêndio mensal. Na prática, a situação é bem mais complexa, não apenas pelos aumentos de salários por tempo de instituição, mas também quando são adicionadas (e eventualmente incorporadas) remunerações por atribuições administrati-

vas. Além disso, alguns membros docentes recebem renda adicional de bolsas, ou trabalho de consultoria. Para tornar as coisas mais complicadas, os salários variam enormemente pelo tipo de instituição — privadas com fins lucrativos, instituições federais públicas, privadas sem fins lucrativos, pública estadual, ou pública municipal.

LIMITAÇÕES NO TOPO Um debate recente no Brasil levantou questões interessantes relacionadas aos salários de docentes de nível sênior nas universidades públicas do Estado de São Paulo (Universidade de São Paulo–USP, Universidade Estadual de Campinas–Unicamp, e Universidade do Estado de São Paulo–Unesp), instituições consideradas entre as melhores da América Latina, conforme evidenciado em diferentes rankings. Desde 2003, em cumprimento à legislação federal, o Estado de São Paulo vinculou os salários do setor público à remuneração de seu governador, cuja compensação representa o salário máximo pago a um servidor público estadual — conhecido como “teto salarial” do funcionalismo público estadual. Não é de surpreender que este teto possa ser ajustado em valores relativamente baixos por conveniência política, particularmente para prevenir gastos por parte do Estado. De igual modo, abre uma porta para políticas orientadas pelo populismo, embora na realidade o governador não dependa de um salário mensal, pois ele ou ela recebe outros benefícios financeiros (tais como moradia, motorista, refeições, etc.). No Estado de São de Paulo, o salário bruto do governador é atualmente de R$ 21.631,05. Para termos de comparações internacionais, descontando 27,5% de impostos, o salário líquido máximo no Estado de São Paulo é de cerca de US$ 4.500,00 por mês, o que leva a um estipêndio líquido anual de cerca de US$ 60.000,00 (com base em 13 meses mais um terço de férias). Isso estabelece o salário máximo permitido para professores titulares e funcionários administrativos em nível sênior nas instituições do Estado de São Paulo, independentemente dos anos de serviços prestados, mérito, prestígio, responsabilidades administrativas, ou qualquer outro fator. Esses valores certamente não são competitivos internacionalmente. Foto: Antoninho Perri

Embora a lei atual que estabelece o teto date de 2003, a Suprema Corte do país decidiu recentemente que a legislação deverá ser aplicada, mesmo nos casos quando os salários estiverem acima do valor máximo permitido antes de 2003. Em curto prazo, espera-se que grande número de docentes e pessoal administrativo com condições necessárias para aposentadoria dê início ao processo, quando seus salários forem reduzidos. Pior ainda, será difícil encontrar docentes nos níveis mais altos da carreira dispostos a ocupar funções administrativas, tais como chefes de departamento, coordenadores de graduação, etc., sem a possibilidade de remuneração adicional.

O DESAFIO DE ATRAIR E RETER TALENTO

Obviamente, reclamações sobre limitações dos salários de docentes podem ser considerados como “politicamente incorretos” em um país onde o salário mínimo é de R$ 788,00 (US$ 225,00), e o salário médio está abaixo de R$ 2.100,00 (US$ 600,00). Um salário bruto de mais de R$ 20.000,00 está certamente no quintil mais alto. Em um país de enormes desigualdades sociais, fica claro que ser parte do corpo docente de uma universidade pública imediatamente posiciona o indivíduo no topo da pirâmide socioeconômica. Contudo, de uma perspectiva diferente, esforços têm sido feitos durantes as últimas seis décadas pelo Estado de São Paulo e a nação no sentido de desenvolver pelo menos algumas universidades ditas de classe mundial. Essas universidades de pesquisa são essenciais para o desenvolvimento socioeconômico do país e, paradoxalmente, fundamentais para reduzir as fortes desigualdades na sociedade brasileira. A estrutura salarial e o teto vigente, impostos sobre as universidades, impedem a possibilidade de atrair os melhores jovens talentos necessários para apoiar o desenvolvimento deste sistema universitário que é ainda muito jovem. Por certo, membros docentes jovens e brilhantes são fundamentais para a futura qualidade da pesquisa, ensino e extensão, e para manter a colaboração e a competitividade com o mundo globalizado. Como as universidades estaduais paulistas poderão manter o sucesso, a força, o impulso e o fôlego se não forem capazes de atrair e manter os melhores talentos? Quanto vale um membro docente de nível sênior? O que faz um jovem talento escolher uma carreira acadêmica? No Brasil, assim como em outros países, parte da resposta da escolha pessoal é a aparente liberdade acadêmica oferecida pelas carreiras do ensino superior. Contudo, pelo menos no Brasil, isso veio com outros benefícios, incluindo aposentadoria com salário integral (não mais vigente) e estabilidade no emprego (até quando?). Embora a estabilidade ainda permaneça, os salários no topo da ascensão profissional não são mais competitivos com empresas no setor privado (comércio, serviços, etc.). Além disso, se compararmos o salário máximo atingido após muitos anos de dedicação a uma universidade com seus equivalentes internacionais, as diferenças são demasiadamente grandes. Em um mercado global competitivo, isso tem uma importância tremenda.

POLÍTICA NACIONAL

E EXCELÊNCIA ACADÊMICA

As universidades são, em princípio, um espaço privilegiado, onde a meritocracia deveria representar um papel importante. Na maior parte do sistema do ensino superior brasileiro, um membro do corpo docente pode ser muito bem remunerado sem necessariamente demonstrar um bom desempenho. Este fato drena a motivação de docentes mais produtivos. Além disso, a existência de um salário máximo pré-definido representa uma desvantagem para o caminho árduo de ter instituições de classe mundial. As universidades do Estado de São Paulo precisarão encontrar soluções criativas para vencer uma deficiência tão significativa para seguir avançando. Limitar os salários no topo da carreira profissional, por razões políticas, que levam a desvantagens competitivas com alternativas no mercado de trabalho nacional e global, certamente prejudicará um sistema universitário ainda nascente, construído com esforço conjunto durante anos recentes. Infelizmente, esta questão é compartilhada por outros países em desenvolvimento que lutam para estabelecer um bom sistema de ensino superior. No caso de muitos países na América Latina, as universidades públicas são os principais atores no desenvolvimento da pesquisa e inovação. Estas universidades são fortemente regulamentadas por políticas nacionais que prejudicam a diferenciação acadêmica apoiada pela compensação financeira racional — tornando difícil a atração de jovens talentos para vida acadêmica, bem como membros docentes com perfis específicos. Embora deva ser claro, cabe destacar que os professores são o centro da academia, e seus envolvimentos, retenção, e motivação são elementos chave para a sobrevivência das universidades. Marcelo Knobel é professor titular no Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp.

Este artigo é uma versão atualizada do original em inglês publicada no site: https://www.insidehighered.com/blogs/ world-view/danger-ahead-state-universities-s%C3%A3opaulo-state. O professor Marcelo Knobel


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