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determinação indeterminação Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 9 a 15 de abril de 2012 - ANO XXVI - Nº 522 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

IMPRESSO ESPECIAL 1.74.18.2252-9-DR/SPI Unicamp

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Ilustração: Natália Brescancíni

era da A

A falta de um padrão monetário internacional estável, as altas taxas de desemprego na Europa e nos EUA, as indefinições acerca da divisão internacional do trabalho e as incertezas sobre os reflexos da crise em países desenvolvidos, entre outros fatores, estão fazendo com que o sistema global do capitalismo viva uma espécie de “era da indeterminação”. A tese é defendida pelo economista José Carlos Braga em seu trabalho Teoria e História dos Capitalismos, que integrou parte das exigências para a obtenção do título de professor titular do Instituto de Economia (IE).

Página 3 A ilustração desta página foi feita pela artista Natália Brescancíni para dissertação em que ela investiga as possibilidades de uso de cor a partir de experiência artística pessoal. O trabalho, apresentado no IA, foi orientado pela professora Lygia Eluf.

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As armadilhas do ‘foquismo’ Página 2

Software para criança disléxica

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A versão turbinada do Matvox

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A memória já tem sua história Página 6

Redes ‘alternativas’ de pesquisa

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Salsichas preferidas têm mais sal Página 8

Da Unicamp para Cambridge Página 9

Moran e a barbárie da devastação Página 11


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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

ARTIGO

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uma palestra para professores da Universidade Federal do Ceará, acerca dos elementos estéticos presentes na criação científica, um de meus comentários foi considerar um equívoco a ideia de que um indivíduo que tenha elegido um único tema de estudo e pesquisa ao longo de sua vida acadêmica, desde a iniciação científica até o pós-doutorado, seja alguém meritoriamente focado, o que o tornaria mais digno de pontos, por exemplo, num concurso qualquer. Aliás, frequentemente me vi envolvido em debates com colegas membros de bancas de seleção por advogar exatamente a opinião contrária: meu apreço por todo aquele que ao longo da vida se dedicou a pensar diferentes assuntos, mesmo os mais díspares e distantes entre si. Após a fala e aberto os debates uma jovem bióloga declarou que tinha se reconhecido no meu comentário, dado ter empenhado toda a sua trajetória acadêmica estudando “barriga de peixe”. E que só havia se dado conta do quão pouco sabia da vida e do mundo em geral quando um namorado recente acabou deixando-a porque ela só sabia falar disso, de barriga de peixe. Obviamente não pude deixar de pontuar que quase sempre é assim que se dá o conhecimento, sendo ele obtido a partir de um sentimento ou emoção primordial – no seu caso, uma constatação de sua limitada percepção após se ver “apeixonada”. Piadas à parte, esta reflexão precisa ser levada a sério. O quão deletéria e prejudicial tem sido essa tendência cada vez mais acentuada para uma especialização extrema, incentivada por mensurações de desempenho que quadriculam a realidade e se tornam um leito de Procusto no qual devem se acomodar pesquisadores e docentes. Não custa relembrar o filósofo e matemático Bertrand Russel, uma das mentes mais proeminentes e profícuas do século 20. Em sua autobiografia relata que seu avô (por quem foi criado) repreendeu-o ainda na infância por tomar e ler aleatoriamente livros dos mais variados assuntos de sua biblioteca, aconselhando-o a se dedicar apenas a um tema se quisesse ter sucesso na vida. “Ainda bem que nunca segui esse conselho”, conclui Russel, cuja vasta obra constitui um amplo leque de reflexões sobre ciência, filosofia, política, ética, economia e outros temas fundamentais para o homem e a sociedade humana. Russel se dedicou a pensar não somente no peixe inteiro como nos demais cardumes, bem como no rio onde nadavam e na floresta atravessada por ele, com todos os seus outros habitantes. Muitos proeminentes pensadores e produtores de conhecimento podem ser lembrados como exemplos de indivíduos que tiveram percursos sinuosos por entre assuntos e temas variados, e com frequência se nota que suas contribuições mais originais provêm exatamente da capacidade de conectar aspectos distintos disto que chamamos realidade, os quais aparentemente se mostram distantes entre si. Aliás, o jornalista e escritor Arthur Koestler – que certamente faz parte desse grupo – em sua obra The act of creation conceitua como bissociação o processo pelo qual as pessoas criativas conseguem associar conhecimentos díspares ou pensar simultaneamente em planos distintos de referência. E não custa encerrar o parágrafo registrando que no presente século o

por: João Francisco Duarte Jr.

Barriga de peixe, ou o estulto ‘foquismo’ prêmio Nobel de economia de 2001, Michael Spence, antes de se doutorar nessa área do conhecimento pela Universidade de Harvard, concluiu o bacharelado em Princeton e o mestrado em Oxford, ambos obtidos em artes. “A ideia de que as pessoas devem ter uma certa percentagem de seu tempo para fazer coisas sem nenhuma ligação com sua tarefa talvez seja uma maneira boa de fazê-las pensar fora do plano.” Afirmação de Joichi Ito em entrevista à Folha de S. Paulo (de 02/01/2012). Diretor do Media Lab, um dos componentes do incensado Massachusetts Institute of Technology (MIT), Ito, além de seu domínio em informática e física, orgulha-se de ser instrutor de mergulho, ocasião em que vê as crianças, seus alunos, aprenderem com vontade, alegria e determinação conceitos de física, química e matemática. Contudo, o que talvez cause mais espécie em nossos focados e titulados corpos docentes seja a informação de que Ito dirige o Media Lab do MIT não sendo portador sequer de um diploma de graduação. E que nunca conseguiu concluir os cursos nos quais se matriculou justamente por não se adaptar ao “foquismo” daquilo que tentavam lhe ensinar. (Nesta altura temos que abrir um parêntese para registrar um caminho alternativo de reflexão, o qual, no entanto, não será trilhado aqui. Trata-se do desprezo que até hoje se devota às Carreiras Especiais dentro da Universidade, as quais deveriam abrigar pessoas como Joichi Ito, sem demérito de vencimentos ou incentivos forçados à titulação. Fecha o parêntese.) Merece também menção o editor John Brockman e seus esforços para reunir pensadores das mais diversas áreas, compilando seus conhecimentos e opiniões sobre temas específicos em livros sob os mais variados títulos, o que vem fazendo desde 1998. Em seu entender tão-somente ideias vindas de diferentes áreas do conhecimento que possam se interligar e se interinfluenciar poderão conduzir à solução dos principais problemas que assolam a humanidade. Entretanto, um caso exemplar e deveras significativo é o de Joseph Needham. Da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, era bioquímico de formação e se interessou pela China graças a uma namorada chinesa, que lhe ensinou a língua. Designado para um trabalho naquele país, acabou por formular a célebre “pergunta de Needham”: se desde tempos imemoriais aquele povo detinha o conhecimento e a tecnologia para a produção de tantos artefatos e produtos inovadores (como a pólvora, o papel e a seda), por que foram os ocidentais e não eles os criadores da ciência moderna? Mesmo sem ter formação em história das ideias, resolveu pesquisar o assunto, no que foi apoiado pela sua instituição. Planejava escrever, em dez anos, em torno de sete volumes para responder a sua questão. Gastou, na verdade, quarenta anos e, até a sua morte (em 1995), já havia escrito quinze mil páginas de reflexões, construindo uma obra monumental. Nunca mais escreveu uma linha sequer sobre bioquímica, na qual o pensamento estulto talvez dissesse que ele deveria se manter focado. E, detalhe importante, nunca foi cobrado por isso; pelo contrário, foi incentivado e reconhecido por sua hercúlea tarefa. Por todos esses breves fatos e ligeiras

Fotos: Reprodução

O filósofo e matemático Bertrand Russel: reflexões em várias áreas

O escritor Arthur Koestler: associação de conhecimentos díspares

reflexões se me afigura cada vez mais surpreendente que a ideologia do “foquismo” esteja ganhando tantos adeptos no meio acadêmico. Sem dúvida, o trabalho focado parece consideravelmente menos desgastante e arriscado, com menor quantidade de leituras e reflexões a serem levadas a cabo e menores chances de fracasso. Porém, com ele, reduzidas são também as possibilidades de grandes saltos e inovações surpreendentes no conhecimento humano, notadamente a possibilidade de que se obtenham sínteses abrangentes e seminais. Obviamente a probabilidade de surgimento de novos Russels ou Needhams será sempre baixa, dado serem pessoas acima da média (vide a curva de Gauss). Todavia, assim como é praticamente nula a probabilidade de rosas medrarem no deserto, na medida em que se criam ambientes aridamente “foquistas” se impede a germinação de mentes ávidas pelo trânsito sinuoso entre os campos do saber humano. E este parece ser especificamente o caso da norma firmada pela Capes de não atribuir, em sua avaliação, pontos a trabalhos de pesquisadores que não se restrinjam à área do programa de pós-graduação no qual estão credenciados. Além de tal prática ser arrogante, por supor a clarividência e a suprema sabedoria de seus avaliadores, que conseguiriam detectar de antemão desvios de rota e práticas dispersivas por parte de uma mente em processo de criação, ela parece estulta em si própria, preocupada apenas com a quantidade e não com a qualidade da produção acadêmica. Note-se, por fim (mas não em último lugar), que todo e qualquer docente, pesquisador seja de qual área for, tem, por definição, ao menos mais um assunto do qual deveria se ocupar diariamente: a educação. Sim, pois sua prática numa instituição de ensino superior é, de modo precípuo, educacional, e esse campo de trabalho possui múltiplas vertentes de abordagem, quais sejam, históricas, econômicas, políticas, sociais, psíquicas etc. Contudo, pelos padrões avaliativos atuais tão-só os docentes das faculdades de educação merecem pontuação por seus trabalhos de reflexão sobre o tema. Essa barriga de peixe só a eles pertence. (E num derradeiro parêntese cabem informações complementares. Primeiro, que “um dos motivos encontrados por Needham para o estancamento da criatividade chinesa a partir de 1500 foi justamente a aversão de uma estrutura burocrática acomodada na certeza de sua própria sapiência a tudo que discrepasse dos padrões impostos”. Citação esta retirada do artigo do psicanalista e docente da PUC São Paulo, Renato Mezan, “O Fetiche de Quantidade”, publicado na Folha de S. Paulo – caderno Mais – de 9 de maio de 2010, ao qual devo as informações sobre Joseph Needham. A esse respeito, ou seja, acerca de uma alucinada quantificação como parâmetro unívoco para a mensuração da produção acadêmica, remeto também o leitor ao meu ensaio The Rotten Papers, ou Adiós Que Yo Me Voi, publicado em A montanha e o videogame: escritos sobre educação – Papirus Editora.) João Francisco Duarte Junior é docente do Instituto de Artes (IA), com sinuoso percurso escolar e acadêmico: técnico em química industrial (nível médio), graduação em psicologia, mestrado em psicologia educacional, doutorado em filosofia da educação e livre-docência em artes.

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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

Em seu trabalho para a obtenção do título de professor titular, José Carlos Braga aponta as incertezas relativas ao sistema capitalista global

