Jornal da Unicamp - Edição 516

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GÉRARD DUMÉNIL ANALISA A CRISE

Páginas 6 e 7

Estudos associam bactérias no intestino a diabetes e obesidade Página 5

A TRAJETÓRIA DE GILBERTO MENDES

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Jornal daUnicamp Por uma água mais limpa www.unicamp.br/ju

Campinas, 12 a 18 de dezembro de 2011 - ANO XXV - Nº 516 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

IMPRESSO ESPECIAL 1.74.18.2252-9-DR/SPI Unicamp

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Fotos: Antoninho Perri

Pesquisadores do Instituto de Química desenvolveram método analítico para identificar, na água, contaminantes ainda não legislados. Análises de amostras coletadas pela química Cassiana Montagner Raimundo, na Bacia do Rio Atibaia, constataram a presença de estrógeno (hormônio feminino) tanto na água bruta como na tratada. As pesquisas foram orientadas pelo professor Wilson Jardim.

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Rio Atibaia, um dos mananciais de Campinas: atividade estrogênica na água Fotos: Antonio Scarpinetti

Programa já recebeu mais de mil estudantes da rede pública.

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Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

ARTIGO

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por: Maria Conceição da Costa e Maiko Rafael Spiess

O que as controvérsias científicas podem nos dizer sobre a proibição do fumo? do fumo em locais públicos seria uma medida justificada, pois garantiria que os não-fumantes não sejam sujeitados aos eventuais efeitos negativos dos hábitos tabagistas de terceiros. No entanto, poucas pessoas sabem que a exposição à fumaça tabágica ambiental e seus efeitos para a saúde humana são ainda um assunto em aberto. É verdade que o fumo em locais públicos pode ser definitivamente incômodo, mas ainda não sabemos com certeza se ele é, afinal, nocivo. Ao contrário do consenso científico existente em torno dos efeitos do consumo ativo de tabaco, a correlação entre a exposição passiva à fumaça de tabaco e doenças cardíacas ou o câncer de pulmão não é tão clara e pode ser questionada por diversos ângulos: os componentes tóxicos da fumaça agem da mesma maneira nos fumantes ativos e nos casos de exposição passiva? O que caracteriza a exposição passiva à fumaça tabágica ambiental, e quais os métodos para seu dimensionamento e medição? A partir de que nível de exposição a fumaça de tabaco é prejudicial? Qual o papel de outras fontes de poluição ambiental na causalidade, por exemplo, das doenças respiratórias? Para algumas pessoas, a indefinição e o ceticismo podem diminuir a importância de tais medidas de saúde pública. Para outras, a existência de um consenso é pouco significativa, pois em última instância, em caso de incertezas é preferível adotar o “princípio da precaução” e assumir uma postura que proporciona maior segurança. De qualquer maneira, como nos mostra o campo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (ESCT), as controvérsias científicas são, sobretudo, interessantes oportunidades analíticas. Deste modo, o estudo da controvérsia sobre a exposição passiva à fumaça de tabaco pode fornecer elementos importantes para compreendermos tanto o fun-

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século XX foi o cenário para o estabelecimento do consumo de derivados de tabaco como um hábito socialmente aceito e, em alguns casos, até mesmo desejável. Nesse período, o cigarro (surgido como um substituto barato dos charutos e cigarrilhas e, a princípio, visto como um produto moralmente questionável) tornou-se gradativamente um produto massificado, fortemente associado com um simbolismo de masculinidade, sofisticação, emancipação e liberdade. Como aponta o pesquisador norte-americano Allan Brandt em seu livro “The Cigarette Century: The Rise, Fall, and Deadly Persistence of the Product That Defined America”, o processo de popularização do cigarro foi uma mudança rápida e significativa, intimamente relacionada com uma série de inovações tecnológicas, de marketing e profundas mudanças culturais. Por sua vez, o século atual parece ser o pano de fundo para um movimento contrário: ainda que os efeitos nocivos do consumo de tabaco já sejam conhecidos desde a segunda metade do século passado, apenas recentemente os hábitos tabagistas passaram a ser combatidos com maior ênfase. Se inicialmente o “combate ao fumo” baseava-se em políticas públicas voltadas para a conscientização individual sobre os riscos do tabaco, a mais nova forma de combater os hábitos tabagistas está relacionada com a proibição do consumo de derivados de tabaco em espaços públicos. No Brasil, essa segunda tendência manifesta-se por meio da promulgação de leis que proíbem o consumo de tabaco em ambientes fechados de uso coletivo como, por exemplo, a Lei Municipal nº 29.284/2008 da cidade do Rio de Janeiro, a Lei nº 13.541/2009, do Estado de São Paulo, ou ainda a medida provisória aprovada pelo Senado em novembro último. A racionalidade por detrás dessas leis é muito clara: se o consumo ativo de derivados de tabaco possui efeitos negativos para o fumante, é possível que também a exposição passiva à fumaça tabágica seja nociva à saúde. Assim, a proibição

cionamento da Ciência, quanto as noções de adoecimento, saúde e vida pública de nossa sociedade. Uma das mais conhecidas controvérsias sobre a exposição tabágica ambiental tem como protagonistas dois pesquisadores estadunidenses, James E. Enstrom e Geoffrey C. Kabat. Pesquisadores da área de saúde pública nas universidades da Califórnia e Nova Iorque, respectivamente, eles publicaram em 2003, no British Medical Journal (BMJ), um artigo intitulado “Environmental tobacco smoke and tobacco related mortality in a prospective study of Californians, 1960-98”. Apesar de o trabalho publicado seguir todos os preceitos da prática científica e ter sido submetido ao processo de peer review da revista, ele foi quase que universalmente condenado por negar a existência de qualquer relação significativa entre a fumaça ambiental de tabaco e as doenças cardíacas e o câncer. Nem mesmo o fato de os pesquisadores se basearem em um estudo epidemiológico reconhecido (o Cancer Prevention Study – CPS I, produzido pela American Cancer Society) evitou a polêmica e os ataques à credibilidade dos autores e até mesmo do processo editorial da revista. A primeira e mais comum acusação ao artigo é sobre o envolvimento dos autores com as empresas de tabaco norteamericanas. De fato, ambos os autores estiveram em algum momento relacionados com as companhias produtoras de cigarro ou com escritórios de advocacia que representam essas empresas, caracterizando um claro conflito de interesses. Mas e quanto aos seus opositores, que também recebem financiamento (governamental e privado) para comprovar os efeitos negativos da fumaça tabágica? Nesse caso, a idealização da Ciência como uma atividade desinteressada não contribuiu para a solução do impasse, e acabou privilegiando apenas um lado da disputa. Analiticamente, se as acusações sobre conflitos de interesse podem recair sobre

os autores do trabalho, porque elas não poderiam ser aplicadas também para seus críticos? Para além dessa questão, outros pontos decorrentes da controvérsia merecem destaque. Em primeiro lugar, como indica a antropóloga Mary Douglas, nossas noções de risco são socialmente condicionadas e representam nossos ideais coletivos de segurança, bem-estar e normalidade. Os processos de secularização e a mediação científica fizeram com que os discursos sistematizados sobre risco substituíssem noções mais tradicionais como, digamos, pecado ou tabu. Sua função social, no entanto, é muito similar: as percepções sobre os riscos são sempre politizadas e buscam conformar os indivíduos aos ideais coletivos. Especialmente no caso de algumas doenças crônicas, comportamentos “desviantes” (como os hábitos tabagistas ou dietas ricas em gorduras) contrariam padrões morais e científicos estabelecidos, transformando as pessoas nos principais culpados por sua própria situação de adoecimento. A vinculação entre adoecimento e comportamentos proscritos, e a medicalização do fumante passivo (isto é, sua constituição como um sujeito passível de adoecimento) construiu a noção do fumante como o “outro” culpado pelos riscos à saúde de terceiros. Assim, mesmo sem um consenso sólido a respeito do tema, os hábitos tabagistas (e, portanto, os fumantes!) passaram a ser estigmatizados e sujeitos ao controle governamental e ampla reprovação social. De forma resumida, o estudo das controvérsias científicas revela elementos sociais normalmente ocultos no processo de construção dos enunciados científicos. No caso específico dos efeitos do fumo passivo, para além de levantar a questão da intervenção “externa” e do financiamento da atividade científica, a análise sociológica demonstra um lado usualmente negligenciado dos grandes estudos epidemiológicos e das prescrições médicas: muito mais do que representações de uma suposta realidade objetiva, em muitos casos esses construtos tecnocientíficos refletem nossos ideais coletivos de segurança e bem-estar que, por definição, são sempre socialmente contextualizados. Assim sendo, ao invés de proceder com uma simples desconstrução do conhecimento médico e epidemiológico, o estudo social de tais enunciados científicos pode fornecer elementos para uma compreensão mais ampla sobre os temas abordados, seus desenvolvimentos históricos e, principalmente, suas implicações sociais mais amplas. Desta forma, estaremos colaborando para compreender o problema dos malefícios do cigarro sem incorrermos em uma perseguição moralista contra suas maiores vítimas, os próprios fumantes.

Maria Conceição da Costa (dacosta@ige.unicamp.br) é professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp; Maiko Rafael Spiess (spiess@ige.unicamp.br) é aluno de doutorado do mesmo instituto

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Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

Fotos: Antoninho Perri

Por uma água com mais qualidade

Trabalhadores em sistema de captação de água no rio Atibaia, principal manancial de abastecimento de Campinas: todas as amostras coletadas por pesquisadores apresentaram atividade estrogênica

Pesquisadores aprimoram método analítico para identi�icar no produto contaminantes ainda não legislados MANUEL ALVES FILHO

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manuel@reitoria.unicamp.br

esquisadores do Laboratório de Química Ambiental (LQA) do Instituto de Química (IQ) da Unicamp estão estabelecendo um novo paradigma para a análise da qualidade da água servida à população. Além dos testes químicos, já consagrados nesse tipo de abordagem, os cientistas refinaram o procedimento acrescentando a ele o ensaio biológico. Em tese de doutorado defendida recentemente, a química Cassiana Montagner Raimundo mediu pela primeira vez a atividade estrogênica tanto na água bruta quanto na tratada, a partir de amostras coletadas da Bacia do Rio Atibaia, que abastece a região de Campinas (SP). Os resultados obtidos indicam a necessidade do acionamento da luz de alerta por parte das concessionárias que atuam no setor. “Todas as amostras coletadas diretamente do manancial apresentaram atividade estrogênica. Nas amostras de água já tratada, 40% também tiveram o mesmo resultado”, informa a autora do trabalho. Em outras palavras, os testes constataram que os sistemas de tratamento utilizados atualmente não são suficientes para eliminar da água que chega à torneira das residências uma série de contaminantes, entre eles o estrógeno, popularmente conhecido como hormônio feminino. Excretada pelo corpo, essa substância, na forma natural ou sintética (presente nas pílulas anticoncepcionais), vai parar nos mananciais através do esgoto doméstico. “Este composto tem a capacidade de afetar o sistema endócrino de animais aquáticos, como os peixes. Ainda não sabemos, porém, qual o seu efeito no organismo humano. De toda forma, é uma situação preocu-

Cassiana Raimundo, autora da tese de doutorado: 40% das amostras da água tratada de Campinas apresentaram atividade estrogênica

pante”, afirma o professor Wilson de Figueiredo Jardim, coordenador do LQA e orientador da tese desenvolvida por Cassiana. Os testes biológicos realizados pela autora do trabalho foram implementados no Brasil pela professora Gisela Umbuzeiro, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FAC) da Unicamp, do campus em Limeira (SP), junto com o pessoal da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), órgão subordinado à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Cetesb). O projeto temático foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Nos ensaios, foi usada uma levedura modificada geneticamente. O micro-organismo recebeu um gene humano receptor do estrógeno e também um gene do vagalume, de modo a torná-lo uma espécie de “sensor luminoso”. Assim, ao entrar em contato com o hormônio presente na amostra de água, a levedura emitia uma luz, numa reação chamada de bioluminescência pelos cientistas. De acordo com o professor Jardim, a inclusão do ensaio biológico na avaliação da qualidade da água é importante porque torna o procedimento ainda mais preciso. Ele explica que a análise química é eficaz para identificar e medir a presença dos compostos, mas não consegue contemplar a sinergia eventualmente existente entre eles. “Existem substâncias que vão interagir com outras. A soma de duas ou mais substâncias

O professor Wilson Jardim: a agregação do ensaio biológico às análises da água representa o estabelecimento de um novo paradigma

pode, por exemplo, potencializar o anular a ação de uma delas. O que estamos fazendo, e o trabalho da Cassiana foi importante nesse sentido, é estabelecer um vínculo entre as duas formas de mensurar os contaminantes presentes na água. Trata-se, sem dúvida, de um novo paradigma”, considera. O docente adverte, porém, que a resposta biológica também tem suas limitações. “No caso da levedura que utilizamos, por exemplo, o gene receptor humano tem capacidade de identificar alguns estrógenos, mas não todos. De toda forma, esse método representa um avanço significativo para a análise da qualidade da água. Até onde estou informado, o método já está sendo introduzindo nas rotinas da Cetesb”.

