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Campinas, 8 a 14 de junho de 2015 - ANO XXIX - Nº 627 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT

Fotos: Laboratório de Ecologia Funcional de Plantas/ IB-Unicamp/ Divulgação

Campos ameaçados 3

A pecuária e a mineração estão colocando sob séria ameaça os campos rupestres, formações que abrigam cerca de um terço da biodiversidade vegetal do país. É o que constatam pesquisas coordenadas pelo professor Rafael Silva de Oliveira, do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia.

Acima, campos rupestres na Serra do Cipó, em Minas Gerais; no alto, da esq. para a dir., flores das espécies Cambessedesia hilariana (Melastomataceae), Kielmeyera sp. (Clusiaceae), Stachyrtapheta sp. (Verbanaceae) e Actinocephalus cabralensis (Eriocaulaceae)

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Genética dá pistas sobre efeitos de medicamento País precisa diversificar C&I, demonstra livro

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Assentamento mitiga insegurança alimentar ‘Pacto’ e metalinguagem na HQ de Alison Bechdel

Um assassinato de 430 mil anos Estímulo no sono reduz preconceito Artigos que ressurgem após longa hibernação

TELESCÓPIO

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Campinas, 8 a 14 de junho de 2015

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Javier Trueba/Madrid Scientific Films

Assassinato pré-histórico

Crânio pré-histórico descoberto na Espanha, com sinais de violência

Arqueólogos trabalhando na reconstituição de um crânio do gênero Homo de 430 mil anos, descoberto na Espanha, encontraram o que pode ser a primeira evidência clara de uma morte por assassinato. O crânio apresenta duas perfurações sobre a órbita do olho esquerdo, consistentes com impactos sucessivos de um mesmo instrumento. Não há sinais de regeneração do osso em torno das feridas, o que indica que a morte ocorreu logo após os golpes. O artigo que descreve a descoberta, publicado no periódico PLoS ONE, lembra que existem apenas dois outros esqueletos pré-históricos com sinais sugestivos de morte violenta causada por outro ser humano, mas em ambos os casos os ferimentos também podem ser interpretados como acidentes. Os autores do trabalho na PLoS ONE, vinculados a instituições do México, Espanha, EUA, França e China, argumentam que a repetição do golpe e o caráter letal da ferida virtualmente exclui essa possibilidade, porque “implicam a intenção de matar”. O crânio é parte de uma grande coleção de ossos do gênero Homo encontrada numa caverna espanhola, a Sima de los Huesos. Os autores acrescentam que a descoberta desse crânio reforça a hipótese de que os corpos acumulados na caverna foram transportados já mortos para lá, o que sugere que o local esteve ligado a algum tipo de rito fúnebre.

Genética da dor Uma equipe internacional de pesquisadores, encabeçada pelas universidades de Cambridge e Munique, apresenta no periódico Nature Genetics a descoberta de que mutações do gene PRDM12 estão ligadas à insensibilidade congênita à dor (ICD), uma condição que torna a pessoa incapaz de sentir dor física. Os pesquisadores estudaram pacientes de ICD em 11 diferentes famílias, e determinaram que os portadores dessas mutações não sentiam dor desde a infância e eram incapazes de distinguir níveis desagradáveis de calor e de frio, mas tinham todos os outros sentidos normais. Realizando testes em animais de laboratório e em culturas de células, os autores determinaram que o gene se expressa especificamente em receptores de dor e células relacionadas. O silenciamento desse gene em sapos afetou o desenvolvimento de neurônios sensoriais. O artigo na Nature Genetics sugere que a descoberta poderá ser útil no desenvolvimento de novas terapias para a dor.

Diversidade química na Amazônia As árvores da Floresta Amazônica apresentam uma enorme diversidade nos compostos químicos que produzem em suas folhas: as moléculas expressadas mudam de acordo com pequenas variações de topografia e composição do solo, mostra artigo publicado no periódico Nature Geoscience. Os autores do estudo, ligados à Carnegie Institution, valeram-se de dados coletados pelo Carnegie Airborne Observatory (CAO), um conjunto de instrumentos de sensoriamento remoto montado num avião que sobrevoou parte da Amazônia peruana, entre os rios Madre de Dios e Tambopata.

As leituras foram feitas a partir de imagens obtidas entre as faixas da luz visível e do infravermelho próximo. “A localização ao longo dos rios controla a variação de características entre diferentes paisagens, e a microtopografia controla a variação de características dentro da paisagem”, diz o artigo. Nota divulgada pela Carnegie Institution lembra que existem milhares de espécies vegetais na Floresta Amazônica, “cada uma sintetizando um complexo portfólio de substâncias químicas para realizar uma variedade de funções, como capturar luz do sol, combater herbívoros, atrair polinizadores”.

os vieses implícitos haviam sido reduzidos, de modo mais evidente, para o treinamento reforçado pelo som, durante o sono. Num comentário ao artigo, publicado na mesma edição da Science, pesquisadores alemães saúdam o potencial da descoberta, mas, citando o romance Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, advertem que “essa pesquisa precisa ser guiada por considerações éticas”.

Universo vazando Dormindo contra o preconceito Estímulos durante o sono podem reduzir preconceitos implícitos, reforçando treinamento realizado durante o período de vigília, diz artigo publicado na revista Science. “Embora as pessoas possam acatar o igualitarismo e a tolerância, vieses sociais podem permanecer operantes e estimular ações prejudiciais de modo inconsciente”, escrevem os autores, ligados às universidades Princeton, Northwestern e à Universidade do Texas. Para tentar reduzir os vieses sociais contra negros e mulheres, os autores submeteram voluntários a sessões de treinamento, onde eram apresentadas imagens de integrantes dos grupos alvo de preconceito, associadas a conceitos positivos. Essas apresentações eram acompanhadas de um som diferente para cada grupo – uma nota para imagens de mulheres, outra para de negros. Os pesquisadores constataram que os vieses reduziram-se imediatamente após as sessões de treinamento. Depois dessas sessões, os participantes tiraram cochilos de 90 minutos, durante os quais uma das duas notas musicais – a associada a raça ou a associada a gênero – era repetida, suavemente. Uma semana depois, os pesquisadores determinaram que

Uma equipe de pesquisadores da França e Bélgica propõe, no periódico Physical Review D, um método simples para testar a hipótese de que o nosso Universo é apenas um “mundo-brana”, uma espécie de membrana tridimensional, que existiria em meio a muitas outras. Se essa ideia corresponde aos fatos, algumas partículas devem ser capazes de viajar entre as branas, efetivamente “pulando” de um Universo para outro. Os pesquisadores europeus sugerem que um detector de nêutrons montado nas proximidades de um reator nuclear poderia encontrar partículas que, emitidas pelo reator, conseguissem passar pelas várias barreiras de segurança ao saltar para outra brana e, depois, de volta. Os autores propõem ainda uma série de análises para distinguir os nêutrons vindos da brana vizinha daqueles que seriam produzidos por meios mais mundanos, como raios cósmicos.

Pânico cibernético no mercado Em fevereiro de 2013, um hacker usou uma conta de Twitter da agência noticiosa Associated Press para disparar uma mensa-

gem que mergulhou os mercados globais em pânico. Embora a natureza falsa da informação tenha sido identificada rapidamente, e os mercados tenham se corrigido sem maiores danos, o evento ficou marcado como um “crash” conduzido por computadores, desencadeado por algoritmos criados para identificar eventos online capazes de afetar a economia. Alguns desses algoritmos apenas alertam operadores humanos, mas outros têm autonomia para atuar no mercado. Foram esses algoritmos que, em termos humanos, “entraram em pânico”, realizando milhões de operações em segundos, em resposta ao conteúdo postado pelo hacker, que “informava” que o presidente Barack Obama tinha sido ferido num atentado à Casa Branca. Em artigo no periódico Theory, Culture & Society, pesquisadores da Universidade de Buffalo, da Microsoft e do MIT analisam o caso, e pedem mais pesquisa para identificar os modos pelos quais o conteúdo das mídias sociais se articula com o mundo das finanças globais. “Quando sistemas computacionais começam a analisar o que se espalha pelo Twitter e então tomam decisões baseados nessas previsões, mais rapidamente do que o tempo de reação humano, vemos consequências imprevisíveis”, disse, em nota, um dos autores, Tero Karppi, da Universidade de Buffalo.

As ‘Belas Adormecidas’ da ciência A literatura científica esconde “Belas Adormecidas”, artigos que são pouco citados imediatamente após sua publicação mas que se tornam subitamente relevantes anos, ou décadas, depois de terem vindo a público. Esse efeito já é conhecido, mas costuma ser considerado extremamente raro. Agora, no entanto, um levantamento realizado por pesquisadores da Escola de Informática e Computação da Universidade de Indiana (EUA) e publicado pelo periódico PNAS sugere que o fenômeno é muito mais frequente do que indicavam estudos anteriores. “Em ciência, ‘Bela Adormecida’ é um artigo (...) cujo histórico de citações exibe um longo período de hibernação, seguido de um pico abrupto de popularidade”, escrevem os autores, que criaram um critério estatístico para detectar essas “Adormecidas”, e aplicaram-no a 22 milhões de artigos, publicados ao longo de mais de 100 anos. Eles concluem que “há um espectro contínuo de reconhecimento atrasado, quando tanto o período de hibernação quanto a intensidade do despertar são levados em consideração”, e que o fenômeno realmente salta aos olhos quando a análise é feita em bancos de dados multidisciplinares. “Podemos observar muitos exemplos de artigos atingindo importância atrasada, mas excepcional, em disciplinas diversas daquela em que foram originalmente publicados”.

Infográficos grátis da ‘Nature’

O grupo Nature iniciou em abril uma nova publicação exclusivamente online, a Nature Reviews: Disease Primers, dedicada a publicar “primers” – “cartilhas” – sobre o estado atual do conhecimento científico a respeito de diversas doenças. Além de aparecer sob a forma de texto, cada “primer” também é resumido como infográfico, disponível gratuitamente em formato PDF. Novos “primers” são publicados semanalmente, no endereço http://www.nature.com/nrdp/ .

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Campinas, 8 a 14 de junho de 2015

Pecuária e mineração põem

campos rupestres sob ameaça Formações vegetais abrigam cerca de um terço da biodiversidade do país Fotos: Laboratório de Ecologia Funcional de Plantas (IB)/Divulgação

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

xiste no Brasil uma formação vegetal extremamente rica do ponto de vista biológico, enquanto fornecedora de serviços ecossistêmicos relacionados principalmente com a questão da água, mas que se encontra seriamente ameaçada por atividades econômicas como a pecuária e a mineração. Trata-se dos campos rupestres, que ocorrem em porções altas de serras de Minas Gerais, Bahia e Goiás – e que apesar de ocuparem menos de 1% do território nacional (0,8%, na verdade), abrigam cerca de 1/3 da nossa biodiversidade vegetal, ou seja, 11 mil espécies de um total de 33 mil, segundo listagem recente. “Nos campos rupestres, as plantas podem crescer sobre rochas ou na areia e desenvolveram estratégias especializadas para sobreviver apesar da escassez de nutrientes e de água”, afirma o professor Rafael Silva de Oliveira, do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia (IB). “No entanto, essas formações estão muito ameaçadas por causa da ideia de que apenas as florestas têm importância biológica; menosprezamos as formações abertas, campestres, permitindo o pisoteio pelo gado e a mineração, quando a diversidade pode ser muito maior do que em formações florestais.” Rafael Oliveira coordena o Laboratório de Ecologia Funcional de Plantas, onde seus alunos investigam os mecanismos de aquisição de nutrientes e de água pelas plantas dos campos rupestres, e como alterações na disponibilidade destes recursos afetam o desenvolvimento delas. “Uma grande questão científica da nossa área é entender os mecanismos que geraram e que mantêm essa altíssima biodiversidade. Seguimos a hipótese de que a partição do uso de recursos é um dos fatores que explicam a coexistência de tantas espécies. Existe uma enorme variação de micro-habitats e é a diversidade de estratégias de absorção de recursos que procuramos documentar.” Além destas peculiaridades biológicas, o professor do IB aponta três aspectos abióticos importantes nos campos rupestres. “Um deles é que esta vegetação ocorre numa região geologicamente bastante antiga, com muitos afloramentos de rochas e areia branca, sendo que o tipo de rocha predominante, o quartzito, é paupérrimo em nutrientes, sobretudo em fósforo. Outro aspecto é a pouca disponibilidade de água, que se esvai facilmente nos solos rochosos e arenosos, registrando-se ainda um período de seca rigorosa. Além disso, as plantas estão sujeitas a elevados níveis de radiação por ocorrerem sobre montanhas abertas e, consequentemente, ao risco de incêndios.” O professor atenta, então, para o paradoxo: como os campos rupestres sustentam tamanha diversidade de espécies, se lá estão reunidas todas as condições não propícias para o desenvolvimento de um vegetal? “O que tem motivado nosso grupo de pesquisa é a descoberta de diversos mecanismos interessantes de aquisição de nutrientes e água. Em relação a nutrientes, verificamos que a carnivoria é uma estratégica curiosa e bastante prevalente neste ambiente. Recentemente, descrevemos um mecanismo novo de carnivoria, numa família em que ela nunca tinha sido descrita, as plantagináceas. A espécie descrita apresenta folhas diminutas enterradas na areia branca, com as quais consegue atrair, prender e digerir nematóides (vermes que vivem no solo).” Os pesquisadores do laboratório também constataram, conforme Rafael Oliveira, mecanismos em que as plantas secretam substâncias (exsudatos e carboxilatos) capazes de liberar o fósforo presente no solo. “Outro diferencial é que grande parte das espécies apresenta baixíssima ou nenhuma associação com micorrizas – fungos que se associam às plantas e aumentam o volume de solo explorado pelas hifas (cuja forma é de raízes muito finas que se espalham). É mais comum encontrarmos as especializações radiculares com outras associações para liberação de ácido orgânico.”