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MANUEL ALVES FILHO

manuel@reitoria.unicamp.br

sistema global do capitalismo vive uma espécie de “era da indeterminação”. A hipótese foi defendida recentemente pelo docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, José Carlos de Souza Braga, durante aula ministrada como parte das exigências para a obtenção do título de professor titular. De acordo com ele, alguns aspectos contribuem para o estabelecimento do cenário de incertezas. “Atualmente, não há um padrão monetário internacional estável, como havia no passado com o dólar-ouro. Também não está claro como se dará a divisão internacional do trabalho. Há dúvidas sobre quem produzirá o quê e em que lugar. Além disso, ninguém sabe o que acontecerá aos países desenvolvidos, que ainda sofrem reflexos da crise. Será que eles estariam absorvendo aspectos do subdesenvolvimento? A alta taxa de desemprego, por exemplo, preocupa tanto aos países europeus quanto aos Estados Unidos”, analisa. O trabalho apresentado por Braga, intitulado Teoria e História dos Capitalismos, é o resultado de toda uma vida dedicada ao estudo de temas relacionados às áreas da Teoria Econômica, Economia Internacional e Economia Brasileira. Além de ministrar a aula, o docente também apresentou um memorial acadêmico e se submeteu a uma prova de títulos. “No memorial, eu procurei salientar as minhas linhas de trabalho. Meu propósito foi pensar o capitalismo contemporâneo, cujo recorte temporal compreende desde os anos 1970 até os dias atuais”, explica o docente. De acordo com ele, está cada vez mais claro que o capitalismo entrou numa crise sistêmica global a partir de 2007/2009. “Os desdobramentos dessa crise ainda podem ser sentidos, embora a fase mais aguda já tenha sido superada, graças à atuação dos bancos centrais que apoiaram os sistemas financeiros dos países mais afetados”. Como decorrência dessa crise sistêmica, continua Braga, o capitalismo teria ingressado nessa fase de indeterminação. O economista lista os fatores que estariam contribuindo para a configuração do período de incertezas. Em primeiro lugar, ele cita a ausência de um padrão monetário consistentemente dominante, como era o dólar-ouro e a libra-ouro. O dólar, que vem cumprindo essa função, tem sido alvo de desconfianças por causa da situação econômica dos Estados Unidos, como lembra o professor da Unicamp. “Os Estados Unidos sofreram nos últimos anos várias instabilidades. O país apresenta déficits fiscal, comercial e de transações correntes importantes, além de ter uma dívida pública igualmente significativa. A princípio, isso deveria tornar a moeda fraca. Isso somente não ocorreu porque o fenômeno monetário está diretamente ligado ao poder político. Então, o dólar segue sendo o padrão monetário, embora o ouro não esteja mais por trás dele. Trata-se, hoje, de uma moeda fiduciária ainda dominante, mesmo que sujeita a muitas flutuações. Tanto é assim que, recentemente, quando a situação da Europa começou a se complicar, os detentores da riqueza correram para o dólar, o que equivale dizer que correram para os títulos da dívida pública americana”, detalha. As incertezas em relação ao dólar, conforme o economista, também atingem o euro, em razão da crise. “Há, ainda, o caso do yuan, a moeda chinesa. Entretanto, é pouco provável que a China queira inserir a sua moeda no jogo internacional. É que, ao tornar-se internacional, o yuan também se tornaria alvo de especulações por parte dos donos da riqueza. Portanto, nós temos uma indeterminação sobre qual padrão monetário vai conduzir uma nova etapa de desenvolvimento mundial”, reforça Braga. Outra indeterminação aventada por ele refere-se à divisão internacional do trabalho. Ou, em termos mais acessíveis, de como a geografia mundial da produção será dividida. “Estamos assistindo a uma inquestionável manifestação de poder da indústria chinesa, que está articulada com os demais países asiáticos. De outro lado, temos a União Europeia, que tem na Alemanha uma grande potência industrial. E temos os Estados Unidos, que continuam sendo fortes em setores como aeronáutica, tecnologia da informação etc. É briga de cachorro grande. E não podemos nos esquecer dos países emergentes, entre eles o Brasil. Uma pergunta pertinente é: o Brasil continuará sendo um país industrializado? Apenas para lembrar, dados de 2011 do IBGE indicam que a participação da indústria brasileira no PIB foi de 14% naquele ano. É o mesmo índice da era JK! Sem contar que essa participação já atingiu 27% em outras épocas. O fato é que o Brasil está perdendo tecido industrial, principalmente por

Entre a expansão e a crise Foto: Antoninho Perri

Para o professor José Carlos Braga, as dúvidas também afetam o Brasil: “Será que o país continuará sendo industrializado?”

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causa da valorização “fictícia” do real face ao dólar. Estamos perdendo competitividade e oportunidades de exportação”. A questão é reforçada, assinala Braga, até mesmo por mudanças incipientes. Exemplo é a recente movimentação do México, que até há pouco tempo não era considerado como participante do jogo competitivo internacional, por ser caracterizado como economia das “maquiladoras”, empresas apenas montadoras de partes e peças importadas, sem criação forte de valor agregado. “Nos últimos tempos, o México desvalorizou o peso e ganhou competitividade. Voltou a entrar no jogo, prometendo inovações tecnológicas. O país vai competir com a China pelo mercado dos Estados Unidos e da América Latina, o que representa uma clara ameaça ao Brasil, segundo analistas internacionais. Não é à toa que a presidente Dilma Rousseff está preocupada com a atual taxa de câmbio”, detalha o docente do IE. Uma terceira indeterminação relativa ao capitalismo contemporâneo, destaca o economista, diz respeito ao futuro das nações desenvolvidas. “O que vai acontecer com elas? Será que estão absorvendo aspectos do subdesenvolvimento? Atualmente, observamos um fenômeno relevante no mundo desenvolvido. De um lado, cresce o desemprego. De outro, aumenta a concentração da renda e da riqueza. O presidente Barack Obama, por exemplo, teve enormes dificuldades para promover uma reforma parcial no sistema de saúde dos Estados Unidos, país que soma 50 milhões de pessoas sem cobertura. O que dizer da desejada regulação financeira?”.

Desregulação Por último, mas não menos importante, Braga chama a atenção para um ponto fundamental nesse cenário de incertezas. Ele questiona se surgirá uma cooperação internacional capaz de regular o atual capitalismo, cuja desregulação contribuiu para a emergência da crise de 2007. “Isso não está à vista. Na Europa, cada país diz uma coisa. A situação da Grécia, por exemplo, foi levada ao limite. A saída para esse tipo de situação, a meu ver, seria constituir uma federação de nações europeias para promover uma ajuda mútua, a exemplo do que acontece no Canadá, onde as regiões mais ricas socorrem as demais, de modo que ocorra certo equilíbrio. Tal medida, repito, não está à vista, pois temos no mundo um sistema interestatal capitalista. Traduzindo, temos uma realidade na qual, além da competição entre os capitais, os estados nacionais competem entre si, defendendo seus interesses e poderes, inclusive com o uso de armas”. E qual seria o fórum adequado para o eventual estabelecimento desse tipo de cooperação internacional? Na opinião do professor da Unicamp, as alternativas naturais seriam a ONU, as organizações multilaterais como o Banco Mundial e o FMI. “Ocorre que nenhuma dessas instituições tem força e/ou representatividade suficiente para promover a aproximação dos países. Hoje, não podemos ter clareza se surgirá uma espécie de capitalismo regulado, no sentido de termos uma disciplina financeira”, entende Braga. O economista faz questão de registrar, porém, que toda essa problemática não significa afirmar que o capitalismo está caminhando para o colapso. “Não é nada disso. Estamos vivendo um período de tensão. São turbulências de um sistema dinâmico que recorrentemente fica entre a expansão e a crise”, esclarece. Em seu trabalho, Braga também faz uma análise do papel do Brasil no cenário internacional. Segundo ele, desde o advento do Plano Real, em 1994, o país adotou um novo padrão liberal de “desenvolvimento” do capitalismo, que por definição atende, sobretudo, aos interesses do capital. A questão da distribuição de renda e da riqueza, conforme esse modelo, é secundária. “A inflação está baixa e o país dá sinais de voltar a crescer. Nos últimos anos, tivemos uma melhora na distribuição de renda, através do aumento real do salário mínimo e dos programas de transferência do governo federal, como o Bolsa Família. Também experimentamos o aumento da concessão de crédito às famílias de baixa renda. Tudo isso fez com que o consumo crescesse e a economia crescesse junto. A despeito disso, cabe a pergunta: em que pé estamos? Com a taxa de câmbio altamente valorizada, penso que, agora sim, estamos diante do risco de desindustrialização. A saída contra esse tipo de ameaça é a adoção de um projeto nacional de desenvolvimento”, sustenta. O professor do IE prossegue dizendo que o país carece de uma política macroeconômica mais consistente do que a atual, que está baseada no tripé câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. “Esse modelo, que parece estar mudando no atual governo, tolhe o nosso desenvolvimento. O Brasil tem uma base industrial importante e um agronegócio igualmente forte. São condições que nos favorecem. Todavia, necessitamos de uma política industrial para valer. Carecemos também de uma política financeira que junte os bancos públicos e induza os bancos privados a financiarem o desenvolvimento de longo prazo. Aqueles que agissem assim poderiam pagar menos tributo, por exemplo. Outra missão importante é adotar políticas de desenvolvimento regionais, que sejam pensadas sob a lógica nacional. Não podemos continuar arcando com as negatividades geradas pela guerra fiscal entre os estados. Por fim, também não podemos deixar de adotar políticas sociais mais consistentes, que objetivem atender as necessidades da população nas áreas de saúde, educação etc, bem como promover a autonomia das pessoas que hoje dependem do Bolsa Família. Isso sem falar nos investimentos em infraestrutura, que são indispensáveis. Se não atuarmos nessas estratégias, correremos o sério risco de sofrer uma regressão histórica”, alerta Braga.


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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012 Foto: Antoninho Perri

A coordenadora do Disapre, professora Sylvia Maria Ciasca (centro), ao lado da fonoaudióloga Cíntia Alves Salgado Azoni e do neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima

Software melhora leitura e escrita de criança disléxica Fonoaudióloga desenvolve programa que pode ser usado em qualquer computador

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EDIMILSON MONTALTI

divulga@fcm.unicamp.br

esquisa realizada pela fonoaudióloga Cíntia Alves Salgado Azoni no laboratório de Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (Disapre), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, resultou no desenvolvimento do Programa de Remediação Fonológica (Prefon) para melhorar o desempenho da leitura e escrita em crianças com dislexia. Trata-se de um software utilizado como ferramenta de comunicação que funciona em qualquer computador. Os resultados foram tão positivos, conforme descritos na tese de doutorado “Programa de remediação fonológica, de leitura e escrita em crianças com dislexia do desenvolvimento”, que Cintia solicitou à Agência de Inovação Inova Unicamp a pro-

teção da tecnologia por meio de registro de programa de computador. A tese foi orientada pela neuropsicóloga e coordenadora do Disapre, Sylvia Maria Ciasca. As queixas de dificuldades de aprendizagem são comuns na infância e adolescência e motivam grande parte dos encaminhamentos por professores aos profissionais da saúde, com objetivo de avaliação, diagnóstico e intervenção. Em 1968, a World Federation of Neurology utilizou o termo dislexia do desenvolvimento para definir um transtorno manifesto por dificuldades na aprendizagem da leitura, apesar da instrução convencional, inteligência adequada e oportunidade sociocultural. O comprometimento da aprendizagem em crianças com dislexia relaciona-se principalmente a alterações de linguagem decorrentes de déficits no processamento da informação fonológica, acarretando atraso na aquisição e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Assim, a criança com dislexia encontrará dificuldade, principalmente na escola, onde permanece boa parte de seu tempo. As principais características observadas nestas crianças são: dificuldades na velocidade de nomeação de material verbal e memória fonológica de trabalho; dificuldades em provas de consciência fonológica (rima, segmentação e transposição fonêmicas); nível de leitura abaixo do esperado para idade e nível de escolaridade; escrita com trocas fonológicas e ortográficas; bom desempenho em raciocínio aritmético; nível intelectual na média ou acima da média; déficits neuropsicológicos em funções perceptuais,

Referência, Disapre promove fórum De 2006 a 2009, foram encaminhadas por ano 2.300 crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem ao laboratório de Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (Disapre) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Desse total, apenas 1,7% foi diagnosticada com os quadros de dislexia do desenvolvimento ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O primeiro relato de TDAH ocorreu no século XIX, descrito pelo médico inglês Still. O TDAH manifesta-se por alterações na atenção e no comportamento (hipe-

ratividade e impulsividade) que não são explicadas por outros transtornos ou problemas psicossociais em crianças. Segundo Sylvia Maria Ciasca, casos de dislexia e TDAH são raros e o diagnóstico não é simples. No Disapre, a criança ou adolescente passa por avaliações neuropsicológica, neurológica, psiquiátrica, psicopedagógica, fonoaudiológica e psicomotora. Além disso, são obtidas informações com a família e contato com a escola para levantar dados relevantes sobre o desenvolvimento escolar da criança. Com um diagnóstico bem feito, a equipe indica

memória, atenção sustentada visual e funções executivas. O Prefon traz estratégias de linguagem nas quais a criança com dislexia tem maior dificuldade como, por exemplo, a rima. Por ser o computador um atrativo motivador, foi feita uma parceria com alunos de mestrado do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp para o desenvolvimento dos paradigmas das atividades por meio de jogos para manter a atenção e o desempenho da criança. Participaram deste estudo 62 crianças, divididas em três grupos. O primeiro, com 17 crianças com dislexia, foi submetido ao programa de remediação. O segundo grupo de crianças, também com dislexia, não foi submetido ao Prefon. O terceiro, denominado de controle, foi composto por 31 crianças sem dificuldades de aprendizagem. As crianças do primeiro grupo passaram pelas etapas de prétestagem, treino e pós-testagem. O programa de remediação foi realizado em 20 sessões. A avaliação mostrou melhora significativa no tempo de nomeação automática rápida, em consciência fonológica, na velocidade de leitura e habilidades de escrita. Muitos pais também relataram aumento do interesse dos filhos pela leitura, que antes não existia. “O software tem atividades que podem ser utilizadas com uso de palavras do contexto cultural da criança. Pretendo fazer outras versões do programa para professores e pedagogos”, disse Cíntia. Segundo a fonoaudióloga, há também possibilidade do programa ser disponibilizado online na internet. O foco é a inclusão digital. Segundo o neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima, os disléxicos apresentam

as melhores formas de intervenções terapêuticas e tratamento. “Nós recebemos um grande número de crianças com diagnósticos falso-positivos a partir de questionários respondidos por pais e/ou professores. O diagnóstico deve ser feito por uma equipe interdisciplinar e não em 15 minutos de consulta. No caso do TDAH, somente depois de muitas avaliações é que chegamos à conclusão sobre o melhor procedimento interventivo, geralmente psicoterapêutico, medicamentoso e apoio educacional. Somente a medicação não garantirá a eficácia terapêutica”, alertou Sylvia. No dia 12 de abril, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, acontece o fórum “Dislexia e TDAH: Evidências científicas”. O evento será realizado pelo Disapre e conta com o apoio e participação de representantes das Associações Brasileiras de Psiquia-

também dificuldades em outras habilidades cognitivas, como a atenção e funções executivas. A atenção, segundo Ricardo, é a capacidade do indivíduo em selecionar no ambiente interno ou externo o que é mais relevante. As funções executivas se referem a um conceito multidimensional que envolve as habilidades cognitivas de áreas frontais do cérebro, como controle inibitório, flexibilidade mental, planejamento e uso de estratégias. Elas são ativadas quando o indivíduo tem que realizar qualquer atividade com um objetivo, como por exemplo, montar um quebra-cabeça. Lima é autor de dissertação, apresentada no ano passado, que revela que crianças com dislexia são mais propensas a ter depressão. O estudo avaliou 61 crianças com idade entre 7 e 14 anos, dividas em dois grupos: um com diagnóstico de dislexia e outro sem dificuldades de aprendizagem. “As crianças com dislexia relataram maior frequência de sintomas depressivos que crianças sem dificuldades, como avaliação negativa do próprio desempenho, sentimentos de culpa, ideação suicida, sentimentos de preocupação, dificuldades para dormir, problemas nas interações sociais na escola e comparação de seu desempenho com o de seus pares”, disse Ricardo.