Herbicida Ao todo, Cassiana considerou em seu trabalho 16 contaminantes. Destes, 13 foram encontrados pelo menos uma vez em amostras de água bruta da Bacia do Atibaia, em concentrações variadas. Nas amostras de água tratada, seis compostos foram determinados pelo menos uma vez, também em diferentes concentrações. Uma das surpresas foi a presença da substância denominada atrazina, um herbicida usado com frequência em algumas culturas agrícolas, a cana-de-açúcar entre elas. “Esses resultados revelam que os processos de tratamento utilizados pelas concessionárias não são suficientes para eliminar essas substâncias da água.

Elas aparecem em níveis equivalentes a nanogramas por litros, mas a literatura tem indicado que essa quantidade já tem sido suficiente para provocar efeitos adversos na biota”, acrescenta a autora da tese. Cassiana observa, ainda, que a situação da contaminação das águas que abastecem a população se torna ainda mais crítica no período de seca. Ela pôde constatar isso em seu trabalho, dado que realizou 13 coletas na Bacia do Atibaia ao longo de um ano (abril de 2010 a abril de 2011). “Os testes químico e biológico apontaram que a presença de compostos e a atividade estrogênica são maiores no período de estiagem”, revela. Na opinião do professor Jardim, as atuais condições do Rio Atibaia, um dos principais rios da Região Metropolitana de Campinas, são críticas. “Essa manancial talvez seja o pior exemplo regional das consequências que tivemos do crescimento econômico. Se por um lado a população teve o seu poder de compra e consumo ampliados, por outro os investimentos em saneamento não acompanharam essa progressão”, compara. A avaliação do docente da Unicamp coincide com os dados do Censo de 2010, divulgados este ano. De acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente pouco mais de metade dos domicílios brasileiros (55,4%) estão ligados à rede geral de esgoto. Quanto ao fornecimento de água, o serviço atende a 83% da população.

Resta saber, entretanto, qual é a qualidade do produto que chega à torneira. E é justamente esse ponto que o LQA vem investigando há 25 anos. Atualmente, segundo o professor Jardim, o laboratório está trabalhando em parceria com o Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), que funciona junto ao IQ, para verificar como anda a água potável de algumas capitais brasileiras, onde vivem aproximadamente 40 milhões de pessoas. De acordo com o docente da Unicamp, os pesquisadores estão terminando as primeiras análises neste momento. “É a primeira vez que se faz um trabalho dessa ordem no país. Estamos olhando mais especificamente para os chamados contaminantes emergentes, que são aqueles que ainda não são legislados. E por que não são legislados? Porque não podiam ser medidos. Agora que podemos mensurá-los, estamos descobrindo que, mesmo em baixas concentrações, eles podem causar alterações importantes em organismos aquáticos. Ainda não sabemos que tipo de dano a exposição a essas substâncias pode trazer ao ser humano, pois ainda não foi possível estabelecer um nexo causal. De toda forma, a presença desses compostos tanto na água bruta quanto na tratada representa um alerta. A luz amarela está acesa”, reforça. No caso específico de Campinas, continua o docente do IQ, a tese de Cassiana também foi importante porque ajudou a abrir um canal de conversação com a Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa). A empresa demonstrou interesse em adotar tecnologias mais refinadas com o objetivo de minimizar a quantidade desses contaminantes não legislados na água fornecida aos campineiros. “Estamos finalizando as tratativas para a assinatura de um contrato nesse sentido”, adianta o professor Jardim. “Além da Sanasa, outras concessionárias do Estado de São Paulo também estão demonstrando interesse no assunto. As perspectivas são boas, visto que os resultados dessas ações devem trazer um importante ganho para a população”, completa Cassiana.

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Tese: “Contaminantes emergentes em água tratada e seus mananciais. Sazonalidade, remoção e atividade estrogênica” Autora: Cassiana Montagner Raimundo Orientador: Wilson Jardim Unidade: Instituto de Química (IQ)

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Uma década de inclusão Ciência e Arte nas Férias, programa para alunos de escolas públicas, completa dez anos

Fotos: Antonio Scarpinetti

MARIA ALICE DA CRUZ

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halice@unicamp.br

ntes de participar do Programa Ciência e Arte nas Férias, em 2007, Mateus de Lima Ramos imaginava a Unicamp como um dos últimos espaços do conhecimento no qual poderia conquistar uma formação de nível superior. Hoje, como estudante do primeiro ano de filosofia da Universidade, ele declara que à medida que tinha contato com os professores do Programa Ciência e Arte nas Férias, se sentia mais motivado a se preparar para o vestibular da Unicamp. Como prêmio por acreditar em seu próprio potencial, foi aprovado na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade Estadual de São Paulo Júlio de Mesquita (Unesp), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e em sua escolhida, a Unicamp. A história de Ramos é um dos motivos pelos quais a Unicamp deve celebrar com ânimo redobrado os dez anos do Programa Ciência e Arte nas Férias, de acordo com o pró-reitor de Pesquisa, Ronaldo Pilli. Até o momento, 1.043 estudantes participaram do programa. Para o pró-reitor, os resultados obtidos até a décima edição, que acontece de 5 de janeiro a 2 de fevereiro de 2012, mostram que o programa consegue justamente o que os primeiros organizadores vislumbravam: a inserção de jovens com bom desempenho em escolas públicas no quadro discente de universidades públicas de qualidade. “Devo parte desse incentivo a esse projeto que me ofereceu a oportunidade de desenvolver a curiosidade pelo conhecimento, pela descoberta”, diz Ramos. Assim como outros participantes do programa, o estudante, motivado pelo estágio no Ciência e Arte, participou das três primeiras edições do Programa de Iniciação Científica Júnior (PICJr), no qual o projeto é executado por 12 meses. “O PICJr é uma extensão do Ciência e Arte nas Férias. Nele, o estudante de escola pública passa 12 meses desenvolvendo seu projeto na Unicamp”, informa Pilli. Pilli lembra que em 2003, quando o atual reitor da Unicamp, Fernando Costa, na condição de pró-reitor de Pesquisa, criou o programa, uma turma de 30 escolares do primeiro e segundo ano do ensino médio chegava de suas unidades escolares para experimentar a ciência na prática. Já no primeiro dia, de maneira tímida, adentravam laboratórios, guiados por um ou mais cientistas, que até então povoavam seus pensamentos. Mas quatro semanas depois, encerraram a primeira edição do Ciência e Arte mas Férias com comportamento festivo e demonstrando segurança na apresentação de seus trabalhos. “Eles chegam meio sem saber o que vai acontecer, um pouco inseguros. Acham que a Unicamp é impenetrável e formada por mentes brilhantes que estão no Olimpo. Mas logo percebem que o cientista é um cidadão, ocupado com questões muitas vezes abstratas mas que irão moldar nosso futuro. Também acabam constatando que a

Estudantes participam de experimento científico (acima) e de atividade artística (abaixo) no Ciência e Arte nas Férias: outra visão da Universidade

universidade é um bem público do série de instrumentos que permitem sociedade conheça e reconheça o qual têm o direito de usufruir. Poucas ao jovem preparar seu futuro pro- esforço que a Universidade faz para vezes vi uma transformação ocorrer fissional”, explica Pilli. oferecer ao jovem de escola pública Ele lembra também da inserção a oportunidade de complementação em apenas quatro semanas”, diz Pilli. O resultado obtido ao fim da de alunos na graduação pelo Pro- de sua formação”. primeira edição fez com que a grama de Formação Interdisciplinar A busca da verdade Reitoria da Universidade, nos anos Superior (Profis), voltado exclusivaseguintes, começasse a preparar mente para jovens que garantiram a No Ciência e Arte nas Férias, sesua ampliação. Sendo assim, desde primeira e a segunda nota no Exame gundo Pilli, por meio da execução de 2007, o programa passou a atender Nacional de Ensino Médio (Enem) projetos que lhes são atribuídos logo 120 estudantes, encaminhados por em suas escolas. “É preciso que a na primeira semana do programa, o Foto: Antoninho Perri 63 escolas. A resposta aluno é capaz de compositiva, segundo Pilli, preender como as ideias também estimula prosão propostas, como as fessores e alunos. Para perguntas nascem na caa décima edição, as beça do cientista, como inscrições para particise planeja um experipar da seleção chegam mento ou uma produção a 280 nomes. “Houve artística. “Eles descobrem crescimento acentuado que nada acontece sem não só no número de o pesquisador montar alunos admitidos, mas um experimento, colher também no número de dados, analisar e refazer alunos que se inscreexperimentos ainda mais vem. O programa não aprimorados, até que se só cresceu como contiaproxime cada vez mais nua exercendo atração da verdade. Porque Ciênentre estudantes das cia é, em sua essência, a escolas públicas”, cobusca da verdade”, explimemora Pilli. ca. Ao final do estágio, o “A ideia é mostrar aluno participante recebe a esses jovens como uma bolsa no valor de a Ciência se desenR$ 100, oferecida pelo volve, como funciona CNPq. A Universidade o método científiainda oferece transporte co, as oportunidades fretado e vale para o resde formação que a taurante universitário. Universidade oferece Um momento especial mesmo para aqueles para Ramos, assim como que não ingressam para todos os estudantes via vestibular, como que participam do progracursos de extensão, ma, é a integração duranespecialização, meste as oficinas, atividade trado, doutorado, biconjunta do programa. O pró-reitor de Pesquisa, professor Ronaldo Pilli: “A ideia é mostrar a esses jovens como a Ciência se desenvolve” bliotecas, enfim, uma “Acredito que a grande

importância do Projeto Ciência e Arte nas Férias consista em aproximar universidade e estudantes de ensino médio, de uma maneira extremamente criativa e inovadora. Além de despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais, o projeto contribui não só para o enriquecimento cultural, científico e tecnológico dos estudantes, mas também para uma integração mútua entre conhecimento e diversão, que são proporcionados pelas oficinas do projeto”, acentua Ramos. Para Pilli, o sucesso dos alunos em programas de inserção na Universidade estimula estudantes que, mesmo não-selecionados, passam a buscar um bom desempenho na escola. “Eles sabem que se tiverem desempenho acima da média podem ter a mesma oportunidade de seus colegas selecionados. Acho importante mostrar que aqueles que se esforçam podem almejar algo diferenciado.” Ele acrescenta que a sociedade precisa de pessoas que se destaquem em todas as áreas do conhecimento. “Temos que formar lideranças para todos os segmentos da economia e da sociedade. E isso começa com boa formação”, acrescenta. Para Pilli, a comemoração é obrigatória, pois diante de tantas críticas à educação brasileira, um excelente instrumento de inclusão na Universidade deu certo. Para ele, o fato de o aluno da rede pública não ter as mesmas condições de aprendizado de um estudante de escola da rede privada não significa que tenha menos talento. “Talento não tem nada a ver com classe social. Temos brilhantes cientistas de origem humilde. É este o espírito do programa”. Para os próximos anos, o pró-reitor deseja que mais pesquisadores e principalmente jovens professores da Universidade apresentem projetos para receber estagiários em seus laboratórios, pois a participação de mais pesquisadores, incluindo pós-doutores e alunos de pós-graduação, abriria a possibilidade de ampliação do número de vagas. O mundo científico está em contínua transformação. Pilli acentua que os jovens não podem pensar que tudo está pronto e o mundo não precisará mais de cientistas. Em sua opinião, a Universidade tem o papel de mostrar os desafios que estão por vir. É essa geração, segundo o pró-reitor, que vai ter de inventar seus smartphones, seus i-Pads, pois tudo o que têm hoje é fruto de outros pesquisadores que se dedicaram a desenvolver essas “maravilhas tecnológicas”. O pró-reitor também coloca entre os desafios as questões centrais do planeta como recursos hídricos, alimentos, energia. “Além desses desafios que conhecemos, há aqueles ainda não imaginados. Quem poderia afirmar no final da década de 1970 que haveria epidemia de Aids? Apareceu e tivemos de lidar com isso. Na época, parecia sentença de morte. Hoje não.” Ele lembra ainda que em 2009 o país foi surpreendido com a epidemia de gripe suína (vírus H1N1), para a qual não estava preparado. Pilli acredita que a Universidade abre oportunidade de formação para muitos jovens, mas o sucesso requer dedicação. Ao passar pelo Ciência e Arte e manter bom desempenho, o aluno já demonstra potencial para estudar na Unicamp, na opinião de Pilli. Para Ramos, os 30 dias de estágio na Universidade representam uma oportunidade ímpar na vida de qualquer estudante. “Tudo isso possibilitou uma nova gama de experiências acadêmicas que, consequentemente, resultou para mim numa vida social mais crítica e consciente”, conclui Ramos.


