Ju 624

Page 1

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015 - ANO XXIX - Nº 624 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Ilustração: Fábio Reis

TERCEIRIZAÇÃO

Salvaguarda

da burla O Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização e foi aprovado na Câmara dos Deputados, “rasga” a CLT, “arrebenta” a súmula do Tribunal Superior do Trabalho que distinguia entre atividademeio e atividade-fim e funciona como “salvaguarda da burla” para os patrões. As opiniões são do sociólogo e professor Ricardo Antunes (IFCHUnicamp), que está lançando a edição comemorativa de 20 anos de sua obra “Adeus ao Trabalho?” e o terceiro volume da série “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil”.

6 e7

Usuário do Facebook cria sua própria ‘bolha’

3 5 TELESCÓPIO 2 No Ártico, nova pista da evolução celular

Psicólogos chancelaram programa de tortura nos EUA

Mulheres em coabitação e a taxa de fecundidade Projeto temático explora potencial de água de reúso

4 9

A interação entre a luz e tecidos do corpo humano Consumo de gordura saturada supera limites recomendáveis


2

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Escolha pessoal domina Facebook A rede social Facebook organiza o material apresentado no Feed de Notícias de cada usuário com base num algoritmo que tenta prever as preferências do leitor individual, oferecendo-lhe, com maior destaque, os conteúdos que ele provavelmente considerará mais interessantes. Esse processo vem gerando temores de que o Facebook esteja, inadvertidamente, criando “bolhas de realidade” para seus usuários, isolando-os de opiniões ou fatos que contestem seus preconceitos e preconcepções ideológicas. Mas um novo estudo publicado na revista Science, que levou em conta os hábitos de navegação na rede social de 10 milhões de americanos, sugere que esse efeito é bem menos relevante do que se poderia supor: se usuários do Facebook se isolam em “bolhas de realidade”, essas bolhas são criadas por eles mesmos, não pelo algoritmo subjacente, e a maior fonte de “censura” é a decisão pessoal de cada usuário de não clicar nos links que possam perturbar sua visão de mundo. “A mídia que indivíduos consomem no Facebook depende não apenas do que os amigos compartilham, mas também de como o algoritmo de ranqueamento do Feed de Notícias separa esses artigos, e do que os indivíduos decidem ler”, escrevem os autores, vinculados à Universidade de Michigan e ao próprio Facebook. O levantamento determinou que o algoritmo reduz a exposição de conservadores a conteúdo dito “liberal” (no espectro político americano, considerado de esquerda), e a de liberais a conteúdo conservador, mas que as escolhas pessoais dos usuários têm um peso muito maior. Em linhas gerais, o algoritmo do Facebook reduz em 1 ponto percentual a exposição ao conteúdo que poderia ser considerado antagônico às crenças de seus usuários, mas os cliques dos usuários causam uma redução de 4 pontos percentuais na exposição aos artigos antagônicos apresentados pela rede social. Os autores afirmam ainda que mais de 20% da lista de amigos de um usuário médio do Facebook é composta por pessoas de inclinação ideológica antagônica. “Demonstramos que a composição de nossas redes sociais é o fator mais importante a limitar o mix de conteúdo que encontramos nas mídias sociais”, concluem.

Vacina para Chagas é testada em camundongos Uma vacina capaz de manter o número de parasitas causadores do Mal de Chagas sob controle, evitando que a doença evolua para sua fase crônica, mais grave, foi testada com sucesso em camundongos por pesquisadores da Universidade do Texas. O trabalho é descrito numa edição recente do periódico PLoS Pathogens.

De acordo com os autores do trabalho, o número de parasitas no corpo dos animais infectados com a doença, após a imunização, chegou a ser até 80% menor do que em controles não-imunizados. A vacinação consistiu de duas injeções, uma com DNA que codifica duas proteínas presentes no Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença, e três semanas depois, com as próprias proteínas.

‘Elo Perdido’ da evolução celular Uma equipe de pesquisadores europeus descreve, na revista Nature, a descoberta de um organismo intermediário entre os procariontes – células simples, desprovidas de núcleo – e os eucariontes, células dotadas de um núcleo organizado e de mecanismos de funcionamento mais sofisticados. Células eucariontes compõem, por exemplo, o corpo humano, enquanto que os procariontes constituem dois domínios dos seres vivos, o das bactérias e o das arqueias. Os autores do trabalho publicado na Nature encontraram, em fontes hidrotermais do Oceano Ártico, um organismo com características de arqueia, mas capaz de produzir proteínas típicas de células eucariontes. A hipótese mais aceita para a evolução dos eucariontes sugere que essas células surgiram a partir da incorporação de procariontes numa célula hospedeira primitiva. O organismo foi chamado por seus descobridores de Lokiarchaeota, numa menção ao deus nórdico Loki: a descoberta se deu num campo de fontes hidrotermais conhecido como “Castelo de Loki”. A Lokiarcheota “oferece forte apoio à hipótese de que o hospedeiro eucariótico evoluiu de um arqueano ‘bona fide’, e demonstra que muitos componentes que sustentam características específicas dos eucariontes já estavam presentes nesse ancestral”, afirmam os autores. “Isso deu ao hospedeiro um rico ‘kit de iniciante’ genômico para apoiar o aumento em complexidade genômica e celular que é característica dos eucariontes”.

Psicólogos e tortura Um artigo publicado em The New York Times no fim de abril acusa a Associação de Psicologia dos Estados Unidos (APA, na sigla em inglês) de colaborar com a CIA na tortura de prisioneiros capturados no contexto da “guerra ao terror”, lançada após os atentados de 11 de setembro de 2001.

“A APA coordenou-se em segredo com autoridades da CIA, da Casa Branca e do Departamento de Defesa para criar um código de ética (...) compatível com as normas que autorizavam um programa de tortura”, diz relatório a que o jornal teve acesso. Uma investigação completa sobre a ligação entre a APA – a maior associação profissional de psicólogos do mundo – e a CIA deve apresentar suas conclusões finais em junho, mas o Times teve acesso a uma análise de e-mails trocados entre a organização e a agência de espionagem. Comentário publicado no site Science Insider, da revista Science, afirma que esses e-mails mostram uma relação “surpreendentemente confortável” entre a APA e a comunidade militar e de inteligência.

Magnetismo em Mercúrio A sonda Messenger, da Nasa, que encerrou em abril sua missão de mais de dez anos de exploração do planeta Mercúrio, encontrou sinais de que o campo magnético do astro já existia há pelo menos 3 bilhões de anos, diz artigo publicado na revista Science. Os vestígios do campo magnético antigo foram detectados em rochas da crosta do planeta, o mais próximo do Sol. A descoberta indica que um dínamo natural, gerado por processos que ocorrem na camada de ferro derretido que envolve o núcleo de Mercúrio, opera no planeta praticamente desde sua formação.

Corrida armamentista das mariposas Mariposas evoluíram a capacidade de detectar ondas de ultrassom e de produzir ultrassom que confunde o sonar natural dos morcegos após o surgimento dos morcegos que comem insetos, há milhões de anos, diz artigo publicado no periódico PNAS. Os autores, vinculados a instituições dos Estados Unidos, afirmam ter demonstrado que, entre as mariposas, “os ouvidos detectores de morcegos e a produção de ultrassom surgiram em diversos grupos, a partir do Oligoceno tardio (cerca de 26 milhões de anos atrás), após a emergência dos morcegos insetívoros”. O estudo se valeu de experimentos de campo, pesquisa em laboratório de interações entre morcegos e mariposas e análises de fósseis. “Fornecemos um exemplo do poder por trás da ciência colaborativa para reFoto: Centre for Geobiology (University of Bergen, Norway)/R.B. Pedersen

Fonte hidrotermal do Oceano Ártico, perto de onde foram descobertos os organismos de “Loki”

velar a função e o padrão histórico de comportamentos, e prevemos que a produção de ultrassom é uma estratégia antimorcegos na extraordinária diversidade dos insetos noturnos”, diz o artigo.

O poder dos boatos Tentativas de desmentir boatos políticos trazem um risco alto de apenas reforçá-los, diz estudo realizado por um pesquisador do MIT e que será publicado no periódico British Journal of Political Science. O autor do trabalho, o cientista político Adam Berinsky, realizou pesquisas, com cerca de 2000 eleitores, sobre o boato de que o plano nacional de saúde criado pelo governo do presidente Barack Obama estabeleceria “comitês da morte” – grupos com poder de decidir quais cidadãos deveriam ter acesso a tratamento médico. Berinsky testou três modelos de desmentido – um neutro, um atribuído ao Partido Democrata, do governo, e um ao Partido Republicano, da oposição – e em todos os casos houve aumento tanto na taxa de rejeição quanto na de aceitação do rumor, dependendo do perfil dos eleitores entrevistados. O único modelo que obteve efeito considerável para minar a credibilidade do boato, em todos os perfis, foi o atribuído à oposição. O modelo menos eficaz, no cômputo geral, foi que atribuiu o desmentido às fontes oficiais do partido do governo.

O preço da mudança climática As ausências do trabalho e a queda de produtividade causadas pelas ondas de calor que atingiram a Austrália no período de 2013 e 2014 geraram perdas de mais de US$ 6 bilhões à economia do país, estima artigo publicado no periódico Nature Climate Change. A frequência das ondas de calor deve aumentar, com o avanço da mudança climática nas próximas décadas. Os autores fizeram um levantamento entre mais de 1,7 mil adultos na população economicamente ativa da Austrália, e descobriram que 70% disseram ter sido menos produtivos durante a onda de calor e que 7% perderam pelo menos um dia de trabalho por conta da alta temperatura.

Ritmo da inovação Cada vez mais as invenções patenteadas nos Estados Unidos são novos arranjos de tecnologias pré-existentes, e o ritmo de surgimento de tecnologias inéditas vem caindo, diz levantamento realizado por pesquisadores do Santa Fe Institute e publicado no periódico Journal of the Royal Society Interface. Os registros do escritório de patentes americano vêm desde 1790. Analisando esse acervo, os autores do estudo descobriram que, até 1870, o “vocabulário” da invenção cresceu exponencialmente, mas que a partir daí a cena passou a ser dominada por “frases” que apenas reorganizam “palavras” já existentes.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Raquel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Fábio Reis Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


3

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Mulheres em coabitação respondem por metade da fecundidade brasileira MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

s mulheres que vivem em união consensual respondem por 46,6% da fecundidade no Brasil, o que demonstra que a decisão de ter filhos não depende necessariamente das condições proporcionadas pelo casamento. As mulheres casadas, por sua vez, têm contribuído com 38,7% da fecundidade, enquanto que as que vivem sós, com outros 14,7%. Os dados fazem parte de estudo elaborado pela cientista social e demógrafa Joice Melo Vieira, professora do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo) da Unicamp. De acordo com o trabalho, a fecundidade brasileira, que já estava abaixo do nível de reposição populacional em 2006, depende cada vez mais das mulheres em situação de coabitação. Para uma população conservar o seu tamanho em longo prazo, explica Joice, é esperada uma fecundidade de 2,1 filhos por mulher. Porém, o indicador tem se mantido abaixo deste patamar. Alguns fatores que ajudam a explicar tal quadro, conforme a autora da pesquisa, são a maior independência feminina e a proteção que a legislação brasileira confere aos cônjuges dentro da união consensual. De acordo com a lei, estes têm direitos semelhantes aos daqueles que vivem em união formal, o mesmo se aplicando aos seus filhos. “Nesse sentido, as mulheres se sentem confortáveis tendo filho dentro de uma união que não é formalizada”, pontua Joice. Apesar de ter amparo legal, o sistema de coabitação pode trazer implicações sociais negativas, segundo a pesquisadora do Nepo. Constrangimentos podem ocorrer, por exemplo, no momento do registro da criança. A legislação permite que o homem registre o filho no cartório sem a presença da mãe. Entretanto, o mesmo não ocorre em relação à mulher, que está impedida de registrar a criança em nome do homem, sem a presença ou sem uma declaração deste. Embora a maioria possa pensar que o homem não criará empecilhos para reconhecer a paternidade, dado que vive em união consensual com a mulher, o desfecho desse tipo de situação não é tão simples assim, como esclarece Joice. Segundo ela, existe uma variabilidade dos arranjos entre os casais. Se no momento do nascimento dos filhos a relação estiver passando por alguma crise, isso pode interferir no registro das crianças. Atualmente, a certidão de casamento garante a inserção do nome do marido da mãe, o pai presumido, na certidão de nascimento da criança. “Uma mulher que apresente a certidão de casamento no cartório normalmente consegue inserir o nome do marido na certidão do filho. Ou seja, dentro do casamento há uma inversão de papeis. Ao invés da mulher demandar o reconhecimento de paternidade, é o homem quem deverá ingressar na Justiça para eventualmente retirar o seu nome do registro de nascimento. Isso impacta o balanço de forças na relação”, considera. Outra “desvantagem” que pode advir da união consensual, continua Joice, acontece no momento em que o cônjuge vai requisitar direitos previdenciários. Neste caso, a pessoa precisa apresentar três provas de que a união consensual existia, como conta bancária conjunta, aluguel no nome dos dois cônjuges e o registro de um filho em nome de ambos. “Dependendo da situação, é muito difícil fazer essa comprovação. Pessoas que não têm conta conjunta em banco, que moram em áreas de ocupação e não têm diversas dimensões da vida documentadas, geralmente não conseguem apresentar essas provas. Em outras palavras, não existe atualmente preconceito em relação à união consensual, mas dependendo do arranjo isso pode trazer dificuldades para as pessoas”, pormenoriza. Considerando a população que vive em união no Brasil, 63,6% das pessoas eram casadas e 36,4% unidas consensualmente, de acordo com o censo de 2010. Porém, entre as mulheres abaixo dos 30 anos, faixa etária em que ainda se costuma concentrar a maior parte da reprodução no Brasil, mais da metade vivia em união consensual. Isto fornece evidências de que o casamento civil tem passado por um processo de desmistificação para uma parcela significativa da população, destaca a pesquisadora.