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Tese: “Programa de remediação fonológica, de leitura e escrita em crianças com dislexia do desenvolvimento” Autora: Cintia Alves Salgado Azoni Orientadora: Sylvia Maria Ciasca Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

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tria, de Dislexia, de Neurologia e Psiquiatria Infantil, de Psicopedagogia, do Déficit de Atenção e Sociedades Brasileiras de Fonoaudiologia, de Pediatria, de Neuropsicologia e de Neurologia Infantil. Além disso, estarão presentes representantes de instituições e serviços públicos que mantêm atendimentos às crianças e adolescentes com dislexia e TDAH. De acordo com Sylvia, na atualidade torna-se cada vez mais importante a discussão a respeito destes temas. O TDAH é um transtorno neuropsiquiátrico causado por uma falha de neurotransmissão em determinadas áreas cerebrais. Em 2011, mais de 1.300 trabalhos científicos foram publicados em revistas especializadas nacionais e internacionais. O TDAH é um quadro grave que evolui em 80% dos casos para a idade adulta. Porém, quando bem diagnosticado, a intervenção garante a melhora na qualidade de vida destes indivíduos.

“O diagnóstico cumpre função específica e não deve ser classificatório ou estigmatizante. Serve para direcionar qual tipo de intervenção a ser feita, evitando até outros comprometimentos que essa criança possa vir a ter e levar para a fase adulta, como a depressão”, explicou Ricardo. O objetivo principal do Fórum será reunir especialistas de renome para buscar instrumentos mais fidedignos de diagnóstico, tratamento e intervenção, visando, principalmente, revisar a formação de profissionais que lidam com os problemas. “TDAH e dislexia são transtornos. Há excesso de medicalização em razão de diagnósticos incorretos. No entanto, toda a moeda tem duas faces e elas precisam ser vistas. A maioria das crianças atendidas no Disapre, por exemplo, tem dificuldade escolar e isto é um problema pedagógico e não neuropsiquiátrico”, reforçou Sylvia.


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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

A segunda geração do Matvox Fotos: Antoninho Perri

Aplicativo que ajuda de�icientes visuais a fazer cálculos complexos ganha novas funcionalidades MANUEL ALVES FILHO

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manuel@reitoria.unicamp.br

m 2010, o professor Luiz César Martini, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, orientou dissertação de mestrado, apresentada pelo estudante Julian Mauricio Prada Sanmiguel, que resultou no desenvolvimento de uma tecnologia batizada de Matvox, aplicativo voltado às pessoas com deficiência visual que necessitavam de uma ferramenta que as auxiliasse no aprendizado nas áreas de ciências exatas. A versão original, que já era apontada como um poderoso recurso para esse público, acaba de ser aperfeiçoada por outro orientado do docente, Henrique da Mota Silveira. “A segunda versão do Matvox conta com novas funcionalidades que incorporam principalmente cálculos de números complexos, matrizes e equações polinomiais”, explica o professor Martini. Dito de maneira simplificada, o Matvox é uma calculadora programável, que funciona acoplada a um editor de texto dotado de um sintetizador de voz que se comunica com o deficiente visual. Esta ferramenta, batizada de Dosvox, foi desenvolvida pelo professor Antônio Borges e equipe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela conta com cerca de 80 programas, tais como formatador para o sistema Braille, caderno de telefones, agenda, jogos diversos, navegador de internet, leitor de telas, entre outros. “Resolvemos utilizar o Dosvox por ser um programa com código aberto e de uso gratuito, que já vem sendo amplamente utilizado pelos deficientes visuais. Hoje em dia, aproximadamente 20 mil pessoas no Brasil, Portugal e América Latina já operam com ele”, esclarece o professor Martini. A primeira versão do Matvox, conforme o docente, já representou um grande ganho para os deficientes visuais, que não contavam com qualquer recurso do gênero. Entretanto, por causa de demandas apresentadas pelos próprios usuários, houve a necessidade de aperfeiçoá-lo. Assim, foram agregadas novas funcionalidades ao sistema. “A segunda versão do Matvox permite a realização de todos os tipos de cálculos matemáticos. Os usuários podem trabalhar com logaritmos, raiz quadrada, raiz cúbica, radiciação e até funções hiperbólicas, estas últimas específicas da área de engenharia. O aplicativo permite, ainda, trabalhar com tangente, cotangente, seno, cosseno etc. Ou seja, ele faz tudo o que uma calculadora científica faz, com a vantagem adicional de oferecer artifícios de programação”, detalha o professor Martini. Na prática, a tecnologia funciona da seguinte maneira. Primeiramente o usuário aciona o Dosvox em seu computador, que não precisa ter uma configuração robusta. Em seguida, abre Matvox, e o programa pergunta pelo nome do arquivo que o usuário deseja carregar ou criar. Por meio do teclado interativo, o usuário escreve os algoritmos e cálculos. Conforme vai digitando, o deficiente visual recebe informações sonoras através do sintetizador de voz. Após a execução do código produzido pelo deficiente visual, os resultados são obtidos. Es-

O professor Luiz César Martini: desenvolvendo tecnologias para promover a acessibilidade dos deficientes visuais

Usuária do Centro Louis Braille, de Campinas, testa o Matvox: ferramenta foi aprovada por eles

tes tanto podem ser salvos no diretório quanto transferidos para uma planilha semelhante ao Excel, que possibilitará a realização de outras atividades. “O processo é muito simples e autoexplicativo. Durante a pesquisa conduzida pelo Henrique Silveira, ele fez uma avaliação do uso da ferramenta por parte dos deficientes visuais e pode constatar que eles não tiveram grandes dificuldades para operá-la”, diz o docente da FEEC. Os testes ocorreram no Centro Cultural Louis Braille de Campinas (CCLBC). A nova versão do Matvox já está disponível para ser baixada gratuitamente pelos interessados no seguinte endereço eletrônico: http://www. decom.free.unicamp.br/~martini. O professor Martini destaca que nem ele nem seu orientado se preocuparam em pedir registro de patente sobre a tecnologia porque a intenção jamais foi a de transformá-la em produto comercial. “Normalmente, os deficientes visuais são pessoas com baixo poder aquisitivo. Não faria sentido cobrar pelo Matvox”, pondera. Ele revela que a sua equipe continua trabalhando no aprimoramento do aplicativo, bem como no desenvolvimento de novos recursos voltados aos deficientes visuais. “Como o professor Antônio Borges, da UFRJ, também está lançando a segunda geração do Dosvox, nós já estamos atuando no sentido de incorporar a ele a versão dois do Matvox”. Também em parceria com o do-

cente da UFRJ, a equipe do professor Martini tem conduzido um trabalho que objetiva conceber uma ferramenta computacional que reproduza as mesmas funções da mais completa calculadora financeira disponível comercialmente, a HP12C. “Estamos fazendo isso também por solicitação dos deficientes visuais, que encontram enormes dificuldades para trabalhar na área de Ciências Contábeis”, esclarece o professor Martini. Segundo ele, a tecnologia deverá receber o nome de Finavox. “Atualmente, meus trabalhos estão todos voltados para as necessidades dos deficientes visuais. Conto com seis orientandos, e todos eles estão envolvidos nessa missão”, acrescenta. Henrique Silveira destaca a motivação de ter trabalhado na pesquisa. “Eu me sinto realizado em ter colaborado e desenvolvido meu projeto de mestrado em meio de uma causa tão importante e carente de incentivos. Com os novos recursos do Matvox, muitas pessoas com deficiência visual poderão aprender e praticar temas mais profundos da matemática”. Sobre expectativas futuras acerca do aplicativo, Henrique espera que aumente a inserção de pessoas com deficiência visual no âmbito das ciências exatas, propiciando que surjam futuros profissionais engenheiros, arquitetos, físicos e matemáticos. “As pessoas com deficiência visual necessitam de recursos alternativos para alcançar as mesmas possibilidades de

uma pessoa dita normal. O Matvox foi concebido para oferecer meios para os estudos desse público nas áreas de ciências exatas”, reforça.

Acidente A dedicação do professor Martini a essa linha de pesquisa está intimamente ligada à sua história pessoal. Em 1995, durante uma viagem ao Canadá, ele sofreu um acidente e ficou cego. Ao retornar ao Brasil, teve que se submeter a programas de reabilitação para aprender a conviver com sua nova condição. “Como sempre trabalhei com compressão de imagens, voltei a atuar nessa área. Com o tempo, porém, percebi que não havia nenhum recurso computacional relacionado com matemática que fosse dirigido aos deficientes visuais. Em 2004, tentei produzir algo do gênero com a participação de um aluno de iniciação científica, mas a ideia não vingou. Retomei o projeto em 2006, com o auxílio de um orientado. Na ocasião, desenvolvemos um leitor de telas”, relata. Por causa da cegueira, o docente da Unicamp passou a ter contato com outros deficientes. A história de dois deles reforçou a disposição do professor Martini em pesquisar soluções no segmento de acessibilidade. “Esses dois deficientes haviam ingressado na Universidade, um no curso de Matemática e outro no de Física. Ambos cursaram somente o primeiro ano. Tiveram que desistir porque não

contavam com ferramentas que pudessem auxiliá-los no momento de realizarem cálculos. Então, eu resolvi aprofundar ainda mais meus trabalhos nessa área. Antes de iniciarmos o desenvolvimento de programas e aplicativos especificamente para os deficientes, eles contavam apenas calculadoras que ‘falavam’, o que não ajudava muito”. Ao comparar os procedimentos de um vidente com os de um cego, o pesquisador concluiu que precisava criar algo que pudesse substituir o registro dos cálculos em papel. Explicando melhor. Quando uma pessoa que enxerga está fazendo um cálculo, ela olha para a equação registrada no papel, digita os números na calculadora e registra o resultado no papel. “No caso de um cego, não basta ter uma calculadora que ‘fala’, visto que ele é obrigado a memorizar todas as fórmulas. Como se não bastasse, ele também tem que memorizar todos os passos da operação. Cadê o papel para ele registrar e poder raciocinar? Para o deficiente visual, os ouvidos funcionam como olhos. Foi aí que me surgiu a ideia de substituir o papel nesse processo. O passo seguinte foi trabalhar na formulação de um aplicativo que pudesse funcionar acoplado a um editor de texto dotado de sintetizador de voz. Felizmente, a ideia se mostrou exequível e surgiu o Matvox”, narra o professor Martini. Segundo ele, recursos como a tecnologia desenvolvida na FEEC são fundamentais, pois permitem que os deficientes visuais ingressem e se mantenham na carreira desejada, no caso as relacionadas às áreas de ciências exatas. “Eu conheço muitos cegos que tinham interesse em estudar Física e Matemática, mas acabaram optando por outros cursos, como Direito e Línguas, porque encontraram grandes dificuldades para abraçar as carreiras originalmente desejadas. Para estudar um idioma estrangeiro, por exemplo, o deficiente visual necessita, como ferramentas fundamentais, um dicionário e um editor de texto específicos. Felizmente, esses recursos já estão disponíveis e são acessíveis à maioria dos interessados. No caso de quem precisa trabalhar com cálculos, porém, a situação é bem diferente”, reforça.