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Pesquisas associam obesidade e diabetes a bactérias no intestino Fotos: Antoninho Perri

Estudos investigam alterações na �lora intestinal

EDIMILSON MONTALTI

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divulga@fcm.unicamp.br

esquisas realizadas na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp apontam as bactérias presentes no intestino como nova linha de investigação sobre obesidade e diabetes. Em 2006, um estudo publicado na revista Nature mostrou que obesos e magros tinham um tipo diferente de flora intestinal. Isso chamou a atenção dos pesquisadores do Laboratório de Investigação Clínica em Resistência à Insulina (Licre) da FCM. Há três anos, eles começaram a investigar o mecanismo pelo qual uma mudança na flora intestinal poderia ter influência na obesidade e na resistência à insulina. De acordo com o médico e orientador das pesquisas, Mario José Abdalla Saad, isso é muito novo. Dois dos candidatos para mediar os efeitos da flora intestinal no metabolismo são os receptores TLR2 e TLR4, proteínas codificadas por um gene da família chamada de Toll-like (receptores símiles a Toll), que este ano esteve em evidência na mídia por conta de dois dos três vencedores do prêmio Nobel de medicina. Bruce Beutler descreveu a ação do Toll-like em ratos e Jules Hoffmann em drosófilas. O TLR2 desempenha um papel no sistema imunológico. É uma proteína receptora presente na membrana de determinadas células. Ele reconhece antígenos e transmite “sinais” para as células do sistema imunológico. O TLR4 também é um receptor do sistema imunológico. Ele detecta, principalmente, lipopolissacarídeo (LPS), componente presente na parede celular das bactérias gramnegativas existentes no intestino. “O animal obeso tem o receptor TLR4 ativado. A primeira coisa que encontramos nesse animal foi um LPS elevado. O LPS elevado aumenta absorção de energia que se acumula em forma de gordura. Fomos então procurar de onde vinha esse LPS elevado e os candidatos diretos foram as bactérias do trato gastrointestinal”, explicou Saad. Mas, para se chegar a esta descoberta, foi necessário montar o quebracabeça a partir de três pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores do Licre. Os trabalhos resultaram em artigos científicos publicados em revistas internacionais. O educador físico Alexandre Gabarra Oliveira pesquisou os efeitos do exercício físico na redução da circulação de lipopolissacarídeo e na ativação do receptor TLR4 e melhora da sinalização de insulina em tecidos de ratos com obesidade induzida por dieta hiperlipídica. A pesquisa foi publicada na revista Diabetes, da Associação Americana de Diabetes. O biomédico Bruno de Melo Carvalho estudou a modulação da microbiota intestinal na melhora da sinalização à insulina em camundongos alimentados com alto teor de gordura. O artigo foi submetido para publicação na revista Diabetologia. Já a bióloga Andrea Moro Caricilli estudou a microbiota intestinal como um modulador-chave de resistência à insulina em camundongos nocaute

Os pesquisadores Alexandre Gabarra Oliveira, Bruno de Melo Carvalho e Andrea Moro Caricilli: três anos de investigações

O professor Mario José Abdalla Saad, coordenador das pesquisas: alvo são as bactérias do trato gastrointestinal

TLR2. A pesquisa acaba de ser publicada na revista PLoS Biology. A partir do estudo, Andrea observou que camundongos que não apresentavam a proteína TLR2 possuíam um fenótipo semelhante ao observado na síndrome metabólica e com uma composição bacteriana semelhante à encontrada em indivíduos obesos, com aumento da proporção de bactérias do filo Firmicutes. Os três trabalhos têm apoio da Fapesp e do CNPq.

Inflamação Tornou-se cada vez mais evidente que a resistência à insulina, induzida pela obesidade, está associada com uma inflamação crônica do tecido adiposo, músculos esqueléticos e órgãos internos como o fígado. Estudos recentes do grupo de pesquisa do Licre mostram que uma mutação no receptor TLR4 tem um papel central na ligação entre a resistência à insulina, inflamação e obesidade. O TLR4 é um receptor essencial para o reconhecimento de lipopolissacarídeo (LPS). As concentrações de LPS aumentam significativamente após a ingestão de refeições de alto teor de gordura e carboidratos. A ingestão de gordura leva ao aumento da permeabilidade intestinal, porque o LPS é solúvel em gordura. Segundo o pesquisador Alexandre Gabarra Oliveira, enquanto o índice de LPS circulante no obeso equivale a 0,5 EU/ml, no magro, esse valor é de 0,05 EU/ml. Ratos machos com oito semanas de idade da linhagem Wistar foram alea-

toriamente divididos em três grupos: controle, alimentados com comida padrão para roedores e água; sedentários, alimentados com uma dieta rica em gordura e água; e obesos praticantes de atividade física crônica e aguda. Os ratos obesos exercitados cronicamente foram submetidos a seções diárias de uma hora de natação de intensidade moderada, cinco vezes por semana, durante dois meses. Após os exercícios, os ratos obesos treinados passaram a ter um LPS de aproximadamente 0,2 EU/ml. Já os agudos, ficaram em torno de 0,05 EU/ ml ou menos. “Levantamos a hipótese que essa redução era proveniente da flora intestinal. Para comprovar que a diminuição do LPS participava do efeito do exercício, submetemos o animal ao protocolo, injetamos LPS e observamos que os resultados foram atenuados. O animal permaneceu resistente à insulina. Indivíduos que possuem níveis aumentados de LPS têm maior absorção de gordura. Isso leva à inflamação subclínica crônica do tecido adiposo, músculo e fígado e cria um ciclo vicioso. Quanto mais gordura absorve, maior se torna a dificuldade para emagrecer”, explicou Alexandre.

Resistência à insulina Existem aproximadamente 100 trilhões de bactérias no intestino, representando de 400 a 1.000 espécies. O conjunto de bactérias que habitam o trato gastrointestinal é chamado de microbiota. Essas bactérias possuem a capacidade de extrair mais ou menos

energia dos alimentos. Elas possuem enzimas capazes de digerir carboidratos complexos – polissacarídeos – transformando-os em carboidratos mais simples que são absorvidos e utilizados ou armazenados pelo organismo. A partir da hipótese que a flora intestinal do obeso e do magro é diferente, tanto em humanos como em roedores, o biomédico Bruno de Melo Carvalho buscou uma forma para modular a flora intestinal e comprovar a relação desta com a resistência à insulina e com a obesidade. A estratégia foi usar antibióticos. Camundongos da linhagem Swiss foram submetidos à dieta rica em gordura durante oito semanas. O pesquisador utilizou um coquetel de antibióticos de amplo espectro e tratou os animais durante o período de indução à obesidade. Ele percebeu que o grupo de animais sem o tratamento adquiriu todos os componentes de resistência à insulina induzidos por obesidade – inflamação, intolerância à glicose e perda de sensibilidade à insulina. “O animal tratado com antibiótico teve todos os componentes fisiológicos melhorados em relação ao animal que apenas recebeu dieta rica em gordura. Tanto no fígado, músculo e tecido adiposo, a ativação de todas as proteínas das vias de sinalização da insulina foi melhorada em relação aos animais que não foram tratados”, disse Bruno. Com o tratamento com antibióticos, o pesquisador conseguiu reduzir o número de bactérias no intestino e essa queda proporcionou uma redução dos níveis de LPS circulante, o que resultou na ativação menor do TLR4 e redução na inflamação desse animal, ocasionando melhora na sensibilidade à insulina. “No laboratório, não avaliamos o tratamento, mas buscamos novas estratégias de tratamento e proteínas envolvidas no mecanismo de resistência à insulina. É um trabalho extenuante porque tem muitas opções. No obeso, há um aumento de gordura saturada circulante e ela vai induzir a ativação do TLR4, causando inflamação e resistência à insulina. A via de sinalização do TLR4 possui pontos de convergência com outras pesquisas que desenvolvemos”, disse Bruno.

Microbiota A pesquisa da bióloga Andrea Mora Caricilli foi a peça que faltava para entender a relação entre a

flora intestinal e a obesidade. Ela utilizou um grupo de camundongos modificados geneticamente para a não expressão do receptor TLR2, chamados nocaute. Estudos publicados anteriormente por outros pesquisadores, todos internacionais, apontam que a ausência do TLR2 leva a um aumento da sensibilidade à insulina. Entretanto, ao contrário do que mostram esses estudos, não foi isto que ela encontrou. “Percebemos que o camundongo nocaute tinha um aumento da concentração de lipopolissacarídeo em comparação aos animais controle. Esse aumento nos levou a investigar qual era a composição da flora intestinal. Observamos que a flora intestinal desses animais tinha uma maior proporção de Firmicutes, como se observa nos obesos”, explicou Andrea. De acordo com a pesquisa, as mudanças na microbiota intestinal foram acompanhadas por um aumento na absorção de LPS, inflamação subclínica, resistência à insulina, intolerância à glicose e, mais tarde, obesidade. Para comprovar essa teoria, Andrea tratou os camundongos nocaute para o TLR2 com antibióticos de largo espectro, o que dizimou a microbiota intestinal e resgatou o fenótipo metabólico do animal, assemelhando-se ao que se observa nos camundongos controle. Em seguida, transplantou a microbiota dos camundongos nocaute para o TLR2 para camundongos controles com uma microbiota bastante simplifica e passou a alimentá-los com ração padrão. Os animais começaram a desenvolver obesidade e resistência à insulina. “Toda regulação do sistema imunológico na flora intestinal, o crescimento e predominância de um tipo de bactéria dependem do alimento que você consome e do ambiente em que você está inserido. Dependendo da flora intestinal estabelecida no seu organismo, haverá uma menor ou maior absorção de gordura e uma maior ou menor propensão ao desenvolvimento da inflamação subclínica e da resistência à insulina. Ainda não está esclarecido como ocorre a seleção bacteriana no intestino”, concluiu a pesquisadora. “A obesidade tem um componente genético e ambiental, mas a flora intestinal é mais importante do que pensávamos. Se eu pegar uma flora intestinal de um animal obeso e transplantar para um animal magro, esse animal é capaz de desenvolver obesidade. Uma dieta calórica com alto teor de gordura e pouca fibra modula as bactérias da flora intestinal e facilita a instalação da obesidade. Essa é uma área de intensa pesquisa no mundo e a FCM está na vanguarda disso”, concluiu Saad.

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Artigo: “Physical exercise reduces circulating lipopolysaccharide and Toll–Like receptor 4 activation and improves insulin signaling in tissues of dietinduced obesity rats” Publicação: Revista Diabetes, março de 2011 Autor: Alexandre Gabarra Oliveira Orientador: Mario José Abdalla Saad Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Apoio: Fapesp e CNPq Artigo: “Gut microbiota modulation improves insulin signalling in high-fat fed mice” Publicação: Submetida na Revista Diabetologia Autor: Bruno de Melo Carvalho Orientador: Mario José Abdalla Saad Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Apoio: Fapesp e CNPq Artigo: “Gut microbiota is a key modulator of insulin resistance in TLR2 knockout mice” Publicação: Revista PLoS Biology, dezembro de 2011 Autora: Andrea Moro Caricilli Orientador: Mario José Abdalla Saad Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Apoio: Fapesp e CNPq

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Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

‘O mundo já ingressou na segunda fase da crise’ O economista francês Gérard Duménil é autor de vários livros e ensaios sobre o capitalismo contemporâneo. Este ano publicou, em parceria com Dominique Lévy, o livro The crisis of neoliberalism (Harvard University Press, 2011). Duménil esteve na Unicamp para uma palestra sobre a crise atual no Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) no âmbito do programa de pós-graduação em ciência política do Instituto de Filoso�ia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Na ocasião, concedeu a entrevista que segue ao cientista político Armando Boito Júnior, professor titular do IFCH.