PLANTAS RESSURGENTES

Grazielle Sales Teodoro é autora de tese de doutorado em que avaliou mecanismos de resistência à seca apresentados por espécies dos campos rupestres, incluindo um grupo muito peculiar, as chamadas plantas ressurgentes. “Para isso, procuramos simular uma condição mais seca que a normal, na qual estabelecemos parcelas no campo rupestre para excluir a água da chuva e monitorando seis espécies por quase dois anos. Na região temos tanto plantas arbustivas como herbáceas e vimos que, no geral, todas se mostraram bem resistentes à seca: não observamos mortalidade de indivíduos.” Segundo a doutora em biologia vegetal, as plantas utilizam grande diversidade de estratégias para lidar com as condições de seca. “Dentre as espécies arbustivas, algumas têm um sistema vascular bastante resistente a cavitação e embolismo (formação de bolhas nos condutos do xilema, inviabilizando o fluxo de água), enquanto outras parecem mais susceptíveis à cavitação. Mesmo estas, entretanto, possuem uma grande reserva de carboidratos não estruturais nas raízes que podem compensar o sistema hidráulico mais frágil.” Grazielle Teodoro explica que uma família predominante nos campos rupestres é a Velloziaceae, conhecida popularmente como “canelas-de-ema” – e nesta família destacam-se as “plantas de ressurreição” ou “ressurgentes”, assim chamadas por causa da sua habilidade em tolerar a dessecação nos tecidos vegetativos. “São plantas fantásticas, que conseguem equilibrar o potencial hídrico interno com o do ar completamente seco. No período de seca, elas ficam com a aparência de mortas, desmontando todo o seu aparato fotossintético; mas, quando aumenta a disponibilidade hídrica tanto no solo como no ar, aquelas mesmas folhas secas e dessecadas remontam toda a maquinaria fotossintética, reorganizam as organelas nas células e retomam o metabolismo normal.”

Vista parcial da Serra do Cipó com uma ‘Vellozia sp.’, em primeiro plano, e espécies pesquisadas pelo grupo do Laboratório de Ecologia Funcional de Plantas (abaixo)

FOLHAGEM PRESERVADA

A pesquisadora Anna Abrahão escolheu como objeto de estudo de mestrado uma espécie de cactos que possui uma estrutura radicular interessante e é abundante em campos rupestres da Cadeia do Espinhaço (MG), tendo o nome científico de Discocactus placentiformis. “Esta espécie possui raízes bem compridas e chegamos a cavar mais de um metro delas na areia, quando em outros cactos não passam de dez ou quinze centímetros. É uma estrutura de pelos radiculares alongados e densos (tricomas), nos quais os grãos de areia grudam, permitindo a troca de nutrientes e uma maior retenção de água.”

Para observar como funcionam estas raízes, Anna Abrahão conta que foi realizado um experimento em hidroponia, visto que no solo esta observação não seria possível. “Na hidroponia podemos tirar a planta da solução e fazer medições nas raízes a qualquer momento. Controlamos a concentração de fósforo e verificamos que as raízes liberam mais carboxilatos em baixas concentrações de fósforo: o solo captura esses ácidos orgânicos e em troca libera o nutriente. É uma estratégia importante principalmente neste solo pobre, onde a taxa de retenção do fósforo é bem elevada; em outro experimento, adicionando o nutriente ao solo, verificamos que mais de 96% do composto ficam retidos.” Foto: Antonio Scarpinetti

Da esq. para a dir., o professor Rafael Oliveira, coordenador das pesquisas, Anna Abrahão, Patrícia de Britto Costa, Grazielle Sales Teodoro e Mauro Brum Monteiro Junior: investigando os mecanismos de aquisição de nutrientes e de água pelas plantas dos campos rupestres

Mauro Brum Monteiro Junior, também pesquisador do Laboratório de Ecologia Funcional de Plantas, afirma que 98% das espécies de campos rupestres são perenes, ou seja, não perdem as folhas durante a estação seca. “Se na caatinga, onde o solo é rico, as plantas perdem as folhas para evitar perda de água, no cerrado, mais especificamente no campo rupestre, esta perda é mais restrita principalmente pela questão dos nutrientes. Foi exatamente este o foco do meu trabalho: uma vez que essas plantas são perenes, quais seriam os mecanismos relacionados à aquisição e uso dos recursos hídricos?” O pesquisador estudou basicamente a partição de recursos por meio da diferenciação radicular, usando a abordagem de isótopos estáveis, a fim de verificar qual a contribuição de água para as plantas em cada perfil de solo. “Ficou claro que existem plantas de raízes extremamente superficiais, que não conseguem usar a água de solo mais profundo na estação seca; outras possuem raízes dimórficas (que crescem lateral e horizontalmente à superfície do solo, bem como pivotantes, que crescem para o solo profundo). Na época da chuva, essas espécies capturam água do solo superficial e, na seca, do solo profundo.” Para Mauro Brum, é importante destacar que os campos rupestres estão normalmente em topos de montanhas que possuem várias nascentes de rios importantes, como na serra da Canastra, onde nasce o São Francisco. “Essas plantas têm um papel fundamental na preservação da hidrologia, ao diminuir o escoamento e aumentar a infiltração da água da chuva, que de certo modo acaba no olho d’água e dá origem aos grandes rios.” O professor Rafael Oliveira acrescenta que toda a região de campos rupestres – que se estende pelos estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás – é caracterizada como sendo de berços de água, abrigando grandes reservatórios. “É uma vegetação que hoje está muito ameaçada principalmente por mineradoras, que já têm projetos em toda a Cadeia do Espinhaço e até mesmo no Parque Nacional da Serra da Canastra.”


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Tese associa fatores genéticos a efeitos colaterais de medicamento Fotos: Antoninho Perri

Estudo feito com crianças analisou ganho de peso, complicações metabólicas e alterações hormonais ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

odos os medicamentos podem trazer efeitos colaterais aos que os ingerem. A existência da bula comprova essa realidade. Mas não é somente isso. Muitos desses efeitos podem levar o paciente à hospitalização e até mesmo a quadros de maior gravidade. Quando se trata então de uma criança, para que a indicação de um fármaco seja acertada, é preciso muito critério do médico que faz a prescrição. Algumas drogas geram danos ao organismo em formação, que podem se arrastar pela vida adulta. Um estudo de fôlego, que resulta de uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), lança luz ao entendimento da farmacogenética da risperidona, um medicamento genérico consumido em larga escala mundialmente, pertencente à classe dos antipsicóticos e cujos nomes comerciais são riss, risperidon, risperdal, entre outros. O medicamento é prescrito em casos de autismo, retardo mental, agressividade e hipercinesia, entre outros sintomas, tanto para crianças como para adultos. O trabalho mostrou que há fatores genéticos envolvidos nos efeitos colaterais desse fármaco e, se forem melhor entendidos, será possível no futuro definir quais crianças não podem, em hipótese alguma, ingerir determinado fármaco. “Com isso, não será preciso esperar o efeito colateral aparecer e se chegará a uma prática pediátrica mais personalizada”, conclui o psiquiatra Amilton dos Santos Júnior, autor da investigação. Apesar desses efeitos não terem sido tão intensos quanto se imaginava, afirma ele, foram sim encontradas associações genéticas no estudo. O gene da dopamina e do citocromo 450, por exemplo, estiveram associados com os valores da pressão arterial. Foram ainda observadas outras associações do gene da leptina, do MC4R (receptor 4 de melanocortina) e do citocromo p450 com o Índice de Massa Corporal (IMC), apontando uma possível ligação deles com a obesidade. O mesmo ocorreu com o gene da serotonina e do MC4R com as concentrações da leptina, e do SCARB2 (receptor de varredura tipo 2) com a circunferência abdominal, que, quando aumentada, fala a favor da obesidade na região da cintura, a mais perniciosa. Além disso, o índice HOMA-IR (Homeostatic Model Assessment) que está ligado à predisposição ao diabetes, associou-se ao gene da dopamina e do citocromo p450.

ACHADOS

Amilton avaliou fatores como o ganho de peso, complicações metabólicas (alterações de colesterol, índice HOMA-IR, triglicérides, pressão arterial), alterações hormonais, sobretudo aumento de prolactina (hormônio que tem como principal função estimular a produção de leite pelas glândulas mamárias e que é bastante relevante durante a gestação e o ciclo sexual) e da leptina (hormônio envolvido no controle da saciedade).

Publicação Tese: “Farmacogenética dos efeitos adversos da risperidona em crianças e adolescentes” Autor: Amilton dos Santos Júnior Orientador: Paulo Dalgalarrondo Coorientador: Gil Guerra Júnior Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Amostra do antipsicótico risperidona: medicamento é prescrito em casos de retardo mental e transtornos comportamentais, entre outros sintomas

Mas fato é que essas medicações não atuam só nos sintomas psiquiátricos. Apesar de serem efetivas, podem causar reações adversas importantes, como por exemplo no sistema endocrinológico e neurológico. Para esta pesquisa com a risperidona, foi montado um grupo de pesquisadores para investigar tanto a resposta terapêutica como os diagnósticos para os quais ela vem sendo indicada, os sintomas e as reações adversas. A ideia foi avaliar os efeitos colaterais e também saber se os médicos não estão prescrevendo demais. Foram estudados 120 sujeitos com idade entre oito e 20 anos, a maioria na puberdade (com média de 13 anos) e do sexo masculino. “Não foi uma opção estudar esse público, porém era a maior clientela no Ambulatório de Psiquiatria da Criança e Adolescente no HC”, conta o autor.

USOS

O psiquiatra Amilton dos Santos Júnior (à direita), autor da investigação: “Os nossos achados foram inéditos numa amostra brasileira de crianças e adolescentes”

O estudioso descreve que o ganho de peso tendeu a ser maior no início do tratamento, quando as crianças ganharam de 1 a 2 kg. “Mas é preciso levar em conta que esse medicamento está sendo oferecido a crianças em fase de crescimento. Por essa razão, não podem ser monitoradas somente pelos quilos. Tomamos ainda a circunferência abdominal e o Índice de Massa Corporal”, comenta. “Esse ganho foi um pouco maior do que seria esperado com o crescimento.” Quanto às alterações hormonais, a risperidona, em muitos casos, promove o aumento da prolactina (hiperprolactinemia), podendo ocasionar alterações na puberdade (atrasando a sua ocorrência), hirsutimo (crescimento abundante de pelos), acne, aumento das mamas, inclusive nos meninos (ginecomastia). Eles podem se tornar vítimas de bullying e por isso abandonar o tratamento, piorando os sintomas. Se já eram agressivos, ficam mais ainda. Embora no estudo tenha se manifestado hiperprolactinemia em 60% das crianças em uso da risperidona, não significa que, com o aumento do hormônio, o paciente teria que interromper o fármaco. Significa que é preciso monitorar sua ocorrência, verificar as crianças de maior risco e observar se haverá manifestação clínica pela sua ingestão. Essa investigação, que integra o programa de doutorado em Ciências Médicas, área de concentração em Saúde da Criança e do Adolescente, concluiu que alguns genes tiveram associação com aumento de peso, de leptina e de alguns outros parâmetros laboratoriais, mas não com a prolactina. “Também não esperávamos que o gene da dopamina se associasse à hipertensão arterial. Logo, esse achado demanda estudos com casuísticas maiores e com mais polimorfismos genéticos”, sublinha o doutorando. Em outros países, os estudos procuram associar a genética a efeitos colaterais em adultos com esquizofrenia. Por isso a po-

pulação estudada foi um diferencial. Como a risperidona tem sido usada para diversos quadros, então era fundamental efetuar uma pesquisa com crianças e adolescentes, posto que eles têm um perfil de metabolização e de efeito colateral muito particulares. Os efeitos colaterais são mais proeminentes no início do tratamento, relata o pesquisador, e a retirada do medicamento deve ser feita com prudência. Caso contrário, a agressividade pode voltar. O estudo, financiado pela Fapesp, envolveu atividades colaborativas com o Laboratório do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), com o grupo da Endocrinopediatria e com a equipe do Laboratório de Fisiologia do HC. Foi orientado pelo docente do Departamento de Psiquiatria da FCM Paulo Dalgalarrondo e coorientado pelo docente da área de Endocrinopediatria Gil Guerra Júnior.

FARMACOGENÉTICA

O mais original no trabalho foi a conexão com a farmacogenética, linha que avalia os efeitos terapêuticos e colaterais de um medicamento antes que apareçam. Esse campo se desenvolve rapidamente no mundo. A Unicamp é uma das pioneiras no Brasil a lidar com essa abordagem. Essa área busca prever a trajetória de determinados aspectos genéticos e moleculares do gene. “Esperamos fazer uma medicina não mais baseada no processo de tentativa e erro. Com o mapa genético do indivíduo, será possível analisar seu genoma e notar se ele tem um gene associado a algum efeito colateral. Se tiver, o fármaco não deve ser administrado”, esclarece o médico. Acontece que crianças e adolescentes em tratamento psiquiátrico nos serviços ambulatoriais às vezes precisam usar psicofármacos como a risperidona e outras medicações com ação direta no sistema nervoso central.

A risperidona se enquadra na classe dos antipsicóticos, “mas isso na psiquiatria da infância e adolescência acaba soando como um paradoxo, posto que quadros psicóticos são raros nessas fases, e a risperidona é prescrita para outras situações”, realça Amilton. É mais usada para manejo da agressividade e da impulsividade de vários transtornos mentais graves na infância, contudo, na maioria, as medidas comportamentais ainda são as mais importantes. Pacientes como os autistas e as crianças com deficiência intelectual se autoagridem e têm manifestações comportamentais pela dificuldade de fazer um processamento cognitivo adequado do que está acontecendo em situações com muitos estímulos. Nesses casos, a risperidona seria bem-empregada, refere Amilton. Conforme o psiquiatra, esse medicamento é muito indicado na clínica psiquiátrica. Vários laboratórios o produzem, pois não tem patente. Já entrou para o rol dos medicamentos de alto custo (normalmente para casos de esquizofrenia e, recentemente, de transtorno bipolar), uma vez que são prescritos para várias condições disruptivas, deficiência intelectual e transtornos do espectro autista com alteração significativa do comportamento e disforia grave (mudança repentina do estado de ânimo). Essa droga acaba sendo mais empregada do que deveria por não ter uma contrapartida de outras intervenções não medicamentosas. Poucos profissionais dão conta de dar atenção a essas crianças, visto que há um número insuficiente de psicólogos e psicopedagogos na rede pública, contextualiza o pesquisador. “Estudos anteriores foram feitos com populações caucasianas e asiáticas. Os nossos achados foram inéditos numa amostra de crianças e adolescentes brasileira, altamente miscigenada”, salienta o psiquiatra. “Apenas testamos genes avaliando a risperidona, mas há outros que não valem só para a psiquiatria infantil. Valem para toda medicina.”