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Dissertação: “Aperfeiçoamento da ferramenta Matvox: um aplicativo para pessoas com deficiência visual que proporciona a implementação de algoritmos e cálculos matemáticos em um editor de texto” Autor: Henrique da Mota Silveira Orientador: Luiz César Martini Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)

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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012 Foto: Antoninho Perri

A diretora do Arquivo Central e coordenadora do Sistema de Arquivos (Siarq) da Unicamp, Neire do Rossio Martins: desenvolvimento pessoal e profissional

Neire e o lugar da memória Há 30 anos na Unicamp, bibliotecária revela em dissertação como nasceu o Siarq MARIA ALICE DA CRUZ

L

halice@unicamp.br

ouis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) e Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), precursores da fotografia, se orgulhariam de constatar que a ideia de “congelar” imagens se tornou um benefício para a sociedade. A história congelada dá sentido à história viva desde que alguns especialistas decidiram acondicionar tantos frutos de daguerreótipos (instantâneos, fotografias, audiovisuais) em um grande arquivo. Esse prazer de colecionar histórias para recontá-las faz brilhar os olhos da diretora do Arquivo Central e coordenadora do Sistema de Arquivos (Siarq) da Unicamp, Neire do Rossio Martins, quando, antes da entrevista, abre o grande acervo de fotos constituído pela Unicamp. O envolvimento diário e intenso com tantos documentos imagéticos, sonoros e textuais sobre a Universidade, há quase 30 anos, motivaram a dissertação intitulada “Memória Universitária: o Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (1980 - 1995)”, orientada pela professora Maria do Carmo Martins, da Faculdade de Educação (FE). Um dos motivos de orgulho para ela foi ter em sua banca as professoras Heloisa Rocha, da FE, e Heloisa Liberalli Bellotto, reconhecida arquivista brasileira. A dissertação dá conta de mostrar a trajetória do Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp pelas mãos de quem o coordena desde sua instalação. As trajetórias de Neire e do Siarq confundem-se desde o início da década de 1980, quando, ainda aluna do curso de Biblioteconomia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), ela decidiu bater à

porta de algumas bibliotecas. Começou pela infantil, depois procurou a escolar, até que, ao decidir pela universitária, foi acolhida rapidamente pela Biblioteca Central da Unicamp, na época comandada pela bibliotecária Maria Alves de Paula Ravaschio. Os recursos de fundo de garantia recebidos de uma empresa privada em que havia atuado anteriormente, na área de contabilidade, ajudariam a se manter durante o estágio na área do conhecimento escolhida. Dois anos depois, já comemorava a contratação pelo Ibict para dar continuidade no trabalho na Biblioteca Central. Na BC, fez de tudo: catalogação, atendimento, fichário, compra, distribuição de revistas na biblioteca. Como bolsista do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), também ficou incumbida de cuidar da área de microfilmagem do Catálogo Coletivo Nacional na região de Campinas, assessorando órgãos públicos como Coopersucar, Instituto de Zootecnia e Unicamp. Ainda bolsista e bibliotecária da BC, foi convidada pelo professor Ataliba Teixeira Castilho, professor de linguística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), para desenvolver, em 1983, o projeto da divisão de documentação do Centro de Informação e Difusão Cultural (Cidic), na época ainda nos autos do estatuto da Universidade, redigido em 1969. Castilho foi o grande mentor do projeto de reestruturação da BC, em 1983,quando, ao voltar de um intercâmbio de pesquisa na Universidade do Texas, sugeriu a reformulação. Diante do aceite, Neire arregaçou as mangas e se dedicou a conhecer um novo universo de conhecimento, dessa vez, o da arquivologia, o qual introduziu um novo conceito de tratamento de documentos na Universidade. O conjunto de documentos permanentes reunidos pela Unicamp, imagéticos e escritos, entusiasma Neire até hoje. “Olha, como eram as formaturas coletivas”, diz, ao contemplar imagens da década de 1980. Ou a foto de lançamento da primeira pedra fundamental, na Fazenda Santa Cândida, em 1964. “Este evento reuniu várias pessoas envolvidas no movimento em prol da instalação de uma Faculdade de Medicina de Campinas”, declara. O início da formação do acervo arquivístico da Divisão de Documentação já foi bastante instigante, por se ver diante de 50 mil processos dos séculos 18 e 19, do Tribunal de Justiça de Campinas, incorporados por comodato pela Unicamp, em 1985. Aos poucos, chegaram os acervos de Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Duarte, Zeferino Vaz, Sérgio Porto, Cesar Lattes e tantos outros. Um capítulo da dissertação é dedicado a contar como se deu a formação do acervo de documentos que compõe o Arquivo Central. Com chegadas e partidas, como revela Neire. “O conjunto do Tribunal

integra hoje o Centro de Memória, e o de Paulo Duarte, o Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae).” Aos poucos, o “lugar de memória” se legitimava também como órgão administrativo e acadêmico.

Zelo A equipe do Siarq tem o trabalho e ao mesmo tempo o privilégio de cuidar de todos os documentos preserváveis da Unicamp, desde processos de vida acadêmica de seus quase 30 mil alunos até documentos científicos. Tudo deve receber tratamento zeloso desde a descrição até o manuseio e o acondicionamento. A pesquisa histórica sobre a criação do Arquivo Central levou em conta o contexto brasileiro sobre os arquivos, mas seu foco principal circundou o contexto da própria Unicamp, na década de 1980. Nesse aspecto, ressalta a crise de 1981, quando ocorreu a intervenção em algumas unidades, o processo de institucionalização, que ocorreu em seguida, coordenado pela Assessoria de Desenvolvimento da Unicamp (ADU), criada pelo reitor José Aristodemo Pinotti e liderado pelo professor Paulo Renato Costa Souza. Nesse interim, o Arquivo Central foi sendo implementando com um novo foco arquivístico para a época, mais voltado para a gestão de documentos, que abrangeria os documentos correntes, produzidos nos escritórios dos órgãos e unidades no dia a dia. Para tanto, houve a necessidade de se criar um modelo sistêmico de gestão, que envolvesse mais ativamente as unidades e os órgãos, sob a coordenação de um órgão central. Em 1989, em reunião do Conselho Universitário (Consu), a divisão se tornaria o Sistema de Arquivos do Arquivo Central da Unicamp (Siarq). Como entidade organizacional, o arquivo apoia a construção de memórias, na medida em que trata e dispõe acervos documentais, segundo a pesquisadora. “Quando orienta a produção de documentos, o arquivo tem poder de construir, enquadrar e modificar memórias. Além disso, ele orienta ou pratica a avaliação de documentos, elabora arranjos e descreve documentos, dá publicidade ao acervo e organiza exposições, apoiando festividades e comemorações”, acentua. Para Neire, a Universidade percebeu a necessidade de manter e conhecer seu passado. Na década de 1980, mesmo marcada por profundas reformas institucionais, era preciso garantir que os documentos da Unicamp, desde sua criação, fossem preservados, organizados e disponíveis para pesquisa. “A época era também de redemocratização do Estado brasileiro, e isso incluía a disposição de informações públicas, de modo a reforçar a criação desse espaço na Unicamp”, afirma. Para tratar de memórias e esquecimentos, Neire buscou alguns casos ocorridos

na Unicamp, entre os quais o marco de aniversário, comemorado em 1966, quando o primeiro vestibular foi em 1963. “Aquela foto da pedra fundamental de 1964 ficaria fora de um processo de divulgação da memória? Isso mostra que a memória pode ser formatada”, avalia Neire, para quem não há identidade sem memória. A iniciativa de ter um espaço especialmente destinado a gerenciar e preservar documentos não é muito comum em instituições, o que pode causar alguns infortúnios e desespero no momento de investigação política, administrativa e científica. Isso faz com que a equipe do Siarq não somente organize as unidades da Universidade em comissões setoriais como também participe de grupos internacionais de arquivologia, como o Interpares, destinado à discussão de sistemas de preservação de documentos digitais. Diante de tantas oportunidades para desenvolvimento pessoal e profissional, como não dizer que é feliz por ter sido aceita e permanecer na Universidade? “Sou feliz de verdade e, além de me realizar como profissional pós-graduada pela Unicamp, por estar aqui, pude me especializar na Universidade de São Paulo (USP); na PUC-Campinas, em ciência da informação; e no Instituto de Matemática, Estatística e Ciência Computacional (Imecc) da Unicamp, em qualidade”, comemora. Sentar-se à mesa para se fartar de conhecimento foi uma experiência que a fez ver a Universidade por outro prisma, apesar de conhecê-la como a palma da mão de um arquivista. “Gosto muito da Unicamp. Ela abriu as portas profissional e academicamente. E pretendo chegar ao doutorado”, aspira. Escrever em pedras, desenhar estratégia de caça, tentar provar a forma geométrica da Terra. O homem sempre teve algum símbolo para registar sua história. E Neire lembra que, de fato, se a memória não for transmitida, ela não existe. Ela reflete que, com a dificuldade de manter a memória, mesmo tendo acesso à pena e aos daguerreótipos e, mais tarde, à informática e à captação e impressão digital, o homem precisou criar o espaço sistematizado da memória. Este espaço pode estar na biblioteca, no arquivo, no museu, numa placa comemorativa e em muitos outros ambientes. Até hoje, este espaço dá conta de organizar o velho e o novo para que eles se encontrem e contem a história um do outro. Ou seria um ao outro?

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Dissertação: “Memória Universitária: o Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (1980 - 1995)” Autoria: Neire do Rossio Martins Orientação: Maria do Carmo Martins Unidade: Faculdade de Educação (FE)

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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

Tese aponta relevância de redes ‘alternativas’ de conhecimento Fotos: Antoninho Perri

Trajetória do CTI fundamenta pesquisa etnográ�ica desenvolvida por antropóloga

Linha do tempo destaca marcos

MARIA ALICE DA CRUZ

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halice@unicamp.br

trajetória do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, fundado em 1982, é objeto de estudo de tese de doutorado dedicada à importância das redes de relacionamento para divulgar e desenvolver pesquisas. Ao ter como atores da sua etnografia colegas de seu próprio ambiente de trabalho, a autora da tese Tânia Cristina de Lima constatou que as redes de conhecimento podem ser alternativas (criadas pelo próprio pesquisador) ou formais (institucionalizadas pelo centro tecnológico). O estudo foi desenvolvido no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Na opinião da antropóloga, as redes sociais constituídas para várias finalidades tomam novos formatos e objetivos que servem para troca de informações, busca de emprego ou simplesmente para ampliar o círculo de amigos. No caso do CTI, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), os cientistas formam redes para circular o conhecimento obtido nas pesquisas, trocar informações ou complementar seus trabalhos. “No mundo atual, principalmente, os pesquisadores precisam estar em contato com o global com rapidez e eficiência”, ratifica Tânia. Ao acompanhar a rotina de um laboratório do CTI, Tânia constatou que o cientista pode ter o desenvolvimento de sua pesquisa facilitado pela formação de redes “alternativas”, manter seu perfil profissional de servidor público e seguir as políticas de ciência e tecnologia de seu empregador, no caso o governo. A etnografia possibilitou identificar uma rede exclusiva, com desenho um pouco diferente das conhecidas. Ao centrar suas observações nas redes criadas por um cientista, descobriu que o funcionário estabeleceu laços com a comunidade interna, com professores e profissionais ao redor do mundo, de acordo com suas necessidades, sem precisar que esses laços fossem alimentados constantemente. A soma de todos esses relacionamentos em rede trouxe benefício para todos os envolvidos. “Ao olhar para o desenho desta rede, percebemos quais contatos foram importantes para a formação do pesquisador”. Nessa rede, há diversos tipos de relacionamentos, entre eles os que foram estabelecidos por amizade, por reconhecimento científico ou institucional, mostra que este funcionário, na condição de pesquisador, pode buscar outros contatos, estabelecendo sua própria rede. Esta rede é acionada em diversas ocasiões, de acordo com a necessidade do momento ou do tipo de informação que precisa atualizar. “Por exemplo, quando precisa se inteirar sobre um tema particular de sua área de formação, ele aciona seus contatos com a Universidade de Reading, no Reino Unido e, se as informações que deseja se referem ao tema de pesquisa atual, ele aciona os canais criados no Canadá com a University of Western Ontario”, acrescenta Tânia. A pesquisadora ressalta que sem

Acima e abaixo, pesquisadores em salas e laboratórios do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer: etnografia possibilitou identificar rede exclusiva

A antropóloga Tânia Cristina de Lima, autora da tese: “É preciso abandonar a concentração de capacidades”

a existência do CTI, a rede formada pelo pesquisador não teria sentido, pois atrás desse funcionário, há uma história de uma instituição bemplanejada com referência nacional, dentro de um ministério. Segundo Tânia, há uma agilidade na construção dos relacionamentos que tem garantido vários benefícios para as pessoas e as instituições. Por outro lado, ela constatou que sem o esforço do cientista, não é possível manter uma rede. “É preciso que centros como o CTI olhem mais para esses cientistas que se esforçam e buscam com recursos próprios participar de workshops e eventos internacionais e viagens para divulgar o seu trabalho. Não há verbas para todos os pesquisadores que precisam desenvolver parte de sua pesquisa fora do país”, ressalta. No caso específico do CTI, todas

as divisões mantêm redes formais com outras instituições nacionais e internacionais. Mas diferente da rede alternativa, em que a iniciativa é individual, a rede é protagonizada por diversos atores da unidade. Por meio de desenhos de diferentes redes obtidos com a observação da rotina de profissionais de diferentes áreas do CTI, Tânia mostra que as redes contam com atores de diferentes faixas etárias e as relações são constituídas por aproximação de interesses. “Nem todos os participantes de uma rede se relacionam. Há jovens pesquisadores que vão interagir apenas com docentes, pesquisadores mais experientes que desenvolvem pesquisas que tenham a ver com o que estão estudando”, explica Tânia. A partir do que foi observado durante a pesquisa, Tânia avalia que o

CTI poderia intensificar atividades que promovam o compartilhamento dos saberes, com equipes multidisciplinares auto-organizadas, proporcionando interações sociais entre seus grupos distintos e oferecendo contextos apropriados para a criação de conhecimentos inovadores em sinergia com atores diversos, capazes de materializar seus projetos de sucesso. “É preciso abandonar a concentração de capacidades. A área de software deve trocar informações e pesquisas com as áreas de hardware, com a microeletrônica e assim por diante. Essa interação entre os grupos distintos dentro de contextos apropriados deve ser privilegiada para fortalecer a instituição”, ressalta. Ela acredita que, para sobreviver, a instituição precisa que os gestores olhem para a importância das pesquisas e os laboratórios do centro. Uma área que necessita ser ampliada é a de recursos humanos, já que o centro conta com a evasão de cientistas desde a década de 1990. “Muitos bolsistas concluem a pós-graduação e são absorvidos pelo setor privado”, esclarece. A expectativa é que o quadro de cientistas seja ampliado com o Programa Ciência sem Fronteiras, que, a seu ver, colabora para que os cientistas retornem às suas áreas de formação e trabalho. A falta de concursos pode levar ao envelhecimento da mão de obra, na opinião de Tânia, entretanto, há uma predisposição por parte de profissionais próximos da aposentadoria para capacitar jovens cientistas. “Grande parte dos doutores do CTI orienta teses em universidades”, enfatiza.