J

ARMANDO BOITO JR. Especial para o JU

ornal da Unicamp – Você vem pesquisando o capitalismo neoliberal há muito tempo. Na sua análise, como se deve caracterizar essa etapa atual do capitalismo? Gérard Duménil – O neoliberalismo é a nova etapa na qual ingressou o capitalismo com a transição dos anos 70 e 80. Eu e Dominique Lévy falamos de uma nova “ordem social”. Com essa expressão nós designamos a configuração de poderes relativos de classes sociais, dominações e compromissos. O neoliberalismo se caracteriza, desse modo, pelo reforço do poder das classes capitalistas em aliança com a classe dos gerentes (classe des cadres) – sobretudo as cúpulas das hierarquias e dos setores financeiros. No decorrer dos decênios posteriores à Segunda Guerra Mundial, as classes capitalistas viram o seu poder e suas rendas diminuírem sensivelmente na maior parte dos países. Simplificando, nós poderíamos falar numa ordem “social-democrata”. As circunstâncias criadas pela crise de 1929, a Segunda Guerra Mundial e a força internacional do movimento operário tinham conduzido ao estabelecimento dessa ordem social relativamente favorável ao desenvolvimento econômico e à melhoria das condições de vida das classes populares – operários e empregados subalternos. O termo “social-democrata” para caracterizar essa ordem social se aplicava, evidentemente, melhor à Europa que aos Estados Unidos. Com o estabelecimento da nova ordem social neoliberal, o funcionamento do capitalismo foi radicalmente transformado: uma nova disciplina foi imposta aos trabalhadores, em matéria de condições de trabalho, poder de compra, proteção social etc., além da desregulamentação (notadamente financeira), abertura das fronteiras comerciais e a livre mobilidade dos capitais no plano internacional – liberdade de investir no exterior. Esses dois últimos aspectos colocaram todos os trabalhadores do mundo numa situação de concorrência, quaisquer que sejam os níveis de salário comparativos nos diferentes países. No plano das relações internacionais, os primeiros decênios do pós-guerra, ainda na antiga ordem “social democrata”, foram marcados por práticas imperialistas dos países dos países centrais: no plano econômico, pressão sobre os preços das matérias-primas e exportação de capitais; no plano político, corrupção, subversão e guerra. Com a chegada do neoliberalismo, as formas imperialistas foram renovadas. É difícil julgar em termos de intensidade, fazer comparação. Em termos econômicos, a explosão dos investimentos diretos no estrangeiro na década de 1990 certamente multiplicou o fluxo de lucros extraído dos países periféricos pelas classes capitalistas do centro. O fato de os países da periferia desejarem receber esses investimentos não muda nada a natureza imperialista dessas práticas – sabe-se que todos os trabalhadores “desejam” ser explorados a ficar desempregados. Quando em meados dos anos 90, nós introduzimos essa interpretação do neoliberalismo em termos de classe, ela suscitou pouco interesse. Mas a explosão das desigualdades sociais deu a essa interpretação a força da evidência. A particularidade da análise marxista é a referência às classes mais que a grupos sociais. Esse caráter de classe está inscrito em todas as práticas neoliberais e inclusive os keynesianos de esquerda se exprimem, agora, nesses termos. Uma recusa a essa interpretação, no entanto, ainda se mantém; muitos não aceitam o papel importante que atribuímos aos gerentes (cadres) na ordem social neoliberal. Entre os marxistas, continua-se a recusar que o controle dos meios de produção no capitalismo moderno é assegurado conjuntamente pelas classes capitalistas e pela classe dos gerentes (classe de cadres), o que faz dessa última uma segunda componente das classes superiores. Essa recusa é ainda mais desconcertante quando se tem em mente que as rendas das

Fotos: Divulgação

categorias superiores dos gerentes (cadres) no neoliberalismo explodiram ainda mais que as rendas dos capitalistas. JU – Para alguns autores, o neoliberalismo foi um ajuste inevitável provocado pela crise fiscal do Estado; para outros foi o resultado, também inevitável, da globalização. Gérard Duménil – A explicação do neoliberalismo pela “crise fiscal” e frequentemente também pela inflação é a explicação da direita; é uma defesa dos interesses capitalistas. Ela especula com as inconsequências dos blocos políticos que dirigiam a ordem social do pós-guerra. Esses foram incapazes de gerir a crise dos anos 70 e preparam a cama para o neoliberalismo. Passa-se o mesmo com a explicação que apresenta o neoliberalismo como consequência da globalização. Esse argumento inverte as causalidades. O que o neoliberalismo faz é orientar a globalização, uma tendência antiga, para novas direções e acelerar o seu curso, abrindo a via para a “globalização neoliberal”. O movimento altermundialista lutou por uma outra globalização, solidária, e não baseada na exploração em proveito de uma minoria. JU – Você acaba de publicar, juntamente com o seu colega Dominique Lévy, um livro sobre a crise econômica atual. Na sua avaliação, qual é a natureza dessa crise? Gérard Duménil – A crise atual é uma das quatro grandes crises – crises estruturais – que o capitalismo atravessou desde o final do século XIX: a crise da década de 1890, a crise de 1929, a crise da década de 1970 e a crise atual – iniciada em 2007/2008. Essas crises são episódios de perturbação de uma duração de cerca de uma dezena de anos (para as três primeiras). Elas ocorrem com uma periodicidade de cerca de 40 anos e separam as ordens sociais que evoquei na resposta à primeira pergunta. A primeira e a terceira dessas crises, as das décadas de 1890 e de 1970, seguiram-se a fases de queda da taxa de lucro e podem ser designadas como crises de rentabilidade. As duas outras crises, a de 1929 e a atual, nós as designamos como “crises de hegemonia financeira”. São grandes explosões que ocorrem na sequência de práticas das classes superiores visando ao aumento de suas rendas e de seus poderes. Todos os procedimentos do neoliberalismo estão aqui em ação: desregulamentação financeira e globalização. O primeiro aspecto é evidente, mas a globalização foi também, como vou indicar, um fator chave da crise atual. Queda da taxa de lucro e explosão descontrolada das práticas das classes capitalistas são dois grandes tipos de explicação das grandes crises na obra de Marx. O primeiro tipo é bem conhecido. No Livro III de O Capital, Marx defende a tese da existência de uma “tendência decrescente da taxa de lucro” inerente ao caráter da mudança tecnológica no capitalismo (a dificuldade de aumentar a produtividade do trabalho sem realizar investimentos muito custosos, o que Marx descreve como a “elevação da composição orgânica do capital”). Note-se que Marx refuta explicitamente a imputação da queda da taxa de lucro ao aumento da concorrência. (O segundo grande tipo de explicação para as crises já aparece em esboço nos escritos de Marx da década de 1840.) No Manifesto do Partido Comunista, Marx descreve as classes capitalistas como aprendizes de feiticeiros, desenvolvendo mecanismos capitalistas sob formas e em graus perigosos e perdendo, finalmente, o controle sobre as consequências de sua ação. Os aspectos financeiros da crise atual remetem diretamente às análises do “capital fictício”, aos quais Marx consagrou longos desenvolvimentos no Livro II de O Capital, desenvolvimentos que ecoam as ideias do Manifesto. De uma maneira bem estranha, alguns marxistas só aceitam a explicação das grandes crises pela queda da rentabilidade, excluindo qualquer outra explicação, e passam a multiplicar cálculos mal fundamentados. Mas a crise atual não é uma simples crise financeira. É a crise de uma ordem social insustentável, o neoliberalismo. Essa crise, no centro do sistema, deveria acontecer, de qual-

Capa do livro The crisis of neoliberalism, publicado pela Harvard University Press


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Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

O economista francês Gérard Duménil, que recentemente proferiu palestra no IFCH: “Nós temos dificuldade em ver como a Europa poderá escapar disso”

quer modo, um dia ou outro, mas ele chegou de uma maneira bem particular em 2007/2008, vinda dos Estados Unidos. Dois tipos de mecanismos convergiram. Encontramos, de uma parte, a fragilidade induzida em todos os países neoliberais pelas práticas de financeirização e de globalização (notadamente financeira), motivada pela busca desenfreada de rendimentos crescentes por parte das classes superiores, reforçada pela recusa de regulamentação. O banco central dos EUA, em particular, perdeu o controle das taxas de juros e a capacidade de conduzir políticas macroeconômicas em decorrência da globalização financeira. De outra parte, a crise foi o efeito da trajetória econômica estadunidense, uma trajetória de desequilíbrios cumulativos, que os EUA puderam manter devido à sua hegemonia internacional – contrariamente à Europa que, considerada no seu conjunto, não conheceu tais desequilíbrios. Desde 1980, o ritmo da acumulação de capital nos Estados Unidos desacelerou no território do próprio país enquanto cresciam os investimentos diretos no exterior. A isso é necessário acrescentar: um déficit crescente do comércio exterior, uma grande elevação do consumo (da parte das camadas mais favorecidas) e um endividamento igualmente crescente das famílias. O déficit de comércio exterior (o excesso de importações frente às exportações) alimentava um fluxo de dólares para o resto do mundo que tinha como única utilização a compra de títulos estadunidenses, levando ao financiamento da economia daquele país pelos estrangeiros – uma “dívida” vis-à-vis o estrangeiro, simplificando um pouco. Por razões econômicas que eu não explicarei aqui, o crescimento dessa dívida exterior devia ser compensado por aquele da dívida interna, a das famílias e a do Estado, a fim de sustentar a atividade no território do país. Isso foi feito encorajando o endividamento das famílias pela política de crédito e pela desregulamentação – a dívida do governo teria podido substituir o endividamento das famílias mas isso ia contra as práticas neoliberais de antes da crise. Os credores das famílias (bancos e outros) não conservavam os créditos criados, mas os revendiam sob a forma de títulos (obrigações), cuja metade, mais ou menos, foi comprada pelo resto do mundo. De tanto emprestar às famílias para além da capacidade delas saldarem as dívidas, as inadimplências se multiplicaram desde o início do ano de 2006. A desvalorização desses créditos desestabilizou o frágil edifício financeiro, nos EUA e no mundo, sem que o banco central dos Estados Unidos estivesse em condição de restabelecer os equilíbrios no contexto de desregulamentação e de globalização que ele próprio tinha favorecido. Esse foi o fator desencadeador, mas não o fundamental, da crise – combinação de fatores financeiros (a loucura neoliberal nesse domínio) e reais (a globalização, o sobre-consumo estadunidense e o déficit do comércio exterior desse país).

nos países do centro. São apenas políticas que visam o reforço da exploração das classes populares. Nos Estados Unidos, a administração de Barak Obama elaborou uma lei, a lei Dodd-Frank, para regulamentar as práticas financeiras, mas os republicanos bloquearam completamente a aplicação. Em outras esferas, como gestão das empresas, exportação, déficits do comércio exterior, nada foi feito. Na Europa, a crise não é identificada como a crise do neoliberalismo. A Alemanha é apresentada como tendo provado a sustentabilidade do caminho neoliberal. A crise é imputada à incapacidade de gestão de certos Estados, notadamente a Grécia e Portugal. Em toda parte, a direita retomou a ofensiva. Ela se atém à questão dos déficits orçamentários e da elevação da dívida pública. Ela finge não ver que a austeridade orçamentária, além da transferência, que a felicita, do peso da dívida para as classes populares, não pode senão provocar a recaída numa nova contração da atividade. Essa é a segunda fase da crise. Essa segunda fase não será a última. O novo mergulho na recessão necessitará novas políticas. Contrariamente à Europa, os Estados Unidos se lançaram massivamente no financiamento direto da dívida pública pelo banco central (o quantitative easing). Muito mais coisa será necessária, apesar da direita. Nós temos dificuldade em ver como a Europa poderá escapar disso.