Estudo do Nepo mostra que a decisão de ter filhos independe das condições proporcionadas pelo casamento Tal postura decorre, entre outros fatores, dos custos do casamento e da dificuldade de acesso aos cartórios por parte de alguns segmentos da população, notadamente os pertencentes às chamadas classes C, D e E. “Por mais que o governo federal nos anos 2000 tenha democratizado o acesso da população aos cartórios, inclusive com a isenção de taxas, nem todos têm conhecimento desse benefício. Além disso, as pessoas se sentem constrangidas ao buscar esse direito, pois são obrigadas a providenciar uma declaração de pobreza. Se o serviço prestado pelos cartórios fosse totalmente público, é possível que o cenário fosse outro”, infere. Mais um ponto a ser considerado, acrescenta Joice, é o fato de o juiz de paz não ser um magistrado. Em outras palavras, ele não tem uma formação especial para exercer a função. “O que a gente observa é de fato uma desmistificação do casamento civil. Por outro lado, em relação ao casamento religioso, nós temos constatado novas formas de vivenciar a religiosidade, que não passam necessariamente pelas instituições. Alguns estudos sobre valores indicam que o brasileiro é um dos povos que mais acredita em Deus. Todavia, o nível de comprometimento das pessoas com a religião é muito particular. Para muitas, não há contradição em não oficializar a união no civil ou no religioso, mesmo praticando determinada religião”, esclarece. Joice informa que os pesquisadores envolvidos com o tema têm olhado com atenção a questão dos casamentos coletivos, que podem ser considerados uma política pública voltada à oficialização das uniões. O que tem sido possível captar até o momento, de acordo com ela, é que as pessoas têm interesse em casar, mas não de qualquer forma. “Muitos casais sonham com uma cerimônia exclusiva, com todo o ritual de praxe. Desse modo, esperam pelo momento mais adequado para oficializar a união, momento este que muitas vezes não chega”.

DISCURSO E PRÁTICA O estudo realizado por Joice emerge num momento muito oportuno, no qual a sociedade brasileira assiste a debates em torno do tema família. Um dos focos das discussões é a Câmara dos Deputados, onde tramita o projeto do Estatuto da Família. No bojo do processo, estão questões como o conceito de família, as uniões homoafetivas e as políticas públicas destinadas a garantir condições mínimas para a “sobrevivência dessa instituição”. De acordo com a pesquisadora do Nepo, a Constituição de 1988 reconheceu as uniões consensuais, mas determinou que houvesse um esforço por parte das autoridades para ampliar as formalizações destas. Joice entende que na atualidade o discurso jurídico oficial tem buscado não tecer julgamentos morais sobre a forma como as famílias são constituídas. “Nós não temos visto por parte da magistratura, por exemplo, um discurso de valorização do casamento estrito senso. O que acontece é uma fala voltada à ampliação do acesso das pessoas à Justiça. É, portanto, mais um discurso de cidadania que de valoração de um tipo de união frente a outro”. Nos Estados Unidos, conforme a autora do estudo, a abordagem já foi bem diferente. Especialmente na administração Ronald Reagan o país optou por valorizar o casamento, deixando o discurso de defesa da cidadania em segundo plano. Voltando à realidade brasileira, Joice assinala que as mulheres apresentam padrões de fecundidade diferentes, variando conforme as suas condições socioeconômicas. Em geral, as mulheres pertencentes às classes A e B selam uniões em idades mais avançadas, quando já alcançaram alguma estabilidade econômica. Essas mulheres também têm filhos um pouco mais tarde, diferentemente do que acontece com as inseridas nas classes C, D e E. “Dizendo de maneira simplificada, no Brasil quanto mais cedo as pessoas têm filhos, maior a chance de estarem em união consensual e não em casamento”. Ainda em relação às políticas públicas direcionadas à família, Joice entende que o país está numa encruzilhada. Uma alternativa é ampliar o amparo às famílias. “Ocorre que a expansão de direitos tem limites econômicos. No caso da Previdência Social, por exemplo, não se faz distinção por tipo de união, mas sim por idade. Como os recursos são escassos, o governo opta por estabelecer critérios de inclusão e exclusão no sistema”. De acordo com a pesquisadora do Nepo, existe nesse caso uma escolha a ser feita entre direitos universais e a adoção de critérios de necessidade e idade em relação à concessão de benefícios. “A decisão vai depender do embate político em torno do tema. Vai vencer a proposta que conseguir mobilizar o maior número de forças dentro de um espectro que vai das mais conservadoras às mais progressistas. Neste momento, é muito difícil tentar vislumbrar o que pode ocorrer. Penso que pode acontecer de tudo, dependendo de como essas forças irão se conjugar”, avalia. Foto: Antoninho Perri

Segundo Joice Vieira, autora da pesquisa, as mulheres se sentem confortáveis tendo filhos dentro de uma união não formalizada por causa das garantias conferidas pela legislação


4

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Técnica é canal de interação entre a luz e tecidos do corpo humano Foto: Divulgação

Método desenvolvido no IFGW abre caminho para novas formas não-invasivas de diagnóstico

Experimento feito durante as pesquisas: na espectroscopia óptica de difusão, a luz é enviada em baixa frequência até a região a ser analisada

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

ma técnica que utiliza a forma como os tecidos do corpo humano interagem com a luz e como essa interação muda, dependendo do estado de saúde e de atividade, vem sendo explorada por pesquisadores da Unicamp. Dissertação defendida no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) permitiu refinar o método melhorando sua precisão e abrindo caminho para o uso de novos métodos não-invasivos de diagnóstico. “Tudo é feito no paciente vivo, de modo indolor”, explicou o pesquisador Rickson Mesquita, orientador da dissertação “Utilização da fase para estimativa das propriedades ópticas absolutas do tecido biológico com espectroscopia óptica de difusão”, defendida pelo colombiano Reember Cano Rodríguez. “A ideia é incidir luz de baixa intensidade sobre o tecido. Aí essa luz é espalhada pelo tecido, e uma parte dela volta, trazendo informação sobre o tecido, suas propriedades ópticas, que estão relacionadas à fisiologia”, disse Mesquita. A técnica, chamada espectroscopia óptica de difusão, usa fibras ópticas para enviar a luz – numa frequência baixa, de transição entre o infravermelho e a luz visível – até a região a ser analisada. A luz devolvida é captada por outras fibras, e um software analisa suas características, correlacionando-as ao estado fisiológico do tecido. “A gente consegue inferir, basicamente, a concentração de hemoglobina que tem no sangue, com oxigênio e sem oxigênio e, a partir daí, o metabolismo do tecido naquela região”. “A hipótese da dissertação é que essa fisiologia é diferente em diferentes tecidos, e principalmente em tecidos normais e tecidos com problemas. Então, a ideia por trás foi tentar usar essa informação como um tipo de biomarcador, um marcador biológico in vivo, para poder diagnosticar a saúde do tecido”, disse. “Sem precisar coletar sangue, sem agulha, sem dor. Essa é a ideia”.

IMAGEM Mesquita explica ainda que, ao acompanhar o transporte de oxigênio pela hemoglobina do sangue, a técnica é capaz de produzir imagens do cérebro em funcionamento, de modo análogo ao da ressonância magnética funcional (fMRI), que também usa o consumo de oxigênio pelos neurônios para mapear o funcionamento do órgão. “Tanto a fMRI quanto a espectroscopia óptica de difusão estão medindo, basicamente, a variação de hemoglobina num tecido”, disse. “Mas o modo de funcionamento é diferente: a ressonância magnética usa campos magnéticos para tirar essa informação, a gente usa luz. Elas podem até ser usadas em conjunto, já que cada uma delas tem vantagens e desvantagens próprias”, prosseguiu. “A nossa técnica é mais, como se diz, ‘à beira do leito’. Você pode imaginar, por exemplo, um paciente que tenha trauma cerebral. A última coisa que o médico vai querer é movê-lo, mas se quiser ter uma imagem será necessário levá-lo até a máquina de ressonância magnética. Já os nossos sistemas são bem menores, não são fixos: a gente leva o sistema até o paciente, não o contrário”. Outra diferença entre as técnicas envolve os tipos de resolução. A ressonância magnética vai mais fundo no cérebro, mas a espectroscopia óptica de difusão capta informações mais rapidamente. “Como a

Foto: Antonio Scarpinetti

O pesquisador Rickson Mesquita, orientador da dissertação: “Tudo é feito no paciente vivo, de modo indolor”

gente trabalha com luz, a propagação é muito mais rápida, então a resolução temporal que temos é muito maior que a da ressonância magnética”, explica o pesquisador. “Mas a ressonância magnética tem a grande vantagem de gerar imagem de toda a cabeça, pegando os tecidos mais profundos, que a gente não consegue pegar”. A técnica, ao menos em sua forma não invasiva, tem a limitação de não se prestar à análise de tecidos localizados muito longe da superfície do corpo. “Mas ela funciona muito bem, e esse é o foco da nossa pesquisa, na cabeça, cérebro. O cérebro não está tão distante assim do escalpo, então a luz que a gente incide pelo escalpo consegue penetrar na parte mais superficial do cérebro, que é a mais importante do ponto de vista funcional”, disse o pesquisador. É na camada mais externa do cérebro, o chamado neocórtex, que se localizam as chamadas funções superiores, ligadas à tomada racional de decisões e ao pensamento consciente, além de todas as nossas funções sensoriais, como a visão, audição e coordenação motora.

PADRÕES A dissertação de Reember foi, segundo Mesquita, o primeiro trabalho a tentar estabelecer padrões para o uso da técnica em diagnóstico médico – determinar qual o tipo de leitura esperada quando o equipamento é usado num paciente saudável. Participaram do estudo, realizado em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM), 34 voluntários. “O resultado que você obtém depende de todo o modelo físico usado”, disse. “E as pessoas têm até hoje utilizado, no mundo inteiro, um modelo físico que é uma aproximação muito grande. O que

buscamos, na dissertação, foi um modelo mais detalhado, e com isso, obter valores mais precisos. Este é o primeiro trabalho de que temos notícia que olhou para esses valores mais específicos, tentando estabelecer padrões”. O pesquisador lembrou ainda que os padrões a serem obtidos devem variar muito com a demografia. “A gente quis estabelecer um padrão mais adequado para a população brasileira”, disse. “Todo mundo tenta olhar para esses valores em função de uma base individual, por paciente. O que é muito útil, só que se você quiser acompanhar o paciente dia a dia, fica complicado, porque você tira o equipamento, você coloca o equipamento, e nisso perde-se essa base. Se houver um marcador absoluto, o resultado será muito mais fidedigno”. Uma descoberta feita na dissertação é de que os modelos usados atualmente têm um erro de até 30%. “A gente conseguiu melhorar os valores, trazê-los mais perto de técnicas que a gente sabe que dão os valores precisos, mas que são invasivas”.

POTENCIAL A espectroscopia óptica de difusão é usada em pesquisa médica em várias partes do mundo, disse Mesquita, mas ainda não está incorporada à prática clínica, embora haja iniciativas nesse sentido, principalmente, nos Estados Unidos. No Brasil, a Unicamp foi pioneira nas pesquisas da área, iniciadas em 2007. “É uma técnica bem recente”, comentou. “A questão que iniciou a dissertação foi exatamente essa: se a gente quer usar as informações que a técnica produz como bio-

marcadores, então a primeira pergunta é o que significa ser um marcador normal. Foi exatamente isso que buscamos, caracterizar o comportamento de tecidos normais, porque se a gente sabe o que é normal, a gente pode ir para a clínica e descobrir o que está fora do normal”. Tendo uma definição do que representa uma leitura normal, várias possibilidades se abrem, relata o pesquisador. “Passa a ser possível monitorar, ao longo dos dias, se um paciente de AVC tem melhorado, por exemplo. Ou mesmo para detectar câncer: o tumor vai induzir variações no tecido, no metabolismo. Deve ser possível caracterizar, por exemplo, se um tratamento de quimioterapia está funcionando ou não”. Ele lembra que há pacientes que são refratários à quimioterapia. Pelas técnicas atuais de diagnóstico, a eficácia – ou não – do tratamento leva meses para ser conhecida. “Porque o exame que existe hoje é um exame de imagem invasivo, com radiação ionizante, que não se consegue fazer com uma frequência muito grande. Mas o que a gente faz é totalmente não invasivo, então deve poder descobrir, num período de dias, se o tratamento está funcionando ou não. Há um retorno muito grande para o médico”. Tudo isso, disse ele, são potenciais aplicações futuras da técnica. “O trabalho continua”, prosseguiu o pesquisador. “Tem outros estudantes de pós-graduação envolvidos, até mesmo de iniciação científica. Na dissertação, com 34 voluntários, procuramos achar esses biomarcadores no cérebro e no músculo do antebraço. Agora, com um modelo mais preciso, estamos estendendo o trabalho”. Um dos alvos das novas pesquisas é o câncer de mama. “Quando a gente viu que a técnica tinha potencial para câncer também, começamos a medir também na mama, buscando estabelecer um padrão para câncer de mama. E isso poderia inclusive oferecer um diagnóstico similar ao que a gente tem hoje de mamografia, sem o desconforto da mamografia”, disse. “Se vai ser mais sensível que mamografia é algo a ser investigado, mas é uma potencial aplicação”.