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Tese: “Produção do conhecimento científico brasileiro: o caso de uma instituição de pesquisas em Campinas” Autoria: Tânia Cristina Lima Orientação: Guilhermo Raul Ruben Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

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Rodovia Dom Pedro I, KM 143,6. Muitos que passam por este endereço, no Bairro Amarais, em Campinas, ignoram o fato de que ali foram realizados testes com a urna eletrônica que mudou a história do processo eleitoral brasileiro. Também pode não ser do conhecimento da maioria os experimentos realizados com o Projeto Cognitus, que viajou na nave Soyuz para Estação Espacial Internacional, em 2006. A lista de acontecimentos importantes que contaram com a participação de cientistas e estudantes do CTI está disposta em uma longa linha do tempo do centro de tecnologia, que começa em 1984, em uma casa modesta, na Rua Roxo Moreira, em frente da Reitoria da Unicamp. Neste endereço, funcionava o Laboratório de Microeletrônica, que hoje é uma parte importante da vasta área ocupada pelo CTI, ocupando quase 33% de seu terreno. O espaço abriga a maior sala limpa para pesquisa e desenvolvimento do Brasil, na qual a antropóloga Tânia atua. Compõe de sua linha do tempo os primeiros estudos de viabilidade de produção dos displays com aplicação desde relógio até computador. O Projeto Invesalius, um software livre e público usado para tratamento de imagens médicas, está entre os feitos do centro de tecnologia, assim como o projeto multiusuário para o desenvolvimento de circuitos integrados e o de display para laptops. A casa foi ficando pequena para tantas ideias e missões, segundo a pesquisadora, e foi preciso ampliar não somente o espaço, mas o leque de parcerias. “A missão inicial do CTI, composto por microeletrônica, automação, robótica e computação, ficou extensa para poucos cientistas darem conta”, relembra. Aos poucos, as redes foram sendo formalizadas e a relação com a comunidade científica, intensificada. Nesse percurso, a instituição ganhou identidade, adequou suas pesquisas, criou uma fundação de apoio e sobreviveeu às mudanças políticas. A interação com a sociedade, porém, ainda precisa ser aprimorada por meio de estratégias de divulgação, acredita Tânia. “Hoje, passamos pelo crivo do Ministério para divulgar nosso trabalho. O CTI participa de projetos importantes para a sociedade, produz conhecimento que também precisa ser transmitido”, analisa. De acordo com Tânia, atualmente o CTI é uma das 19 unidades de pesquisas do MCT distribuídas no Brasil. “As unidades de pesquisa estão diretamente ligadas ao ministro e funciona de acordo com as diretrizes dessa política”, acrescenta. Entre os avanços permitidos pela política do governo está a oficialização, em outubro de 2010, da criação do CTI-Tec, um parque tecnológico que tornará viável a sinergia entre empresas e entidades de pesquisa que atuem em setores tecnológicos de ponta por meio do compartilhamento de infraestrutura, conhecimentos e tecnologias e serviços de alto conteúdo tecnológico na área e tecnologia da informação e Comunicação (TIC). Na opinião de Tânia, a dinâmica de funcionamento do CTI-Tec é uma boa mostra de conhecimento desenvolvido em rede.


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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

Mais saborosas, mais

Nas n bas nocivas ca

Pesquisa desenvolvida na FEA revela que consumidor prefere salsicha com maiores teores de sódio

Fotos: Antoninho Perri

RAQUEL DO CARMO SANTOS

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kel@unicamp.br

esquisa desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) aponta que a salsicha com os maiores teores de sódio são as mais saborosas para o consumidor. Nas amostras de seis diferentes marcas representativas nos supermercados de Campinas, a engenheira de alimentos Juliana Cunha de Andrade chegou a encontrar produtos com o dobro de sódio, se comparadas entre si. E justamente aquelas com as médias mais altas, em torno de 1.400 miligramas em 100 gramas, foram as indicadas como preferidas pelos 112 consumidores que participaram da avaliação sensorial. É importante lembrar que a ingestão de sódio não faz bem à saúde se for considerado que a legislação brasileira estabelece os valores diários de referência em 2.400 miligramas. A engenheira de alimentos lembra ainda que a ingestão de sódio em excesso e alguns fatores como obesidade, estresse e vulnerabilidade genética, podem provocar a hipertensão arterial. Por isso, especialistas recomendam o consumo de cinco a seis gramas por dia de sal para se evitar este tipo de problema. A principal fonte de sódio na dieta é o cloreto de sódio, o sal comumente utilizado na cozinha. Ele

é composto por 40% de sódio e 60% de cloreto. Segundo a pesquisa, o consumidor também deseja encontrar no produto o aroma e o sabor defumados. “Eles relataram ainda a importância do sabor de salsicha na hora de escolher a marca no supermercado. Mesmo sendo algo subjetivo, acredito que estejam se referindo a produtos cuja formulação é bem diferenciada das demais, feitas em geral com maior porção de carne”, explica Juliana. O item que não foi bem aceito pelos voluntários da pesquisa foi a arenosidade, ou seja, aquelas salsichas que possuem pedaços endurecidos, bastante perceptíveis em determinadas marcas. A análise feita pela engenheira de alimentos, orientada pela professora Helena Maria André Bolini, envolveu a avaliação das características sensoriais de aparência, aroma, sabor e textura. Destes, a pesquisa indicou que só a aparência não conta para a aceitação do produto, pois foi o único atributo que não apresentou resultados

A engenharia de alimentos Juliana Cunha de Andrade, autora do estudo, e amostra de salsicha analisada (destaque): informações importantes para a indústria

significativos que apontassem uma contribuição positiva ou negativa. Para chegar aos resultados das preferências com exatidão, os dados do teste de aceitação foram cruzados com os realizados na análise descritiva quantitativa realizada com uma equipe de 11 provadores treinados. “Estas informações são importantes para os fabricantes que desejam agradar o seu público. São valiosas na medida em que representam uma resposta direta

do consumidor de qual componente espera encontrar no produto”, argumenta Juliana, lembrando que a produção de embutidos cresce a cada dia por conta das facilidades no preparo e preço acessível. O estudo indicou outras opções dos consumidores. Por exemplo, consumir a salsicha na forma de cachorro quente. Aproximadamente 70% dos voluntários disseram ingerir a salsicha com pão e todos aqueles

outros ingredientes que tornam o lanche substancioso, o que justifica os 58% que consomem a salsicha fora de casa e em ambulantes (carrinhos de lanche). Apenas 27% dos entrevistados consomem salsicha em casa, e 24% preferem o preparo com molho de tomate. Ainda dentro do perfil de escolha do consumidor, o embutido está entre as opções de 30% dos participantes do estudo. Eles consomem o produto, pelo menos, uma vez por semana. Já 40% dos entrevistados relataram que a salsicha faz parte de suas refeições uma vez a cada 15 dias, e só 2% deles não mantêm a salsicha no cardápio. A maioria dos voluntários do estudo era jovem na faixa etária entre 18 e 25 anos. Além disso, as análises físico-químicas também realizadas no presente estudo trouxeram outras informações sobre os produtos como, por exemplo, a variação da concentração de carboidratos. “Teve amostra com 3,2 gramas por 100 gramas até 9,4 gramas por 100 gramas. Neste último caso, as concentrações estão acima do permitido pela legislação, que seria 7,0%”, afirma a engenheira de alimentos que também desempenha a função de pesquisadora no Centro de Tecnologia de Carnes do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). A gordura foi outro item bastante diferenciado. Mesmo estando dentro do limite máximo indicado pela legislação, que é de 30%, em uma amostra a concentração de gordura era de 10,9 gramas por 100 gramas, enquanto em outra o teor salta para 25,3. No caso da proteína, em uma das amostras a quantidade foi inferior, o que significa que se utilizou menos carne na formulação.

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Dissertação: “Aspectos de qualidade para caracterização de salsichas comerciais” Autor: Juliana Cunha de Andrade Orientadora: Helena Maria André Bolini Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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Floreio legitima capoeira, defende educadora física Para autora de dissertação de mestrado, movimentos são fundamentais para a identidade do jogo Mais do que movimentos bonitos e de execução trabalhosa, o floreio na roda de capoeira constitui um elemento fundamental de identidade do jogo, conforme define a capoeirista e educadora física Lívia de Paula Machado Pasqua. Para ela, se não tem o floreio, não tem capoeira, tamanha a importância destes gestos e movimentos para o capoeirista. “O floreio é o brilho, é a flor da capoeira”, argumenta. Existem, no entanto, opiniões divergentes sobre o assunto, visto que muitos grupos utilizam o floreio de forma exacerbada e a capoeira, com suas características e forma próprias, se torna uma sucessão de acrobacias, com o objetivo de ganhar visibilidade nas apresentações. Mesmo com uma trajetória de 12 anos como capoeirista, Lívia tinha uma visão diferente sobre o floreio, mudada completamente após de-

senvolver pesquisa de mestrado na Faculdade de Educação Física (FEF), com a orientação do professor Marco Antonio Coelho Bortoleto. Ela foi a campo e entrevistou oito especialistas entre mestres e capoeiristas de maior representatividade no Estado de São Paulo. Cruzou informações contidas nos livros e analisou o material colhido para entender os sentidos e significados desses gestos tão marcantes, presentes desde o início da capoeira e utilizados pelos escravos para esconder que estavam lutando. Se, antes do estudo, pedissem para que Lívia definisse o floreio, ela diria simplesmente se tratar de um conjunto de belos movimentos que todo capoeirista faz. Alguns para mais, outros para menos. “Mas, ao longo da pesquisa, percebi uma perspectiva maior do floreio. É muito mais do que dar um salto. São movimentos ousados que permitem ao capoeirista criar e produzir com liberdade. Não é algo padronizado, como no caso dos golpes que possuem uma forma definida”, exemplifica. Nos depoimentos colhidos para análise, Lívia observou que cada capoeirista tem sua forma de florear e possui movimentos bem pessoais. Muitos gestos consistem em pequenas variações uns dos outros, mas todos com características próprias. Em todos os casos, os entrevistados manifestaram a importância do floreio, mas muitos não conseguiram encontrar

palavras para descrever o sentimento durante a performance. “Teve mestre que se emocionou apenas de falar da prática”, lembra. Para além dos gestos, Lívia acredita ainda que o floreio esteja presente nos instrumentos pertinentes da capoeira, no canto dos músicos e, até mesmo, no andar do capoeirista, que também constituem elementos fundamentais de caracterização da capoeira. Esta perspectiva ampla, na opinião da educadora física, seria justamente o que confere à capoeira sua faceta artística. “Não é algo que possa ser ensinado, mas sim criado. É a expressão da sua vida que a pessoa coloca na roda”, analisa. Lívia destaca ainda que esta marca na gestualidade só foi possível porque a roda de capoeira passou por profundas transformações ao longo dos anos. “Ela se mantém viva e acredito ser um jogo em constante transformação, pois ainda há espaço para mudanças”, avalia. O estudo traz ainda uma pesquisa bibliográfica sobre o papel do floreio em outras manifestações artísticas como o frevo e coreografias de escolas de samba. (R.C.S.)