JU – Você falou em suas palestras no Brasil que a crise econômica teria entrado numa segunda fase. Como a crise vem se desenvolvendo? Gérard Duménil – O mundo já ingressou na segunda fase da crise. É fácil compreender as razões. A primeira fase atingiu o pico no outono de 2008, quando caíram as grandes instituições financeiras estadunidenses, quando começou a recessão e quando a crise se propagou para o resto do mundo. As lições da crise de 1929 foram bem aprendidas. Os bancos centrais intervieram massivamente para sustentar as instituições financeiras (com medo de uma repetição da crise bancária de 1932) e os déficits orçamentários dos Estados atingiram níveis excepcionais. Mas essas medidas keynesianas, estimulando a demanda, só podiam ter por efeito uma sustentação temporária da atividade. Os governos dos países do centro ainda não tomaram consciência do caráter estrutural da crise. Eles agem como se a crise tivesse sido puramente financeira, já ultrapassada; entretanto, as medidas keynesianas só criaram um sursis. Nenhuma medida antineoliberal séria foi tomada

JU – As políticas propostas pelos dois grandes da União Europeia para superar a crise têm repetido as fórmulas neoliberais. Os mercados intimidam os governos; Sarkozy e Merkel exigem mais e mais cortes orçamentários. Por que insistem em uma política que, para muitos observadores, está na origem da crise? Que resultado a aplicação de tais políticas poderá produzir? Gérard Duménil – Eu não penso de jeito nenhum que o rigor orçamentário tenha sido uma das causas da crise. Isso é a expressão de uma crença keynesiana ingênua, tão ingênua quanto à crença na capacidade dessas políticas de suscitar a saída da crise, dispensando as necessárias transformações antineoliberais. Porém, nesse contexto, as políticas que visam erradicar os déficits não deixarão de provocar uma nova queda da produção.

JU – É sabido que a crise econômica atingiu mais fortemente, pelo menos até agora, os EUA e a Europa. Na década de 1990, ao contrário, as crises econômicas foram mais fortes na periferia. Por que essa diferença? Como a crise atual se manifesta nas diferentes regiões do globo? Gérard Duménil – Até a segunda metade da década de 1990, o neoliberalismo produziu estragos no mundo, notadamente na América Latina e na Ásia. Mesmo hoje, as taxas de crescimento na América Latina permanecem inferiores àquelas dos primeiros decênios do pós-Segunda Guerra Mundial, e isso a despeito da redução massiva dos salários reais – que foi reduzido à metade desde a crise de 1970 em alguns países da região. Na década de 1990 – e em 2001 na Argentina – os avanços do neoliberalismo provocaram grandes crises, das quais a crise argentina é um caso emblemático. O mundo entrou, agora, numa fase nova. A transição para o neoliberalismo provoca um tipo de “divórcio”, nos países do centro, entre os interesses das classes superiores e os do país como território econômico. O caso dos Estados Unidos é espetacular. Como eu disse, as grandes empresas desse país investem cada vez menos no território do país e, cada vez mais, no resto do mundo. A globalização levou a um deslocamento da localização da produção industrial para as periferias: na Ásia, na América Latina e, inclusive, em alguns países da África sub-saariana.

JU – Muitos analistas têm destacado que os partidos, sejam eles de direita ou de esquerda, não se diferenciam muito nas propostas para enfrentar a crise. Ademais, em vários países europeus, como a Inglaterra, a Espanha e

Portugal, a direita foi eleitoralmente favorecida pela crise econômica. Os movimentos sociais poderiam construir uma alternativa de poder? Qual poderia ser um programa popular para enfrentar a crise atual? Gérard Duménil – Nós não falamos dos aspectos políticos do neoliberalismo. A aliança na cúpula das hierarquias sociais entre classes capitalistas e classes dos gerentes (classes de cadres) logrou, por diversos mecanismos, afastar as classes populares da política “politiqueira”. Quero dizer: as afastou dos jogos dos partidos e dos grupos de pressão. Para as classes populares, só restou a (luta de) rua. É preciso fazer entrar em cena grupos sociais que se encontram na “periferia” das classes dos gerentes (classes de cadres): os intelectuais e os políticos profissionais. No compromisso social dos pós-Segunda Guerra, frações relativamente importantes desses grupos eram partidárias da aliança com as classes populares (às quais elas não pertenciam), que elas apoiavam nos seus campos próprios de atuação. No contexto do colapso do movimento operário mundial, as classes capitalistas lograram, no neoliberalismo, a selar uma aliança com as classes dos gerentes – usando o recurso da remuneração, notadamente – conduzindo gradualmente esses grupos periféricos (a universidade fornece muitas ilustrações sobre esse fenômeno) no empreendimento de conquista social do neoliberalismo. A proporção de grupos sociais motivados para uma aliança com as classes populares estreitou-se consideravelmente, ficando reduzida a alguns grupos “iluminados” aos quais eu próprio pertenço. O sofrimento das classes populares não chega ao grupo dos gerentes e, no plano político, não há mais nenhum grande partido de esquerda. Na França, sabe-se no que se tornou o Partido Socialista, completamente ganho pela “globalização”, um termo para ocultar o neoliberalismo. Algo semelhante poderíamos dizer dos democratas nos Estados Unidos e eu deixo para vocês mesmos julgarem a situação do Brasil a esse respeito. A vida política – politiqueira – se reduz à alternância entre dois partidos não equivalentes; mas o partido que se diz de esquerda é incapaz de propor uma alternativa, para não falar da sua implementação. O voto se reduz àquilo que nós chamamos na França o “voto sanção”. A direita sucede a esquerda na Espanha, por exemplo, porque a esquerda estava no poder durante a crise; a direita não tem, evidentemente, nenhuma capacidade superior para gerir a crise. JU – Muitos observadores têm falado da possibilidade de extinção do euro. Você acredita que isso poderá ocorrer? Na sua avaliação, quais seriam os desfechos mais prováveis para a crise atual? Gérard Duménil – É possível que alguns países saiam da zona do euro. Isso não resolveria o problema da dívida deles, que se tornaria ainda impagável depois da desvalorização da nova moeda substituta do euro. O problema é o do cancelamento da dívida ou de sua adoção pelo banco central. A crise da dívida atingiu agora os países do centro da Europa, e será necessário que esses países tomem consciência da amplitude e da verdadeira natureza do problema. Isso remete às características daquilo que nós chamamos a “terceira fase da crise”. Quais políticas serão adotadas face à nova recessão? Como será gerida a crise na Itália e, depois, na França? Como a Alemanha responderá à pressão dos “mercados” (as instituições financeiras internacionais)? Uma coisa é certa: essas dívidas não devem ser pagas, o que exige a transferência delas para fora dos bancos ou uma forte intervenção na sua gestão. Agora, o ponto fundamental é a vontade dos governos dos países mais poderosos da Europa, notadamente a Alemanha, de reforçar a integração europeia (em vez de estourar a zona do euro), que se opõe à vontade de “desglobalização” de alguns. Esse debate oculta a questão central: qual Europa? Uma Europa das classes superiores ou a de um novo compromisso de esquerda?


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Nas n bas ca

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Navegação mais confiável Foto: Antoninho Perri

Pesquisa propõe modelo de segurança baseado nos conteúdos da internet em lugar do endereço IP MANUEL ALVES FILHO

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manuel@reitoria.unicamp.br

esquisadores ligados a empresas e universidades espalhadas pelo mundo estão se dedicando à construção da Internet do Futuro, que muito provavelmente oferecerá mais agilidade, robustez e segurança aos usuários. Entre eles está Walter Wong, que acaba de defender tese de doutorado na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. Em seu trabalho, desenvolvido parcialmente na Universidade de Helsinque, na Finlândia, ele propõe um modelo de segurança adequado a uma nova arquitetura da rede. “O que estamos propondo é que a segurança deixe de ser baseada no endereço de IP [Internet Protocol] e passe a ser balizada pelo conteúdo”, afirma o autor do estudo, que foi orientado no Brasil pelo professor Maurício Ferreira Magalhães. Wong contou com bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação. De acordo com o pesquisador, quando a internet atual foi criada, os idealizadores não podiam imaginar no que ela se transformaria. A segurança não era exatamente a principal preocupação na época, dado que a proposta inicial era ligar pontos distantes fisicamente para promover a transferência de bits. Com o passar do tempo, porém, as pessoas

Walter Wong, autor da tese: “A internet é uma nave espacial funcionando sobre uma base simples”

passaram a utilizar a rede para uma série de atividades, como consumir conteúdos, fazer compras e pagar contas, entre outras. “Ou seja, hoje temos uma nave espacial funcionando sobre uma base simples”, compara Wong. O grande problema relativo à segurança da Web, segundo ele, é que o seu princípio está baseado no IP, que é representado por um número. Este, além de identificar o endereço, identifica também o usuário ou provedor. É aí que surge um imbróglio, conforme o engenheiro da computação. “Quando a internet foi criada, isso fazia sentido, pois as máquinas eram imensas e dificilmente seriam transferidas de lugar. Hoje, porém, nós temos notebooks, celulares e tablets que nos proporcionam mobilidade. Ou seja, não é razoável identificar um host (hospedeiro) pelo seu endereço

físico, visto que ele pode se deslocar para qualquer lugar do mundo”, explica. Ademais, continua Wong, quando uma pessoa se conecta à rede para fazer uma compra num determinado site, por exemplo, ela não faz ideia de onde o provedor dessa empresa está de fato localizado. “Trata-se de uma relação de confiança. Entretanto, essa confiança poderia ser ampliada se a arquitetura da internet permitisse basear a segurança no conteúdo e não no endereço IP”, reforça. Para chegar à sua proposta, Wong teve que trabalhar com o desenvolvimento de softwares e algoritmos específicos. A ideia central foi estabelecer um mecanismo de autenticação de dados eficiente e explícito, de forma independente do host de onde os conteúdos foram obtidos. Explicando melhor: por esse novo modelo, a rede

passa a ser orientada a conteúdos. Assim, a pessoa que se conectar à internet para, hipoteticamente, baixar um vídeo no Youtube não precisará mais se preocupar se o servidor está nos Estados Unidos, China ou Brasil. “As credenciais estarão vinculadas ao próprio conteúdo. Nesse caso, o usuário poderá até mesmo baixar algo vindo de um servidor inseguro ou suspeito, pois terá certeza de que o conteúdo é original e seguro”, afirma o engenheiro da computação. Atualmente, informa Wong, diversos grupos estão envolvidos em pesquisas relacionadas à Internet do Futuro. Ele mesmo participou de um que reúne universidades e empresas europeias. O pesquisador fez parte do seu estágio no exterior no Centro de Pesquisa da Ericsson, na própria Finlândia. “O grupo desenvolveu

um protótipo interligando algumas empresas e instituições na Europa, que têm trabalhado com alguns aplicativos. Como prova de conceito, tem funcionado muito bem”. O pesquisador esclarece, ainda, que os estudos nessa área estão divididos em basicamente duas correntes. Uma delas trabalha com a perspectiva da evolução da Internet. A outra pretende partir do zero para propor uma nova arquitetura para a rede. É nesta que o trabalho de Wong está inserido. No Brasil, além da Unicamp, há grupos de São Paulo e do Rio de Janeiro envolvidos com o tema. “Isso é muito importante, pois as universidades estão acompanhando as discussões da Internet do Futuro”. Questionado sobre como imagina que será a migração da internet atual para a do futuro, o engenheiro da computação diz acreditar que esse processo não deverá ser traumático, mas também não será absolutamente tranquilo. Ele lembra que essa passagem dependerá de diversos fatores, entre eles o econômico e o político. “Do ponto de vista do usuário comum, porém, não deve haver maiores problemas. Na prática, isso não afetará a vida dele, a não ser lhe proporcionando mais segurança para suas atividades virtuais”.