Publicação Dissertação: “Utilização da fase para estimativa das propriedades ópticas absolutas do tecido biológico com espectroscopia óptica de difusão” Autor: Reember Cano Rodríguez Orientador: Rickson Mesquita Unidades: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


5

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Água de reúso é foco de projeto temático Foto: Divulgação

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

iante da atual crise de abastecimento, ganha especial relevância um projeto temático da Fapesp focando novos processos para tratamento de água de reúso e que envolve pesquisadores da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) e do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP. “Sabemos que a crise vai persistir pelo menos nos próximos quatro anos e a questão do reúso se tornou bastante importante. Porém, temos a questão do esgoto sanitário e a falta de uma legislação específica para a utilização desta água, que pode se dar de várias formas: além de tratá-la para jogá-la mais limpa no rio, é possível injetá-la no lençol freático, lavar a própria tubulação de esgoto ou mesmo submetê-la aos sistemas de purificação adicionais para torná-la potável”, afirma o professor José Roberto Guimarães, do Departamento de Saneamento e Ambiente da FEC. Guimarães é o orientador da tese de doutorado de Regiane Aparecida Guadagnini Fagnani, que avaliou a eficiência do processo de tratamento de esgoto da estação Samambaia, em Campinas. A autora também testou um processo oxidativo avançado – a peroxidação assistida por radiação ultravioleta – para desinfecção do efluente (água que sai da estação depois do esgoto tratado). “Os processos oxidativos avançados têm como principal característica a geração dos radicais de hidroxila, com alto potencial de oxidação. Já são estudados há muitos anos, visando à degradação de compostos que passam pelo tratamento biológico sem sofrer alterações”, explica a pesquisadora. “Nossa linha de pesquisa visa à inativação de organismos patogênicos, o que desinfetantes utilizados comumente, como cloro ou ozônio, não conseguem.” A tese intitulada “Processo oxidativo avançado na desinfecção de esgoto tratado: helmintos, protozoários e bactérias” teve a coorientação da professora Regina Maura Bueno Franco do IB e a colaboração da pós-doutoranda da FEC Luciana Urbano dos Santos. Regiane Guadagnini avaliou a eficiência do processo de tratamento da ETE Samambaia, que se dá por lodos ativados, verificando a remoção de coliformes totais, Escherichia coli, Clostridium perfringens, cistos de Giardia spp. e ovos e larvas de helmintos, bem como a redução dos valores de turbidez, cor e carbono orgânico dissolvido. Para tanto, foram coletadas 13 amostras de afluente (o esgoto que entra na estação) e 18 amostras de efluente, num período de 18 meses. A autora recorreu à peroxidação com radiação ultravioleta (UV), dentre outros métodos existentes. A pós-doutoranda Luciana Santos observa que a maior dificuldade para reúso da água do esgoto sanitário é que nenhum tratamento remove totalmente os microrganismos, restando sempre contaminantes como protozoários, vermes e bactérias. “Por isso, precisamos de uma legislação específica e de novos métodos para remover ou inativar os patógenos, a fim de que não

Regiane Aparecida Guadagnini Fagnani coleta efluente na ETE Samambaia, em Campinas

causem doenças à população. Os patógenos são altamente resistentes e conseguem suportar um grande estresse ambiental: se regarmos um jardim com água contaminada por ovos de helmintos, por exemplo, esses microrganismos permanecerão viáveis por até dois anos, podendo entrar em contato com o ser humano.” Segundo José Roberto Guimarães, o objetivo final das pesquisas não é o reúso da água de esgoto para beber, necessariamente, e sim para finalidades menos nobres, embora seja possível purificá-la conjugando processos de tratamento como barreiras físicas e químicas, filtros, desinfetantes e métodos avançados como este estudado por sua aluna. “Somente cloro, na maioria das vezes, não funciona. Já os radicais de hidroxila são capazes de atuar tanto em compostos químicos como os orgânicos, sendo que nessa tese chegamos a resultados bem satisfatórios, não apenas na redução dos microrganismos como em relação à turbidez e cor da água.”

OS EXPERIMENTOS A peroxidação é considerada um método simples, que implica em aplicação de peróxido de hidrogênio (comumente chamada de água oxigenada), um reagente amigo do meio ambiente por ter como produtos de degradação o oxigênio e a água, além de ser facilmente manuseado quando comparado com outros compostos oxidantes/desinfetantes. Os pesquisadores esclarecem que os patógenos presentes no esgoto ganham uma forma encapsulada de resistência ambiental, como se estivessem blindados. O que se pretende é que o radical hidroxila destrua esta forma resistente do agente patogênico e ataque o seu interior, inativando-o e evitando assim que, se ingerido, não ocorra o desenvolvimento de doença. No corpo humano são os ácidos digestivos que destroem esta forma, liberando os patógenos para que se reproduzam.

De acordo com Regiane Guadagnini, a coleta de amostras tanto do afluente como do efluente permitiu avaliar quanto de microrganismos o sistema de tratamento utilizado na ETE Samambaia conseguia remover. Foram verificadas, também, variações devidas à sazonalidade, ou seja, conforme a entrada de esgoto em períodos mais ou menos chuvosos. “Passado o tempo de detenção do esgoto (48 horas, segundo os técnicos), fizemos várias comparações entre amostras do efluente e do afluente – cuidei das análises parasitológicas e tive ajuda de duas alunas de iniciação científica [Susiane Guadagnini e Vanessa dos Santos Silva] nas análises físicas, químicas e microbiológicas, que são mais demoradas. E vimos que o esgoto tratado apresenta boa característica, refletindo a eficiência daquele processo biológico.” A autora da tese acrescenta, porém, que o efluente da ETE apresentou uma carga de organismos patogênicos representativa, apesar de não estar em desacordo com a legislação vigente no país. Daí, o passo seguinte, em que procurou desinfetar o efluente com doses e concentrações variadas de ultravioleta e de peróxido de hidrogênio. “Para cistos de Giardia spp., por exemplo, observamos três tipos de danos causados pelo processo: forma ovalada mantida, mas com falhas na fluorescência (exibida pela coloração usada); fluorescência mantida, mas forma alterada; e perda da característica ovalada com alteração no padrão de fluorescência.” A próxima etapa da pesquisa, conforme o professor José Roberto Guimarães, será a de aplicar os processos oxidativos e submeter cobaias a essas formas ambientais de microrganismos, contando para isso com a colaboração de um médico veterinário que fará dois anos de pós-doutoramento na Unicamp. A bióloga Luciana Santos justifica que, embora seja possível perceber danos à estrutura blindada do organismo por meio da microscopia, é preciso se certificar de que foi a ponto de atingi-lo em seu interior. “Para isso, só mesmo inoculando os patógenos em cobaias.”

Estudo avalia eficiência de processo de tratamento de esgoto

Campinas trata 80% do esgoto Regiane Guadagnini colheu informações para sua tese de doutorado dando conta de que o município de Campinas trata, atualmente, cerca de 80% do esgoto coletado. E que, embora os tratamentos apresentem uma eficiência de 98% na remoção de patógenos, ainda são observadas concentrações importantes de cistos de Giardia spp. por litro em efluentes tratados – cuja deposição em águas superficiais promove a dispersão de patógenos no ambiente. A pesquisadora acredita que o processo avaliado em seu trabalho, a peroxidação conjugada com radiação ultravioleta, pode ser uma alternativa para a desinfecção de efluentes de ETE, em substituição ao cloro e seus derivados. “Os processos comumente utilizados nas etapas de desinfecção, como a cloração, são eficientes contra uma gama de patógenos, mas não para inativar outros mais resistentes como as bactérias formadoras de esporos, os protozoários e os helmintos.” A expectativa do professor José Roberto Guimarães, orientador da tese, é de que a desinfecção do esgoto tratado e a criação de uma legislação para a água de reúso – que agora começa a ser discutida pelo menos em nível regional – façam surgir uma grande demanda nesta época de crise no abastecimento. “Em Campinas já temos uma estação de água de reúso, mas ainda distante dos consumidores potenciais que seriam as indústrias – e esta água está sendo lançada diretamente no rio. Em breve, a água de esgoto tratado em outra estação será bombeada por quase vinte quilômetros para ser diluída no Atibaia e, 800 metros rio abaixo, tratada pelos processos convencionais.” Regiane Guadagnini inclui na tese dados da Organização das Nações Unidas (ONU) referentes a 2007, estimando que 1,1 bilhão de pessoas não tinham acesso a água de boa qualidade e que 2,6 bilhões não contavam com infraestrutura adequada de saneamento. Mais de 1,5 milhões de crianças morrem a cada ano de doenças diarreicas. A Organização Mundial da Saúde tem relatado que ocorrem de 1,5 a 12 milhões de mortes por ano em função de doenças causadas por patógenos associados com a água. Em seu levantamento, a pesquisadora acrescenta dados preocupantes sobre o Brasil, com base no Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), datados de 2012: os sistemas de distribuição de água potável atendem 82,7% da população e apenas 48,3% têm o serviço de coleta de esgoto; somente 38,7% do efluente coletado recebem algum tipo de tratamento antes do lançamento em corpos hídricos; o consumo médio de água por habitante no país é de 167,5 litros, apresentando um aumento de 4,9% de 2011 para 2012 – e se há o aumento do consumo de água, também há aumento na geração de esgoto.

Foto: Antoninho Perri

Publicação Tese: “Processo oxidativo avançado na desinfecção de esgoto tratado: helmintos, protozoários e bactérias” Autora: Regiane Aparecida Guadagnini Fagnani Orientador: José Roberto Guimarães Coorientadora: Regina Maura Bueno Franco Unidades: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP Financiamento: Fapesp Regiane Aparecida Guadagnini Fagnani, autora da tese, entre o professor José Roberto Guimarães, orientador, e a professora Regina Maura Bueno Franco, coorientadora: falta de legislação específica


6

Campinas, 11 a 17

PL 4330 institucionaliza a b Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Para sociólogo e profe que regulamenta a terc uma regressão à es

Eduardo Cunha (sentado) conversa com deputados no plenário durante debate de requerimento de retirada de pauta do projeto de lei da terceirização, que foi aprovado pela Câmara

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização nas empresas brasileiras e autoriza que as companhias terceirizem também suas atividades-fim é “nefasto” e “vilipendia” o trabalhador brasileiro, disse o professor Ricardo Antunes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. “Mantidas as devidas proporções entre tempos históricos diversos, ele equivale a uma regressão à escravidão no Brasil”, declarou Antunes. Um pesquisador de Sociologia do Trabalho reconhecido mundialmente, Antunes lança neste mês a edição comemorativa de 20 anos de seu já clássico “Adeus ao Trabalho?” e o terceiro volume da série “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil”, organizada por ele, que reúne ensaios de pesquisadores brasileiros e internacionais. Nesta entrevista, Antunes fala sobre os efeitos e o significado do PL 4330 – já aprovado pela Câmara dos Deputados, aguardando votação no Senado Federal – e oferece réplica aos principais argumentos apresentados pelos defensores da proposta, incluindo o de que a lei estende uma série de proteções legais aos terceirizados. “É curioso ver a presidência da Fiesp (Federação das Indústria do Estado de São Paulo), a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) de repente se tornarem defensoras dos direitos dos trabalhadores terceirizados”, comentou ele, com ironia. O pesquisador também tratou do papel do trabalho na economia globalizada pelo capital financeiro e das perspectivas para o futuro. “A humanidade no século 21 é absolutamente imprevisível. Quem pode dizer que este capitalismo é inevitável? O capitalismo tem dois séculos, a humanidade tem milênios”, disse. “O que virá depois? Não sei, mas podemos ter nossas apostas, nossas reflexões, nossas paixões. O espetacular disso é que desvendar o enigma do trabalho me ajudou a compreender o desenho da sociedade que temos hoje. E essa compreensão só pode ser crítica. Só pode ser agudamente crítica”. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. Jornal da Unicamp – É correto dizer que o PL 4330 “rasga” a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), ou isso é um exagero? Ricardo Antunes – Ele rasga a CLT porque acaba com o contrato entre trabalhadores e empresas, regido pela CLT, e estabelece uma relação entre a empresa contratante e a contratada. Esta relação negocial entre empresas macula a relação contratual entre o capital e trabalho. Então, nisso, ele rompe o princípio básico da CLT. E tem, feitas as devidas diferenciações, o efeito de uma re-

gressão a uma sociedade do trabalho escravo no Brasil, ainda que seja uma escravidão típica deste século 21. JU – Mas por quê? O que há no projeto que deixa os trabalhadores desprotegidos? Ricardo Antunes – O artigo quarto deste projeto é a chave analítica para compreendê-lo. Esse artigo diz que as atividades terceirizadas passam a incluir as atividades inerentes, suplementares e complementares da empresa. Com isso, o projeto arrebenta a súmula do Tribunal Superior do Trabalho que distinguia entre atividade-meio e atividade-fim. Ao fazer isso, ao invés de beneficiar efetivamente os terceirizados, ela vai levar a lógica da terceirização, que incide sobre cerca de 13 milhões de trabalhadores e trabalhadoras hoje, para 40 milhões, 45 milhões. E qual é a realidade concreta do terceirizado, hoje? É sobre esse contingente que incidem as mais altas taxas de acidentes de trabalho e as maiores burlas da legislação protetora do trabalho. Nossa pesquisa, nos três volumes do “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil”, tem depoimentos que mostram trabalhadores que não têm férias há 3 anos, nem de um dia. Os trabalhadores terceirizados terminam um trabalho, vão atrás de outro, não podem dizer agora vou tirar férias, entende? Aqui, é preciso enfatizar a questão de gênero: são trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas – contemplando a importante divisão sócio-sexual do trabalho – que nos permitem dizer que a exploração do trabalho terceirizado agride ainda mais intensamente a mulher trabalhadora. E os terceirizados (homens e mulheres) trabalham mais tempo do que aqueles que são regulamentados pela CLT. E recebem em torno de 25% a menos, às vezes 30% a menos, no salário. Então, são os que sofrem mais acidentes, são os mais penalizados, e são os que não conseguem criar organização sindical para se proteger, porque a rotatividade é muito grande, o que dificulta essa organização. JU – Mas os proponentes do projeto dizem que ele traz salvaguardas para corrigir essas distorções, como a responsabilidade solidária entre a empresa contratante e a contratada. Ricardo Antunes – Eles sabem mais do que ninguém que essas salvaguardas não são salvaguardas. Imagine uma terceirizada que trabalha aqui no setor de limpeza da nossa Universidade. Se ela é demitida, ela tem condições de sair daqui, pegar um ônibus, ir para o fórum, contratar um advogado, entrar na justiça do trabalho, prestar depoimento, esperar dois, três, cinco anos, dez anos...? Então, o patronato sabe melhor que ninguém que essa é a salvaguarda da burla. Esta é a questão. Nós não temos um preceito constitucional que estabelece que o