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A educadora física Lívia de Paula Machado Pasqua: “O floreio é o brilho, é a flor da capoeira”

Dissertação: “O floreio na capoeira” Autor: Lívia de Paula Machado Pasqua Orientador: Marco Antonio Coelho Bortoleto Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) Financiamento: Capes

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Foto: Antoninho Perri

Do metal ao carbono, da Unicamp a Cambridge Pedro Alves da Silva Autreto (à dir.), autor da tese, com o professor Douglas Soares Galvão, orientador: ferramentas teóricas

Jovem �ísico do IFGW ganha projeção internacional com pesquisas na área de nanoestruturas CARMO GALLO NETTO

N

carmo@reitoria.unicamp.br

ão é fácil tornar palatável ao leitor não especialista assuntos que envolvam tratamentos computacionais. Neste terreno, talvez, os temas referentes às nanotecnologias sejam os que ofereçam maiores dificuldades. Em vista dessa recorrência, surpreende encontrar pesquisadores da área que consigam apresentar seus trabalhos de forma inteligível e didática para outros profissionais e até mesmo para leigos. A surpresa é maior quando se depara com um estudioso que, além de realizar trabalhos de ponta em grupo de prestígio internacional, tem significativo número de publicações em periódicos de primeira linha e participação constante em congressos de prestígio internacional. E que, além de tudo, revela-se um especialista antenado com seu tempo, ligado a atividades extracurriculares, preocupado com o desenvolvimento social e as relações humanas, orgulhoso de seu grupo de pesquisa e que vê como altamente amigáveis e fundamentais as relações com seus pares, professores e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Essa é a imagem que se tem do jovem físico Pedro Alves da Silva Autreto, do grupo orientado pelo professor Douglas Soares Galvão, do Departamento de Física Aplicada, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Logo no início da tese – em que sugere novas nanoestruturas e caracteriza suas propriedades –, Autreto lembra que a nanotecnologia teve seu início simbólico em palestra proferida em 1959 pelo físico Richard Feynman, que ganharia o Prêmio Nobel em 1965. Sob o tema “Há muito espaço lá embaixo”, Feynman destacava a possibilidade de criação de novos materiais, desenhados especialmente com o objetivo de apresentar determinadas propriedades eletrônicas. Desde então, grandes avanços têm sido feitos e começaram a ser produzidas estruturas antes nunca imaginadas ou tidas como altamente improváveis. As propriedades dessas estruturas suscitaram uma grande gama de aplicações em que assume particular interesse a utilização da condutância quantizada, ou seja, a condução que não ocorre de forma contínua, mas se dá segundo determinados platôs energéticos, os quanta. A busca por estruturas com propriedades únicas e desejadas se tornaram incessantes, ampliando-lhes a presença no cotidiano. Esse avanço tem exigido cada vez mais o

emprego de ferramentas teóricas que possam ajudar na previsão da forma de obtê-las e das condições de formação e, também, na determinação da geometria, da condutância e das demais características eletrônicas que lhe estão associadas e que determinam seus usos. Neste contexto, as simulações computacionais ganham destaque no estudo teórico das nanoestruturas, facilitadas pelo poder cada vez maior dos computadores e pelo fato de envolver sistemas, em geral, constituídos de poucos átomos. O pesquisador focou então seu trabalho no estudo e sugestões de novas estruturas nanométricas compostas de metal ou de carbono. Ele explica: “Fiz simulações que possibilitaram a reprodução, por processos computacionais, de nanoestruturas já obtidas experimentalmente: nanofios de platina, prata e ouro; nanotubos de metais e de carbono; e ainda do grafeno – que constituem as estruturas mais importantes da nanotecnologia atualmente. Depois de simular as estruturas já conhecidas, propus outras possibilidades de materiais a partir delas”. Mais ainda: várias das simulações possibilitaram respostas a problemas que os experimentalistas não tinham condições de dar. Assim é que, por exemplo, nos nanofios, os experimentadores obtêm imagens e condutâncias, mas não conseguem estabelecer experimentalmente que imagem observada corresponde a que condutância medida, problema que a simulação resolveu. Outro exemplo está ligado a cadeias atômicas lineares. Estas se formam puxando um fio metálico até obter um segmento constituído de átomos alinhados em uma carreira única, composta de no máximo três ou quatro deles. Verificou-se nas imagens que a distância entre dois dos átomos de ouro era maior que as que separavam os demais átomos da cadeia. Várias possibilidades foram aventadas para explicar a observação, mas nenhuma verificável ao microscópio. Autreto conseguiu mostrar através da simulação que esses dois átomos de ouro mais distanciados aprisionavam entre si um átomo de carbono. Encerrava-se uma discussão de anos na literatura. O estudo rendeu um artigo publicado na Nanotechnology, revista de grande impacto. As cadeias atômicas lineares assumem particular importância no desenvolvimento da mecânica quântica básica. Nesses trabalhos, enfatiza Autreto, teve o privilégio de trabalhar em estreito contato com o grupo experimental, referência na área, do professor Daniel Ugarte (IFGW), mais especificamente com o então doutorando Maureen Lagos. O principal objetivo do estudo foi o de mostrar que variadas nanoestruturas de metais ou carbono podem ser empregadas para finalidades afins ou diferentes e evidenciar o amplo espectro de utilização desses materiais. Além disso, o trabalho procura elucidar como as estruturas se formam, que tensões suportam, como se rasgam e como ocorre o transporte eletrônico a partir delas, pois são os patamares de condutância que possibilitam aplicações em transistores e outros dispositivos eletrônicos.

Percurso Depois do mestrado também na Unicamp, Autreto realizou doutorado sanduíche

permanecendo um ano na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, um dos mais importantes centros de física, que deu origem a 26 prêmios Nobel e berço de grande parte da física do século XIX. Lá trabalhou com o professor Emilio Artacho, que desenvolve um método inovador para estudos de nanoestruturas, “embora o meu trabalho fosse desenvolvido aqui, pois nossa estrutura nos permite competir internacionalmente no nível teórico”, diz. Na fase final do doutorado, o pesquisador participou de concurso internacional para preenchimento de uma vaga de pósdoutorado no Laboratório Internacional de Nanotecnologia (INL), mantido com cooperação internacional, concorrendo com mais de 50 candidatos do mundo. Foi o selecionado para um pós-doutorado de três anos. Ele credita o sucesso ao pioneirismo da Unicamp na sua área de atuação: “Certamente, os selecionadores levaram em conta, além do meu percurso acadêmico, o trabalho desenvolvido aqui em nosso grupo”. Problemas familiares o levaram a desistir do INL. Pesou também na decisão o fato de fazer parte de um grupo considerado de referência na área. Ele vivencia esse prestígio ao participar de congressos internacionais para os quais membros do grupo são sempre convidados para apresentações orais. Destaca sua participação, nos últimos quatro anos, nas reuniões promovidas pela Material Research Society (MRS), sociedade que organiza dois dos maiores eventos de física e materiais do mundo, realizados anualmente na primavera e outono, respectivamente, em Boston e São Francisco. Por tudo isso, Autreto se considera totalmente compensado com a permanência no grupo da Unicamp para o pós-doutorado. Segundo ele, a excelência do trabalho realizado na Unicamp se deve ao fato de o professor Douglas Soares Galvão manter-se atento aos materiais que se revelam importantes, além de sua contínua e ativa participação em congressos, quando estabelece contatos com profissionais de vários níveis de atuação, de técnicos a pesquisadores de ponta. Destaca ainda o significativo e contínuo contato com grupos experimentais da Unicamp, em especial o do professor Daniel Ugarte, referência em sua área. Considera a sua evolução consequência dessa atuação: “Comecei a trabalhar com nanoestruturas metálicas, que eram o que havia de mais importante na época. Mas à medida que as coisas foram avançando o professor Douglas percebeu que o grafeno revelava-se um material extremamente promissor. Para seu estudo adaptamos então os mesmos métodos que utilizávamos para metais”. Autreto atribui à multidisciplinaridade inerente ao seu trabalho o desenvolvimento de linguagens que possam ser entendidas por profissionais de outras áreas de atuação como engenheiros, químicos, biólogos, etc. Mas ao afirmar, nas conclusões da tese, que “apenas a pesquisa não forma um doutor em ciências e por isso busquei sempre participar de atividades disponibilizadas neste centro de excelência, que é o Instituto de Física”, ele destaca outros fatores que pesaram em sua formação. No Instituto foi durante quatro anos editor-geral da revista Physicae – que lhe permitiu acesso a dezenas de artigos; presidente da Associação

de Pós-graduação em Física – quando desenvolveu relações humanas; e participou da organização de três Encontros de Jovens Pesquisadores – que lhe possibilitaram conhecer pesquisas e pesquisadores brasileiros e de outros países.

Propostas A simulação computacional é hoje uma ferramenta frequentemente utilizada por conduzir a resultados confiáveis e possibilitar o estabelecimento de correlações e de previsões possíveis em escala nanométrica. Utilizando esse recurso, o autor sugere no trabalho desenvolvido novas nanoestruturas de metal ou carbono. Buscou inicialmente verificar a influência de alguns fatores, dentre eles a orientação cristalográfica dos grãos na formação do mais fino fio de platina. Depois, dedicou-se a localizar os possíveis contaminantes responsáveis por distâncias anômalas observadas entre átomos de ouro nas cadeias lineares do metal. Na sequência, determinou as correlações entre estruturas e condutâncias de nanofios de ouro e prata e estudou a formação de cadeias lineares em ligas de ouro e prata. A seguir dedicou-se a uma das estruturas de maior destaque descobertas na atualidade: o menor nanotubo composto por prata e que apresenta uma seção transversal quadrada. Os avanços aí conseguidos foram publicados na Physical Review Letters. Com base nesses tubos ele propôs uma nova estrutura similar formada por carbonos. O trabalho foi publicado no The Journal of Chemical Physics. Passou depois para um estudo teórico do grafeno, publicado na Nanotechnology e que, em decorrência das citações, passou a ser referência no estudo desse material. A seguir ele desenvolveu simulações do grafano e fluorografeno, obtidos, respectivamente, a partir da hidrogenação e da fluoração de membranas de grafeno. Em decorrência, simulou o processo para a obtenção de uma nova nanoestrutura obtida a partir do grafeno pela adição de hidrogênio e flúor. Autreto esclarece, também, que cada capítulo da tese apresenta um avanço no estudo das novas estruturas e está baseado ao menos em um artigo publicado ou submetido. Nos últimos quatro anos ele tem participado com pôsteres e apresentações orais principalmente em congressos internacionais. Em 2010 chegou a fazer apresentação na seção principal do MRS presidida pelo físico Konstantin Novoselov, Prêmio Nobel daquele ano, que o tinha abordado anteriormente em Cambridge, por ocasião da apresentação de um pôster envolvendo um trabalho por ele já divulgado. Nas conclusões da tese ele afirma: “Ao final de quatro anos de profundas transformações chego à conclusão de que quanto mais leio, mais converso, mais estudo, mais novas e incríveis estruturas e temas aparecem como se aquele espaço referido por Feynman fosse infinito”.

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Tese: “Do metal ao carbono:propriedades estruturais e de transporte de novas nanoestruturas” Autor: Pedro Alves da Silva Autreto Orientador: Douglas Soares Galvão Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)

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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

Painel da semana  Bolsas de iniciação científica - A PróReitoria de Pesquisa (PRP) recebe, até 15 de abril, as inscrições ao processo seletivo para bolsas de iniciação científica dos programas PIBIC/CNPq, PIBIC-AF, PIBITI e SAE/ Unicamp. Mais informações no endereço eletrônico http://www.prp.unicamp.br/pibic  Fórum de Meio Ambiente e Sociedade - Com o tema “Mudanças globais e qualidade de vida, ambiente, turismo e violência”, o Fórum Permanente de Meio Ambiente e Sociedade acontece no dia 11 de abril, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Inscrições e outras informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/energia/ foruns_energia.php  Uvas rústicas - A Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) recebe no dia 11 de abril, às 12 horas, em seu Anfiteatro, o pesquisador João Dimas, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ele profere a palestra “Uvas rústicas para processamento: suco e vinho de mesa”. O evento é organizado por Claudio Luiz Messias, professor colaborador da Feagri. Dimas é pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho e mestre em melhoramento de plantas. Atualmente desenvolve estudos para a obtenção de variedades e cultivares de uvas para suco, vinho e mesa. Inscrições: cpg@feagri.unicamp.br. Outras informações: 19-3521-1043.  Badi para maiores - No dia 11 de abril, às 20 horas, no auditório 5 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), acontece o show Badi para maiores. Durante 20 anos de carreira, a cantora, compositora e violonista Badi Assad se destacou como criadora de um estilo peculiar, que traz sua voz e violão como elementos fundamentais de sua música. Os ingressos para apresentação são gratuitos

e devem ser retirados até 10 de abril, das 9 às 17 horas, na Assessoria de Relações Públicas e Imprensa da FCM (rua Tessália Vieira de Camargo 126). Os ingressos serão distribuídos até a capacidade do auditório. É obrigatório apresentar o ingresso no dia do show. Mais informações: http://www. badiassad.com/2009/

de Gestão em Propriedade Intelectual, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O curso é gratuito e a realização é da Agência de Inovação Inova Unicamp, por meio do projeto InovaNIT. Inscrições já encerradas. Mais detalhes no site http:// www.inova.unicamp.br/paginas/inovanit/ curso48_inscricao.php

 Fórum de Ciência e Tecnologia - “Portal de Periódicos Unicamp”. Tema será debatido durante a realização do Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia. O evento acontece no dia 12 de abril, a partir das 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A organização é do professor e pró-reitor de Pesquisa, Ronaldo Aloise Pilli. Informações e inscrições no site: http://foruns.bc.unicamp. br/tecno/tecno50.php

 Doador Universitário - No dia 25 de abril, das 8 às 12 horas, no Estacionamento da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), acontece a segunda coleta de sangue da edição de 2012 do Projeto Doador Universitário. Para efetuar a doação, o voluntário deve apresentar documento de identidade com foto (RG) e endereço completo (inclusive CEP). A doação é um ato voluntário de amor, de solidariedade e de garantia de vidas. O ato de doar não acarreta qualquer risco ao doador. As doações também podem ser feitas no Hemocentro, de segunda a sábado, inclusive feriados, das 7h30 às 15 horas. Conheça o cronograma de coletas em: http:// www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ sala_imprensa/cronograma2012.php

 Dislexia e TDAH – A Faculdade de Ciências Médicas (FCM), através do Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (Disapre), realiza no dia 12 de abril, das 9 às 17 horas, no auditório-5 da FCM, o Fórum Dislexia e TDAH: evidências científicas. A abertura do evento contará com a participação da professora e pesquisadora Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro e do professor Joseph Sergeant, da Universidade de Amsterdam (Holanda). As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até o dia 10 de abril pelo e-mail tdahcampinas2012@gmail. com. Vagas limitadas. Mais informações: 19-3521-7372  IELTS Academic - As provas orais do Exame IELTS Academic ocorrem no dia 14 de abril, das 8 às 13 horas, nas salas CB12 e CB14 do Ciclo Básico I. O exame escrito será realizado no mesmo dia, das 12 às 17 horas, na sala CB12. O IELTS é um exame de inglês exigido por diversas universidades que participam do programa Ciência sem Fronteiras do Governo Federal, além de outros programas de intercâmbio.