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W. Wong, M. Giraldi, M. Magalhães and J. Kangasharju. Content Routers: Fetching Data on Network Path. IEEE International Conference on Communications (ICC’11), Kyoto, Japan. June 5-9, 2011. W. Wong, P. Nikander. Towards Secure Informationcentric Naming. Securing and Trusting Internet Names Workshop (SATIN’11), NPL, Teddington, UK. April 4-5, 2011. W. Wong, M. Magalhães and J. Kangasharju. Piece Fingerprinting: Binding Content and Data Blocks Together in Peerto-peer Networks. IEEE Global Communications Conference (Globecom’10), Miami, Florida, USA. December 6-10, 2010. Tese: “Plano de segurança para autenticação de dados em redes orientadas à informação” Autor: Walter Wong Orientador: Maurício Ferreira Magalhães Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)

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Fibromialgia pode causar DTM, alerta estudo Foto: César Maia

Pesquisadora da FOP sugere opinião de odontólogo durante o tratamento da síndrome RAQUEL DO CARMO SANTOS kel@unicamp.br

Estudo realizado pela cirurgiãdentista Marcele Pimentel sugere que a fibromialgia – síndrome reumática crônica caracterizada por dores intensas, em determinados pontos do corpo – pode também desencadear um quadro de Disfunção Temporomandibular (DTM), uma disfunção do sistema mastigatório que afeta as articulações e músculos da face. Neste sentido, Marcele defende a importância de um odontólogo também ser consultado durante o tratamento da síndrome, que possui alta prevalência, principalmente na população feminina. Estatísticas mundiais apontam uma porcentagem entre 2% e 11% de prevalência entre mulheres. No estudo apresentado na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) e realizado com 40 mulheres diagnosticadas com fibromialgia em tratamento no Hospital das Clínicas

A cirurgiã-dentista Marcele Pimentel, autora da dissertação, durante atendimento: quanto mais informações, melhor a terapêutica

de São Paulo, a prevalência da DTM também foi alta: em torno de 78%, sendo que 85% do grupo teve queixas de dores na face. “Outros trabalhos já apontavam uma relação de ocorrência das duas condições e, como em nosso estudo, também encontramos uma frequência alta das dores na face, concluímos que a fibromialgia atua como fator de predisposição. Com isso, é importante despertar a classe odontológica para o tratamento da dor facial especificamente nesse grupo de

pacientes”, destaca a cirurgiã-dentista, que teve a orientação da professora Célia Marisa Rizzatti Barbosa para realizar a pesquisa. Foram aplicados três questionários, além da realização de exame clínico nas mulheres, escolhidas por pertencerem ao grupo mais afetado pela fibromialgia. Além disso, por se tratar de uma síndrome prevalente, dolorosa e crônica, na qual o tratamento é apenas paliativo, pois a doença não tem cura, quanto maior o número de

informações que caracterizem esta condição, melhor o direcionamento da terapêutica. “Estamos falando de duas doenças crônicas muito dolorosas que afetam a qualidade de vida dos portadores. Por isso, todas as informações são importantes”, esclarece Marcele, que ouviu outras 40 mulheres que constituíam o grupo controle. Segundo a cirurgiã-dentista, os resultados apontados na pesquisa abrem o leque para o tratamento da fibromialgia, visto que os portadores

têm 31 vezes mais chances de desenvolver a DTM. Em geral, explica a pesquisadora, para o diagnóstico da síndrome não são considerados os sintomas de dor facial, o que na pesquisa ficou evidente que estão associadas. Outra característica também apontada no estudo foi a limitação de abertura bucal de dez vezes maior que do grupo de mulheres sem a doença, item que reafirma a importância do profissional de odontologia no processo. Durante a pesquisa outro item estudado foi a qualidade do sono dessas mulheres portadoras da síndrome. Mais de 92% relatou má qualidade do sono, sendo 37,5% das voluntárias também diagnosticadas com sonolência diurna excessiva. “Foi observado que o aumento da intensidade de dor na face está moderadamente relacionado à piora na qualidade do sono. Essa dor chega a interferir nas atividades sociais, de lazer e trabalhos nos portadores da síndrome, merecendo assim uma atenção especial”, conclui. A pesquisa contou com a colaboração do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas de São Paulo.

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Dissertação: “Características de disfunção temporomandibular e qualidade do sono em portadores de fibromialgia” Autor: Marcele Jardim Pimentel Orientador: Célia Marisa Rizzatti Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) Financiamento: CNPq

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Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

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A porcelana que vira

Engenheiro substitui areia e pedra por componente de isolador elétrico

concreto

Fotos: Antoninho Perri

CARMO GALLO NETTO

N

carmo@reitoria.unicamp.br

a cidade de Pedreira, a 40 km de Campinas, estão os dois maiores fabricantes de isolantes elétricos de porcelana branca do país, com produção anual estimada em 30 mil toneladas. Cerca de 80% dessa produção se destina à substituição periódica de isoladores instalados em hidrelétricas e principalmente em redes de distribuição de energia, sendo o restante utilizado em novas usinas e ampliação de redes. A troca dos isoladores ocorre em média a cada dez anos devido ao desgaste e à dificuldade em substituir a parte metálica interna ao corpo cerâmico. A legislação brasileira obriga os produtores a recolher as peças substituídas, o que gera um resíduo de aproximadamente 25 mil toneladas por ano, pois apenas 3% do material recolhido é reutilizado na produção de novos isoladores. Em decorrência, as fábricas mantêm pátios de peças obsoletas. Empresas sucateiras compram estes isoladores inservíveis de porcelana, principalmente em leilões das concessionárias de distribuição de energia, apenas para reciclagem dos metais, sem nenhuma utilização do corpo cerâmico, não raro descartado indevidamente na natureza. Pesquisas de materiais recicláveis e inservíveis para utilização na construção civil são desenvolvidas no mundo há seis décadas e no Brasil nos últimos anos. Um problema que espera solução é o da utilização da cerâmica branca, caso dos isoladores elétricos. Essa lacuna levou o engenheiro civil Marco Antonio Campos a desenvolver análise microestrutural e de propriedades mecânicas e de durabilidade em argamassas e concretos em que os agregados areia e pedra são substituídos pelos obtidos na moagem de isoladores de porcelana. A porcentagem de substituição dos agregados comuns por resíduos cerâmicos varia principalmente entre 20% a 50%, mas há casos que recomendam a substituição total. Constituiu objetivo do trabalho a criação de uma metodologia para a utilização dessa porcelana em substituição à areia e à brita na argamassa e no concreto, em vista da similaridade desta cerâmica com os agregados miúdos e graúdos tradicionalmente utilizados. Os testes realizados pelo pesquisador com corpos de prova fabricados com a substituição total dos agregados comuns pelos cerâmicos revelaram um aumento de 50% da resistência do novo material em relação ao convencional. O corpo de prova produzido a partir da porcelana suportou 100 toneladas antes de romper, o que corresponde ao peso de duas carretas com carga máxima. O corpo de prova produzido a partir do concreto comum suporta no máximo 70 toneladas. Os estudos, orientados pelo professor Vladimir Antonio Paulon, foram desenvolvidos no Laboratório de Materiais e Estrutura da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC) da Unicamp e a tese que lhe deu origem foi apresentada ao Departamento de Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais da Faculdade.

Nova mistura O trabalho de Campos, iniciado no mestrado, orientou-se, à época, particularmente para a verificação das propriedades mecânicas dos produtos em que a areia e a brita foram substituídas por pó e pedrisco obtidos da moagem da porcelana. Diante dos bons resultados, o pesquisador resol-

Isoladores instalados em poste e peças depositadas em terreno na região de Campinas (destaque): sucateiros descartam porcelana e usam apenas componente metálico

O engenheiro civil Marco Antonio Campos: metodologia para a utilização da porcelana na argamassa e no concreto

veu no doutorado continuar e expandir a pesquisa com o objetivo de explicar o aumento da resistência conseguida com o emprego da nova mistura. Passou então a dedicar-se mais especificamente ao estudo da microestrutura para entender a durabilidade e a resistência da argamassa e do concreto obtidos. Verificou, também, o efeito da camada de esmalte que recobre os isoladores que, segundo alguns estudiosos, seria responsável por efeitos que impediriam a utilização desse material. O autor esclarece que a porcelana é durável e altamente resistente a agentes químicos, biológicos e a forças de degradação física. Sua utilização em concretos e argamassas visa potencializar diversas propriedades, além da redução de custos. Constituídas basicamente por silício e alumínio, responsáveis pela hidraulicidade potencial, melhora o índice de atividade pozolânica – relativa ao endurecimento – quando utilizada em concretos e argamassas. Perseguindo maiores durabilidades e resistências, o pesquisador realizou ensaios que permitissem chegar à melhor proporção entre cimento Portland, pó cerâmico e pedrisco de cerâmica, que é a de 1:2:3, respectivamente. Esta é também a proporção mais empregada no Brasil na produção do concreto que utiliza cimento, areia e brita (pedra). Para efeito de comparação, Campos preparou e testou concretos obtidos através dos dois processos. Os resultados se revelaram melhores ao utilizar pó de porcelana de granulação fina, em substituição à areia, e pedrisco de porcelana, que corresponde à brita número zero.

5% de substituição do cimento por pó cerâmico e as 25 mil toneladas de isoladores descartados anualmente, a quantidade do novo cimento obtido seria suficiente para a produção de um milhão de m³ de concreto, que corresponde praticamente a todo o concreto consumido na região metropolitana de Campinas durante um ano”.

Além de testar esse novo tipo de concreto, ele fez alguns ensaios com argamassa. “Verifiquei que quanto mais fino o pó resultante da moagem da cerâmica, melhor o concreto. Empregando uma granulometria semelhante ao cimento consegui melhorar as propriedades da argamassa e cheguei à conclusão que a cerâmica finamente granulada poderia ser adicionada ao cimento em determinadas proporções sem lhe comprometer as propriedades”, afirma. O pesquisador explica que o cimento comercializado já recebe adição de uma série de materiais que possuem propriedades pozolânicas, assim chamadas por contribuírem para o seu endurecimento. A cerâmica também tem propriedades pozolânicas e, por isso, sua adição ao cimento comum na proporção em torno de 5% mantém suas características de endurecimento quando em contato com a água, garantindo a resistência. Ele explica que, na verdade, seguindo exigências das normas técnicas, verificou preliminarmente a resistência da mistura de cimento com o pó de cerâmica. Diante da constatação do real efeito pozolânico da cerâmica finamente dividida, pode prever sua ação na dureza da mistura resultante do pó cerâmico, do pedrisco de cerâmica e do cimento comum. Esta constatação o levou a propor então a comercialização de um novo tipo de cimento que recebe a adição de pó de porcelana. O efetivo aumento da resistência nos concretos por ele obtidos o leva a sugerir a produção desse cimento como contribuição para o descarte dos resíduos de isoladores de cerâmica empilhados nos pátios dos fabricantes. Segundo Campos, “considerando

Resultados A análise da microestrutura mostra como se dá a união dos vários tipos de materiais que compõem o novo concreto e permite uma comparação com o que ocorre no concreto convencional, já sobejamente estudado. Ela permite entender o aumento da durabilidade e da resistencia mecânica, além da influência da camada de esmalte superficial do isolador. Com efeito, constata Campos, o processamento da cerâmica aumenta as propriedades pozolânicas do material, relacionadas ao endurecimento e posterior aumento de resistência. Com base na microestrutura, o pesquisador concluiu que o processo de endurecimento do concreto comum tem similaridade, em termos de composição e união dos componentes, com o que se verifica na nova mistura proposta. Com a vantagem do aumento da resistência. Paralelamente, o emprego do novo cimento proposto conduziu aos mesmos resultados que o cimento Portland. Estas constatações o levam a afirmar que “os materiais testados são eficientes e podem ser usados. Há disponibilidade de matéria-prima, basta que sejam definidos os nichos de mercado economicamente mais viáveis”. Campos conclui dizendo que a reutilização de um material pozolânico como a porcelana traz vantagens econômicas devido ao menor consumo de energia na produção do cimento, já que o isolador quando queimado adquire propriedades similares ao cimento; e reduz as emissões de gás carbônico – devido à substituição parcial do cimento, cuja produção exige queima; reutiliza os isoladores que acabam descartados na natureza. Entre as vantagens técnicas, ele menciona melhora das propriedades mecânicas de resistência e deformação; resistência aos ataques químicos; aumento da impermeabilidade devido à menor porosidade; menores tempos de início e fim da cura; e constatação de que a camada de esmalte dos isoladores não apresenta problemas, ao contrário do que consta da bibliografia disponível.