salário mínimo deveria garantir a vida digna do trabalhador, da trabalhadora, sua alimentação, saúde, previdência, cultura, lazer? Pois é. Com menos de 800 reais por mês, esses atributos constitucionais estão sendo efetivados ou burlados? Então, as ditas salvaguardas – e o empresariado sabe melhor do que ninguém isso – são facilmente burláveis. Isso é tanto verdade que semanas atrás o ministro Levy [Joaquim Levy, ministro da Fazenda] foi ao Congresso manifestar preocupação com a perda de arrecadação por causa desse projeto. E por que vai ter menos arrecadação? Porque a burla é evidente. E o governo sabe melhor disso. Se quisessem fazer uma lei para defender esses 12 milhões que já estão terceirizados, é muito simples: aprovamos um novo projeto, mas eliminando-se o artigo quarto, que estende a terceirização para as atividades-fim. Por que isto não ocorre? Porque o real objetivo deste PL não é regulamentar os terceirizados, mas sim destruir os direitos dos regulamentares. Esse é o fulcro da questão: o projeto destrói a relação capital e trabalho construída no Brasil desde a década de 30, mesmo com todos os seus limites! Minha posição é cristalina neste ponto: o trabalho terceirizado avilta, subjuga e depaupera ainda mais os 12 milhões de terceirizados. Temos que ter, então, a coragem de dizer de modo claro: somos contra a terceirização. Em nossas pesquisas nunca nos deparamos com trabalhadores e trabalhadoras satisfeitas com esse trabalho. Eles e elas aceitam porque é esse trabalho ou o desemprego. Mas isso não deveria ser assim. E em relação ao caso da responsabilidade solidária: alguém acredita mesmo que uma empresa, ao contratar, digamos, 3 mil trabalhadores de uma terceirizada vai conferir, um a um, o registro, o pagamento dos direitos... Se estivéssemos na Noruega, eu teria dúvidas. No Brasil, não paira dúvida: teremos mais burla. JU – Há o argumento de que não haverá precarização para os trabalhadores das atividades-fim, porque eles exercem atividades consideradas mais nobres do que as dos atuais terceirizados. E, também, de que seria antieconômico realizar uma terceirização ampla de atividades-fim, logo não há o que temer nesse campo. Ricardo Antunes – Esse argumento me faz recordar o título da peça de Shakespeare, “Sonho de uma Noite de Verão”. Vamos ver uma atividade tida como nobre? Pilotos de avião. Se os pilotos das grandes companhias aéreas de hoje, com direitos garantidos, sindicatos organizados, já sofrem com a intensificação do trabalho – outro dia vi um depoimento gravado de dois pilotos em que eles diziam, “olha não estou aguentando mais, não sei se vou conseguir aterrissar

O sociólogo e professor Ricardo Antunes, do Instituto de Filos “O Projeto de Lei 4330 destrói a relação capital e trabalho con

porque estou sem dormir, não estou mais vendo nada na minha frente...” – se assim é numa atividade regulamentada, se assim é onde o sindicato dos pilotos é forte... Se assim é com os médicos nos hospitais, se assim é com os professores, se assim é em tantas categorias regulamentadas e bem organizadas, é possível imaginar que vai ficar melhor quando esses trabalhadores tornarem-se terceirizados? Então é preciso dizer: este projeto traz mais vilipêndio ao trabalho. Não é possível imaginar que ele vá trazer melhorias. O empresariado sabe melhor do que ninguém que é mais fácil demitir no regime da terceirização total. Quanto à outra questão, sim, muitas empresas não vão necessariamente terceirizar a atividade-fim. Mas poderão terceirizar na hora que quiserem. Então, o fato de um empresário ou de um gestor não terceirizar a atividade-fim passa a ser uma opção dele. Se há crise, para que ficar pagando fundo de garantia e demais direitos? E atenção: nenhum trabalhador tem o direito garantido se não

Capas da edição comemorativa de “Adeus ao Trabalho” e do “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil”, que estão sendo la


7

7 de maio de 2015

burla, diz Ricardo Antunes

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

essor do IFCH, projeto rceirização “equivale a scravidão no Brasil” Fotos: Antonio Scarpinetti

Protesto contra o PL 4330 organizado por centrais sindicais, no Dia do Trabalho, na Cinelândia, Rio de Janeiro

sofia e Ciências Humanas: nstruída no Brasil desde a década de 30”

entrar na Justiça do Trabalho. Os terceirizados têm tempo e condições de ficar atrás dos seus direitos, ou se exaurem cotidianamente para ganhar o pão de cada dia? JU – Mas se é apenas uma questão de ganância empresarial, por que o setor público também busca terceirizar atividades? Não seria um movimento inevitável? Ricardo Antunes – O problema é mais complexo do que “ganância”. É preciso ver que o mundo que temos hoje é moldado pelo capital financeiro. E esse capital financeiro não é só banco, são os bancos, as indústrias, as fusões de bancos e indústrias, controladas pelas grandes corporações financeiras, além do capital fictício, onde o dinheiro vira mais dinheiro pela especulação. Assim, o capital financeiro está profundamente vinculado ao setor produtivo. E vou dar um exemplo muito simples: quando você vai comprar um automóvel, no passado, se você fosse pagar à vista, você seria um cliente espetacular, VIP. Hoje, o cliente VIP

terceiro volume da série ançados por Ricardo Antunes

não é o que paga à vista. É o que compra o automóvel caro e o financia. Porque, desse modo, tanto a indústria automobilística, como seu braço financeiro, ganham duplamente, na produção e no financiamento. Esse capital financeiro – dado que não consegue se libertar de vez do trabalho – pressupõe um trabalho corroído nos seus direitos. Quer uma empresa flexível, fluida, que eu chamei nos meus livros de empresa “liofilizada”, que tem cada vez menos trabalho vivo e mais maquinário informacional-digital. Esse é o fulcro da racionalidade neoliberal: a empresa racional, no plano microcósmico, é enxuta, flexível, lépida e faceira. E para ser assim ela precisa desconstruir os direitos do trabalho, para que os trabalhadores possam entrar e sair como peças descartáveis. A empresa quer fechar sua unidade em São Paulo e ir para a China sem se preocupar com custos de demissões, direitos etc. O trabalho vira uma espécie de sanfona. O mercado requer trabalhadores e trabalhadoras, ampliam-se os terceirizados. Quando o mercado se retrai, demissões flexíveis, ágeis e rápidas, sem custos. Só que a classe trabalhadora não pode ficar perambulando dessa forma. Agora você pergunta, é inevitável que seja assim? Essa é a tese do Fukuyama [Francis Fukuyama, filósofo e cientista político americano, autor da tese do “Fim da História”], mas não foi a tese do Occupy Wall Street. Occupy Wall Street foi muito importante, porque pela primeira vez, depois de décadas, nos EUA, houve uma rebelião de massa dizendo que 1% se apropria do bolo global, e 99% ficam com o farelo. Além disso, a resistência e organização da classe trabalhadora são vitais. Por que o trabalho é mais precarizado, mais terceirizado nos Estados Unidos do que na Alemanha? Porque o movimento sindical na Alemanha resistiu mais fortemente. Por que o trabalho é mais precarizado na Inglaterra? Lá existe uma modalidade de contrato, o “Zero Hour Contract” (contrato de zero hora), em que o trabalhador fica com o celular ligado, um dia, dois dias, três dias... Se receber um chamado, ele tem que automaticamente atender. E ganha por esse chamado. Se não receber chamado, não ganha nada, mas tem que ficar à disposição. E por que na Inglaterra existe essa flexibilização, maior do que, por exemplo, na França? Por causa do neoliberalismo inglês, que se iniciou com Margareth Thatcher, continuou com John Major e depois, tragicamente, com o aparentemente trabalhista, mas de alma profundamente neoliberal, Tony Blair. Lá ocorreu uma devastação dos sindicatos e da legislação protetora do trabalho, enquanto que na França as centrais sindicais conseguiram preservar mais direitos. Uma década atrás, na França, houve inclusive uma greve muito importante para

barrar o chamado Contrato de Primeiro Emprego, que precarizava o primeiro emprego. Ela reuniu estudantes que perceberam que o 1º emprego era a porta de entrada para a escravidão moderna, e os trabalhadores já inseridos, que perceberam que, se passasse a precarização para os trabalhadores jovens, logo eles também seriam afetados. JU – E quanto à terceirização no setor público? Ricardo Antunes – Me parece um equivoco dizer que o neoliberalismo quer acabar com o Estado. O neoliberalismo quer destruir as atividades públicas: saúde pública, educação pública, previdência pública, e ao mesmo tempo fortalecer, no Estado, tudo aquilo que garante os fundos públicos para interesses privados. Por exemplo, uma crise pesada como a de 2007 na Inglaterra, de 2008 nos EUA, qual foi a função do governo? Intervenção nos bancos para salvá-los, intervenção na General Motors para salvá-la. E para isso é preciso tirar dinheiro da saúde, é preciso tirar dinheiro da previdência, é preciso privatizar ainda mais a previdência, a saúde, a educação. Esta é a lógica da racionalidade neoliberal. E essa lógica invadiu o setor público, no caso brasileiro, com muita ênfase na década de 90. Foi um dos pontos mais nefastos do governo Fernando Henrique. E a terceirização, no setor público, traz economia? Não é claro isso. O que é claro é que, no Estado, a terceirização aumenta também os focos de corrupção. E se você levar a lógica privada ao setor público, imaginando que vai melhorar, vamos ter uma verdadeira desfiguração do sentido essencial que deve reger a atividade pública. Um hospital público deve oferecer saúde pública, uma escola pública deve educar gratuitamente, e o mesmo deve se passar na universidade pública. Por que há uma diferença brutal entre universidade pública e a faculdade privada? Porque as primeiras, as públicas, são regidas por padrões científicos, contratos de trabalho que permitam o tempo de pesquisa, o tempo da ciência. As faculdades privadas, ao contrário, são regidas prioritariamente por padrões mercantis. É isso que queremos para o Estado? Que ele se torne uma empresa guiada pela lógica da mercadoria, das commodities? Não é possível que isso seja implementado sem resistência. JU – Há quem diga que a terceirização, mesmo não sendo o ideal, se tornou uma necessidade econômica para o Estado, que está sem dinheiro. Ricardo Antunes – Quanto do PIB brasileiro vai para o pagamento dos juros da dívida pública e quanto vai para o Bolsa Família? A Dilma nomeia o Levy para fazer o ajuste fiscal penalizando os trabalhadores e, ao mesmo tempo, aumenta os juros da dí-

vida pública, eliminando a economia feita pelo ajuste nas contas. Ou seja, não há inevitabilidade, o que há é uma opção política: que Estado queremos? Qual o Estado que o mundo financeiro impõe? JU – Como é o cenário global do trabalho desregulamentado e terceirizado? Ricardo Antunes – Há uma empresa na China, a Foxconn, que tem até atividade no Brasil, que é emblemática: ela não tem produtos próprios, é uma terceirizada global, que monta aparelhos, por exemplo, para a Apple. A Foxconn, em 2010, teve cerca de 17 tentativas de suicídio na China, isso está documentado pela organização Sacom (Students and Scholars Against Corporate Misbehaviour, “Estudantes e Estudiosos contra o Mau Comportamento Empresarial”) e por vários pesquisadores do tema. Dessas tentativas, sete resultaram em morte. Por que isso? Porque havia intensa exploração do trabalho, assédio moral, físico e até assédio sexual... Esses suicídios lembram um pouco a escravidão: o suicídio era uma forma de luta individual contra a escravidão, de quem não tinha mais nada a perder. Entre morrer pelo exaurimento corpóreo e psíquico no trabalho, o suicídio podia abreviar a tragédia. E são jovens chineses, jovens operários. A intensidade da exploração era tão completa que houve uma intensa campanha de denúncia e a Apple foi obrigada a pressionar a Foxconn, para impedir que sua imagem fosse maculada. E todos sabem que um dos segredos do sucesso da Apple é a montagem de seus produtos nas plantas asiáticas. Essa é a sociedade global, com suas cadeias produtivas globais... Por que a China, nos últimos anos, tem tido altos níveis de greve? Há estudos importantes sobre a intensidade das greves na China, muitas consideradas “selvagens”, no sentido de que não têm uma organização sindical, pois são espontâneas. E pouco tempo atrás, nos Estados Unidos, houve uma grande greve dos trabalhadores das empresas de fast-food. No Japão, há trabalhadores que praticamente moram em cybercafés, os “refugiados em cybercafé”, que saem do trabalho contingente e vão para os cafés para interagir via internet, procurar emprego para o dia seguinte e descansar, pois não têm condições de alugar um quarto. Não é possível que seja esse o desenho do mundo do trabalho que queremos. E o estudo do trabalho é importante porque ele é parte da anatomia dessa forma societal destrutiva que estamos vivendo hoje em relação ao trabalho. E essa é a conclusão que consta de meu livro “Os Sentidos do Trabalho”: o trabalho que estrutura o capital, desestrutura a humanidade. E o trabalho que estrutura a humanidade, desestrutura o capital. E esse parece ser um imperativo do século 21.