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Livro radiografa sistemas de inovação de 12 países

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Brasil precisa avançar na qualidade, quantidade e diversidade de sua produção científica se quiser atingir um grau de desenvolvimento tecnológico comparável ao da Coreia do Sul, disse o pesquisador Wilson Suzigan, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT-Unicamp). Suzigan respondeu às questões do Jornal da Unicamp sobre ciência e inovação via e-mail, com a colaboração de Eduardo Albuquerque, da Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (FACE-Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ambos são coautores e coorganizadores do livro internacional Developing national systems of innovation – University-industry interactions in the global South (Sistemas Nacionais de Inovação em Países em Desenvolvimento – Interações entre Indústria e Universidade no Sul Global), publicado pela Edward Elgar Publishing. A obra conta com a colaboração de pesquisadores de diversos países, incluindo África do Sul, Nigéria, Argentina, Canadá, México e Uganda, além de Coreia do Sul e China. “A gente não avança mais em termos tecnológicos porque não avança o suficiente em termos de quantidade, qualidade e diversidade da produção científica”, escreveram os coorganizadores no e-mail. “Por isso mesmo, estamos estagnados relativamente, junto com África do Sul e outros países latino-americanos, num regime tecnológico intermediário e, juntos, apesar de nos movermos, permanecemos longe de alcançar o limiar (que também se move) do regime tecnológico mais avançado, já alcançado pela Coreia do Sul e do qual a China busca se aproximar rapidamente”. O livro se vale de dados e experiências de 12 países para tratar do funcionamento dos chamados sistemas nacionais de inovação tecnológica – envolvendo empresas, governos, universidades e centros de pesquisa

– em nações em desenvolvimento. Os países analisados são África do Sul, Argentina, Brasil, China, Coreia do Sul, Costa Rica, Índia, Malásia, México, Nigéria, Tailândia e Uganda. Na introdução, assinada por Albuquerque, Suzigan e também por Glenda Kruss (do Conselho de Pesquisas em Ciências Humanas da África do Sul), e Keun Lee (do Departamento de Economia da Universidade de Seul), dados de produtividade científica, medida em número de artigos científicos indexados por milhão de habitantes, e de produtividade tecnológica – em patentes depositadas nos EUA por milhão de habitantes – mostram que os países podem ser divididos em três regimes de interação entre ciência e tecnologia. “Ciência e tecnologia caminham juntas: o crescimento de uma depende do crescimento da outra, as duas se reforçam mutuamente. Para que haja desenvolvimento tecnológico é preciso que haja crescimento e diversificação da produção científica e, sobretudo, que haja uma relação entre esses dois componentes do sistema nacional de inovação, ou seja, interação – questão chave tratada pelo nosso livro”, diz o e-mail dos organizadores. No regime de interação mais baixo, países de baixa produtividade tecnológica também têm baixa produtividade científica. No regime mais alto, ambas as produtividades são altas. Há, ainda, um estágio intermediário. Projetados numa escala de tempo, esses dados mostram que, dos 12 países, apenas a Coreia do Sul foi capaz de cruzar as barreiras entre os diferentes estágios e chegar ao nível mais elevado, num período de cerca de 40 anos, enquanto que, no mesmo intervalo, a China deixou o grupo menos produtivo e já se aproximou da divisa entre os estágios intermediário e avançado. Brasil, África do Sul e países da América Latina mantiveram-se “travados” no estágio intermediário durante todo o intervalo. Sobre o avanço sul-coreano, a introdução diz que “essa trajetória mostra que a condição periférica é superável. O processo de superação do subdesenvolvimento apresenta crescimento em produção científica e tecnológica, ou maturação dos sistemas nacionais de inovação”. “A Coreia do Sul se destacou principalmente pela decisão política de construir um sistema nacional de inovação, começando por reformas institucionais e investimentos pesados em educação no período pós-guerra da Coreia, avançando posteriormente por meio de políticas industriais e tecnológicas, em que se destacavam as interações das empresas industriais coreanas com institutos públicos de pesquisa com vistas a criar um desenvolvimento tecnológico endógeno”, diz o e-mail dos coorganizadores. “Mais recentemente, políticas explícitas visando criar um sistema nacional de inovação para o século 21, visando assegurar proeminência internacional em ciência, tecnologia e inovação, com forte ênfase na economia do conhecimento”.

BRASIL

SERVIÇO Título:Developing national systems of innovation – University-industry interactions in the global South Organizadores: Eduardo Albuquerque, Wilson Suzigan, Glenda Kruss, Keun Lee Editora: Edward Elgar Publishing Páginas: 320 Preço: £76.50

O livro diz que o Brasil vive um efeito “Rainha Vermelha”. Esse é um nome emprestado da Biologia Evolutiva, na qual designa a hipótese de que as espécies têm de se manter em evolução constante não para avançar, mas apenas para não perder terreno frente à competição, numa analogia com a personagem Rainha Vermelha do livro Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, que dizia ser necessário “correr muito para não sair do lugar”. A despeito disso, os coorganizadores dizem que “há muita coisa sendo feita de modo correto” no país. “Afinal, para pelo menos preservar a distância de um limiar que se move, interações bem-sucedidas devem estar acontecendo. O ponto principal é avançar na formação do sistema nacional de inovação, e estimular a interação ciência-tecnologia”, escrevem. “Temos, no livro, um capítulo em que construímos matrizes com número de interações entre áreas de conhecimento científico e setores de atividade econômica. Foram feitas matrizes para Argentina, Brasil e México”. “O que chama atenção, em primeiro lugar, é a grande quantidade de células vazias nas matrizes, o que indica o baixo grau de interação”, relatam. “Mas chamam atenção, também, algumas células com número expressivo de interações, indicando o que chamamos

de ‘pontos de interação’ – cruzamentos de áreas de conhecimento científico e setores econômicos em que é grande o número de interações. Fomos pesquisar o que explica cada um desses pontos de interação e verificamos que, de modo geral, onde há atividade econômica bem-sucedida, há ciência e engenharia por trás”. Com isso, Suzigan e Albuquerque acreditam que “a nossa produção científica tem sido suficiente para contribuir para os níveis de produção até agora alcançados, mas para avançar é preciso investir pesado na formação do sistema nacional de inovação e, sobretudo, nas interações ciência-tecnologia”. “Entre os países em desenvolvimento, Coreia do Sul incluída, há padrões de evolução que são relativamente regulares”, destacam os pesquisadores, citando a alta participação de recursos públicos no investimento em P&D, com uma transição para maior participação do setor privado na medida em que o processo de desenvolvimento se fortalece. “Nesse sentido, Brasil, México, Argentina, Índia e África do Sul estariam em posições similares”, escrevem. “Para ampliar a participação do setor privado, em primeiro lugar esse setor deve crescer e se consolidar – possivelmente como consequência de políticas industriais bemsucedidas. O que nossa pesquisa destaca é a necessidade de se pensar em políticas industriais levando em consideração a construção de sistemas de inovação – arranjos institucionais que constroem, consolidam e multiplicam as interações entre a ciência e a tecnologia, entre as instituições de ensino e pesquisa e as empresas, industriais ou não”.

INDÚSTRIA E ACADEMIA

Quanto à ideia de que a universidade pública é, em geral, refratária à interação com o setor produtivo privado, Suzigan e Albuquerque escrevem que “nossa pesquisa questiona várias premissas que talvez tenham vingado por falta de estudos mais detalhados”. “No caso do Brasil, há inúmeros exemplos de riquíssimas interações entre universidades públicas e empresas privadas e públicas, hospitais, comunidades, setor agrícola. Antes deste livro, nossa pesquisa gerou outro, publicado em 2011, Em busca da inovação: interação universidade-empresa no Brasil, da Autêntica Editora, de Belo Horizonte, que foi centrado nessa questão, com inúmeros casos bem-sucedidos”. “A ideia que se tem, após a nossa pesquisa, é a de que quem realmente deseja utilizar a universidade pública para resolver problemas tecnológicos sempre encontra auxílio e apoio nos grupos de pesquisa do país”, escrevem. “Um achado importante de nossa pesquisa no Brasil é a relação positiva entre a qualidade da pesquisa acadêmica e a interação com a indústria e a sociedade: empresas procuram grupos de pesquisa altamente qualificados, e ao apresentar novos problemas, fortalecem o grupo com desafios e novos temas de pesquisa acadêmica”. Suzigan e Albuquerque dizem que essa interação ainda é pequena, “dada a pequenez de nossa produção científica e da comunidade universitária”. Mas acrescentam que “o crescimento da demanda da indústria para a universidade certamente multiplicará a qualidade dos grupos de pesquisa”.

O professor Wilson Suzigan, do DPCT-Unicamp, coorganizador do livro: “A gente não avança mais em termos tecnológicos porque não avança o suficiente em termos de quantidade, qualidade e diversidade da produção científica”

O LIVRO

Os coorganizadores contam que o livro nasceu de uma concorrência lançada em 2006 pelo International Development Research Centre (Centro Internacional de Pesquisa em Desenvolvimento, ou IDRC, na sigla em inglês), do Canadá. “O interesse do IDRC era desenvolver um projeto de pesquisa sobre o papel das universidades e institutos públicos de pesquisa em suas interações com empresas nos países menos desenvolvidos do sul global, em contraste com o que se observava nos países desenvolvidos do norte”. Eles relatam que já havia um grupo de pesquisadores de vários países reunido em torno do estudo dos “processos de catching up (expressão que se refere ao ato de alcançar alguém que se encontra mais à frente, numa corrida, por exemplo) tecnológico”, coordenado pelo professor Richard Nelson, da Columbia University. “Foram esses pesquisadores que se uniram para concorrer ao projeto do IDRC, que foi organizado seguindo uma lógica continental: a África do Sul (Glenda Kruss) liderou o projeto na África, a Coréia do Sul (Keun Lee) liderou a Ásia e o Brasil liderou o projeto na América Latina - somos os quatro que assinamos a Introdução do livro. No Brasil a pesquisa foi apoiada também pela Fapesp, pela Fapemig e pelo CNPq”. “O agrupamento de países é complexo e exigiu diferentes abordagens e ajustes no plano teórico”, relatam. “Esse era o nosso grande desafio. Os países da África exigiam uma abordagem teórica diferente da que estava disponível na literatura sobre os países desenvolvidos. Nos países menos desenvolvidos da África, as firmas industriais são atores menos relevantes, o foco tinha que ser sobre comunidades rurais, agricultura e saúde”, exemplificam. A diversidade internacional captada pela pesquisa é destacada pelo contraste com a Ásia, onde segundo os entrevistados “a abordagem tinha que dar conta dos vários estágios de transformações dinâmicas proporcionadas por processos de catching up dos vários países, com diferentes graus de maturidade dos respectivos sistemas nacionais de inovação - compare Índia e Coréia do Sul. Em contraste com a Ásia, na América Latina era necessário levar em conta o baixo dinamismo e problemas comuns aos vários países, como forte desigualdade de renda, estágio incompleto ou imaturo de formação dos sistemas nacionais de inovação e seus reflexos sobre as interações com empresas. Essa diversidade de situações, de estágios de construção de sistemas de inovação e de padrões de interação universidade-empresas é um ponto forte desse esforço de pesquisa tri-continental.”

Foto: Antonio Scarpinetti

Foram analisadas nações em desenvolvimento; segundo a obra, Brasil, estagnado, precisa avançar


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Campinas, 8 a 14

Reforma agrária garante segura Pesquisadora acompanhou famílias assentadas em área na zona rural de Mogi Mirim CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

A PESQUISA A pesquisa teve sua gênese na dissertação de metrado desenvolvida pela autora no assentamento Horto Vergel quando caracterizou, em 2008, a (in)segurança alimentar de 87 das 90 famílias titulares lá assentadas. Este estudo permitiu evidenciar as principais potencialidades e entraves dessas famílias frente à (in)segurança alimentar. Para o doutorado, em que foram entrevistadas, em 2013, as 90 famílias titulares do assentamento, ela elegeu como objetivos específicos conhecer e analisar a reforma agrária no Brasil por meio da sua materialização junto a famílias assentadas no Horto Vergel; estudar o caminhar da reforma agrária através de sua implantação nesse assentamento, destacando diferentes aspectos dessa política; analisar a inter-relação dos diferentes aspectos da reforma agrária com a (in)segurança alimentar sob o enfoque da Ebia. Durante a realização desses dois trabalhos ela teve oportunidade de acompanhar experiências agrárias que tiveram como objetivo levar profissionais da área técnica a vivenciar o cotidiano e as realidades dos assentados. “Logo que cheguei para o mestrado fiquei durante um mês no assentamento Carlos Lamarca, em Itapetininga. Depois convivi durante um mês com as famílias do Horto Vergel e, posteriormente, estive novamente no mesmo assentamento por igual período para colher dados para o doutorado. Foram experiências profundamente enriquecedoras”, constata a pesquisadora.