Eventos futuros  Fórum de Desafios do Magistério - Edição acontece no dia 18 de abril, no Centro de Convenções da Unicamp. Discutirá o tema “Ensino médio e parceria universidadeescola. A organização é da Faculdade de Educação (FE). Informações e inscrições no site http://foruns.bc.unicamp.br/magis/ magis36.php  Fórum de Ciência e Tecnologia - “Questões Éticas no Uso de Animais”. Este é o tema que estará em discussão durante a realização do Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia. O evento será realizado no dia 19 de abril, a partir das 9 horas, no Centro de Convenções. Mais detalhes no link: http:// foruns.bc.unicamp.br/tecno/tecno49.php  Propriedade Intelectual - A Unicamp sedia, de 24 a 27 de abril, o Curso Avançado

 Lançamentos - No dia 25 de abril, às 15h30, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), serão lançados os livros “História Militar do Mundo Antigo – Guerras e identidades”, “História Militar do Mundo Antigo – Guerras e representações”, “História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Culturas” e “Jesus Histórico”. Os organizadores das publicações são: Pedro Paulo Funari (IFCH), André Chevitarese (UFRJ) e Cláudio Umpierre Carlan (Unifal).  Fórum de Esporte e Saúde - Evento com o tema “Estudos Avançados em Esporte Adaptado” será realizado no dia 26 de abril, no Centro de Convenções da Unicamp. Programação, inscrições e outras informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/saude/ saude43.php  Seminário – No dia 26 de abril, das 9 às 12 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, acontece o seminário “A democratização das instituições e a luta por uma sociedade justa e democrática”. O seminário é organizado pelo Departamento de Saúde Coletiva e o Coletivo de Estudo Apoio Paidéia. Participam como debatedores o médico epidemiologista da Unicamp Gastão Wagner, e a socióloga da USP Helena Singer. Não é necessária inscrição. Entrada gratuita. Mais detalhes: 19-3521-8968.  Barbie na educação de meninas: do rosa ao choque - Livro de Fernanda Roveri, doutoranda pela Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, será lançado no dia 27 de abril, às 16h30, no Salão Nobre da FE. No evento haverá uma mesa-redonda com as professoras Carmen Lúcia Soares (FE), Helena Altmann (FEF) e Cláudia Trevisan, da Prefeitura Municipal de Campinas (PMC). A publicação é da Editora Annablume. Outras informações: ferdth@yahoo.com.br

Tese da semana  Computação - “Experimentos em rearranjo de genomas com a operação Single-Cut-or-Join” (mestrado). Candidata: Priscila do Nascimento Biller. Orientador: professor João Meidanis. Dia 12 de abril, às 14 horas, no auditório do IC.

Livro

da semana

 Educação Física - “Atividades circenses e educação física: equilíbrios e desequilíbrios pedagógicos” (mestrado). Candidata: Teresa Ontañón Barragán. Orientador: professor Marco Antonio Coelho Bortoleto. Dia 9 de abril, às 14 horas, no auditório da FEF. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Tratamento de Lixiviado de aterro sanitário: remoção de Amônia por formação de Estruvita” (mestrado). Candidata: Cristal Coser Camargo. Orientador: professor José Roberto Guimarães. Dia 12 de abril, às 14 horas, na sala CA-22 da FEC.  Física - “Sondando interações magnéticas em óxidos de metais de transição por espectroscopia raman” (mestrado). Candidato: Ulisses Ferreira Kaneko. Orientador: professor Eduardo Granado Monteiro da Silva. Dia 13 de abril, às 14 horas, na sala de seminários do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW.  Geociências - “Estudo geofísico de quatro prováveis estruturas de impacto localizadas na Bacia do Parnaíba e detalhamento geológico/geofísico da estrutura de Serra da Cangalha/TO” (doutorado). Candidato: Marcos Alberto Rodrigues Vasconcelos. Orientador: professor Álvaro Penteado Crósta. Dia 13 de abril, às 14 horas, no auditório no IG. - “Determinação de elementos-traço em amostras de formações ferríferas via ICP-MS” (mestrado). Candidato: Geraldo Magela Santos Sampaio. Orientadora: professora Jacinta Enzweiler. Dia 13 de abril, às 14 horas, no IG.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “Algumas contribuições na teoria de aproximação e otimização com variáveis fuzzy” (doutorado). Candidato: Andrés David Báez Sánchez. Orientador: professor Marko Antonio Rojas Medar. Dia 12 de abril, às 15 horas, na sala 253 do Imecc. - “Simetrias de Lie estocáticas” (doutorado). Candidato: Luis Roberto Lucinger de Almeida. Orientador: professor Pedro José Catuogno. Dia 13 de abril de 2012, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Medicina - “Alterações hemodinâmicas da intoxicação pela ropivacaína e resultado da terapia com duas emulsões lipídicas. Estudo experimental em suínos” (doutorado). Candidato: Matheus Rodrigues Bonfim. Orientador: professor Artur Udelsmann. Dia 9 de abril, às 9 horas, no Anfiteatro do Departamento de Cirurgia da FCM.

Lula no documentário brasileiro Autora: Marina Soler Jorge ISBN: 978-85-268-0946-8 Ficha técnica: 1 a edição, 2011; 240 páginas; formato: 14 x 21 cm; Área de interesse: Cinema e Fotografia Preço: R$ 48,00 Sinopse: Através da análise de cinco documentários (três dos anos 1980 e dois dos anos 2000) e de procedimentos da sociologia da arte, a autora se propõe a investigar qual é o “Lula” que emerge de cada um dos filmes estudados, bem como a relacionar as concepções de mundo sugeridas nos filmes e as construções imagéticas aí apresentadas. Autora: Marina Soler Jorge nasceu em Campinas e estudou ciências sociais na Unicamp. Realizou o doutorado em sociologia pela USP e o pós-doutorado pela Unicamp. É professora de sociologia da arte na Unifesp e publicou Cultura popular no cinema brasileiro dos anos 90 (Arte e Cultura, 2009).

DESTAQUES do Portal da Unicamp

Projeto vai incentivar leitura entre estudantes 26/3/2012 – A Unicamp lançou no último dia 26 o projeto Estante Literária, que tem como objetivo incentivar a leitura entre os estudantes de graduação. A ideia é selecionar os dez melhores leitores da Universidade, que serão premiados ao final de cada ano. O primeiro colocado ganhará uma viagem para as feiras internacionais do livro, como as de Guadalajara, Frankfurt ou Paris. Os demais classificados receberão vale-livros. Inédito entre as universidades públicas brasileiras, o projeto será viabilizado por meio de um site vinculado ao Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). “Trata-se de uma iniciativa da Reitoria para incrementar a formação geral e o espírito crítico dos estudantes”, disse o reitor Fernando Ferreira Costa. Segundo ele, é importante não apenas incentivar, mas também reconhecer os alunos que leem boa literatura. “A ideia do projeto é estimular a leitura dos estudantes para além das disciplinas que estão cursando”, explica o pró-reitor de Graduação, Marcelo Knobel. “Uma leitura mais diversificada, com obras da literatura nacional e mundial, certamente contribui para uma formação mais abrangente”, completa. Para participar, bastará aos interessados se cadastrarem no site sae. unicamp.br/estante, onde cada um poderá constituir a sua própria estante literária numa plataforma virtual. Nela, os participantes deverão relacionar os livros que leram ou estão lendo, no pe-

Foto: Antonio Scarpinetti

Medrano, Franchetti e Knobel apresentam projeto ao reitor Fernando Costa

ríodo de janeiro a dezembro, acompanhados ou não de uma resenha crítica. Caberá a uma comissão julgadora escolher os dez estudantes que serão premiados. O critério para a premiação não estará relacionado à quantidade de livros lidos, mas à coerência da lista de leitura e à qualidade das resenhas. As regras para participação e premiação serão apresentadas em edital a ser publicado nos próximos dias. “Os participantes só poderão relacionar obras literárias”, destaca o co-

ordenador do SAE, Leandro Medrano. Livros técnicos, teóricos ou didáticos, específicos das disciplinas de cada curso, não serão aceitos”, avisa. Além de concorrer aos prêmios, os participantes poderão promover a troca de livros e acompanhar um “ranking” das obras mais lidas no campus. A expectativa, segundo Medrano, é que um grande número de estudantes participe do projeto. “Todos sabemos que o índice de leitura no Brasil, embora venha aumentando, ainda está

distante daquele verificado em outros países”, observa. “Com essa iniciativa, a Unicamp pretende contribuir para a formação não apenas de estudantes tecnicamente capazes em suas áreas de atuação, mas também de cultura abrangente, diversificada e crítica”, completa. Dois nomes de reconhecimento nacional já estão definidos para compor a comissão avaliadora. Os escritores Alcir Pécora e Paulo Franchetti, ambos professores de Teoria Literária no Ins-

tituto de Estudos da Linguagem (IEL). “Trata-se de um programa da maior relevância, que não só incentiva o gosto pela leitura, mas ainda promove a troca de impressões e desenvolve o senso crítico dos leitores”, diz Franchetti, que também é diretor da Editora da Unicamp. Para Franchetti, a iniciativa condiz com a preocupação da Unicamp em valorizar o cidadão crítico, informado e responsável. Segundo ele, a Editora da Unicamp também vai disponibilizar para os participantes, periodicamente, títulos pertencentes ao seu catálogo. O site que abrigará as estantes literárias foi desenvolvido pela empresa júnior Consultoria, Projetos e Estudos em Computação (Conpec), formada por alunos da Faculdade de Engenharia de Computação e Ciência da Computação da Unicamp. Durante o lançamento do projeto, a Conpec foi representada pelos estudantes Thiago Itagaki, Camila Belizaro e Henrique Fischer. “Foi um grande desafio, mas acreditamos que os resultados serão compensadores”, disse Fischer. Segundo ele, trata-se de uma versão preliminar do site que deverá ser aperfeiçoada gradativamente. “Os usuários poderão enviar sugestões para melhorarmos o projeto”, disse. Camila acredita que o projeto servirá de estímulo para ampliar o hábito da leitura entre os alunos de graduação. “Em média, leio três livros por ano, mas a partir de agora vou aumentar essa cota”, garante.


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Campinas, 9 a 15 de abril de 2012 Foto: Antoninho Perri

Foto: Antonio Gaudério/Folha Imagem

O antropólogo Emilio Moran, professor visitante do programa de pós-graduação do Nepam: “Precisamos de soluções morais, éticas e responsáveis”

Moran vê o desmatamento: ‘Seria bom que recobrássemos o juízo já’ MARIA TERESA MANFREDO Especial para o JU

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uando o assunto é a questão ambiental, precisamos ter um debate mais franco sobre quais são de fato as necessidades humanas e, consequentemente, o que significa ter uma vida confortável e economicamente viável. É o que preconiza o antropólogo Emilio Moran, professor visitante no programa de pós-graduação em Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. Na entrevista que segue, Moran, que é da Universidade de Indiana (EUA), fala também sobre o desmatamento na Amazônia, o consumismo e o papel do Brasil em reuniões como a Rio+20, entre outros temas. Jornal da Unicamp – Em seus estudos sobre o desmatamento, o senhor afirma que historicamente tem se observado que em algum ponto da trajetória de desflorestamento, sociedades começam a “recobrar o juízo” e passam a impor restrições aos que cometem devastações sem ônus. Em que estágio estaríamos em relação à Amazônia, atualmente? Já “recobramos o juízo”? Emilio Moran — Nós estamos muito longe disso. As taxas de desmatamento ainda são altas, muitas atividades econômicas ainda continuam devastando a floresta, como a soja, o gado, que cada vez mais precisam de áreas novas. Seria bom que recobrássemos o juízo já, mas ainda estamos longe disso. Precisamos equilibrar desenvolvimento econômico com a conservação da floresta.