8

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Paleocristianismo e mitologia grega FLÁVIO RIBEIRO DE OLIVEIRA flavio.r.de.oliveira@gmail.com

m Em nome da (in)diferença, Jacyntho Lins Brandão propõe um estudo meticuloso e aprofundado dos modos como os polemistas cristãos dos primeiros séculos de nossa era reagiam à tradição mitológica grega e como administravam as relações complexas e as diversas possibilidades de (in)diferenciação que aproximavam e afastavam as polaridades cristão/judeu, cristão/grego, cristão/romano e cristão/pagão. Tais pares não constituíam alteridades nítidas e estanques, mas relacionavam conceitos fluidos entre os quais havia também trocas e assimilações. O assunto de que trata o livro é fundamental para qualquer um que pretenda investigar os fundamentos filosóficos, teológicos e ideológicos do paleocristianismo (fundamental, pois o cristianismo, herdeiro do judaísmo, surge e floresce em um ambiente intensamente helenizado, em que a religião grega e os mitos gregos ainda estão vivos) e para aqueles interessados nas complexas relações entre helenismo, judaísmo e cristianismo primitivo. O autor nos apresenta um trabalho finíssimo, de altíssimo valor intelectual e aca-

dêmico, realizado com máxima competência. Seu texto concilia uma erudição impressionante e uma admirável clareza expositiva: sem renunciar jamais ao rigor da análise e ao sólido suporte bibliográfico, Lins Brandão foi capaz de apresentar com transparência, numa redação elegante e acessível, um tema que, à primeira vista, pode parecer rebarbativo. O livro tem enorme interesse para o especialista, mas é igualmente acessível ao leitor não especializado. O percurso expositivo da obra se divide em seis capítulos e uma conclusão: “Onomasiologias”, “Topologias”, “Cronologias, “Mitologias 1 (Confluções)”, “Mitologias 2 (Homologias)” e Historiografias” e, finalmente, “Economias”, a conclusão destinada a amarrar os fios soltos e dar sentido a todo o percurso. O primeiro capítulo trata da administração dos nomes “cristão”, “judeu” e “grego” nos três primeiros séculos de nossa era e dos sentidos que adquiriam em sua relação triangular. O segundo investiga a afirmação dos apologistas de que os cristãos constituiriam uma “terceira raça”, ao lado de judeus e gregos, o que vai implicar uma reordenação das polaridades de categorias então vigentes no mundo romano (gregos/bárbaros; gregos/romanos; romanos/bárbaros; judeus/romanos; judeus/ goim) – reordenação que culminará na oposição

cristãos/pagãos. O terceiro capítulo trata das genealogias, que estabelecem uma linha que liga os cristãos aos judeus (e aqui se dá especial atenção para os problemas envolvidos na fixação da genealogia de Jesus Cristo), e das sucessões, que, no plano da doutrina, estabelecem uma linha que liga o cristianismo grego à tradição filosófica grega. O quarto capítulo analisa a explicação que propõe Justino para a presença do mal no mundo e o modo como nela confluem várias tradições. O quinto analisa o modo como os apologistas tratam das semelhanças que há entre os mitos gregos e os relatos cristãos. O sexto mostra como o debate do cristianismo com a mitologia grega obedece a um programa urgente de apropriação, pelos cristãos, do passado grego. Em nome da (in)diferença contribui de forma notável para o avanço do conhecimento numa área que, entre nós, é pouquíssimo estudada (a literatura cristã dos séculos I a III), apresentando e discutindo os modos como os autores cristãos reagiam à tradição religiosa grega, descrevendo e esmiuçando as divergências e as convergências, os pontos de conflito e os de diálogo que ao longo dos primeiros séculos de nossa era marcaram as complexas relações entre o politeísmo pagão e o monoteísmo judaico-cristão, entre a tradição grega e a teologia cristã que então se constituía.

SERVIÇO Título: Em nome da (in)diferença – O mito grego e os apologistas cristãos do segundo século Autor: Jacyntho Lins Brandão Editora da Unicamp Páginas: 480 Área de interesse: História, mitologia grega Preço: R$ 84,00

Flávio Ribeiro de Oliveira é professor de língua e literatura gregas no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

Óleo deixa alimento mais saudável Tecnologia permite produção de gorduras com baixo teor de ácidos graxos saturados CAROLINA OCTAVIANO Especial para o JU

esquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp desenvolveram um processo para produção de gorduras com baixo teor de ácidos graxos saturados, low sat, que pode ser aplicado para diversos fins na indústria de alimentos, tais como na fabricação de recheio de bolachas, biscoitos, bolos e sorvetes, entre outros. A tecnologia permite a substituição parcial de gordura denominada saturada em alimentos industrializados e que, em função de sua textura, exigia alto grau de saturação dos ácidos graxos. “Com esse know-how, é possível obter uma gordura com baixo teor saturado e a empresa licenciada pode escolher o tipo de aplicação que lhe convier”, afirma a professora Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, que desenvolveu a tecnologia com o professor Renato Grimaldi, do Laboratório de Óleos e Gorduras, do Departamento de Tecnologia de Alimentos (DTA) da FEA. Segundo os pesquisadores, o principal diferencial deste processo é a possibilidade de se obter uma gordura que apresenta baixo teor de ácidos graxos saturados, mas que tem características químicas de um óleo. Ou seja, a matéria-prima se comporta como uma gordura, mesmo sendo um óleo. Em 2014, foi efetuado o licenciamento de know-how desta tecnologia para a Cargill, multinacional do setor alimentício, que interagiu com a Unicamp durante o desenvolvimento do processo. “Essa parceria uniu por um lado a Unicamp, com mais de 15 anos de pesquisa científica na área de cristalização de lipídeos, e por outro, o conhecimento e tecnologia da Cargill no desenvolvimento e aplicação de soluções inovadoras em óleos e gorduras para o mercado de alimentos”, frisa Marcos Guirardello, diretor da Unidade de Negócios Food Brasil, da Cargill. O desenvolvimento da tecnologia se deve também à resolução 54/12 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),

Fotos: Thomas Marostegan/Divulgação

Os professores da FEA Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves e Renato Grimaldi, que desenvolveram a tecnologia

que versa sobre a rotulagem de produtos alimentícios e que determinou que, desde 1º de janeiro de 2014, houvesse uma readequação dos critérios para produtos low sat e que não contêm gordura trans, com o intuito de estimular a reformulação e a busca por produtos industrializados mais adequados. “Como nós acompanhamos as normas e a legislação, vimos que haveria a necessidade de uma mudança radical para se ter uma rotulagem como zero trans ou low sat. Nós sabíamos que isso iria mudar e, por isso, pensamos em desenvolver a tecnologia”, comenta Renato Grimaldi. O processo, que se baseia na cristalização de gordura, permite benefícios à saúde, uma vez que ele possibilita a substituição das gorduras trans – que, se consumidos em demasia, podem elevar o colesterol e levar à obesidade – pela gordura com baixo teor saturado na fabricação de alimentos. A substituição e a diminuição do percentual de gorduras saturadas em alimentos são uma preocupação do Ministério da Saúde e da Anvisa, apresentando lei específica para o tema. “Nós

trabalhamos juntos há décadas para obter a redução desse tipo de gordura”, confirma Lireny sobre a necessidade de se conduzir pesquisas que levassem a este fim. Um ponto fundamental nestas pesquisas, segundo Grimaldi, é que os produtos desenvolvidos se adequaram aos processos produtivos já instalados, não havendo a necessidade de investimentos nas unidades industriais. Um dos principais motivos que levaram a empresa a ter interesse no licenciamento deste know-how é oferecer um portfólio de gorduras com teores reduzidos de gorduras trans e saturadas, já que é cada vez maior a busca por parte dos consumidores por produtos saudáveis. “A nossa meta é desenvolver continuamente soluções que agregam saudabilidade aos produtos finais, com desempenho e valor adequado. Estamos sempre atentos a tendências globais. Sabemos que a saúde é uma preocupação cada vez maior do consumidor brasileiro e dos órgãos governamentais”, afirma Guirardello. “Para o mercado, a tecnologia traz benefícios como a capaci-

dade de oferecer produtos mais saudáveis (baixo trans e reduzido teor de saturados) sem perder desempenho na estrutura de produto, processo de produção e percepção sensorial, aliado a um custo adequado ao mercado”, elenca o diretor da Cargill. “A Inova Unicamp auxiliou na discussão das questões legais e de propriedade intelectual relativas a esta tecnologia, além de ter catalisado a relação comercial estabelecida entre a Universidade e a Cargill”, diz Guirardello, sobre o auxílio prestado pela Agência de Inovação Inova Unicamp durante o licenciamento. Os pesquisadores apontam para a importância da Agência em todas as etapas deste processo, que incluem desde o contato inicial com a empresa interessada até a elaboração do contrato de licenciamento. “A Inova, desde a primeira reunião com esta indústria, esteve sempre presente. A postura profissional foi muito importante para que o licenciamento. A Inova abraçou nossa causa e fez tudo isso acontecer”, concluem os pesquisadores.


9

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Estudo aponta alto consumo de gordura saturada em Campinas CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

o Brasil, assim como em outros países, o cenário de desnutrição foi sendo substituído pela alta prevalência do excesso de peso e obesidade. Esta tendência está atrelada, principalmente, às mudanças no estilo de vida e ao consumo de dietas alimentares desequilibradas, ricas em gorduras saturadas e pobres em carboidratos complexos, fibras, vegetais e pescados. Estudos apontam que com a urbanização e a expansão das áreas metropolitanas no país, que determinaram mudanças de hábitos de vida e maior frequência de refeições feitas fora do domicílio, houve decréscimo no consumo de alimentos que tradicionalmente compunham a base da alimentação do brasileiro como arroz e feijão e aumento de 400% no consumo de produtos industrializados como refrigerantes e biscoitos, além do aumento do consumo de carnes e embutidos. Essas mudanças no padrão alimentar levaram à ingestão excessiva de açúcares livres e de gordura total e saturada e, em consequência, ao consumo energético além do necessário. Além disso, aumentou paralela e substancialmente a ocorrência de doenças crônicas como as cardiovasculares, o diabetes, a hipertensão arterial, dentre outras. Neste contexto revelam-se essenciais pesquisas que viabilizam o monitoramento da situação alimentar e nutricional da população, capazes de embasar a implementação de políticas públicas direcionadas para a promoção de uma alimentação saudável. A relação existente entre dieta e saúde é investigada no campo da epidemiologia nutricional com a intenção de traçar o perfil de consumo de alimentos e sua associação com a condição de saúde do indivíduo. Este é o escopo da dissertação de mestrado da nutricionista Lhais de Paula Barbosa, desenvolvida junto ao Departamento de Saúde Coletiva, da FCM da Unicamp, orientada pela professora Marilisa Berti de Azevedo Barros, que analisa o perfil de consumo de gordura na dieta da população adulta residente no município de Campinas, segundo sexo e níveis de escolaridade. O trabalho utilizou dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas (ISACamp) de 2008/2009, que foi o segundo de uma série de inquéritos periódicos do município. O primeiro foi realizado em 2002/2003 em parceria com outras universidades públicas do Estado, e a versão atual (2014/2015) encontra-se em andamento (leia texto nesta página). O ISACamp é um estudo realizado em base domiciliar e populacional e avança na análise das condições de saúde da população compreendendo múltiplas dimensões: prevalência de morbidades, problemas de saúde, práticas preventivas, comportamentos relacionados à saúde, uso de serviços de saúde, qualidade de vida, uso de medicamentos, prática de atividade física, dentre outros. A partir de uma amostra representativa da população residente na área urbana do município de Campinas-SP, cerca de três mil pessoas foram entrevistadas no ISACamp

Questionário revela que ingestão supera limites recomendados 2008/2009, sendo equitativamente distribuídas entre adolescentes (10-19 anos), adultos (20-59 anos) e idosos (mais de 60 anos). A pesquisadora centrou-se em 949 adultos, dividindo-os em três subgrupos de escolaridade: de 0 a 7 anos de estudo, de 8 a 12 e de mais de 12 anos de estudo, distinguindo ainda em cada um deles as diferenças de sexo. O estudo analisou a distribuição percentual de carboidratos, proteínas e lipídios na energia da dieta entre os grupos de escolaridade e apenas para os lipídios foram verificadas diferenças significativas. Com isso, surgiu a necessidade de investigar, com maior profundidade, que tipos de gorduras eram os mais consumidos. A partir daí foi possível identificar algumas diferenças nas características da dieta dessas populações com relação ao consumo de gorduras.