ários segmentos da sociedade desqualificam a reforma agrária como política de significativa importância na vida das pessoas que almejam um pedaço de terra por considerá-la historicamente ultrapassada, ineficiente e desnecessária. A essa visão contrapõe-se a tese de Iris Cecilia Ordoñez Guerrero, apresentada à área de Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, orientada pela professora Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco. Para a autora, dados e observações colhidas em vários assentamentos evidenciam que esta política resgata a dignidade e a vida das famílias beneficiárias: “Reforma agrária não é só distribuição de terra. Ela também garante alimentos, A TESE renda, oportunidades, sinaliza caminhos, possibilita iniciaA autora inicia o trabalho apresentando sob diferentes tivas e impulsiona sonhos. Em vista disso, não pode receber olhares os percursos da reforma agrária em vários países do um enfoque unidimensional, que limitaria o entendimento mundo, na América Latina e no Brasil. Na sequência mosdos seus reais alcances”. tra a evolução temporal do caminhar do assentamento Horto Embora muitos estudos enfatizem a importância da reVergel, nos seus 16 anos de existência, em relação a 25 variforma agrária para o desenvolvimento social, poucos deles áveis agrupadas segundo os seguintes critérios: 1- aspectos o fazem do ponto de vista multidimensional e a partir da geoambientais – solo e clima; 2- população – sexo, cor, idade e perspectiva dos beneficiários. É nesse contexto que ela siescolaridade; 3- segurança cidadã e infraestrutura – segurantua a pertinência de sua pesquisa que, levando em conta ça, saneamento básico, energia elétrica, transporte e meios principalmente o desconhecimento da sociedade e a multide comunicação; 4- produção - vegetal, animal, processada, mensionalidade da reforma agrária, procura mostrar sua imde carvão e atividades não agrícolas; 5- condições de vida – portância na vida das famílias beneficiadas através de uma moradia, saúde e renda; 6- (in)segurança alimentar – tipos e abrangente análise quali/quantitativa descritiva, que leva quantidades de alimentos consumidos; 7- percepção sobre a em consideração múltiplos fatores. qualidade de vida; 8- políticas de proteção e de fortalecimento Diante disso, a pesquisa teve como objetivo contribuir da agricultura familiar; 9- Programa Bolsa Família; 10- Propara a promoção e para o melhor entendimento da multigrama de Aquisição de Alimentos; e 11- Programa Nacional dimensionalidade da política de Alimentação Escolar; AssisFoto: Divulgação de reforma agrária a partir dos tência Técnica e Extensão Rural. beneficiários e analisar a interA evolução temporal do -relação existente, no âmbito caminhar da reforma agrária familiar, entre as variáveis pelas no nível do assentamento é quais perpassa esta política e a mostrada através de três mosegurança alimentar. A segumentos: etapa inicial do asrança alimentar e nutricional sentamento (1997), a primeira corresponde ao direito de todos coleta de dados para fins de ao acesso regular e permanente pesquisa de mestrado (2008) e a alimentos de qualidade e em o levantamento de dados para o quantidade suficiente. doutorado (2013). A pesquisa resulta de seis Na sequência, as variáveis anos de acompanhamentos e acima mencionadas foram inobservações das famílias do aster-relacionadas com os quatro sentamento Horto Vergel, do níveis de (in)segurança alimenmunicípio paulista de Mogi MiÁrea cultivada no assentamento Horto Vergel: tar e nutricional definidos pela rim, da Região Metropolitana de produção foi impulsionada por programas Ebia, o que permitiu conhecer Campinas. Trata-se de um estua evolução temporal (2008 e do quali/quantitativo, de caráter descritivo explicativo, centrado em 25 variáveis relevantes ao 2013) da (in)segurança alimentar e a reforma agrária no nítema, baseado em dados do último recenseamento demogrável familiar. Estes três momentos forneceram subsídios para fico e em entrevistas semiestruturadas, com questões abertas observar a dinamicidade do processo de reforma agrária nos e fechadas e que incluiu a metodologia da Escala Brasileira de níveis global, do assentamento e da família. (In)segurança Alimentar (Ebia). Essa ferramenta, constituída de um questionário e desenvolvida no Brasil a partir de escaCONSTATAÇÕES las utilizadas em outros países, permite determinar a situação Para Iris, a política agrária brasileira é ambiciosa e sua de (in)segurança alimentar vivenciada em cada família. efetiva aplicação e dinamização dependem da vontade dos A primeira parte do trabalho faz uma análise temporal da governantes e das relações que se estabelecem entre os seus evolução de 25 variáveis fortemente relacionadas com a remediadores, representantes das instituições públicas envolforma agrária e se apoia em pesquisas realizadas na área de vidas, e os beneficiários. Segundo a pesquisadora, seu suestudo que permitiram recriar o histórico do assentamento cesso está atrelado a essa ampla articulação. Ela considera e ajudar na análise temporal. fundamental a conjugação da motivação das famílias e da Na segunda parte da pesquisa foram correlacionadas as eficácia das ações governamentais porque “não adianta assentar um grupo de famílias e voltar anos depois querendo variáveis da reforma agrária com os resultados da Ebia para saber do que precisam. É necessário um acompanhamento detectar como a (in)segurança alimentar do grupo de famíconstante, durante prazos previamente estabelecidos, até lias do assentamento se relaciona com essas variáveis. que as famílias possam prosseguir sozinhas”, esclarece. A (in)segurança alimentar revela a preocupação, ou a auDurante o estudo ela procurou entrar na vida e nos prosência dela, que as famílias têm em relação à falta de alimenblemas reais das famílias beneficiadas para entender o signitos. Ela pode ser situada em quatro níveis: segurança alificado e o alcance da reforma agrária. Constatou então que, mentar, insegurança alimentar leve, insegurança alimentar como todo tipo de política, esta também apresenta problemoderada e insegurança alimentar grave. A insegurança é mas. Existem pessoas que entram nos grupos para se beleve quando existe a preocupação diante da possibilidade da neficiar, existem famílias que não estão motivadas para o falta de alimentos; moderada quando os alimentos são insutrabalho, mas considera que 70% das famílias pesquisadas ficientes e precisam ser racionados em relação aos membros assumem corajosamente a terra, criam estratégias para se da família; e grave quando a família é atingida pela fome. fixar no seu novo espaço de vida e encaram positivamente o Depois de graduar-se em engenharia agronômica pela desenvolvimento, ajudados, naturalmente, pelos benefícios Universidade Nacional de Piura, Peru, Iris trabalhou em seu e oportunidades que o governo lhes oferece. país durante cinco anos no setor público e em ONGs com Segundo a pesquisadora, cerca de 60% das famílias orifamílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Veio ao ginais do Horto Vergel caminham hoje com seus próprios Brasil através da Fundação Ford, que selecionava profissiomeios. Embora o assentamento tenha já completado 16 anos, nais interessados em cursos de aprofundamento em outros persistem vários problemas a serem resolvidos quanto à inpaíses. Optou pelo Brasil e pela Unicamp, que mantém uma fraestrutura, mas apesar deles, as famílias estão produzindo. área de planejamento e desenvolvimento rural sustentável, Ao chegarem ao assentamento, a terra então ocupada por orientada pela professora Sonia Bergamasco, preocupada eucaliptos precisava ser desmatada e destocada e sua dureza em ampliar sua formação técnica e visão social. Atualmeninviabilizava a plantação. Não havia água, energia, moradia, te é consultora da Organização das Nações Unidas para a equipamentos agrícolas. Entre as famílias predominava o reAlimentação e Agricultura (FAO) prestando serviços no ceio em relação aos novos vizinhos desconhecidos e o medo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), em projeto da solidão a que o espaço as confinava, hoje substituído pelo nacional de segurança alimentar. receio da violência social, como em todo o país.

Com parte da área destocada, os moradores passaram paulatinamente das barracas de lona aos barracos de madeira construídos a partir da madeira cortada e depois às casas de alvenaria. Atualmente poços cacimbas e artesianos abastecem as residências com água encanada. Hoje as famílias produzem mandioca, milho, feijão, hortaliças, frutas, criam galinhas, suínos e mantêm vacas leiteiras. Essa produção foi impulsionada por programas governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garantem a compra de parte dos alimentos produzidos para consumo de pessoas ou famílias em situação de insegurança alimentar, instituições de assistência social, equipamentos públicos, escolas públicas, etc. A assistência técnica de órgãos governamentais e ONGs dinamizaram a organização e a elaboração de processados, a partir de produtos da terra, como farinha de mandioca, polvilho, queijos, compotas, geleias, mandioca e banana chips, pães, bolos, sucos e conservas. Paralelamente há os que se dedicam ao artesanato, à costura e aos serviços de manicures, de pedicuros, etc.

Quando a b ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

15 km do centro de Limeira, interior de São Paulo, localiza-se um pré-assentamento rural do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região do Horto Florestal, formado em 2007. Nessa comunidade existe um espaço de educação infantil, a Ciranda Infantil, na qual participam crianças de zero a 12 anos. Elas aprendem brincando sobre o contexto em que vivem e se constroem como sujeitos da luta pela terra. Essa prática educativa está sendo caracterizada como uma experiência de Educação Infantil Popular pelo pesquisador Fábio Accardo de Freitas. “O diferencial dessa prática é que as atividades partem da demanda das próprias crianças e da comunidade que vive no assentamento, conectando-se a um projeto de transformação social”, disse. Segundo o educador infantil, é nítida a diferença quando, na educação infantil, se leva em conta a classe social. Ao se pensar numa educação para as classes populares, e especificamente no trabalho feito com movimentos sociais abertos a transformações, a educação infantil também sugere modificações. É necessário mudar a racionalidade “adultocêntrica” para entender as crianças como sujeitos. A conclusão é de Fábio, em sua dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Educação (FE). A prática educativa surge então de uma reflexão sobre a educação vinculada às classes populares, ao interesse de mudança do mundo e às crianças como sujeitos. Esse tipo de educação, garantiu ele, traz a ideia de que as crianças, ao brincarem, têm a chance de ser o que são, pois é o modo de conhecerem e modificarem o mundo. “Outras questões envolvem transformar a relação adultocêntrica na sociedade e o problema da marginalização e da criminalização do MST que ainda vigora no país.”

Crianças durante atividades escolares: do lúdico às rodas de conversa


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de junho de 2015

ança alimentar em assentamento Foto: Antoninho Perri

CONSIDERAÇÕES

Diante deste quadro, Iris Cecilia afirma: “Constatei uma diferença capital entre o que observei em 2008 e o que presenciei em 2013. Pode não ser uma maravilha, mas houve avanços significativos. Para que o processo se dê com maior qualidade e redução de tempo há necessidade de mediadores comprometidos com a causa, com a definição de caminhos e etapas e suas concretizações, com planejamento e organização e com a eliminação de uma burocracia paralisante”. Segundo a pesquisadora, hoje cerca de 70% das famílias não enfrenta restrições alimentares nem manifesta preocupação em relação à falta de alimentos. Constata, ainda, que essa condição, aliada à moradia, “resgata a dignidade das pessoas porque elas passam a sentir-se reconhecidas e pertencentes a um espaço e têm o que comer. As próprias famílias testemunham que vivem melhor no campo do que na cidade e consideram a vida no assentamento, ‘boa’ ”. Para a autora, os resultados do trabalho demonstram que a reforma agrária constitui uma importante política estrutu-

rante que precisa ser analisada em seu caráter multidimensional. Ela promove a segurança alimentar, fortalece a produção, promove o aumento de renda, melhora a qualidade de vida, resgata direitos e dignidade. Mas, para sua maior efetividade, caminhos devem ser revistos e parcerias necessitam ser consolidadas.

Publicação

Iris Cecilia Ordoñez Guerrero, autora do estudo: “Reforma agrária não é só distribuição de terra. Ela também garante alimentos, renda, oportunidades, sinaliza caminhos, possibilita iniciativas e impulsiona sonhos”

Tese: “Reforma agrária e segurança alimentar em assentamentos rurais: o caso do Horto Vergel, Mogi Mirim / São Paulo” Autora: Iris Cecilia Ordoñez Guerrero Orientadora: Sonia M. P. P. Bergamasco Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)

brincadeira integra o aprendizado Foi assim que Fábio tentou, em sua pesquisa, orientada pela professora Ana Lúcia Goulart de Faria, aproximar a educação infantil da educação popular, dois campos com perspectivas de trabalho diferentes. Fez isso a partir da sua trajetória de pesquisador e como integrante do coletivo de extensão “Universidade Popular” da Unicamp, que atua com educação popular nesse pré-assentamento em Limeira. O mestrando contou como, sendo sociólogo, tornou-se educador infantil, graças a uma demanda da comunidade. O coletivo, informou ele, já trabalhava com a educação popular. Os textos de Paulo Freire e de outros educadores populares forneceram as bases para que conhecesse melhor a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nesse ínterim, surgiu o trabalho com as crianças. O pré-assentamento de Limeira começou com 200 famílias e hoje conta com 150, somando cerca de 300 pessoas. Trata-se de uma área rural onde passava a linha de trem que pertencia à antiga estrada de ferro da Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa). Em sua falência, tornou-se área pública da União. “Na sua ocupação, isso representou a denúncia, mas também a possibilidade de fazer um projeto de reforma agrária”, relatou. Por conta de interesses da Prefeitura, dos fazendeiros e do setor empresarial da região, a área ainda está em disputa e se configura como um acampamento em processo de legalização, em acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que deve comprá-la no prazo máximo de um ano, formalizando a área como um assentamento rural. Enquanto isso, as famílias continuam morando num local com uma infraestrutura precária, em barracos de lona e de pau a pique. Fábio explica que, como educador popular, nunca direcionou nenhum trabalho no assentamento. Ao contrário, a comunidade organizada fez isso. A iniciativa contemplou a educação para as crianças que estudavam em escola formal e que lidavam com vários obstáculos. Fotos: Arquivo do Coletivo Universidade Popular/Divulgação

Foto: Antonio Scarpinetti

O pesquisador Fábio Accardo de Freitas. “As atividades partem da demanda das próprias crianças e da comunidade que vive no assentamento”

De acordo com Fábio, o MST construiu – ao longo de sua trajetória – uma proposta pedagógica para as crianças, para os assentados e para a comunidade: a Pedagogia do Movimento Sem Terra. Para as crianças especificamente, a proposta educativa é o espaço da Ciranda Infantil, experiência que vem de Cuba, dos Círculos Infantis.