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Tese: “Análise microestrutural e das propriedades mecânicas e de durabilidade de argamassas e concretos com isoladores elétricos de porcelana” Autor: Marco Antonio Campos Orientador: Vladimir Antonio Paulon Unidade: Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC)

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10 Paulo Renato Souza dá nome à sala do Consu Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

LUIZ SUGIMOTO

sugimoto@reitoria.unicamp.br

Sofrendo de crise de diverticulite na festa dos seus 80 anos, no dia 18 de junho, Fernando Henrique Cardoso não pôde comer o doce de figo que Paulo Renato Souza achava delicioso e lhe trouxe de Madrid, como havia prometido; a iguaria foi então guardada para que ambos a saboreassem quando a crise passasse. “E não é que ele morreu?”, lamentou o ex-presidente da República, ao final de um depoimento em tom bastante pessoal, durante homenagem à memória do seu ministro da Educação e ex-reitor da Unicamp, que faleceu inesperadamente na semana seguinte àquele encontro. A cerimônia do último dia 25 foi para nomear a sala de reuniões do Conselho Universitário “Prof. Dr. Paulo Renato Costa Souza”. Economista de formação, o homenageado ocupou posições de destaque nas áreas pública e acadêmica, bem como em organismos multilaterais. Foi deputado federal (2006-2011), ministro da Educação (1995-2002), secretário de Educação do Estado de São Paulo em duas ocasiões (1984-1986 e 20092010), gerente de Operações do BID em Washington (1991-1994) e reitor da Unicamp (1986-1990), onde lecionou durante os anos 80. Fernando Henrique Cardoso conheceu Paulo Renato Souza no Chile, quando o amigo servia à Organização Internacional do Trabalho (OIT) como diretor-associado do Programa Regional do Emprego para a América

Vida Teses da semana Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp

aa c dêi ma c

Painel da semana  Inovações em Atividades Curriculares - O III seminário “Inovações em atividades curriculares: experiências no ensino superior” acontece de 12 a 14 de dezembro, no Centro de Convenções da Unicamp. O programa e o cronograma do evento estão no link: http://www.prg.unicamp.br/inovacoes/2011. A organização é da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.  Convergência digital e inovação - No dia 12 de dezembro, das 8h30 às 17 horas, no auditório da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU), acontece o workshop “Convergência digital e inovação: a emergência de novos serviços”. A promoção é do Laboratório de Gestão de Tecnologia e Inovação (LABGETI) do Instituto de Geociências (IG) e do o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Telecomunicações (CPqD). Mais informações: 19-3521-5150.  Cursos do Lume - O Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais (Lume) já está recebendo as inscrições para os seus cursos de fevereiro. Elas podem ser feitas até 12 de dezembro, no site http://www.lumeteatro. com.br.  Bairro de Bombas em exposição - O repórter fotográfico Kamá Ribeiro expõe, até 16 de dezembro, no Espaço de Arte do

Latina e o Caribe. “Ele tinha enorme conhecimento em estatísticas do trabalho, mas sua característica principal foi a inovação. Inovação requer imaginação, e também requer coragem e competência, porque precisa ser implementada. Paulo escreveu um livro, A Reforma Gerenciada, título que resume a sua marca”, lembrou o presidente. Cardoso recordou ainda que Paulo Renato, por seu bom desempenho no governo Montoro e na Reitoria da Unicamp, foi um dos articuladores da sua primeira candidatura à Presidência, em 1994, demonstrando grande energia e habilidade em reunir as pessoas, comandando sem rispidez. “Ele estava destinado a ser ministro do Planejamento, que se tornou basicamente ministério do Orçamento e depende de capacidade de negociação com o Congresso. Mas já tínhamos conseguido o Plano Real e as outras duas áreas importantes do governo eram a Educação e a Saúde. Paulo foi para a Educação.” Para Fernando Henrique Cardoso, o papel de um presidente da República, no fundo, é dirimir conflitos, pois a ele só chega o que não foi resolvido antes. “Como dizia Hélio Beltrão, ministro do governo militar, chega um momento em que ‘tudo o que se quer é um copo de uísque e um puxasaco’. Eu tinha uma relação pessoal com Paulo, que ia com frequência ao Palácio da Alvorada e não era puxasaco, mas uma excelente companhia”, revelou. “O único meio de conviver com a falta, é a memória. Senti que ele está aqui. O lado cruel é que não

centro de Convenções (Rua Elis Regina 131), 25 imagens de um ensaio realizado no final de 2009 com a comunidade quilombola “Bairro de Bombas”, no Vale do Ribeira. Visitação: das 9 às 17 horas. Informações: 19-3521-1738.  Avaliação da Graduação - O Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem da PróReitoria de Graduação (PRG) prossegue, até 20 de dezembro, com o Programa de Avaliação da Graduação (PAG), referente ao segundo semestre de 2011. O PAG é um instrumento comum para obter dados junto à comunidade discente e docente sobre os cursos e disciplinas de graduação da Unicamp. Mais informações no site http://www. ea2.unicamp.br/

Eventos Futuros  Prêmio Paepe – As Comissões Julgadoras Locais já elegeram os melhores projetos da edição 2011 do Prêmio Paepe. Foram inscritos 193 projetos nas diversas Unidades e Órgãos da Universidade, dos quais foram selecionados 37 para concorrer ao melhor projeto da Unicamp. A entrega dos prêmios será feita no dia 19 de dezembro, e a divulgação do projeto escolhido pela Comissão Julgadora Geral será realizada na mesma ocasião.  Multimodalidade e Construção de Sentidos no Meio Digital - Curso será ministrado pela professora Inês Signorini, de 16 a 31 de janeiro de 2012, das 8 às 13 horas, no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). As matrículas devem ser feitas de 19 a 21 de dezembro de 2011. A organização é da Coordenadoria de Pós-graduação do IEL. Mais informações: 19-3521-1506.  Vestibular 2012 - A Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) divulga no dia 20 de dezembro, a lista de convocados e os locais de prova da 2ª fase do Vestibular 2012.  Funciona a arte? - Objetivo do evento promovido pela Galeria de Arte Unicamp é apresentar e discutir a função da arte no campus universitário. Aberto aos funcionários será realizado em 20 de dezembro, no andar térreo da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL). Mais informações 19-3521-6561.

Tese da semana  Artes - “As relações entre os programadores e espectadores de dança na cidade de

Foto: Antonio Scarpinetti

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o reitor Fernando Costa descerram placa: cerimônia em homenagem à memória do ex-reitor da Unicamp reúne companheiros e testemunhos da sua trajetória

posso ouvi-lo, mas posso ter o consolo de que continua na nossa memória.”

Legado à educação Maria Helena de Castro, professora da Unicamp, trabalhou com Paulo Renato Souza por oito anos no Ministério da Educação e falou sobre seu legado para a educação brasileira. “Desde seu falecimento precoce, observamos uma série de reflexões em artigos que têm procurado resgatar esse legado. Sua gestão no Ministério representou uma guinada extraordinária na política educacional do país e deu início a um processo de mudanças estruturais muitos significativas nos últimos quinze anos. A atuação da gestão de Fernando Henrique Cardoso produziu uma ruptura concreta com práticas anteriores.” Renato Costa Souza, filho do homenageado, recordou que o pai era um consultor em empregos e salários que

São Paulo: o caso do TD - Teatro de Dança” (doutorado). Candidata: Isaira Maria Garcia de Oliveira. Orientadora: professora Cássia Navas Alves de Castro. Dia 12 de dezembro, às 14h30, no IA.  Educação - “Envelhecer com deficiência intelectual: ouvindo a cidade e a família (doutorado). Candidata: Maria Eliene Catunda de Siqueira. Orientadora: professora Anita Liberalessso Neri. Dia 13 de dezembro de 2011, às 9 horas, na FE.  Educação Física - “Comitê Paraolímpico Brasileiro: 15 anos de história” (mestrado). Candidata: Tatiane Jacusiel Miranda. Orientador: professor Edison Duarte. Dia 15 de dezembro, às 10 horas, no auditório da FEF. - “Tradução, adaptação cultural e estrutura fatorial do Body Shape Questionnaire; Body Esteem Scale e Body Appeciation Scale para mulheres na meia-idade” (doutorado). Candidata: Aletha Silva Caetano. Orientadora: professora Maria da Consolação Tavares. Dia 15 de dezembro, às 14 horas, no auditório da FEF.  Física - “Análise, por meio da técnica Forc, do efeito da histerese a alta frequência no fenômeno da GMI” (mestrado). Candidato: Luis Carlos Costa Arzuza. Orientador: professor Kleber Roberto Pirota. Dia 15 de dezembro, às 10 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW.  Engenharia Elétrica e de Computação “Projeto de amplificadores com realimentação em corrente utilizando tecnologia 0.35um CMOS” (mestrado). Candidato: Filipe de Andrade Tabarani Santos. Orientador: professor Carlos Alberto dos Reis Filho. Dia 12 de dezembro, às 14 horas, no PE37 - Prédio da CPG/FEEC. - “Trocador de comprimento de onda baseado em fenômenos paramétricos em fibras ópticas” (mestrado). Candidata: Yesica Raquel Bustamante. Orientador: professor Hugo H. Figueroa. Dia 13 de dezembro, às 14 horas, na sala PE-11 da FEEC. - “Estudo da distribuição da temperatura em encapsulamentos de dispositivos Mosfet utilizando simulação por métodos de elementos finitos” (mestrado). Candidato: Filipe Dias Baumgratz. Orientador: professor Marco Antonio Robert Alves. Dia 14 de dezembro, às 10 horas, na FEEC. - “Modelo distribuído para agregação de armazenamento em redes de sensores” (mestrado). Candidato: Yakov Nae. Orientador: professor Lee Luan Ling. Dia 14 de

acabou se tornando um bom gestor em educação. “Como presidente da Adunicamp, ele foi chamado por Montoro para ser secretário da Educação aos 39 anos, experiência precoce que o qualificou para tornar-se reitor de 86 a 90. Minha tese é que foi na Unicamp que se deu a transformação de técnico administrativo em bom gestor educacional. Meu pai costumava dizer que a Unicamp foi seu trabalho mais difícil e complexo, que o MEC era fichinha.” Na opinião do reitor Fernando Costa, ao longo das últimas décadas, as três universidades públicas paulistas conseguiram ampliar significativamente os seus indicadores de produtividade acadêmica, e muito disso se deve à atuação de Paulo Renato Souza. No âmbito da Unicamp, o reitor destacou a participação destacada do ex-colega na institucionalização da Universidade. “Ele iniciou ampla reforma institucional, que incluiu a

criação do Conselho Universitário e das Pró-Reitorias de Graduação, Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Desenvolvimento Universitário. E inaugurou, durante sua gestão, o Hospital das Clínicas Em seu pronunciamento, Fernando Costa também destacou a atuação marcante do ex-ministro no processo que levou à autonomia financeira e de gestão da Unicamp, USP e Unesp. “Destaco ainda a integridade, dedicação e espírito democrático que caracterizavam o professor Paulo Renato como membro da comunidade acadêmica e homem público de expressão nacional. É com respeito e admiração, portanto, que a Unicamp vem referendar a sua memória, entendendo essa homenagem como um ato de justiça ao trabalho desse destacado brasileiro e, acima de tudo, um agradecimento à sua devoção à Unicamp e ao seu incansável trabalho pela educação no país.”

dezembro, às 9 horas, na sala da congregação da FEEC.

energia de Gibbs no cálculo de equilíbrio químico e de fases em sistemas eletrolíticos” (mestrado). Candidato: Valter Nunes Trindade Júnior. Orientador: professor Reginaldo Guirardello. Dia 14 de dezembro, às 9 horas, na sala de defesa de teses (bloco D) da FEQ.