A PESQUISA

Os dados do ISACamp 2008/09 foram coletados a partir de um questionário organizado em 14 blocos temáticos, com maioria de questões fechadas com alternativas pré-definidas e um dos blocos abordava justamente o Hábito Alimentar. Para a coleta de dados sobre a alimentação, Lhais utilizou o chamado Recordatório 24 horas que foi aplicado por equipe treinada e supervisionada. O R24h é um instrumento que leva os entrevistados a relatarem o consumo alimentar das 24 horas que precederam a entrevista, ou seja, do dia anterior. Entre as vantagens do R24h está a possibilidade de ser aplicado em indivíduos de diferentes estratos socioculturais, sofrendo pouca influência do nível de escolaridade, e de tratar-se de um instrumento que utiliza um período curto para aplicação e tem baixo custo. As informações coletadas no R24h foram analisadas por meio de um software de nutrição que permite que sejam feitas análises específicas para cada macro ou micronutriente. O consumo de gordura total, tanto em termos absolutos como em contribuição relativa para a energia total, revelou-se elevado na população de Campinas, estando próximo ao limite superior dos níveis recomendados e entre os homens foi maior nos segmentos de maior escolaridade. Em relação à gordura saturada, tanto em termos absolutos quanto percentuais da energia total da dieta, o consumo superou a recomendação OMS/FAO que é de até 10% do valor energético total da dieta (VET), nas categorias de maior nível de escolaridade, tanto em homens quanto em mulheres. Em média os homens consumiram 10,4% e as mulheres 10,7% do VET para gorduras saturadas. Além disso, foi verificado um gradiente crescente do consumo com o aumento

Inquérito tem terceira edição Lhais faz questão de destacar o trabalho que está sendo desenvolvido na terceira edição, a mais atual, do ISACamp 2014/2015, cuja divulgação considera importante para que os entrevistadores sejam recebidos no campo. Coordenado pela médica Marilisa Berti de Azevedo Barros, o ISACamp é um inquérito domiciliar de saúde, de base populacional, que investiga as diferentes dimensões da saúde que podem ser acompanhadas e avaliadas no monitoramento dos padrões de bem-estar e saúde da população. Ele objetiva divulgar e ressaltar a possibilidade e relevância da incorporação de novos indicadores para a vigilância da situação de saúde da população e de segmentos demográficos e sociais do município de Campinas.

Foto: Antonio Scarpinetti

Como um módulo acoplado ao ISACamp, o projeto ISACamp-Nutri 2014/2015 realizará uma segunda visita aos entrevistados e abordará questões sobre o consumo alimentar, o estado nutricional, os hábitos alimentares e a percepção corporal de adolescentes, adultos e idosos, com o objetivo de monitorar a tendência e as desigualdades sociais prevalentes no padrão alimentar desses segmentos etários da população. Um segundo módulo, que constitui outro desdobramento do ISACamp, é o ISACampSono 2015, que tem como objetivo analisar de forma mais aprofundada os aspectos relacionados à duração, qualidade e distúrbios do sono, particularmente a apneia do sono, a sonolência e o cochilo diurnos.

A nutricionista Lhais de Paula Barbosa, autora da dissertação: “O nosso objetivo é orientar a população sobre a importância da adoção de uma alimentação saudável”

da escolaridade, tanto em termos absolutos quanto em participação relativa no VET. Sabe-se que as gorduras saturadas estão presentes basicamente em alimentos de origem animal como carnes, leites, ovos e nos alimentos industrializados, caso dos nuggets, steaks e hambúrgueres. Em todos os subgrupos de escolaridade, e em ambos os sexos, o consumo de gordura trans apresentou-se muito superior à recomendação da OMS/FAO, ultrapassando 1% da participação relativa no total de energia da dieta. O consumo médio de gorduras trans foi de 1,9% do VET tanto para homens, quanto para mulheres. Sabe-se que o consumo deste tipo de gordura produz efeito metabólico sobre a hipercolesterolemia e aumenta os níveis de colesterol total e de LDL-c, além de reduzir as concentrações de lipoproteína de alta densidade (HDL-c). Outros prejuízos metabólicos são provocados pela capacidade desta gordura de competir com as gorduras poliinsaturadas e de bloquear ou inibir a síntese de ácidos graxos essenciais de cadeia longa. Estudo realizado com os dados do Inquérito de Saúde do município de São Paulo – ISA Capital –verificou os alimentos fonte de ácidos graxos trans mais consumidos pelos adultos entrevistados. Foram eles: margarina, carnes, pizzas, pães doces, biscoito sem recheio, biscoito salgado, bolo branco, leite integral, manteiga e batata frita. Estudo irlandês que avaliou a dieta de adultos também identificou a margarina como principal alimento fonte de ácidos graxos trans mais consumido. Com base na literatura, a autora sugere algumas hipóteses para explicar as associações existentes entre o elevado consumo de gordura e o nível de escolaridade. A população mais escolarizada, que é também a de maior renda, tem maior acesso aos alimentos industrializados – que, de um modo geral, contêm concentrações excessivas de gordura, e às carnes vermelhas, que devido ao preço, são consumidas em menor quantidade pelas populações de menor renda. Além do que, nas cidades, face aos imperativos da vida moderna, alimentos do tipo fast food, refeições prontas como lasanha industrializada, pizzas e macarrão instantâneo, que possibilitam refeições rápidas, passaram a fazer parte do cotidiano de muitas pessoas. Diante da constatação do progressivo aumento da oferta de alimentos industrializados que sugerem praticidade, seduzem, geram prazer e são ricos em açúcares, gorduras e sal, a autora afirma: “Conseguimos constatar que, embora a população de menor nível socioeconômico seja, em geral, mais afetada por doenças crônicas e mortes prematuras, no caso do consumo de gordura o que ocorre é o oposto, contrariando a tendência de que tudo que é ruim atinge principalmente os pobres”.

CONSIDERAÇÕES

Lhais lembra que as gorduras constituem um nutriente essencial para o organismo, pois contribuem ativamente como precursores na síntese de hormônios, fazem parte da estrutura das membranas celulares, compõem a bile, participam da resposta autoimune e do transporte de vitaminas lipossolúveis e garantem o aporte energético da dieta. O problema é o consumo excessivo delas, especialmente as saturadas e trans que, quando associadas a outros fatores como fumo, bebidas alcoólicas e falta de exercícios físicos, constituem terreno propício para o desenvolvimento de doenças crônicas. Além disso, com o crescimento das cidades, as pessoas passam a participar de uma rotina corrida, que exige refeições mais rápidas e práticas que criam as condições para o desenvolvimento dos maus hábitos alimentares. A propósito a pesquisadora afirma: “Ao propormos algumas estratégias para o fortalecimento da promoção da alimentação saudável e de políticas correlatas, o nosso objetivo é orientar a população sobre a importância da adoção de uma alimentação saudável, minimizando o consumo de alimentos industrializados. Por isso, é fundamental que os resultados das pesquisas cheguem à população”. Além do que, os dados e as informações decorrentes dela são importantes no embasamento de políticas públicas por parte de municípios, estados e da Federação. Entre as estratégias que já vêm sendo realizadas neste sentido, está a atualização do Guia Alimentar para a População Brasileira, que ressalta a importância de voltar a consumir alimentos in natura, a cozinhar em casa, a de evitar o consumo de alimentos ultra processados e a de repensar a qualidade da alimentação dos brasileiros. Lhais lembra que, com o objetivo de enfrentar o problema das doenças crônicas no país, o Ministério da Saúde estabeleceu metas a serem atingidas entre os anos de 2011 e 2022. Dentre elas está a de conter o aumento da prevalência de obesidade entre os adultos, ou seja, dada a complexidade do problema, nem houve a proposta de redução desta prevalência.

Publicação Dissertação: “Avaliação do consumo de gorduras na dieta de adultos: estudo de base populacional no município de Campinas-SP” Autora: Lhais de Paula Barbosa Orientadora: Marilisa Berti de Azevedo Barros Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


10

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Painel da semana  Olhares sobre nossas águas - Nos dias 11 e 12 de maio, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece o Fórum “Olhares sobre nossas águas: seus usos, qualidade, aspecto, gestão e saneamento”. No primeiro dia de evento, o fórum ocorre das 9 às 16h30. No segundo dia, das 9 às 13 horas. A organização é do Fórum Pensamento Estratégico (Penses) da Unicamp. A proposta é apresentar um panorama com diversos olhares sobre a água. Programação, inscrições e outras informações no site www.gr.unicamp.br/penses/ forum_olhares_nossas_aguas  África Meridional - O seminário internacional “Cultura, Política e Trabalho na África Meridional” propõe uma reflexão sobre temas importantes da história da África Meridional entre os séculos XVI e XX, analisando o modo como diferentes organizações políticas africanas enfrentaram a presença dos colonizadores europeus. O evento ocorrerá no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), de 11 a 14 de maio. Contará com três conferências abordando grandes temas da história da África Meridional, seis mesas-redondas dedicadas ao debate de temas mais específicos, permitindo diálogos transversais entre diferentes cronologias e contextos geográficos, e três workshops destinados à discussão de fontes, à apresentação de acervos importantes para a pesquisa e outras questões diretamente ligadas à investigação documental. A organização do seminário está a cargo do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult) da Unicamp e do Harriet Tubman Institute (York University). A abertura do evento ocorre no dia 11, às 18 horas, no auditório 1 do IFCH. Consulte o programa detalhado no link http://africameridional.com.br/  Workshop internacional de ambiência e precisão A Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) organiza, de 12 a 15 de maio, em seu auditório, o I Workshop Internacional de Ambiência de Precisão. Com abertura às 9 horas, o evento visa discutir novas ferramentas tecnológicas para aplicação tanto na mensuração dos dados ambientais quanto para as modelagens existentes voltadas à análise do ambiente e proposição de sistemas de climatização mais eficientes. O workshop está sob a coordenação da professora Daniella Jorge de Moura, doutora em Engenharia Agrícola pela Unicamp. Consulte a programação no link: http://aviculturaworkshop.wix.com/

wapa-internacional#!schedule/cee5. Além da apresentação de trabalhos científicos (em forma oral e de pôsteres), o evento contará com dez palestrantes, sendo 9 internacionais. Serão aceitos trabalhos ligados ao tema central para diferentes espécies de animais. Para o envio de trabalhos e outros detalhes acesse o site http://aviculturaworkshop.wix.com/wapa-internacional. Mais informações pelo telefone 19 3521-2900 ou e-mail avicultura.workshop@gmail.com  Perspectivas do governo eletrônico: desafios para o aprimoramento da administração pública e das relações governo-sociedade - Tema será debatido na próxima edição do Fórum Permanente de Políticas Públicas e Cidadania. O evento acontece no dia 12 de maio, das 14 às 21 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em LimeiraSP. A organização é da professora Milena Pavan Serafim. Inscrições, programação e outras informações na página eletrônica http://www. foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_ eventos/politicaspub10.html  Educação do corpo: ciências humanas e práticas pedagógicas - Tema estará em debate na próxima edição do Fórum Permanente de Educação e Desafios do Magistério. O evento ocorre em 14 de maio, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. O Fórum contará com transmissão da TV Unicamp e está sob a responsabilidade do professor Edivaldo Góis Junior. Inscrições e outras informações no site http://www.foruns.unicamp.br/foruns/ projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/magis45.html  Consonâncias verbais - O Centro Cultural de Inclusão e Integração Social (CIS-Guanabara) organiza no dia 15 de maio, às 13 horas, oficinas do Projeto “Consonâncias verbais” - uma criação cênica e sonora que transita na fronteira entre diferentes linguagens, borrando os limites entre artista e espectador, cena e plateia. O projeto foi contemplado pelo Edital PROAC 44/2014 – Artes Integradas I da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo. Ao final das oficinas os participantes serão convidados a compor cenicamente junto aos artistas criadores. Mais informações pelo telefone 19-3231-6369.

Eventos futuros  Novos horizontes da informação - A próxima edição do Fórum Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação acontece no dia 19 de maio, das 9 às 17 horas, no auditório do Centro de Convenções da Unicamp. Terá como tema “Novos horizontes da informação”. O evento será transmitido pela TV Unicamp. Inscrições, programação e outras informações no site http://www.foruns.unicamp.br/ foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/tecno72.html  Fórum Internacional Síndrome de Down - Com apoio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e do Ministério da Saúde, a Unicamp sediará, entre 20 e 23 de maio, no Centro de Convenções, o 4º Fórum Internacional Síndrome de Down com o tema “A cada passo me preparo para minha vida”. O evento é organizado pela Fundação Síndrome de Down (FSD) em comemoração aos seus 30 anos. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas no link http://www.fsdown.org.br/forum/inscricoes.htm. Nos quatro dias de evento, haverá lançamento de livro, debates com especialistas e um encontro para pessoas com deficiência intelectual (acima de 16 anos), que abordarão os seus direitos. Acesse o programa completo no link http://www.fsdown.org.br/forum/programacao.htm  Políticas de procura de inovação e de concurso público para a inovação - Workshop acontece de 27 a 29 de maio, no Auditório da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU). O encontro tem dois propósitos: o primeiro é definir

Destaque

a natureza multifacetada das políticas “demand-side” e sua presença nos sistemas de inovação. O segundo é aprofundar as discussões acerca das encomendas públicas para inovação. O Workshop contará com a presença de renomados palestrantes dos EUA, Reino Unido, Espanha, Grécia, Suécia, China, Coréia do Sul, além de convidados brasileiros. A organização é do Projeto InSysPo - Innovation System and Policy do Programa SPEC (São Paulo Excellence Chair) da Fapesp, sediado no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. As inscrições são gratuitas e limitadas. Programação, inscrições e outras informações, na página eletrônica http://www.ige.unicamp.br/ spec/workshop/. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5124 ou e-mail paulafdc@gmail.com  TEDxUnicampWomen - O Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS) organiza a próxima edição do TEDxUnicampWomen (www.ted.com/tedx/events/13748) no dia 28 de maio, às 10 horas, no auditório da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BC-CL). No evento serão apresentados temas de interesse geral da comunidade sobre a temática feminina. No mesmo dia, às 14 horas, na sala de treinamentos, localizada no primeiro andar da BCCL, serão apresentadas algumas sessões do TEDWomen 2015, evento que ocorre simultaneamente, em Monterey, Califórnia. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-7923 ou e-mail beth@nics.unicamp.br  Indicadores de desempenho: a quem interessa medir o quê? O desafio da medição como ferramenta de gestão - Tema será debatido na próxima edição do Fórum Permanente de Sociedade e Desenvolvimento. O evento tratará dos desafios de se institucionalizar uma política universitária de sustentabilidade e da implementação de programas e projetos sustentáveis nos campi universitários da Unicamp. O Fórum está marcado para o dia 29 de maio, das 14 às 21 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira-SP. A organização é do professor Edmundo Inácio Junior. Inscrições, programação e outras informações na página eletrônica http://www.foruns.unicamp.br/foruns/ projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/soc_e_desenv08.html  Água: fonte de vida, recurso inesgotável? - Exposição da Área de Coleções Especiais e Obras Raras da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BCCL) pode ser visitada até o final do mês, no 3° piso da BCCL. A mostra é composta por 20 livros que abordam a temática água, em sua maioria obras iconográficas com belas imagens das águas brasileiras, relatórios sobre a seca, viagens pelos rios, celebrações religiosas, etc. Mais informações: telefone 19-35216468 ou e-mail bibcen@unicamp.br

Teses da semana  Artes - “Dramaturgia do ator: vivências, experiências e construção de sentido a partir de diferentes materiais” (mestrado). Candidata: Ana Carolina Borges Monzon. Orientador: professor Matteo Bonfitto Junior. Dia 14 de maio de 2015, às 9 horas, no IA. “Cineastas indígenas, documentário e autoetnografia: um estudo do projeto Vídeo nas Aldeias” (doutorado). Candidato: Juliano José de Araújo. Orientador: professor Marcius César Soares Freire. Dia 14 de maio de 2015, às 14 horas, na sala 3 da CPG do IA.  Biologia - “Efeito do 24-epibrassinolídeo na modulação do perfil de constituintes voláteis e nas atividades biológicas e antioxidante dos óleos essenciais das folhas de Mentha pulegium e de Mentha piperita (Lamiaceae)”(mestrado). Candidato: João Victor Martins Antunes. Orientador: professor Marcos José Salvador. Dia 13 de maio de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco O do IB.