BRINCADEIRAS

As mulheres que ficavam com as crianças em casa e que não podiam trabalhar ou participar das instâncias do MST começaram a priorizar a educação dos seus filhos, uma vez que, ao irem para a escola, essas crianças eram vítimas de preconceito. Quando teve início o MST, elas iam para a escola com os pés sujos de terra e então muitos coleguinhas passaram a dizer que eram invasoras, que não tinham onde morar. As mães se mobilizaram, bem como o Movimento, para lutar por escolas do campo nos assentamentos. Ao mesmo tempo, começaram a construir uma proposta de um espaço autônomo onde o MST tivesse condições de refletir sobre a sua própria proposta de educação. O assentamento de Limeira não tinha propriamente um espaço físico para a Ciranda Infantil, mesmo após várias tentativas de construção. E o que é pior: o espaço social do assentamento foi se perdendo. Restaram o barracão, a cozinha, a biblioteca e uma escola em alvenaria, recém-construída por meio de um mutirão. Nesse lugar, se convencionou realizar as aulas de EJA e as atividades com as crianças. Mas as discussões lá correm no sentido de que o espaço da Ciranda Infantil deva ser apenas das crianças. Como o espaço é compartilhado, tem sempre algum atrito com os adultos. “Um dos principais é o adultocentrismo. Na sociologia da infância e a partir da educação popular, sempre se investiga como é que os adultos olham para as crianças. Em geral, são olhadas como adultos que poderão ser, negando aquilo que já são como crianças”, contou. Algumas crianças brincam e fazem bagunça no espaço social. Esse modo de ser entra em conflito com a concepção do adulto de que tudo deve estar organizado. “No estudo, trabalhamos como podemos olhar para as crianças como sujeitos sociais. Afinal, elas pensam e raciocinam, porém à sua maneira”, salientou.

PROJEÇÃO

A Ciranda Infantil é o espaço das crianças entenderem seus processos e por que elas e suas famílias estão ali, para de fato estarem no mundo como crianças, atentou o pesquisador. “Esse projeto não é um espaço de alfabetização. É um espaço de brincadeira, porque é como elas conseguem entender o mundo. Ao brincarem, vão pensar como ele é.” Em consequência, todas as atividades são feitas mediante brincadeiras. Foi desta maneira que Fábio buscou criar ligações com a educação popular, lembrando de Paulo Freire, que disse que antes de tudo vinha o conhecimento da palavra “mundo”, a leitura no mundo imediato e possível, o qual as

crianças já fazem mesmo sem saber ler ou escrever com as palavras. Além de Paulo Freire, Fábio refez a trajetória das propostas que emergem da educação popular na História do Brasil, em geral ligadas às classes populares. Utilizou experiências a partir do século 20, como as dos anarquistas, dos socialistas e depois do Movimento de Cultura Popular da década de 1960, silenciado e colocado na ilegalidade pela ditadura, vindo depois a educação dos e nos movimentos sociais a partir da década de 1980. Ele empregou especialmente a Pedagogia do Movimento Sem Terra. “Paulo Freire não se atentou para falar da educação das crianças em nenhuma obra específica. A educação popular não tinha como foco as crianças, mas sim os adultos analfabetos. Então essa foi uma grande dificuldade para fazer a aproximação da educação popular com as crianças. A minha pergunta foi por que promover uma aproximação se a educação popular não falava da criança. Daí fui tentando entender de que maneira a prática e a teoria poderiam ajudar nisso”, situou Fábio. O pesquisador entendeu que as crianças são as crianças como sujeitos: elas leem o mundo, não leem as palavras, entretanto compreendem seu mundo e fazem a leitura do mundo, transportando isso para suas brincadeiras. Na Ciranda Infantil, o autor do estudo trouxe as experiências de brincadeiras em que as crianças se mostravam como sujeitos. As próprias crianças realizaram uma marcha em defesa de um outro assentamento da região que estava sendo despejado pela polícia. “Então elas expunham seus problemas e suas vontades como crianças, nas brincadeiras.”

LIBERDADE

Nesse assentamento, a Ciranda Infantil era organizada em alguns tempos educativos: momento da roda, da brincadeira, do café e das atividades. As rodas de conversa iniciavam os encontros e era quando surgiam temas da semana para serem debatidos. As atividades normalmente passavam pela contação de histórias, brincadeiras, desenho, pintura. Fábio informou que eles utilizavam muito a relação com a comunidade. Um viveiro pedagógico, por exemplo, foi idealizado por um dos assentados para empregar em atividades educativas com as crianças. No trabalho com o viveiro, as crianças criaram um ‘monstro do enxerto’, o Chamaru. “O assentado ensinou às crianças como fazer um enxerto e como plantar mudas. Essa atividade aconteceu durante contação de histórias de mitos africanos. A estratégia requereu a relação com um adulto mais velho, que tinha muitas experiências a dividir”, comentou. Essa relação foi se transformando em histórias, em brincadeiras e em música que as crianças fizeram para o monstro. “E, uma vez que fomos à mina d´água, uma nascente do rio que passa dentro do pré-assentamento, plantamos mudas no entorno e brincamos na água.” O mestrando acredita que o conhecimento do processo propicia às crianças um espaço para a criação de identidade: se reconhecerem como sujeitos e reconhecerem a luta de seus pais. “A intenção é que, ao irem para a escola e sofrerem preconceito, tenham orgulho de serem ‘sem terrinhas’”, acentuou Fábio, que se graduou em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e que, por conta de seu trabalho, se tornou educador infantil, desenvolvendo o mestrado na FE.

Publicação Dissertação: “Educação Infantil Popular: possibilidades a partir da Ciranda Infantil do MST” Autor: Fábio Accardo de Freitas Orientadora: Ana Lúcia Goulart de Faria Unidade: Faculdade de Educação (FE)


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Campinas, 8 a 14 de junho de 2015

Tradição alemã de estudos de Marx desconhecida no Brasil JORGE GRESPAN grespan@usp.br

urante a Primeira Guerra Mundial Lenin pôs-se a ler a Lógica de Hegel, com a declarada intenção de compreender em profundidade as bases da dialética pela qual Marx havia criticado a economia política e apresentado as formas constitutivas do modo de produção capitalista. Mais tarde, essa pista, seguida por Roman Rosdolsky em seu estudo crucial sobre os Grundrisse, levou aos importantes resultados expostos no livro de Helmut Reichelt, enfim traduzido do alemão e publicado pela Editora da Unicamp. Reichelt propõe-se ir além de Rosdolsky, que teria se limitado a citar textos de Marx de evidente ressonância hegeliana, mas sem esclarecer o sentido da sua aproximação a Hegel. É um esclarecimento desse tipo que o presente livro oferece, ao reconstituir e analisar em minúcia a passagem estratégica da circulação simples de mercadorias ao capital, tema pelo qual começam todos os escritos de Marx desde os Grundrisse até O capital. Com esse trabalho, Reichelt se coloca entre os principais continuadores de uma tradição alemã de estudos marxistas, tão importante quanto pouco conhecida do público brasileiro. Autores como Backhaus, Hartmann, Theunissen, Fulda, Göhler, entre outros, sempre consideraram enganosa a confissão de Marx de ter apenas “flertado” com a filosofia de Hegel e lançaram-se à tarefa de estabelecer com rigor os limites e o sentido da relação entre dialética idealista e materialista. Embora o título, Sobre a estrutura lógica do conceito de capital, anuncie um problema da obra madura de Marx, o livro começa buscando nos escritos de juventude alguns dos motivos principais que reapareceriam depois, bastante modificados. Entre os Manuscritos de Paris e

a Ideologia Alemã, Marx teria elaborado uma crítica da sociedade burguesa marcada pelas categorias de “distorção” e de “duplicação”. De acordo com elas, a vida humana perde o vínculo com a natureza e origina um conjunto de diferenciações, tais como base e superestrutura, ou como as facetas da existência do burguês, que depende dos demais para viver, mas que deve se afirmar pela competição. Esse “autoesfacelar-se e autocontradizer-se” da vida burguesa tem como fundamento a propriedade privada, definida por Reichelt como o oposto do direito natural do trabalho: ela não surge da extensão da prerrogativa de quem produz, como pretende a teoria liberal, mas, ao contrário, da ruptura desse direito pelo despojamento do trabalhador direto. Ela é intrinsecamente negativa, daí toda a negatividade característica da sociedade burguesa, a contradição que a move e a paralisa. Apesar de encontrar essa estrutura dialética nos escritos de juventude, Reichelt confessa, afinal, que seu propósito era deixar claro o quanto as categorias de “alienação” e de “estranhamento” são a forma ainda insatisfatória com que Marx compreendia a proletarização, sobre a qual fundará a crítica do capitalismo e da economia política. Da propriedade privada, de fato, Marx deriva os conceitos de valor e de capital, mediante os quais articulará a exposição dialética das categorias da sociedade burguesa na fase da sua obra que se inicia com os Grundrisse. É essa exposição que constitui o objeto central do livro de Reichelt. Segundo Reichelt, Marx teria empreendido um novo estudo sobre Hegel ao redigir as anotações que foram depois de sua morte publicadas como os Grundrisse. Nesse estudo, muito mais extenso e profundo que o declarado, tomou corpo a ideia de uma exposição dialética, ao mesmo tempo crítica e sistematizadora das formas econômicas fundamentais do capitalismo. Não se trata de uma mera

SERVIÇO Título: Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em Karl Marx Autor: Helmut Reichelt Tradução: Nélio Schneider Editora da Unicamp Páginas: 272 Áreas de interesse: Ciências sociais e História Preço: R$ 54,00

“aplicação” do método dialético hegeliano nem de qualquer outro, pois a dialética justamente impõe a unidade entre conteúdo e forma, isto é, entre o objeto analisado e a estrutura conceitual, unidade que permite conhecê-lo adequadamente. O estudo crítico do capital então iniciado por Marx só poderia adotar uma forma de exposição que explicitasse a contradição imanente desse sistema e que a fizesse aparecer como a matriz geradora de todas as formas sociais e de todos os conceitos do pensamento burguês. Reichelt alega a enormidade da empreitada de reconstituir essas muitas formas e conceitos ao longo da exposição dos três volumes de O capital, para concentrar esforços na já referida passagem do valor, tal como se apresenta na seção sobre a circulação simples de mercadorias, para o valor que se valoriza. Para isso ele retoma as três determinações sucessivas do dinheiro – medida de valor, no preço; meio de circulação; e dinheiro autonomizado da mercadoria, isto é, entesourado ou usado como meio de pagamento. Nessa última, em especial, o dinheiro aparece na forma que antecede à do capital, como um fim em si mesmo cujo conteúdo já pode ser posto na fórmula D-M-D. A discussão aqui é muito interessante, por repercutir diretamente no problema atual da necessidade do padrão-ouro para o conceito de dinheiro de Marx. Se fosse esse o caso, o conceito ficaria comprometido em sua capacidade de esclarecer a situação da economia mundial depois de 1971, quando os EUA desvincularam o dólar do lastro em ouro. Reichelt fornece bons argumentos para a interpretação contrária, mantendo Marx no debate atual e também garantindo o papel do conceito de dinheiro como pressuposto da dedução do capital. Jorge Grespan é doutor em Filosofia pela Unicamp e professor do Departamento de História da USP.

Alunos-artistas começam a mostrar sua arte nos campi Foto: Antoninho Perri

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

quinta turma de alunos-artistas começa a espalhar arte pelos campi da Unicamp, com apresentações para a comunidade nas modalidades de artes visuais e multimeios, artes corporais, artes cênicas, música, diversidade cultural e literatura. Os 15 projetos selecionados no Programa Aluno-Artista, desenvolvido pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e pelo Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), foram anunciados no último dia 21 em cerimônia realizada na sala do Conselho Universitário (Consu). O programa, que é direcionado aos alunos de qualquer curso de graduação que possuam talentos artísticos, já registra em seu histórico uma média de 80 apresentações mensais nos campi, enriquecendo o campo das manifestações culturais da instituição. Cada projeto selecionado tem até dois proponentes, cada um recebendo uma bolsa pelo período de oito meses, além de R$ 3 mil para a execução do trabalho. O professor José Ricardo Figueiredo, coordenador do SAE, afirma que para os alunos o programa tem papel análogo ao de uma iniciação científica ou de um estágio em outras áreas. “É uma oportunidade que poucas universidades oferecem, com os alunos podendo aprimorar seus projetos durante as apresentações. Em troca, a Universidade tem a possibilidade de florir os campi com ações artísticas, dando novos ares à vida acadêmica. E estamos buscando recursos para expandir o projeto também para fora da Universidade.”

O reitor José Tadeu Jorge com as autoras do projeto “Afrikanizar” durante o anúncio dos 15 projetos selecionados no Programa Aluno-Artista, no último dia 21

Para que a comunidade da Unicamp tenha mais acesso às apresentações artísticas, a maestrina Vivian Nogueira, assessora cultural do SAE, anuncia uma mudança no calendário do programa. “A partir desta 5ª edição, o Aluno-Artista está sendo desenvolvido de abril a novembro, ficando em consonância com o ano acadêmico. Outra mudança é a informatização do processo de seleção: antes, as inscrições eram feitas manualmente e entregues pessoalmente, e mesmo os pareceristas precisavam se deslocar até o SAE. Agora todas as etapas se darão pela via digital.”

O reitor José Tadeu Jorge, presidindo a mesa da cerimônia, disse que o Aluno-Artista é um dos projetos mais importantes e que trazem melhores resultados para a Unicamp. “Na Universidade, é fundamental ter o foco centrado na formação de recursos humanos qualificados e preparados para o exercício profissional. Para que isso ocorra, devemos criar os mecanismos e as condições necessárias para criar, produzir conhecimento e inovar. Além disso, há a relação com a sociedade, que nos financia e espera uma retribuição. A mensagem é para que vocês ocupem todos os espaços na busca desse contato social.”

A cerimônia foi prestigiada pela primeira dama do município de Campinas, Sandra Ciocci Ferreira, que nasceu em família circense e se formou em música popular na Unicamp, onde também obteve o mestrado e está prestes a defender o doutorado. Em sua saudação aos alunos, observou que quem escolhe uma carreira nas artes, como de música ou dança, ainda precisa procurar uma escola particular, pois a escola pública não oferece os conceitos básicos. “Isso está começando a mudar. Campinas já possui um projeto que a Prefeitura financia e a Unicamp gere, que é a Escola de Música. Hoje temos a melhor escola pública de música, porque os professores da Universidade estão lá.” Lais Rodrigues Miola é uma das proponentes do projeto “Paisagens: olhares do não-visível”, selecionado na modalidade de artes corporais. “Acho muito bom participar desse programa, que é uma oportunidade de colocar nossas ideias em prática, o que muitas vezes queremos e não temos como. Nosso projeto relaciona música, dança e artes visuais a partir de paisagens que constituem a Unicamp, trabalhando com uma técnica em que essas três formas de arte se retroalimentam formando uma composição artística”, explicou a aluna do curso de dança, que elaborou o projeto com Giorgio Francisco Gianeli, da música. Para encerrar a cerimônia no Consu, os alunos de música e violonistas Matheus Araújo e Franco Villalta, que formam o Duo São Paulo, apresentaram “Apenas uma crença”, mais um projeto selecionado no Programa Aluno-Artista 2015. Antes houve a exibição do teaser de “Coisa Malu”, projeto de midialogia desenvolvido na 4ª edição e premiado na Mostra de Filmes de Bauru.