JU – Quais os principais fatores que influenciam o desmatamento da Amazônia? Emilio Moran — O país quer incorporar a Amazônia como parte de seu desenvolvimento e isso implica o uso da área. Em minha opinião, o que está faltando é um zoneamento em que se identifiquem áreas que possam ser manejadas e devam ser protegidas. Estamos num padrão em que depois que já desmataram é que as pessoas descobrem se uma área é boa ou não para exploração agrícola. Temos os recursos hoje para saber isso antes do desmatamento, mas ninguém procede assim. Estamos deixando as pessoas agirem para, somente depois, tentar recuperar uma área perdida que era importante. Mas, aí, já destruíram as espécies nativas. Além disso, temos que mudar os valores da nossa sociedade, dar mais valor à água, e menos ao carro, por exemplo. Precisamos de uma economia e uma ecologia por meio das quais todo mundo se beneficie. JU – Em um dos seus livros, o senhor fala da sabedoria e sensatez dos povos amazônicos, que correlacionam o mágico e a floresta. Atualmente, estamos caminhando para valorizar esta sabedoria ou ainda estamos longe disso? Emilio Moran — No geral a sociedade nacional não valoriza o conhecimento indígena, o conhecimento do caboclo da Amazônia. Eles são vistos como preguiçosos, como pessoas que não têm educação. É uma pena, porque essas pessoas têm conhecimentos que poderiam ser muito úteis para o uso dos recursos da floresta. Por exemplo, os índios sabem que uma área não é boa para agricultura avaliando a cor do solo e olhando quais as espécies que crescem em certos locais; se os

escutássemos mais, não acabaríamos abrindo áreas na floresta, que logo em seguida serão abandonadas, pois o solo não era apropriado para exploração agrícola. Seria uma economia para a União e para os colonos que tentam e não conseguem produzir nessas áreas tidas como ‘fracas’. Há um conflito entre a sociedade brasileira que quer ocupar a área indígena para uso econômico e o conhecimento indígena. Por exemplo, os colonos que se dirigiam para a Amazônia na época do projeto da Transamazônica: quase nenhum deles perguntava aos caboclos como eles faziam as coisas; não havia interesse pelo conhecimento do povo local. E quando falavam deles, falavam mal, como se os caboclos ou índios fossem preguiçosos e não trabalhassem. Só que o que o colono não percebia que o caboclo, o índio, estavam trabalhando com mais efeito, pois sabiam o que fazer na floresta, respeitando os horários possíveis de trabalho dentro do calor amazônico, por exemplo, e plantando variedades mais apropriadas aos solos e clima da região. JU – Com a aproximação da Rio+20, qual sua opinião sobre o papel do Brasil no quadro internacional em relação ao desenvolvimento sustentável? Emilio Moran — O Brasil teve um papel importante em 1992, enfatizando muito que não pode haver proteção ambiental sem pensar o desenvolvimento humano. Essa foi uma das grandes contribuições do Brasil naquele debate e que ainda é uma preocupação brasileira e de muitos países do terceiro mundo: não se esquecer dos pobres nesta discussão. O que considero que não está correto é que não se questiona quem é que se beneficia

com o desmatamento da Amazônia, por exemplo. Não é o pobre. É uma fatia muito pequena de empresários que se beneficia. O pobre é sempre o mais prejudicado. O discurso contra medidas rigorosas ambientais, escondido atrás da ideia de desenvolvimento econômico, beneficia mais o rico do que o pobre, pois este último é quem arca diretamente com as maiores consequências. O desenvolvimento econômico, do modo como vem sendo pensado hoje, privilegia as classes mais favorecidas, jogando todo o peso nas costas do pobre e da sociedade. JU – Como o senhor enxerga as decisões tomadas no âmbito internacional em relação a mudanças climáticas? Emilio Moran — As decisões estão paradas. Países como EUA, Japão, China e Rússia, entre outros, não estão dando bons exemplos de participação porque estão mais preocupados em concorrer pela dominância econômica. Eles acham que, se agirem de uma forma ambientalmente correta, podem sofrer economicamente. Temos que parar de pensar que ou é uma coisa ou outra. Temos que pensar em uma economia limpa, numa economia sustentável. JU – De acordo com a ONU, chegamos a 7 bilhões de pessoas no mundo, em 2012. É possível estabelecer uma relação entre aumento da população e problemas ambientais? Emilio Moran — O problema não é a população em si. A população é parte do problema, claro, mas a chave da questão está também no nível do consumo. Os países que têm poucas pessoas, como os europeus, consomem muito, então seu peso ambiental é grande; por outro lado, a Índia e China que têm muita gente, mas ainda

não têm o nível econômico de outros países, também têm um impacto ambiental enorme, por causa do tamanho da população. Temos que chegar a um ponto de reduzir o nível de consumo dos países do primeiro mundo, pois se consome muito mais do que se precisa para viver bem. E os demais países, onde a população ainda não tem acesso a um nível de conforto, deveriam chegar numa média e parar num certo nível; eles não podem consumir de maneira absurda. Países como os Estados Unidos são modelos para os demais. Tratase de um modelo absolutamente consumista. Precisamos ter uma conversa mais franca e aberta sobre o que é felicidade, o que é uma vida responsável, e não agir sem reflexão, ignorando o que se passa no mundo. A China e a Índia já mostram sinais de terem entrado no consumismo sem limites. O planeta não pode suportar essa inconsequência. JU – O senhor é otimista ou pessimista em relação ao futuro. Sobreviveremos? Emilio Moran — Eu sou otimista, porque assim você procura soluções. E acho que é essa a preocupação que todos os países devem ter: um otimismo, mas não um otimismo que acredita que pode continuar o que está fazendo porque algum dia alguém vai inventar uma solução técnica. Essa posição evita uma reconsideração do padrão atual, que não é sustentável, sabemos disso. Entretanto, sem uma retomada de consciência, estaremos muito mal num futuro próximo. Precisamos de soluções morais, éticas e responsáveis: todos nós compartilhamos o mesmo planeta e somos responsáveis pela sobrevivência e bem-estar de todos.

QUEM É Emílio F. Moran é diretor do Centro Antropológico para Treinamento e Pesquisa em Mudanças Ambientais Globais da Universidade de Indiana, Estados Unidos. Com uma formação essencialmente multidisciplinar, Moran já esteve à frente

de projetos internacionais como o Global Land Project (GLP) e o Land Use and Land-Cover Change Program (LUCC) – que analisam como as atividades humanas vêm alterando os processos biológicos, químicos e físicos do planeta. Nascido em Cuba e vivendo nos

Estados Unidos desde os 14 anos, Emilio Moran começou a enveredar pelas ciências naturais no início da década de 1970, durante o doutorado na Universidade da Flórida, quando estudou os impactos da Transamazônica para a floresta e para os migrantes que vieram

de todo Brasil para Amazônia. É autor de livros como Meio Ambiente e Florestas (2010), Meio Ambiente e Ciências Sociais (2008), Adaptabilidade Humana (1994), A Ecologia Humana das Populações da Amazônia (1990), dentre outros.


12 Jornal daUnicamp Campinas, 9 a 15 de abril de 2012

Ilustração: Natália Brescancíni/Fotos: Antoninho Perri

da

C o r e s

a l m a

MARIA ALICE DA CRUZ

A

halice@unicamp.br

cor acompanhou toda a trajetória da artista plástica Natália Brescancíni durante o mestrado, tanto na pesquisa quanto no processo de criação, até porque os dois caminharam juntos e foram se modificando de acordo com os caminhos sugeridos pela investigação pictórica. “As mudanças na pesquisa foram impulsionadas pelas experiências práticas, em um desejo crescente de aproximar as pesquisas de referências e os estudos teóricos ao trabalho de ateliê”, afirma Natália. De acordo com a pesquisadora, o mestrado consiste numa investigação das possibilidades de uso de cor a partir de uma experiência artística pessoal. A artista esclarece que parte do ponto de vista do artista, que escolhe as cores e estabelece diferentes relações com este elemento da linguagem para levantar as possibilidades no seu uso, apontando para o papel da cor na construção das imagens. Discutir a cor e seu papel na construção das imagens, em sua opinião, é um modo de aproximar as referências e os estudos teóricos da investigação do processo de criação, organizando um estudo que discute um elemento fundamental da linguagem visual a partir de ex-

periências práticas, de uma investigação por meio da linguagem pictórica. “O esclarecimento dos critérios de seleção das cores enriquece a pesquisa pictórica e torna possível comunicar conhecimentos específicos da linguagem visual de forma verbal e acessível”, explica. O título poético “Distância Íntima” diz respeito ao trabalho de autorretrato no qual a artista reflete sobre a escolha da cor contemplando partes do próprio corpo. O tempo de observação diante do espelho, segundo Natália, dá forma para as percepções e é neste momento que surge a cor. “Esse tempo de contemplação me leva a um outro estado de atenção e é pela cor que o corpo se constrói”, explica. Natália esclarece que a relação com a cor pode ser intuitiva, partindo de uma relação mais afetiva. Também pode se dar de forma racional,

A professora Lygia Eluf, orientadora, e Natália Brescancíni, autora da dissertação: poética visual e pesquisa acadêmica

pensando qualidades de cor, interação, quantidades. Em alguns momentos, a relação pode ser mais simbólica, com significados compartilhados por uma cultura ou diferentes culturas. Nesta criação artística-acadêmica, a artista diz ter descoberto que a cor é elemento central de construção das imagens. “Trabalho com autorretrato acontece a partir da cor. Foi um processo gratificante porque lança mão de várias teorias.”, acrescenta. Longe de querer ser intimista, Natália espera que a experiência pictórica com o próprio corpo promova o encontro com outros corpos. “Em um dos capítulos da dissertação, discorro rapidamente sobre este desejo de encontrar, no contato com meu próprio corpo, outros corpos, algo de humano, de comum aos diferentes corpos”, explica.

Para ela, a construção do conhecimento artístico se dá na constituição do discurso poético, por meio da criação das imagens. No caso de sua dissertação, da linguagem pictórica. “Mas como realizar esta pesquisa, torná-la acessível e passível de ser transmitida, com clareza na metodologia e em parâmetros para avaliação de resultados?” Durante a criação artístico-acadêmica, Natália foi desenvolvendo maneiras de registrar o processo. A atividade criteriosa resultou em um diário de pintura, no qual se registra cada dia de trabalho, desde as fotos de cada etapa das pinturas até o final; outro caderno de desenhos de investigações e um terceiro destinado a registrar todas as questões da pesquisa. O trabalho de Natália, na opinião da orientadora Lygia Eluf, é um exemplo de como o trabalho artístico e o acadêmico dialogam. Natália acredita que o rigor esteja presente na pesquisa poética, em uma investigação pictórica e, nesse sentido, um trabalho em poéticas visuais aproxima-se da pesquisa acadêmica. “Acredito que a dificuldade em aproximar uma investigação por meio da linguagem pictórica e uma pesquisa dita ‘acadêmica’ esteja no fato de ainda estarmos em busca da definição de questões fundamentais que norteariam a pesquisa artística e construindo o espaço do conhecimento sensível dentro da academia. Ainda assim, foi possível desenvolver meu trabalho com tranquilidade, pois existem muitos pesquisadores, incluindo minha orientadora, discutindo e pensando no assunto com

muita competência, dedicação e rigor”, remata. Seriedade é o que não falta para Natália, na opinião da orientadora Lygia Eluf, cujo doutorado também envolveu uma pesquisa sobre cor. Para ela, a dissertação desenvolvida por Natália contribui para a construção do espaço da poética do conhecimento desenvolvido por artistas na Universidade. “O espaço para esta área é garantido de forma lenta, mas o conhecimento é robusto”, afirma Lygia. De acordo com a orientadora, o resultado pode não surgir imediatamente, mas a repercussão do trabalho é constatada em eventos fora da Universidade. “É muito comum ouvir que na Unicamp fazemos trabalho sério. Isso é recompensador, nos deixa tranquilas”, acrescenta Lygia. A trajetória de Natália é vista com bons olhos pela orientadora, para quem Natália realizou uma “exposição de gente grande”. “Isso poderia estar em qualquer lugar do mundo e se sustentaria como uma mostra de um artista muito talentoso”, refere Lygia. A professora ainda acrescenta que Natália ampliou o leque de profissões: tornou-se uma pesquisadora e excelente professora, mas conduzida pelas mãos da artista. “Isso é o melhor da história”, remata Lygia.

...................................................... ■ Publicação

Dissertação: “Distância Íntima: a cor na construção de um projeto pictórico autobiográfico” Autoria: Natália Fernandes Brescancíni Orientação: Lygia Arcuri Eluf Unidade: Instituto de Artes (IA)

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