 Ciências Médicas - “Farmacogenética da resposta da risperidona em uso isolado ou não no tratamento de transtornos mentais entre 8 e 20 anos de idade” (doutorado). Candidato: Amilton dos Santos Júnior. Orientador: professor Paulo Dalgalarrondo. Dia 12 de maio de 2015, às 14 horas, na sala 5 da FCM. “Estudo da variação circadiana da UPR no hipotálamo e suas implicações na ingestão alimentar” (doutorado). Candidata: Caroline Costa Mesquita. Orientador: professor Gabriel Forato Anhê. Dia 15 de maio de 2015, às 9h30, no anfiteatro do Departamento de Dermacologia da FCM.  Educação Física - “Intervenções com atividades físicas para crianças e adolescentes com deficiência visual” (doutorado). Candidato: Otávio Luis Piva da Cunha Furtado. Orientador: professor Gustavo Luis Gutierrez. Dia 13 de maio de 2015, às 14 horas, no auditório da FEF. “Caracterização da trajetória de bolas de futebol: proposta de avaliação a partir de variáveis cinemáticas da bola após o chute” (doutorado). Candidata: Juliana Exel Santana. Orientador: professor Sergio Augusto Cunha. Dia 15 de maio de 2015, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Mecânica - “Estudo da estampabilidade a quente de aço ao boro em conformação com redução de espessura controlada” (mestrado). Candidato: Mario Henrique Fernandes Batalha. Orientador: professor Sergio Tonini Button. Dia 12 de maio de 2015, às 9 horas, na sala de seminários ID02 da FEM. “Correlações entre variáveis térmicas, microestrutura e propriedades mecânicas das ligas Al-4%Cu e Al-4%Cu-4%Ag solidificadas em regime transitório” (mestrado). Candidato: Jonas Dias Faria. Orientador: professor Noé Cheung. Dia 15 de maio de 2015, às 14 horas, na sala JD02 da FEM.  Engenharia Química - “Estratégias de separação e purificação do ácido láctico produzido por via fermentativa” (doutorado). Candidata: Andrea Komesu. Orientadora: professora Maria Regina Wolf Maciel. Dia 11 de maio de 2015, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. “Estudo do complexo polieletrolítico quitosana-pectina para obtenção de sistemas carreadores de compostos bioativos” (doutorado). Candidato: Vinicius Borges Vieira Maciel. Orientadora: professora Telma Teixeira Franco. Dia 13 de maio de 2015, às 9 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. “Separação de fragmentos Fab humano por cromatografia negativa em poliaminas ω-aminohexil e poli(etilenoimina) imobilizadas em gel de agarose” (mestrado). Candidata: Gabriela Pannunzio Carmignotto. Orientadora: professora Sonia Maria Alves Bueno. Dia 14 de maio de 2015, às 9 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Geociências - “Avaliação da inversão de dados sísmicos préempilhamento de um reservatório carbonático da Bacia de Campos” (mestrado). Candidato: Rafael Amaral Cataldo. Orientador: professor Emilson Pereira Leite. Dia 14 de maio de 2015, às 14 horas, no auditório do IG. “Petrografia e geoquímica das formações ferríferas bandadas do complexo arqueano granjeiro (NE Brasil): implicações tectônicas e paeloambiental” (mestrado). Candidata: Michele Zorzetti Pitarello. Orientador: professor Ticiano José Saraiva dos Santos. Dia 15 de maio de 2015, às 14 horas, no auditório do IG.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “O Teorema de Posner para PI-Álgebras Graduadas GR-Primas” (mestrado). Candidato: Miqueias de Melo Lobo. Orientador: professor Lucio Centrone. Dia 15 de maio de 2015, às 15 horas, na sala 224 do Imecc.  Química - “Desenvolvimento de instrumentação e método para a determinação de hidrocarbonetos voláteis em amostras de solo empregando Espectroscopia no Infravermelho Próximo” (doutorado). Candidata: Lívia Martins dos Santos. Orientador: professor Jarbas José Rodrigues Rohwedder. Dia 14 de maio de 2015, às 14 horas, na sala IQ14 do IQ.

do Portal

Unicamp lança programa

de P&D na aviação

Unicamp lançou no último dia 27, em parceria com o Consulado da França no Brasil e o grupo Airbus, um programa para promover a pesquisa e a inovação (P&D) industrial na área de materiais compósitos para a fabricação de aeronaves e helicópteros. A “cátedra Franco-Brasileira” será conduzida em torno de uma rede de pesquisa junto à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). O foco dos estudos é o campo da mecânica computacional e estrutural e aberto apenas a estudantes da FEM. Esta cooperação contará com a participação da engenheira mecânica Ana Cristina Galucio, pesquisadora do Centro de Pesquisa do grupo Airbus. A engenheira ficará na Faculdade de Engenharia Mecânica por um período de nove meses. “Iremos trabalhar na área de blindagem, em dois eixos: o primeiro envolvendo novos experimentos e o segundo focado no campo computacional. A área experimental envolve a caracterização de novos materiais. Já a computacional, na avaliação de ferramentas da Unicamp e suas possíveis aplicações em casos industriais reais. O objetivo é transferir este conhecimento para a nossa business unit brasileira, no caso a Helibras”, explica. A Helibras é uma subsidiária da Airbus no Brasil voltada à fabricação de helicópteros. Ana Galucio ressalta que a parceria com a Unicamp é relevante para a empresa do ponto de vista estratégico. “Para nós é importante estarmos com um parceiro acadêmico de excelência e que tem repu-

Fotos: Antonio Scarpinetti

Autoridades presentes no lançamento do programa e a engenheira mecânica Ana Cristina Galucio, pesquisadora do grupo Airbus: transferência de conhecimento

tação internacional nesta área, especialmente no campo computacional. Além da pesquisa, a cátedra envolve uma área de ensino, ou seja, eu vou ministrar palestras e seminários para alunos de graduação e pós-graduação da Unicamp”, acrescenta. O evento de lançamento do projeto aconteceu no auditório da FEM, com a presença da pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Gláucia Maria Pastore; do presidente do grupo Airbus no Brasil, Bruno Gallard; do diretor da FEM, Antônio Carlos Bannwart; do adido de cooperação para ciência e tecnologia do consulado da França em São Paulo, Gérard Chuzel; e do diretor-associado da FEM, Alberto Luiz Serpa. “Com o sistema de cátedra nós conseguimos ampliar o espectro da pesquisa em nosso país. Temos aqui na Universidade muitos pesquisadores especialistas nessa área da aviação, especialmente na Faculdade de Engenharia Mecânica. Portanto, a vinda da pesquisadora Ana Galucio irá somar ao conhecimento da ciência e do desenvolvimento desta Faculdade e do nosso país”, salientou a pró-reitora Gláucia Pastore. Para o professor Alberto Luiz Serpa, que atua neste campo de pesquisa na FEM, a intenção da Universidade é também ampliar a mobilidade e a cooperação nesta área. “O programa das cátedras franco-brasileiras é aberto por meio de um edital lançado para USP, Unicamp e Unesp. No caso desta cátedra é a primeira vez que envolve a atuação de uma especialista do setor industrial”, acrescentou. (Silvio Anunciação)


11

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015

Fotos: Antonio Scarpinetti

Moradores de Itatiba se dividem entre as duas cidades em busca de lazer, consumo, saúde e cursos superiores ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

s moradores do município de Itatiba, interior de São Paulo, se distribuem quase uniformemente entre Campinas (a 34 km) e Jundiaí (distante 24 km) na busca por serviços que representam os seus hábitos de consumo fora da cidade. Apenas no setor de saúde percebeu-se um maior fluxo de itatibenses que seguem rumo a Jundiaí. Mas, quando os quesitos foram lazer e universidades, a distribuição da população mostrou-se maior em direção a Campinas. Foi o que apontou estudo de mestrado do Instituto de Geociências (IG). O autor do trabalho, Márcio Adriano Bredariol, percebeu que nem sempre numa região metropolitana, como é o caso da Região Metropolitana de Campinas (RMC), todas as cidades que a constituem manterão uma relação única com a metrópole. Pode existir uma outra cidade-pólo do entorno que não a integra e que no entanto mantém contatos e relações com ela, como é o caso de Jundiaí. Como Itatiba está dentro da RMC, observou o mestrando, teoricamente deveria manter mais relações com Campinas. Ocorre que o seu estudo apurou que isso não é bem o que tem acontecido. A pesquisa do geógrafo, orientada pela docente do IG Regina Célia Bega dos Santos, abordou a rede urbana paulista e o processo de metropolização de São Paulo a partir da Região Metropolitana de Campinas, tomando como “case” Itatiba, em suas relações com Campinas e Jundiaí. Isso porque Itatiba é uma das cidades que se localiza ao mesmo tempo na região de governo de Jundiaí e na RMC, ficando dividida entre duas cidades-pólos dentro da sua jurisdição. A rede urbana paulista, explicou, envolve todas as cidades que se interligam e que mantêm relações entre si, formando um sistema complexo. “Em tempos de globalização, o mundo todo está articulado via rede urbana, a partir das cidades com maior poder de centralidade, como é o caso das metrópoles, como Campinas, e das cidades de porte médio, como Jundiaí. Só no Estado de São Paulo são 645 cidades”, revelou. O pesquisador avaliou essa rede por ser a mais complexa do país e pela relevância das cidades que formam o Estado. “As cidades da região onde se insere Itatiba constituem a macrometrópole paulista que se estende desde a região metropolitana de São Paulo, incluindo a Região Metropolitana de Campinas, as Aglomerações Urbanas de Jundiaí e de Piracicaba, a Microrregião Bragantina e as Regiões Metropolitanas de Sorocaba, Baixada Santista, Vale do Paraíba e litoral norte”, sitou. Segundo o especialista, dentro dessa grande região, que demonstra um forte dinamismo, ele se dedicou a entender a situação específica de Itatiba, local onde nasceu. Procurou descortinar com qual cidade ela mantinha mais relações – Campinas ou Jundiaí – e as metodologias que definem o que é uma região metropolitana.

Entre Jundiaí e Campinas Vista da região central de Itatiba, cidade da Região Metropolitana de Campinas: município tem 110 mil habitantes

Com a crise, a estrutura econômica da cidade passou a ser industrial, primeiramente com indústrias mais tradicionais – tecido, madeira, alimento, bebida – e, após, na década de 1960, com as indústrias de móveis, principalmente móvel colonial de madeira maciça. Esse ciclo prevaleceu até os anos de 1990, quando houve nova crise, inclusive desencadeada pela dependência do móvel colonial. Mais uma vez mudou o perfil econômico da cidade. Hoje, quando observados os setores mais relevantes de Itatiba, o setor de móveis nem figura entre os mais destacados. Estão em alta os setores de metal mecânico, peças, indústria química e têxtil.

METROPOLIZAÇÃO

Márcio pretendia saber se haveria critérios no Brasil para definir o que é uma região metropolitana pois, para ele, isso soava vago. “Qualquer região pode ser considerada metropolitana. Quem define são os governos estaduais, com base em interesses próprios. Em São Paulo, há essa rede urbana mais complexa, com cidades importantes, o que justifica a existência das regiões metropolitanas”, pontuou. Contudo, ao olhar para a RMC, que abarca 20 municípios, Itatiba permanece isolada. Não parece ter uma relação, como era de se esperar em se tratando de Campinas. Por que a relação parece mais forte com Jundiaí? “Fomos atrás de respostas. Aplicamos um questionário para entender os hábitos de consumo da população fora de Itatiba. Perguntamos em qual shopping center eles costumavam ir às compras, a que cidade eles recorriam quando não havia uma especialidade médica em Itatiba, qual universidade eles procuravam quando não havia determinado curso em Itatiba e em qual cidade buscavam lazer”, elencou o pesquisador.