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Qual o futuro do

Foto: Divulgação

carro elétrico?

Estudo narra a gênese e a trajetória do veículo ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

segmento de veículos elétricos tem se colocado como uma opção promissora ao se pensar no futuro e novas demandas para a indústria automobilística global. As fabricantes de veículos automotores e fornecedoras de componentes têm reunido esforços na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para a concepção e produção de veículos mais eficientes, menos poluentes e com menos impactos ao meio ambiente. Essa indústria vem passando por reestruturação em várias frentes: nas relações entre matriz e subsidiárias; com empresas que estão se integrando a este mercado; na proposição de novos modelos de negócios. Dentre essas transformações, há a incorporação de tecnologias alternativas às tradicionais, que visam derrubar a dependência dos combustíveis fósseis para diminuir a emissão de gases poluentes. Esse é o novo cenário que vem se desenhando para a indústria automobilística mundial. Foi o que concluiu Edgar Barassa em sua pesquisa de mestrado do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG). Edgar investigou a trajetória do veículo elétrico: sua gênese, como tem se comportado essa tecnologia, por que tem ganhado força nos últimos anos, quais os condicionantes, os atores (empresas, universidades, centros de pesquisa, Estado) envolvidos com o segmento e as tecnologias mais promissoras, visto que esse veículo tem mostrado uma série de configurações mecânicas e diversas rotas tecnológicas para seus componentes. Uma das configurações é o veículo elétrico a bateria. Sua propulsão ocorre por meio de um motor elétrico, o qual é alimentado pela energia vinda de baterias que foram armazenadas em forma química, instaladas no interior do veículo. Têm os veículos elétricos híbridos, aqueles cujas fontes de energia para sua propulsão são de natureza diferente, sendo uma delas a eletricidade e outra fonte energética complementar. Nesses veículos híbridos com motor a combustão interna, a energia pode ser obtida mediante combustíveis líquidos (gasolina, álcool, diesel) e gasosos (gás natural). Têm ainda os veículos elétricos híbridos a células a combustível, baseados no insumo hidrogênio para a geração de eletricidade.

HISTÓRICO

A tecnologia do veículo elétrico remete ao nascimento da indústria automobilística mundial. Edgar explica que, no início do século 20, havia três rotas tecnológicas para os sistemas de propulsão veiculares: motores a vapor, combustão interna e elétricos, que competiram por quase 20 anos até o fechamento do motor a combustão interna como paradigma tecnológico. Esses três modelos tinham barreiras técnicas, porém o motor a combustão interna (explosão de uma mistura de ar e gás inflamado no interior de uma peça de volume limitado) foi a tecnologia que mais superou seus desafios como a ampla instalação de postos de combustíveis e a inovação do motor de partida, além de contar com o apoio da indústria petrolífera e do suporte das instituições, dos consumidores e do modelo fordista de produção. O que houve com o veículo elétrico nos anos em que o motor a combustão interna foi a tecnologia de propulsão dominante? Perdeu sua função na cadeia automobilística, com exceção dos veículos elétricos não rodoviários, como os trens e embarcações navais elétricas.

Publicação Dissertação: “Trajetória tecnológica do veículo elétrico: atores, políticas e esforços tecnológicos no Brasil” Autor: Edgar Barassa Orientadora: Flávia L. Consoni Unidade: Departamento de Política Científica e Tecnológica/Instituto de Geociências (IG)

Nos anos 1970, com estímulos da agenda ambiental, dos problemas ligados à poluição e sua relação com a saúde pública, e do aumento gradativo do preço dos combustíveis fósseis, o projeto do veículo elétrico foi retomado. O momento foi marcado por discussões sobre os recursos naturais, as emissões de CO² e suas consequências. Desde então, passaram a olhar para tecnologias alternativas ao motor de combustão interna e para soluções a problemas como o petróleo que, com sua crise nessa década, produziu um alerta para a dependência que havia criado. O movimento foi acompanhado de ações de alguns países, como EUA, Japão e França, em prol da formulação e implementação de políticas públicas, e incentivos ao desenvolvimento do veículo elétrico, intensificados na década de 1990. O resultado foi um novo quadro para o segmento dos elétricos em 2000, com o lançamento de modelos e destaque para a expansão dos veículos elétricos híbridos e avanços tecnológicos. Em 2010, verificaram-se pistas de uma nova trajetória dos veículos elétricos com a ascensão das vendas e lançamento de modelos de veículos elétricos a bateria – ou puros – e os modelos plug-in (híbridos com conexão à rede elétrica).

CRESCIMENTO

Mas por que eletrificar? “O veículo elétrico é uma via a uma demanda de veículos mais eficientes e a partir de energias renováveis. Ele é uma possibilidade, mas não a única”, pontua a docente do IG Flávia Consoni, orientadora do estudo. No caso específico brasileiro, são vistos, como alternativa ao petróleo, o etanol à base de cana-de-açúcar e o biocombustível. Como o motor a combustão interna está consolidado, muitas são as dificuldades em romper com este aprisionamento da tecnologia dominante. Ao mesmo tempo, o veículo elétrico ainda possui indefinições, como a instalação e padrões técnicos dos postos de recarregamento e o componente tecnológico mais complicado: a bateria. Há muitos tipos de baterias no mercado, como as de íons-lítio e as de sódio. Mas ainda não se pode afirmar qual a melhor aposta tecnológica, pois as opções compartilham vantagens e desvantagens. Além disso, há problemas com a autonomia do veículo elétrico que não é capaz de percorrer longas distâncias: em torno dos 100 km aos 250 km, dependendo do modelo, com raras exceções acima desta faixa. Outro obstáculo é o tempo de abastecimento. A recarga rápida pode ser feita em até meia hora, exigindo muito da vida útil da bateria. Indica-se que esse tipo de veículo tenha que ser deixado na tomada à noite. No dia seguinte, estará abastecido. “Essas indefinições e desafios estão sendo avaliados pelas empresas, tarefa que pode ser comprovada por meio de dados de patentes como indicadores de desenvolvimento tecnológico. As publicações de patentes têm passado por um

O Leaf, veículo elétrico a bateria fabricado pela Nissan: montadoras japonesas saíram na frente

crescimento expressivo e têm correlação com o comportamento de mercado e sua localização”, sugere a docente. Os veículos elétricos perfazem entre 5% e 6% da frota global, a maioria de passeio, como o Toyota Prius, o híbrido mais vendido no mundo, e o Nissan Leaf, o elétrico a bateria. No Brasil, está se fazendo um esforço para mapear as ações dos elétricos. “Grande parte das montadoras que os produzem e comercializam nos outros países tem plantas produtivas aqui, porém ainda não os estão fabricando”, expõe Edgar. “No estudo, olhamos sempre para o veículo elétrico e, quando olhamos para nosso país, consideramos duas dimensões: a produção e o desenvolvimento da tecnologia.” Em termos de produção, já se traz o projeto pronto e o usa como plataforma de montagem, enquanto o desenvolvimento da tecnologia é feito no exterior e envolve desde a criação até a comercialização. “Uma coisa é a produção e outra é a tecnologia. O Brasil não desenvolve e nem produz carros elétricos. Apenas comercializa algumas unidades. Está engatinhando”, salienta Flávia.

ESTUDOS

No ano passado, Edgar ganhou o prêmio de melhor artigo acadêmico – “Evolução tecnológica do veículo elétrico: uma análise a partir de dados de patentes” – do 10º Salão do Veículo Elétrico Latino-Americano, em São Paulo. Um dos achados, além de observar a evolução do segmento como um todo, foi visualizar a liderança das japonesas Toyota, Honda e Nissan, seguidas pelas norte-americanas General Motors e Ford. Edgar também identificou a ascensão dos novos ingressantes no segmento, como as chinesas BYD e Chery, bem como empresas do setor elétrico e eletrônico, como Panasonic e Hitachi. Nessa trajetória tecnológica, além de atores do setor automotivo (montadoras e empresas de autopeças), destaca-se o papel a ser ocupado pelo setor elétrico, ponderando sua função no abastecimento da frota automotiva, e pelos atores que respondem pelos eletropostos, para abastecimento do veículo elétrico. Outra evidência do estudo aponta para o domínio destas tecnologias em países mais desenvolvidos (Japão, EUA, Alemanha e França) e tradicionais no segmento automobilístico (Coréia do Sul e China), denotando o avanço deles neste segmento. É possível falar de uma configuração setorial na qual se incorporam empresas do setor elétrico-eletrônico como atores, dando pistas de uma nova estrutura para a cadeia automobilística global.

Em junho, Edgar participa do Colóquio Gerpisa, na França, um dos principais a analisar o setor automotivo. Vai apresentar trabalho e se aproximar de uma rede internacional que estuda o tema. No momento, Flávia Consoni tem vários alunos com projetos nessa área, desenvolvidos no grupo Leve (Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico) do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG. Tatiana Bermudez está avaliando veículos de transporte coletivo elétrico; Marcos de Oliveira, as políticas públicas no setor; e Henrique Botim, identificando pesquisadores que fazem estudos para serem adaptados ao caso do veículo elétrico.

EXPERIÊNCIA

O Brasil vem se abstendo de ingressar no segmento dos veículos elétricos. “É preciso cautela ao falar do país, pois há décadas sua política é voltada ao etanol. O veículo elétrico seria uma alternativa. Não temos tecnologia para ser comercializada e temos empecilhos a superar”, situa Flávia, isso porque as limitações de infraestrutura persistem. “Em cada esquina há um posto de combustível. Para o veículo elétrico, faltam investimentos em eletropostos.” Ao abordar as taxas de crescimento, a orientadora assinala que há controvérsias de estudos com diferentes valores e inserções do veículo elétrico. Em 2014, os híbridos foram incorporados à política setorial do Inovar-Auto – Sistema de Acompanhamento do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, que prevê desconto do imposto de importação. O Toyota Prius, de R$125 mil, passou a ser vendido por cerca de R$90 mil. A empresa chinesa BYD está com uma planta produtiva em Campinas, prevista para entrar em operação este ano. Irá fabricar ônibus elétricos e baterias. Será uma conquista para a mobilidade urbana. Outra conquista é que as montadoras buscam acordos bilaterais para a incorporação de veículos elétricos nos serviços públicos. Também as startups, que produzem veículos compactos e bicicletas, estão começando a tomar corpo. “Não há ausência de iniciativas no país. Elas só não possuem a robustez para formar uma cadeia voltada ao segmento”, sublinha a docente. A perspectiva do veículo elétrico ainda atinge as motocicletas e as bicicletas elétricas. “O veículo elétrico traz a proposta de ser compacto, mais eficiente, volume reduzido e hoje esse veículo aumentou a sua confiabilidade”, expõe Edgar. Foto: Antoninho Perri

A professora Flávia Consoni, orientadora da pesquisa, e Edgar Barassa, autor da dissertação: ações no Brasil também foram mapeadas


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Caism será polo no país de

pesquisas em câncer de mama ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Hospital da Mulher “Prof. Dr. José A. Pinotti” - Caism da Unicamp será o polo agregador das pesquisas em câncer de mama no Brasil. Mas mais que isso: ele integrará uma rede colaborativa com outros parceiros internacionais de peso. A formalização dessa atividade acontece no dia 11 de junho, às 9 horas, no anfiteatro do Caism, quando será assinado um acordo envolvendo a área de Oncologia do Caism, o Baylor College of Medicine (BCM), localizado no Texas-EUA, e o Susan G. Komen Foundation, com apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) e da Vice-Reitoria de Relações Internacionais (Vreri). A assinatura ocorrerá dentro do contexto do Meeting of Minds 2015, que prosseguirá até o dia seguinte (12). O hospital será a sede dessa rede. O Meeting of Minds, que deve reunir cerca de 80 especialistas da área de Oncologia, será o start da rede colaborativa de pesquisa conjunta. Mas, além da pesquisa, essa parceria abre as portas para intercâmbio de docentes, pesquisadores e alunos de graduação, de pós-graduação e de pós-doutorado. Desde 2013 estão sendo feitas tratativas para o que foi considerado o embrião desse projeto. Desde então, a Unicamp enviou pós-doutores para se integrar à rotina de investigação no Baylor College of Medicine. Leia o texto do primeiro Meeting of Minds.

Assinatura de acordo com o Baylor College of Medicine e o Susan G. Komen ocorre no dia 11 de junho Foto: Antoninho Perri

O mastologista do Hospital da Mulher, Cássio Cardoso Filho: “Teremos uma deliberação bastante intensa durante os dois dias de Meeting”

Durante os dois dias do encontro, serão discutidas novas oportunidades de investigações de câncer de mama, trabalhos conjuntos, novos medicamentos, projetos e as mais novas tecnologias nessa área.

“Teremos uma deliberação bastante intensa durante os dois dias de Meeting”, conta o mastologista do Hospital da Mulher, Cássio Cardoso Filho, docente do Departamento de Tocoginecologia da Fa-

mações pelo telefone 19-3521-0363 ou e-mail myrcia@ nepo.unicamp.br  Autorretratos - Abertura da exposição do fotógrafo húngaro Balázs Böröcz está marcada para o dia 10 de junho, às 16 horas, na Biblioteca Octávio Ianni do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). A mostra traz mais de vinte fotografias da série de mesmo nome que completou dez anos em 2013, e a cada ano ganha novas imagens. As fotografias exploram as relações entre o próprio fotógrafo e o entorno que o circunda. Böröcz pretende continuar com o projeto de autorretratos por toda sua vida, mantendo os mesmos métodos de impressão, formato e número de reproduções. O artista já teve suas fotografias publicadas em várias revistas, e participou de várias exposições em grupo e individual na Europa, Japão, e recentemente na cidade de Tiradentes no Brasil. O evento faz parte do ciclo de mostras programadas para 2015. A ideia da exposição é do professor Jorge Coli. A curadoria é de André Ribeiro de Barros. Como co-curadores atuam: Letícia Badan e Willian Pereira. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 19-35211585 ou e-mail suifch@unicamp.br

da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, em LimeiraSP. Junto ao professor Cristiano Gallep, ele falará sobre as oportunidades de colaboração e intercâmbio de docentes e discentes, com possibilidades de suporte britânico e nacional com a Universidade de Bristol.  Quartas interdisciplinares - Pesquisadores discutirão o tema em mesa-redonda programada para o dia 24 de junho, às 16 horas, no Anfiteatro UL01 da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp. O encontro faz parte do Quartas Interdisciplinares (QIs), evento que está sob a coordenação dos professores Eduardo Marandola Jr. e Álvaro D’Antona. A promoção é do Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHS). O Quartas interdisciplinares reúne docentes e pesquisadores (da própria FCA e convidados) para debater temas que permitem o exercício da interdisciplinaridade. Mais informações pelo e-mail chs@ fca.unicamp.br ou telefone 19-3701-6674.  Artigos para a Studium - A revista eletrônica Studium, publicação virtual do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, já está recebendo artigos e imagens para a sua edição de número 37. O próximo exemplar da revista abordará coleções de fotografias brasileiras com foco em fotografias modernas e contemporâneas. Os trabalhos devem ser enviados até 30 de junho para o e-mail studium37@gmail.com.

Eventos futuros Painel da semana

 VI Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa - Evento acontece no dia 9 de junho, às 9 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). A organização é do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Gabriel Porto (Cepre) e ISAAC Brasil. O tema símbolo deste Congresso é a árvore Flamboyant, originária da Costa Leste da África, de Madagáscar e de ilhas do Oceano Índico, que significa flamejante, pela cor avermelhada de suas flores. Pode ser encontrada nas avenidas principais da Unicamp, que sedia o evento pela segunda vez por meio do Cepre. Programação e outras informações no site do evento http://congresso.isaac.org.br/pt-br/ congresso, telefone 19-3521-8815 ou e-mail vicongresso@ isaac.org.br  Unicamp sustentável - O Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) organiza, dia 9 de junho, às 8 horas, no auditório da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), o evento Unicamp Sustentável. Mais detalhes na página eletrônica http://www.nipe.unicamp.br/2013/eventosdetalhe.php?id=97  Tempo de debate - O Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo), por meio de seu site (www. nepo.unicamp.br), já está recebendo inscrições online de interessados em participar da série “Tempo de Debate” no mês de junho. No primeiro encontro do mês, a pesquisadora Antônia da Silva Motta (UFMA/Nepo-Unicamp), fala sobre “Família e escravidão no maranhão oitocentista”. Será no dia 10 de junho, às 12h30, no auditório do Nepo. O evento é organizado pela professora Maísa Faleiros da Cunha. Os inscritos receberão certificado de participação. Mais infor-

Teses da semana  Fármacos anticâncer - A Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp e a Rede Iberoamericana de Investigação em Câncer – Da genômica ao Controle (RIBECANCER) promovem, de 15 a 18 de junho, no Anfiteatro do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, o III Workshop Internacional “Descoberta e desenvolvimento de fármacos anticâncer - Do produto natural até a clínica”, sob a direção e a coordenação dos professores Arturo San Feliciano (USAL, Salamanca, Espanha), João Ernesto de Carvalho (FCF-CPQBA/Unicamp) e Valdir Cequinel Filho (Univali-SC). Inscrições e outras informações no link http:// www.unicamp.br/unicamp/eventos/2015/05/14/workshopinternacional-descoberta-e-desenvolvimento-de-farmacosanticancer-do  Redes familiares na AL - O Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo) e a Rede Demografia Histórica e História da População da Associacão Latinoamericana de População (APAP) realizam, de 22 a 23 de junho, o I Seminário de Demografia Histórica e História da População na América Latina. A abertura do evento ocorre às 9h30, no auditório do Nepo. Alunos de graduação e de pós-graduação podem enviar trabalhos, em forma de pôsteres, até 12 de junho, para o e-mail maisa@nepo.unicamp.br  Palestras com Peter Barlow - O Instituto de Biologia (IB) recebe, para palestras, o professor Peter Barlow, da Universidade de Bristol. O primeiro encontro acontece no dia 23 de junho, às 14 horas, na sala IB11, no prédio da Pós-graduação. Na ocasião, Barlow abordará o tema “The origins of the quiescent centre concept”. O docente, que estudou botânica na Universidade St Andrews, volta a proferir palestra no dia 25 de junho, às 14 horas, no auditório PA-3

 Computação - “Quality Flow: uma plataforma colaborativa orientada a qualidade para experimentos em eScience” (mestrado). Candidato: Renato Beserra Sousa. Orientadora: professora Claudia Maria Bauzer Medeiros. Dia 12 de junho de 2015, às 10 horas, no auditório do IC.  Educação Física - “A doce recordação do que não vivi: a informação da identidade nacional no futebol (19381950)” (mestrado). Candidato: Harian Pires Braga. Orientadora: professora Heloísa Helena Baldy dos Reis. Dia 8 de junho de 2015, às 14 horas, na sala de aula 6 da FEF. “Composição corporal segmentar em atletas com lesão na medula espinhal” (mestrado). Candidata: Mariane Borges. Orientador: professor José Irineu Gorla. Dia 8 de junho de 2015, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Dimensões urbanas e percepção de valor ambiental em bairros habitacionais: o caso de Vitória-ES” (doutorado). Candidata: Karla Moreira Conde. Orientadora: professora Silvia Aparecida Mikami Gonçalves Pina. Dia 10 de junho de 2015, às 13h30, na sala de defesa 1 da FEC. “Modelo conceitual para introdução do custeio-meta no processo de desenvolvimento de produtos imobiliários” (doutorado). Candidato: Reymard Savio Sampaio de Melo. Orientador: professor Ariovaldo Denis Granja. Dia 12 de junho de 2015, às 13 horas, na sala 2 de videoconferência da FE.  Engenharia Elétrica e se Computação - “Caracterização experimental de fibras de vidro telurito dopado com érbio e itérbio” (mestrado). Candidato: Thisien Gabriel

culdade de Ciências Médicas (FCM) e um dos organizadores do Meeting. Trata-se de um evento fechado para um grupo de 80 especialistas, entre eles oncologistas, mastologistas e profissionais convidados da FCM, do Instituto de Química (IQ) e do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. São objetivos da reunião trazer à tona o panorama atual do câncer de mama no mundo e costurar novas relações entre parceiros de interesse. Segundo Cássio Cardoso Filho, são esperados mais de 50 mil casos novos dessa doença por ano somente no Brasil. ”Por isso é importante nos unirmos em torno dessa problemática, estudando profundamente todas as ações que servirão para nortear as condutas daqui para frente, baseadas sempre em um consenso”, afirma ele. Alguns dos assuntos que serão debatidos no evento envolvem a avaliação genética, a nova classificação do câncer de mama em subtipos moleculares e a individualização do tratamento aos portadores dessa doença. A rede internacional criada no Meeting of Minds está sendo coordenada pelo professor do Baylor College of Medicine (BCM) Matthew Ellis (cientista clínico de renome na área da Genômica e atual diretor do Centro de Mama do Baylor College of Medicine) e, nacionalmente, pelo Hospital da Mulher da Unicamp.

Montes. Orientador: professor Aldário Chrestani Bordonalli. Dia 10 de junho de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses da FEEC.  Física - “O deslocamento de Goos-Hänchen e os fenômenos da quebra de simetria para feixes Gaussianos” (doutorado). Candidato: Manoel Pedro de Araújo. Orientador: professor Stefano de Leo. Dia 8 de junho de 2015, às 14 horas, no auditório de Pós-graduação do IFGW.  Geociências - “Caracterização geológica da formação carapebus da Bacia de Campos através da análise de eletrofácies” (mestrado). Candidato: Tomás Manuel Lampreia Grou. Orientador: professor Alessandro Batezelli. Dia 9 de junho de 2015, às 9h30, na sala A do DGRN do IG. “A construção social do risco e o controverso programa nuclear brasileiro entre o científico, o político e o público” (doutorado). Candidata: Ana Paula Camelo. Orientador: professor Marko Synésio Alves Monteiro. Dia 9 de junho de 2015, às 10 horas, no auditório do IG.  Linguagem - “Caminhos e limites da inovação lexical na fala da criança” (mestrado). Candidata: Camila Rossetti Vieira. Orientadora: professora Rosa Attié Figueira. Dia 9 de junho de 2015, às 11 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Exposição oral ou multimodal? Reconfigurações de uma prática pedagógica” (mestrado). Candidata:Rosane de Paiva Felício. Orientador: professor Petrilson Alan Pinheiro da Silva. Dia 11 de junho de 2015, às 9h30, no IEL. “Feminismo e novas práticas de resistência. Uma análise discursiva da Marcha das Vadias” (mestrado). Candidata: Tyara Veriato Chaves. Orientadora: professora Mónica Graciela Zoppi Fontana. Dia 12 de junho de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “Simetria” (mestrado profissional). Candidata: Márcia Cristina Lemos Guimarães Franco. Orientadora: professora Claudina Izepe Rodrigues. Dia 8 de junho de 2015, às 15 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Análise retrospectiva dos exames realizados no serviço de antropologia forense do instituto médico legal do estado do Rio de Janeiro, Brasil” (mestrado). Candidato: Marcos Paulo Salles Machado. Orientador: professor Eduardo Daruge Junior. Dia 8 de junho de 2015, às 9 horas, na sala da congregação da FOP. “Influência da morfologia craniofacial sobre disfunções temporomandibulares, força de mordida, performance e habilidade mastigatórias” (doutorado). Candidata: Paula Furlan Bavia. Orientadora: professora Renata Cunha Matheus Rodrigues Garcia. Dia 11 de junho de 2015, às 8h30, na sala da congregação da FOP.  Química - “Fases extratoras para análise direta de contaminantes orgânicos e inorgânicos em água” (doutorado). Candidata: Laiane de Moura Fontes. Orientador: professor Ivo Milton Raimundo Júnior. Dia 8 de junho de 2015, às 9 horas, no miniauditorio do IQ. “Desenvolvimento e validação de metodologia para quantificação de metanol em biocombustíveis e gasolina por espectrometria de massas utilizando uma fonte V-EASI” (mestrado). Candidato: David Ulisses Tega. Orientador: professor Marcos Nogueira Eberlin. Dia 9 de junho de 2015, às 14 horas, no miniauditório do IQ.


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Campinas, 8 a 14 de junho de 2015

Uma ginástica para todos Fotos: Antonio Scarpinetti

Livro resgata 25 anos de história do Grupo Ginástico da Unicamp LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

inda estava para ser contada a rica história do Grupo Ginástico Unicamp (GGU), que se tornou referência nacional e internacional com a sua proposta pedagógica de ginástica geral (GG), desenvolvida na Faculdade de Educação Física (FEF) e replicada em outras universidades, escolas, clubes e associações. Agora essa trajetória está documentada no livro “Grupo Ginástico Unicamp: 25 Anos”, publicado pela Editora da Unicamp e, segundo seus autores, “escrito a dez mãos, cinco corações e incontáveis colaboradores”. A obra, viabilizada com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) em parceria com o Gabinete do Reitor, é assinada por Elizabeth Paoliello, Eliana de Toledo, Eliana Ayoub, Marco Antonio Coelho Bortoleto e Larissa Graner. A professora Elizabeth Paoliello, fundadora do GGU juntamente com Vilma Nista-Piccollo, afirma que o livro é resultado de um trabalho nascido no âmbito de um projeto de extensão comunitária iniciado em 1989, quando ambas eram docentes da FEF. “Formamos um grupo com 17 ex-ginastas (algumas alunas da própria FEF e outras do Clube Campineiro de Regatas e Natação) para se apresentar em um festival em Buenos Aires. Depois do sucesso na Argentina, nos sentimos muito motivadas a continuar com o projeto, por onde já passaram mais de 200 alunos da Unicamp e de outras instituições.” A ginástica geral, atualmente denominada ginástica para todos (GPT), não tem a competição como meta, como outras manifestações tão veiculadas pela mídia. Foi nesse contexto que o GGU desenvolveu sua proposta, consolidada com significativa contribuição do professor Jorge Sérgio Perez-Gallardo e debatida por Elizabeth Paoliello em sua tese de doutorado (1997), desta prática entendida como: “uma manifestação da cultura corporal que reúne diferentes interpretações da ginástica (natural, construída, artística, rítmica desportiva, aeróbica, etc.), integrando-as com outras formas de expressão corporal (dança, folclore, jogos, teatro, mímica, etc.), de forma livre e criativa, de acordo com as características do grupo social e contribuindo para o aumento da interação social entre os participantes”. Atualmente na coordenação do GGU, Marco Antonio Bortoleto, docente da FEF, observa que a ginástica geral, devido à sua natureza não competitiva, ganha especial importância numa sociedade que tende à competição. “Valorizamos o trabalho de cada um e sua integração, sem a expectativa de ganhar nada. Se vamos ao exterior, voltamos sem medalhas, mas trazemos amizades, contatos e experiências. É uma prática inclusiva na qual pessoas de qualquer faixa etária, com diferentes históricos esportivos, ou mesmo sem qualquer experiência prévia com a ginástica, podem participar. O GGU é um exemplo disso: muitos dos seus quase 60 integrantes nunca haviam praticado ginástica e entre eles há estudantes e profissionais da matemática, estatística, artes, educação, engenharia, com trajetórias bem distintas.” Larissa Graner, também da coordenação atual, explica que a proposta do GGU norteia-se na formação humana e na capacitação profissional: “Materializamos essa proposta potencializando a interação entre as pessoas. A criação da coreografia – coração do nosso trabalho – é coletiva. Não temos um coreógrafo responsável por tudo e a quem todos devem obedecer. Isso acontece na escolha dos movimentos, do figurino, da música, na organização das viagens. E a capacitação decorre deste processo, em que se é aluno num dia e professor no outro.” O Grupo Ginástico Unicamp tem sido o veículo de difusão das reflexões e produções do Grupo de Pesquisa em Ginástica (GPG) da FEF, cujos estudos buscam novas possibilidades de compreensão e prática da ginástica para as aulas de educação física, bem como para programas de universidades, clubes e associações. “Ao longo do tempo, consegui-

Apresentação do Grupo Ginástico da Unicamp, em Campinas: privilegiando a inclusão

pelo alto índice de citações em trabalhos acadêmicos, bem como pela dimensão mundial alcançada pelo Fórum Internacional de Ginástica Geral, evento organizado pelo GGU e GPG, com apoio do Sesc e da Isca (International Sport and Culture Association). “É um evento bianual, o maior evento da área na América Latina e um dos maiores do mundo, que já tem sete edições de 2001 a 2014. Pela comissão científica, da qual já fui parecerista e há três edições atuo como coordenadora, passam os trabalhos enviados de quase todos os estados brasileiros e de outros países, o que nos oferece um olhar claro sobre a influência da proposta do GGU.”