A entrevista foi feita com 400 moradores de Itatiba, para chegar a uma margem de erro de 5%, visto que a sua população atual ultrapassa os 110 mil habitantes. Márcio verificou então uma grande divisão nos hábitos dos avaliados. Quando perguntado se eles costumavam fazer compras em outra cidade, a maioria respondia que sim (37% com frequência e 48% às vezes). Sobre cidades nas quais mais faziam compras, o resultado praticamente empatou: Campinas 42% e Jundiaí 41%. Os shopping centers mais frequentados pelos itatibenses em Campinas foram o Dom Pedro Shopping (22%), o Iguatemi Campinas (21%) e o Shopping Galleria (1%) e, em Jundiaí, o Maxi Shopping (37%) e o Jundiaí Shopping (7%). Comparativamente, apareceu o mesmo índice para Campinas e Jundiaí – 44% para cada lado. Em termos de lazer, Campinas saiu na frente, com 43% da preferência contra 27% de Jundiaí. Foram as opções mais procuradas barzinhos, cinemas e teatros. São Paulo também foi citada por 16% dos entrevistados. Outra questão foi para onde eles se locomoviam para estudar. Trinta e sete por cento disseram que vinham para Campinas e 26% para Jundiaí. São Paulo foi destacada por 13% dos entrevistados. Os estudantes que vinham para Campinas se dirigiam em sua maioria para a Unicamp (22,1%) e PUC-Campinas (5,8%). Já no caso de Jundiaí, se dirigiam ao Centro Universitário Pe. Anchieta (9,3%) e Unip Jundiaí (9,3%). Quando indagados sobre busca por atendimento médico especializado fora de Itatiba, o gráfico do estudo resultou bem concentrado entre Campinas e Jundiaí. Mas, a despeito disso, o maior número de pessoas preferia se locomover até Jundiaí (49,3%); Campinas (36,3%) vinha em seguida.

PROGRESSO

Márcio fez um apanhado histórico para chegar à Itatiba atual. Descobriu que a cidade começou a ser ocupada em meados de 1700 (foi instituída em 1876) e que, nessa época, era um povoado ainda muito distante do centro da vila de Jundiaí, apesar de integrá-la. Logo, ‘o caminho do ouro’ passava distante de Itatiba. O seu desenvolvimento somente chegou com a inserção do café naquela região – na metade do século XIX. Mas, mesmo diante de seu progresso a olhos vistos, havia uma certa dependência de Jundiaí. Em 1857, alcançou status de vila e, em 1876, independência política e reconhecimento como cidade, por causa do café, já que essa cultura gerou riqueza local. Até meados de 1929, ele teve grande importância. Depois, outros produtos começaram a ser plantados ali, e o café já não era mais a sua principal cultura.

Quando questionados sobre quais hospitais ou clínicas médicas procuravam utilizar nestas cidades, o gráfico apareceu bem fatiado. Em Jundiaí, os hospitais mais frequentados foram o Hospital Paulo Sacramento (13%), o Hospital São Vicente de Paulo (6%) e o Hospital Santa Elisa (3%), além de inúmeras clínicas particulares. Em Campinas, os hospitais mais frequentados foram o Hospital Vera Cruz (6%), o Hospital de Clínicas da Unicamp (3%) e inúmeras clínicas particulares. O geógrafo procurou a Prefeitura de Itatiba para saber o motivo. De acordo com ele, na regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), Itatiba não fazia parte da região de Campinas, mas de Jundiaí. Nesse processo, quando há um tratamento de maior complexidade que não é atendido por Itatiba, primeiramente e obrigatoriamente o caminho é Jundiaí, depois Campinas. Esse é um aspecto. Outro é que a maioria das empresas de Itatiba mantêm convênios com hospitais de Jundiaí. Logo, nota-se uma clara divisão entre os que vão para Jundiaí e os que vão para Campinas. Entretanto, quem vai para Jundiaí ainda vai em maior número por questões históricas ou em razão de Itatiba ter feito parte de seu território. Essa relação é mais intensa, isso até pelo pedágio, que é mais barato a caminho de Jundiaí. A pesquisa de Márcio procurou sondar também a população adulta que realizava movimento pendular para fins de trabalho, de acordo com o Censo do IBGE (2010). Em Itatiba, foi pouco expressivo o número de pessoas que trabalhava fora da cidade: somente 8%. Normalmente, descreveu ele, os trabalhadores eram absorvidos na própria cidade. Dentro da RMC, o índice de movimentação pendular para fins de trabalho foi menor do que o de Campinas. Só não foi menor do que o índice de movimentação pendular de Pedreira – 7,6% –, que é muito baixo, diferente de Hortolândia, que é 49%, e de Sumaré, que é 40,5%. Na dissertação, foram apontados a origem e o destino dos trabalhadores que saíam de Itatiba, segundo dados da Secretaria de Transportes Metropolitano (2012). A maioria ficava no município (90%). Não chegava a 1% os trabalhadores que se deslocavam para Campinas, Jaguariúna, Sumaré, Valinhos e Vinhedo.

Publicação Dissertação: “Itatiba: entre a região metropolitana de Campinas e o aglomerado urbano de Jundiaí – contribuições ao estudo do processo de macrometropolização de São Paulo” Autor: Márcio Adriano Bredariol Orientadora: Regina Célia Bega dos Santos Unidade: Instituto de Geociências (IG) O geógrafo Márcio Adriano Bredariol: apanhado histórico fundamentou pesquisa


12

Campinas, 11 a 17 de maio de 2015 Fotos: Divulgação

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

o percorrer a obra vocal do cantor e compositor Milton Nascimento, a pesquisadora da Unicamp Thaís dos Guimarães Alvim Nunes identificou manipulações da própria voz realizadas pelo artista, numa escolha consciente ao longo de sua carreira. A estudiosa toma emprestado o referencial teórico do pensador medievalista Paul Zumthor (1915-1995) para observar que a obra vocal de Milton Nascimento assume “uma performance enquanto produtora de sentido”, pois se relaciona com aquelas que a precederam e com aquelas que a seguirão. Trata-se, segundo ela, de uma “movência” enquanto criação contínua. “As nuances timbrísticas que Milton Nascimento explora lhe dão liberdade para transitar, preencher, provocar e promover diálogo entre sua voz e ela mesma. O título do meu estudo é ‘A voz de Milton Nascimento em presença’. Esta ‘presença’ está relacionada à exploração do instrumento, ao uso variado e à ‘atualização’ que Milton faz da própria voz ao longo de sua história artística. A cultura popular tem muito desta ‘movência’. E o Milton Nascimento tem um modo de fazer que encontra ecos na oralidade, por valorizar o contato direto e presente com os indivíduos com os quais divide sua expressão musical, seja através da voz, das composições, dos arranjos e das gravações.” Desde o início da carreira, Milton Nascimento manifesta essa “movência” no uso da voz, exemplifica Thaís Nunes. “O seu segundo disco foi gravado nos Estados Unidos, com músicos do jazz. Depois, ele grava com músicos da banda Som Imaginário que tem a influência do rock. Em seguida grava novamente com outros músicos do jazz. Entre os anos de 1980 e 1990 ele visita uma tribo indígena para ouvi-los cantando. Todos aqueles movimentos que o Milton faz em presença, ele vai explorando na sua voz de forma consciente.” Ainda de acordo com ela, o cantor e compositor valoriza a presença física nas trocas culturais e nos processos de criação e registro, tanto no interior do Brasil, como fora dele. Thaís Nunes considera que essa valorização da presença possibilita ao músico agregar qualidades e expressões musicais diversas, atestando a força expressiva da voz humana, embora submetido à lógica de mercado da produção cancional. Ela afirma que Milton Nascimento foi capaz de superar padrões e extrapolar fronteiras ao exprimir desde os sons mais orgânicos, como gemidos, sussurros e gritos, passando pela fala e o canto em sua plenitude, indo do grave masculino ao agudo feminino, com ou sem palavras. “Percebemos que o artista vai construindo suas vocalidades ao longo da carreira. Isso está amparado no diálogo que ele estabelece com suas próprias composições, seja por meio da variedade melódica, do amplo preenchimento do campo da tessitura, dos diferentes caminhos harmônicos e dos ritmos diversificados e variantes. Milton cria através da voz o que o impulsiona a cantar tanto melodias subjacentes quanto de superfície”, analisa.

O canto em sua plenitude “A Voz de Milton Nascimento em presença” é resultado da pesquisa de doutorado de Thaís Nunes, defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Música do IA. Em seu estudo, a pesquisadora analisou a voz de Milton Nascimento em 38 discos, constituídos por 326 composições, dentre instrumentais e canções.

O trabalho foi orientado pelo professor Antônio Rafael Carvalho dos Santos, que atua no Departamento de Música do IA. Thaís Nunes é docente do Departamento de Artes e Comunicação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no curso de Licenciatura em Música. Ela é bacharel e mestre em Música Popular pela Unicamp.

CLUBE DA ESQUINA Nº 2 A canção Clube da Esquina nº 2, de Milton Nascimento e dos irmãos Márcio e Lô Borges, exemplifica muito bem esta “movência” do artista enquanto criação contínua, esclarece a pesquisadora do IA. Clube da Esquina nº 2 foi retomada por Milton Nascimento ao longo da carreira. A primeira gravação, apenas instrumental, ocorreu em 1972. Em 1979, Lô Borges regrava a música em seu disco A Via Láctea. Milton Nascimento produz e coordena o álbum do amigo. Já em 1993, 21 anos depois da primeira gravação, Clube da Esquina nº 2 volta ao disco Angelus, o 25º do cantor. “O Milton retém elementos de 1972, trazendo, ao mesmo tempo, modificações harmônicas da gravação de 1979 de Lô Borges, para produzir, em 1993, uma obra totalmente nova. Na melodia, por exemplo, ele pega um trecho improvisado na gravação de 1972 e inclui como linha de arranjo na gravação de 1993. Do ponto de vista vocal, a primeira gravação é bem linear. Já em 1993 ele flexibiliza ritmicamente a melodia, diminui o andamento e usa a respiração para dar sentido ao texto da canção. Ao abaixar o tom da música, Milton possibilita outras nuances vocais, abre uma área grande para experimentar com a voz, modificando a melodia e cantando de regiões graves a extremamente agudas”, observa.

TRÊS FASES VOCAIS

Thaís dos Guimarães Alvim Nunes, autora do estudo: identificando três fases na trajetória vocal de Milton Nascimento

Capas de discos de Milton Nascimento: pesquisadora analisou 38 trabalhos do cantor e compositor mineiro,em diferentes momentos da carreira

De acordo com o estudo conduzido por Thaís Nunes é possível identificar três fases mais ou menos distintas na trajetória vocal de Milton Nascimento. A primeira delas está localizada no início da carreira, entre os anos de 1967 a1969; a segunda, entre 1970 e 1979; e a terceira, nos anos de 1980 e 1990. Em todas estas fases, ressalta Thaís Nunes, Milton Nascimento expressa a valorização do coletivo. No estudo, ela escreve que a voz do cantor e compositor é endereçada ao outro, aos amigos, aos parceiros, aos músicos. “É nesta relação de parceria e cumplicidade que ele vai compondo timbres, ajustando emissões, construindo maneiras de dizer, realizando misturas, arriscando caminhos mais incomuns, incorporando gestos vocais e montando seus quadros de fotografias sonoros.” Na primeira fase, a qual integram os discos Travessia (1967), Courage (1969) e Milton Nascimento (1969), o músico explo-

ra o registro modal da voz nas três regiões grave, média e aguda - já com ampla tessitura, e sonoridade mais homogênea e contida. “No início desta fase há referências à bossa nova, do próprio samba canção, de um canto que é mais dramático ou que é mais suavizado. No final, no último disco de 1969, Milton inaugura o uso do falsete como um recurso timbrístico, que é emitido com leveza. O final desta primeira fase, marcada por uma entonação predominantemente cantada, já sinaliza a ‘movência’ da voz que veremos ser intensificada nos anos de 1970”, sinaliza. O segundo período abarca o conjunto de 10 discos: Milton (1970); Clube da Esquina, (1972); Milagre dos Peixes (1973); Milagre dos Peixes ao Vivo (1974); Minas (1975); Native Dancer (1975); Geraes (1976); Milton (1976); Clube da Esquina 2; e Journal to Down (1979). “É a confirmação de que ele começa a trazer o experimentalismo, o ruído, sem perder a voz contida quando quer fazer, mas trazendo elementos de projeção. A década de 1970 é constituída com discos que são verdadeiras joias do ponto de vista vocal e musical de Milton Nascimento. Observamos um panorama de uso da voz impressionante. A voz é utilizada como melodia principal da canção, ou como música instrumental, voz sem a letra, portanto presente como instrumento. Ele realiza muitos contracantos também, em que a voz entra como parte do arranjo”, analisa. A terceira fase é composta por 17 discos gravados, dos quais sete são ao vivo. É o período em que Milton se volta para o grande público, como solista inserido na grande indústria fonográfica. Entre os discos, estão: Sentinela (1980); Caçador de Mim (1981); Plante Blue na Estrada do Sol (1981); Anima (1982), Missa dos Quilombos (1982); Milton Nascimento ao Vivo (1983); Corazón Americano (1984); Encontros e Despedidas (1985); A Barca dos Amantes (1986); Yauaretê (1987); Miltons (1988); Txai (1990); Angelus (1993), Amigo (1995); Nascimento (1997); Os Tambores de Minas (1998) e Crooner (1999). “É um Milton cantando para grandes públicos. Vamos ver, por exemplo, canções que atingiram grandes massas, como Coração de Estudante e Canção da América. Ele canta em parceria com vozes consagradas da música popular brasileira como Nana Caymmi, Caetano Veloso e Simone, Gal Costa. Há valorização das frequências agudas na equalização da voz nos discos. Inaugura-se o uso do falsete com sonoridade mais tensa, com emissão mais projetada, frontal e incisiva.”

Publicação Tese: “A voz de Milton Nascimento em presença” Autora: Thaís dos Guimarães Alvim Nunes Orientador: Antônio Rafael Carvalho dos Santos Unidade: Instituto de Artes (IA)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.