SERVIÇO Título: Grupo Ginástico Unicamp: 25 Anos Autores: Elizabeth Paoliello, Eliana de Toledo, Eliana Ayoub, Marco Antonio Coelho Bortoleto e Larissa Graner Páginas: 288 | Editora da Unicamp Preço: R$ 60,00

mos conectar muito bem o tripé pesquisa-ensino-extensão. Tanto que em julho próximo nos apresentaremos na Finlândia, na World Gymnaestrada, maior festival realizado pela Federação Internacional de Ginástica FIG), fazendo em seguida um intercâmbio técnico-científico com a Universidade de Tallin na Estônia”, complementa Bortoleto. Eliana Ayoub, uma das autoras do livro, considera que a proposta pedagógica do GGU, por estar ancorada em uma formação humana mais ampla, extrapola em muito a área da educação física. “Sou formada em educação física e docente da Faculdade de Educação, onde temos difundido essa proposta em cursos de formação de professores, especialmente na pedagogia. Esta proposta inovadora foi sendo ampliada e seu significado transformado pelos coordenadores que passaram pelo grupo, ganhando uma dimensão que não é pequena. Daí a força desse projeto, que perdura por tantos anos.” Marco Bortoleto lamenta que este longo e denso trabalho do grupo seja ainda pouco difundido e reconhecido dentro da própria Unicamp, quando a proposta curricular de educação física do Governo do Estado de São Paulo para o ensino de ginástica, publicada em 2008 e ainda vigente, está nele fundamentada. “Temos certeza, portanto, que a maioria das escolas estaduais paulistas têm a proposta pedagógica do GGU como referência, o que é um impacto considerável. Há referências ao nosso trabalho também em propostas do Ministério dos Esportes e diversos municípios, e muitos pesquisadores e grupos de estudantes universitários nos visitam a cada ano. Nas três universidades públicas paulistas [Unesp, USP e Unicamp] todos os professores de ginástica são ex-membros do GGU. Poucas áreas do conhecimento conseguem esta penetração.” Eliana de Toledo, ex-coordenadora do grupo e docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, acrescenta que a importância do GGU pode ser mensurada

INSERÇÃO INTERNACIONAL

O Grupo Ginástico Unicamp vem exercendo importante papel também em relação à internacionalização da Universidade, processo que vive intensamente desde o início dos 1990, bem antes de se tornar uma política institucional. O livro registra as 14 turnês realizadas até o momento, cada uma percorrendo três ou quatro países, em diferentes continentes. Esta inserção no cenário mundial levou a fundadora Elizabeth Paoliello a fazer parte de um organismo com o peso da Isca, e o professor Marco Bortoleto a se tornar o primeiro representante das Américas no Comitê de GPT da Federação Internacional de Ginástica. A professora Elizabeth Paoliello permaneceu na Isca durante 15 anos, como integrante do comitê executivo, coordenadora da América Latina e vice-presidente mundial. “A filiação da Unicamp à Isca, desde 1995, foi fundamental para que o GGU recebesse convites para festivais, palestras e cursos em diversas partes do mundo. E para um importante intercâmbio com a Associação Dinamarquesa de Esporte e Ginástica, assinado em 1997, pelo qual já enviamos 55 alunos da FEF, quase 70 da Unicamp como um todo e mais de 150 da América Latina para participar de um programa junto a escolas de esportes daquele país.” Marco Bortoleto destaca ainda um termo de cooperação com a Nippon Sport Science University (Japão), renomada instituição do Japão que o GGU visitou em 2013, trazendo no ano passado mais de 50 alunos para a Unicamp. “Outro aspecto é que todo o esforço dos coordenadores e membros do GGU, com

o apoio institucional da FEF e da Unicamp, permitiu o acesso a organismos nacionais e internacionais, o que ainda representa um desafio no terreno da ginástica. Temos representação tanto na Federação Paulista como na Confederação Brasileira de Ginástica, e a partir de 2012 na FIG, primeira federação esportiva criada no mundo. O acesso à FIG nos trouxe informações privilegiadas e o convite para este evento de gala do organismo, na Finlândia, que consiste em três apresentações, cada uma com 5 mil pessoas e ingressos já esgotados – é o nome da Unicamp divulgado para um mínimo de 15 mil pessoas.”

LIVRO DE ALTA DENSIDADE

Como coautora de “Grupo Ginástico Unicamp: 25 Anos”, a professora Eliana de Toledo vê no livro uma pesquisa histórica de alta densidade, com base em mais de 5 mil documentos (fotos, vídeos, músicas, matérias de jornais, folders, cadernos de registros e de planejamento), além de depoimentos dos “GGÚnicos e GGÚnicas”, assim denominados porque ainda se sentem parte do grupo. “Não se trata de um livro memorialístico qualquer, saudosista. Como docentes e pesquisadores, seguimos o rigor acadêmico em relação às fontes e ao seu tratamento. Trata-se de pesquisa histórica sobre a trajetória de um grupo universitário que praticamente consolidou as produções acadêmicas e as práticas da ginástica geral brasileira. Muitos estavam esperando pelo livro, que agora está sendo traduzido para o inglês.” A versão em inglês será em formato digital (e-book) e será disponibilizada gratuitamente no site do GGU (www.ggu.com.br), possivelmente até meados de 2016. Além da história do GGU, o livro traz todas as composições coreográficas; uma nova versão de sua proposta pedagógica; imagens dos mais de 200 integrantes e depoimentos sobre a influência do grupo na vida pessoal e profissional; detalhes das turnês e participações em eventos no Brasil e no exterior; curiosidades sobre o Fórum Internacional de Ginástica Geral; uma reflexão sobre a ampla rede de contatos construída ao longo desta trajetória; a apresentação da extensa produção científica (livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de iniciação científica); e notas sobre grupos ginásticos nascidos a partir do GGU.

Da esq. para a dir., Eliana Ayoub, Elizabeth Paoliello, Marco Antonio Coelho Bortoleto, Larissa Graner e Eliana de Toledo: referência nacional e internacional


12 PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

primeira imagem da dissertação de mestrado da pesquisadora Aline de Alvarenga Zouvi mostra a escritora e quadrinista Alison Bechdel desenhando um quadro dentro de outro quadro, sucessivamente. O exercício de metalinguagem representa o questionamento que a autora faz sobre a representação de si mesmo, aliada ao recurso do desenho, na autobiografia, como faz Bechdel. “A gente se expõe, mas não necessariamente expomos a verdade sobre nós”, reflete a autora da pesquisa, que tinha como objetivo entender o que os teóricos chamam de “pacto autobiográfico”, na obra da quadrinista, ou seja, o entendimento que há entre leitor e autor de que o que está sendo dito na obra não pode ser questionado a todo o momento. “O leitor não pode querer investigar tudo o que está escrito ali. O pacto é inspirado em uma noção de referencialidade, de correspondência entre o nome do autor e o nome do personagem principal. Isso leva em conta o processo de registro da memória, que não é exato”. Para Aline, que também é escritora e desde o início do mestrado também começou a desenhar, os quadrinhos são fragmentos que, como cacos de vidro, vão se unindo e constituem uma ferramenta muito apropriada para contar uma história de vida. “Minha hipótese principal em relação ao trabalho de Bechdel, seria de que a produção funciona a partir do momento em que o autor tem consciência de que não conseguirá alcançar seu objetivo final que é contar uma história como aconteceu. Ele sempre vai ser trazido de volta para a ficção”. Alison Bechdel começou a ser conhecida do público nos anos 1980, a partir da publicação da série de quadrinhos Dykes To Watch Out For, sobre um grupo de amigas, a maioria mulheres lésbicas, vivendo em uma cidade fictícia nos Estados Unidos. “A popularização da série se deve não apenas ao talento da quadrinista, mas à necessidade das lésbicas de se verem representadas na cultura – algo que, se hoje não se vê com tanta frequência, nos anos 80 era ainda mais escasso”, afirma Aline. Ali aparece uma fala entre as personagens que acabou se desdobrando em um “teste”, aplicado para aferir a participação feminina na arte, especialmente no cinema. São aprovados no “teste de Bechdel” os filmes que apresentam mais de uma personagem feminina; se elas conversam entre si e se a conversa trata de qualquer assunto que não seja um homem. Para a surpresa de muitos, um grande número de filmes não passa no teste. Em 2006, a quadrinista publicou Fun Home – A Family Tragicomic, sua primeira HQ autobiográfica no formato de livro. A obra é sobre o período da infância de Bechdel até a sua juventude, e sobre a relação que tinha com o seu pai, Bruce Bechdel. Aline ressalta a presença da literatura

Campinas, 8 a 14 de junho de 2015

Um pacto (e a vida) em HQ

Ilustração: Aline Zouvi

HQ produzida por Aline Zouvi para o Jornal da Unicamp: metalinguagem como recurso

no HQ “tanto como parte dos cenários, nos desenhos, como na estrutura do texto da autora, por meio de ironias e paralelos que constrói, principalmente com autores modernistas de língua inglesa e francesa: [James] Joyce, [Marcel] Proust, [Albert] Camus”. Neste livro também está o processo da descoberta como lésbica. A segunda obra, Are you my mother?, foi lançada em 2012 e narra a fase adulta da autora. “A HQ é voltada para a relação entre Alison e sua mãe, novamente marcada

pela presença da literatura e de seus paralelos”. Aparecem neste livro, observa, os impasses de autobiografar-se, e a as sessões de terapia que frequentou, expondo algumas das crises pelas quais passou em sua vida pessoal e artística.

RELEVÂNCIA Não é novidade que exista quadrinho adulto e autobiográfico. Basta lembrar os HQs de Robert Crumb ou Harvey Pekar, Foto: Antoninho Perri

A pesquisadora Aline de Alvarenga Zouvi, autora da dissertação: “Chama a atenção a desestabilização que Alison Bechdel cria na mistura entre imagem e texto”

a partir dos anos 1960, quando criaturas fantásticas deram lugar aos desenhos que retratavam os dilemas e frustrações de sujeitos comuns da classe média norte-americana. “O trabalho de Alison Bechdel chama a atenção pela forma como ela explora o quadrinho como mídia, como faz uso da estrutura da página, a desestabilização que ela cria na mistura entre imagem e texto”, salienta Aline. A pesquisadora encontrou paralelos entre a obra da quadrinista e o trabalho de Art Spiegelman, autor que narra em HQ a história do pai, sobrevivente do holocausto, transformando judeus em ratos e alemães em gatos. “A estrutura de abertura de capítulos, a presença do texto de forma muito massiva, a ocupação do espaço da imagem só com texto são pontos comuns”. Para registrar a própria vida em quadrinhos, Bechdel lança mão da metalinguagem como recurso para simular o momento em que algum objeto se transforma em arquivo. “Texto e imagem têm o mesmo valor, ela copia o momento em que ela registra a própria vida, criando um efeito de abismo, como se o leitor tivesse acesso aos arquivos que ela usou para fazer a autobiografia dela”. É o caso de uma imagem da autora chorando debruçada sobre um telefone. Primeiro o desenho é mostrado e, páginas à frente, a autora revela como foi produzida a cena, o momento em que ela tira uma foto dela mesma para usar como referência para a construção do próprio corpo. Bechdel, de acordo com a pesquisadora, procura dar ao desenho o mesmo status do texto, como forma de legitimar o quadrinho como mídia, veículo de expressão tão “confiável” quanto à literatura. “Em Fun Home ela faz uso da combinação dos quadrinhos de texto e imagem para reproduzir inúmeros documentos que contribuem para reconstruir sua história e a de seu pai: fotos, jornais, cartas, páginas de livros, bilhetes”. Ainda na segunda obra, vez por outra, o texto retirado de obras da psicanálise ocupa um quadro. Outro recurso citado por Aline é o uso do desenho de situações como a autora gostaria que tivesse acontecido, e não como foi de fato. “Às vezes ela escolhe desenhar o que ela imaginou e isso traz mais questionamentos ainda porque existe uma quebra de unidade que faz a gente repensar como trabalhamos e confiamos em certos registros de verdade. Ela usa esse espaço para questionar a nossa relação com os relatos verídicos”. Mas trazer questionamentos ao leitor é uma consequência. Bechdel, segundo Aline, utiliza os quadrinhos para reconstruir suas histórias, especialmente aquelas situações traumáticas, em uma espécie de função terapêutica da autobiografia. “O ato de se redesenhar tem essa função, que não é algo egocêntrico, mas uma possibilidade de se ressignificar”. Mas o que faria da exposição desses autores algo relevante, uma vez que nunca foi tão grande a oferta de histórias pessoais nas redes sociais e em outras mídias? “Eu acho que eles fazem, justamente, essa problematização. Temos essa relação com a produção constante de autobiografias em qualquer mídia e ao mesmo tempo cada vez menos confiança em algo referencial. A consciência desses autores de que eles não podem expressar necessariamente a verdade, e essa vontade de explorar os quadrinhos como ferramenta, é o que é válido”. Aline acredita que a produção de autobiografias em quadrinhos fortalece o HQ como mídia especialmente em seu potencial para a expressão de grupos que não se sentem representados no geral. E serão sempre lidos porque desconfiam de si mesmos.

Publicação Dissertação: “A performance autobiográfica nos quadrinhos: um estudo de Alison Bechdel” Autora: Aline de Alvarenga Zouvi Orientador: Fabio Akcelrud Durão Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)


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