- “Liberação fracional de Ca2+ no modelo do retículo sarcoplasmático funcionalmente isolado: experimentação e modelamento matemático” (mestrado). Candidata: Marina Carneiro Monteiro. Orientador: professor José Wilson Magalhães Bassani. Dia 16 de dezembro, às 9h30, na FEEC. - “Decomposição de Dantzig-Wolfe e Heurística aplicados a problemas de fluxo multiproduto fuzzy” (doutorado). Candidata: Jussara Rodrigues Ciappina. Orientador: professor Akebo Yamakami. Dia 16 de dezembro, às 9 horas, na sala PE-37 da FEEC. - “Proposta de metodologia para verificação e validação de software de equipamentos eletromédicos” (mestrado). Candidato: Carlos Alessandro Bassi Viviani. Orientadora: professora Vera Lúcia da Silveira Nantes Butto. Dia 16 de dezembro, às 10 horas, no PE-26 (prédio da CPG) da FEEC.  Engenharia Mecânica - “Otimização térmica e econômica de bomba de calor para aquecimento de água, utilizando programação quadrática sequencial e simulação através do método de substituição - Newton Raphson” (mestrado). Candidato: Obed Alexander Córdova Lobatón. Orientador: professor José Ricardo Figueiredo. Dia 15 de dezembro, às 9 horas, no auditório DE - JE-3. - “Implementação de infraestrutura para experimentação de técnicas de navegação e colaboração de robôs móveis autônomos” (mestrado). Candidato: Silas Franco dos Reis Alves. Orientador: professor João Mauricio Rosário. Dia 16 de dezembro, às 14 horas, na FEM.  Engenharia Química - “Síntese de nanocompósitos poliméricos de Poli(Acrilato de N-Butila-CO-Metacrilato de Metila) P(BA-COMMA) e Hidroxidos duplos lamelares (HDL) por meio da técnica de polimerização em miniemulsão” (mestrado). Candidato: Rodrigo Duarte Silva. Orientadora: professora Liliane Maria Ferrareso Lona. Dia 12 de dezembro, às 14 horas, na sala de defesa de teses da FEQ. - “Investigação do escoamento bifásico gáslíquido em uma coluna de bolhas retangular por meio da técnica cfd” (mestrado). Candidato: João Lameu da Silva Júnior. Orientador: professor Milton Mori. Dia 12 de dezembro, às 9 horas, na sala 7 (bloco E) da FEQ. - “Aplicação do método da minimização da

“Análise termodinâmica e otimização de um sistema de refrigeração por absorção para conservação de alimentos” (mestrado). Candidata: Nayra Reis do Nascimento. Orientador: professor José Vicente Hallak D´Angelo. Dia 15 de dezembro, às 10 horas, na sala de defesa de teses (Bloco D) da FEQ. - “Produção e caracterização de nanocompósitos poliméricos reforçados por Caulinita amazônica” (doutorado). Candidato: José Costa de Macêdo Neto. Orientadora: professora Liliane Maria Ferrareso Lona. Dia 15 de dezembro, às 14 horas, na sala de aula PG05 (bloco D). - “Síntese e caracterização da peneira molecular Sapo-34 para a reação de obtenção de Olefinas leves a partir de Metanol” (mestrado). Candidato: William Lima dos Anjos. Orientador: professor Gustavo Paim Valença. Dia 15 de dezembro, às 14 horas, na sala de aula PG03 (bloco D).  Física - “O campo magnético da Via Láctea e a composição química dos raios cósmicos detectados no observatório Pierre Auger” (doutorado). Candidato: Daniel Pakk Selmi-Dei. Orientadora: professora Carola Dobrigkeit Chinellato. Dia 12 de dezembro, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW. - “Estudo da dinâmica de partículas brownianas quânticas” (doutorado). Candidato: Oscar Salomón Duarte Muñoz. Orientador: professor Amir Ordacgi Caldeira. Dia 12 de dezembro, às 14 horas, na sala de seminários do DFMC/IFGW.  Química - “Desenvolvimento e caracterização de fases estacionárias monolíticas à base de octadecilmetacrilato para uso em eletrocromatografia capilar” (mestrado). Candidata: Valeska Soares Aguiar. Orientadora: professora Carla Beatriz Grespan Bottoli. Dia 15 de dezembro, às 14 horas, no miniauditório do IQ. - “Controle morfológico de nanopartículas de prata e nanoestruturas do tipo caroço@ casca Ag@SnO2” (doutorado). Candidato: Luiz Pereira da Costa. Orientador: professor Ítalo Odone Mazali. Dia 16 de dezembro, às 14 horas, no Miniauditório do IQ.


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Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

Bacia do Anhumas é referência para ferramenta de planejamento do uso do solo

Ocupação sustentável

Fotos: Antoninho Perri

ISABEL GARDENAL

V

bel@unicamp.br

ários empreendimentos imobiliários estão sendo iniciados em Campinas, para os quais não se tem levado em conta a questão da sustentabilidade. Demandas são geradas sem exigência, em lei, de suprimento após a conclusão das obras, principalmente em loteamentos e em condomínios. O tema foi estudado em pormenores na tese de doutorado do engenheiro civil Pedro Augusto Pinheiro Fantinatti e resultou numa ferramenta de planejamento que introduz uma dimensão social em indicadores de sustentabilidade para avaliação do uso e ocupação do solo – o Método Multicritério de Apoio à Decisão (MCDA). O trabalho foi defendido na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) e teve como estudo de caso a bacia do córrego Anhumas. A proposta do pesquisador envolveu a incorporação dessa dimensão na matriz de indicadores, juntamente com as dimensões ambiental e econômica, avaliadas por um grupo interessado em políticas públicas para a solução da problemática. O estudo, no caso, abordou o parcelamento do solo, operação realizada em áreas urbanas ou de expansão urbana, segundo projeto aprovado pelo município. Trouxe também um alerta para que haja planejamento de modo a evitar novos problemas de inundação, com impactos negativos na vida da população. Engenheiro civil graduado pela Unicamp, Fantinatti trabalhou anos a fio com a concepção, o desenvolvimento e a implantação de loteamentos no setor privado, na época para o maior empreendedor do país. Orientado pelo docente do Departamento de Recursos Hídricos da FEC Antonio Carlos Zuffo, ele fez um levantamento bibliográfico de indicadores de sustentabilidade, comparando-os à prática usual, das variáveis que influenciam a implantação de loteamentos. Entre esses indicadores estavam o uso do consumo de energia, otimização do consumo de recursos naturais, não emissão de calor, percentual de área verde e corredor de fauna. O pós-graduando foi observando os pontos de sustentabilidade que deixavam a desejar ou que precisariam ser melhorados. De acordo com ele, dos pontos não sustentáveis, o mais gritante foi a impermeabilização, que ocorre com o parcelamento do solo. No processo, gera-se calor e intervenção direta no ciclo hidrológico, reduzindo o fluxo dos cursos d’água e as vazões. “Assim, os rios e os córregos ficam com menor volume de água corrente (‘vazão de base’), e os eventos de cheias se tornam mais frequentes. Isso nota-se na questão ambiental.” Na dimensão social, o engenheiro fez uma constatação das causas e consequências do parcelamento do solo.

Trecho do córrego Anhumas nas proximidades de rodovia: inundações têm sido mais frequentes em Campinas

do Anhumas, que passa por bairros como Taquaral, Guarani, Ponte Preta, Orozimbo Maia, São Quirino. O Anhumas vem desde a rua Abolição, em Campinas, e deságua no Atibaia, em Paulínia. A sua área é de 150 km2, sendo que 75 km2 já estão urbanizados (50% de ocupação). O restante ainda é área rural, mas de expansão urbana, sofrendo uma forte pressão de ocupação da bacia. Justamente nesse polo de alta tecnologia de Campinas está sendo feita uma grande obra que deve levar ainda a outra. A ocupação está sendo feita a montante (de cima para baixo), impactando as regiões mais baixas do Anhumas, que é bastante plana e propensa a inundações. Com isso, aumenta-se a frequência de enchentes no ponto mais baixo da bacia, que inclui bairros como Vale das Garças e Guará, em Campinas. “Isso significa que as inundações vão aumentar com as ocupações e mais ainda com a urbanização”, avisa Zuffo. Ao crescer a área impermeabilizada, eleva-se o escoamento superficial, e isso deve impactar aos poucos as partes mais baixas. A cada ano a tendência é a um aumento, que em muito depende das chuvas. Se elas não vierem intensamente, não causarão grandes danos. Mas se vierem com menor frequência, como acontece periodicamente a cada quatro, cinco, dez anos, então as enchentes serão cada vez maiores. Tal situação, aliás, já tem acontecido. Em 2002, chegou ao Distrito de Sousas e, em 2003, à Avenida Norte-Sul, com cheias que causaram óbitos na cidade, com rompimento de barragens no córrego do São Quirino, um afluente do Anhumas. Quando constatada a impermeabilização do solo, menciona Zuffo, é preciso mitigá-la represando a água. Ela não pode ser jogada diretamente das redes de drenagem para os córregos, posto que esse é um dos responsáveis pelos eventos de cheias. “Mas o grande vilão está mesmo relacionado com a ocupação do solo – e decorrente impermeabilização”, admite. Para se ter uma ideia, ele recorda que no centro de Campinas está em uso uma antiga estrutura de drenagem da década de 1930, que tinha uma área permeável bem maior e que hoje passou a ser impermeável. “Multiplica-se por sete, oito ou dez vezes o volume da mesma área com as mesmas dimensões”, realça. Algumas estruturas não tinham quase concreto armado, por ser muito caro. O ferro era importado e usava-se estrutura de alvenaria em arco romano, que acabava reduzindo o espaço de escoamento. No córrego Orozimbo Maia, há um arco nas travessias que traz um ponto de estrangulamento no escoamento. A água acaba indo para a avenida.

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Pedro Augusto Pinheiro Fantinatti, autor da tese, e Antonio Carlos Zuffo, orientador: incorporando a dimensão social

Em geral, diz, verifica-se que os empreendimentos de médio e alto padrões são cercados numa espécie de pequenos guetos, fechando o entorno. Além disso, geram um excesso de demanda de infraestrutura e infelizmente não acabam suprindo-as. Hoje cumprir a lei, contextualiza, significa ficar abaixo do índice mínimo de sustentabilidade. Já na dimensão econômica, o autor

observou que os responsáveis pelos empreendimentos têm uma taxa mínima de retorno, somente um pequeno percentual que desejam receber, dentro do padrão. Mas como gerar indicadores? Sua proposta é usar o MCDA. A ferramenta, explica ele, segue influência da escola europeia, no sentido de não obrigar a uma tomada de decisão única. Trata-se de um instrumento de

apoio à decisão em que são sugeridas as alternativas possíveis. “O nosso propósito, ao buscar influenciar políticas públicas, não é exigir que os gestores optem exatamente por aquela alternativa.” Essa é, antes, uma tendência da escola americana, esclarece.

Aplicação O método foi aplicado à bacia

Artigos - Fantinatti, P.A.P.; Paiva Sobrinho, R.; Zuffo, A.C. Desenvolvimento de um protótipo para avaliação de sustentabilidade em empreendimentos imobiliários horizontais. Gestion Integral en Ingenieria Neogranadina, 1 (1), art. 11, 2009. - Fantinatti, P.A.P.; Zuffo, A.C. A importância da percepção do patrimônio natural dos recursos hídricos em processos de parcelamento do solo. Revista Labor & Engenho 5(2), 99-109, 2011. Tese: “Abordagem MCDA como ferramenta de mudança de paradigma no planejamento dos recursos hídricos” Autor: Pedro Augusto Pinheiro Fantinatti Orientador: Antonio Carlos Zuffo Financiamento: CNPq Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

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Enquete entre atores sociais Empregou-se no estudo a técnica chamada conferência de decisão com atores ou especialistas. Eles se reuniram para obter um consenso, mediante seus valores, quanto aos indicadores e critérios norteadores da avaliação. Montaram-se critérios que foram analisados na bacia do Anhumas como um todo, que consistiram em ver como é a sua situação hoje, como ela vai ficar se continuar do mesmo jeito ou se forem tomadas medidas de sustentabilidade a partir desses indicadores. Essa conferência durou 12 horas

e contou com convidados como duas ex-secretárias municipais, dois empresários, um projetista e um líder de bairro, além dos pesquisadores do Laboratório de Apoio Multicritério à Decisão orientada à Sustentabilidade Empresarial e Ambiental (Ladsea), vinculado ao Departamento de Recursos Hídricos. Os convidados selecionaram os critérios que deveriam ser levados em conta. A Fantinatti coube o arcabouço teórico, escorado em pontos como a impermeabilização e a área de proteção permanente, por

exemplo. “Esse método propicia a estruturação e a melhor compreensão dos atores sobre um determinado processo, enxergando o problema sob novos ângulos. Cria-se uma identidade com a alternativa de melhor compromisso, caminhando então para a solução.” A abordagem multicritério gerou o comprometimento desses atores durante a conferência, e uma enquete apurou a viabilidade do método. “Todos eles foram unânimes em reconhecer a propriedade da ferramenta, que se mostrou robusta e flexível,

uma vez que é possível mudar os critérios conforme o cenário e a escala.” No momento, a matriz de indicadores está sendo aplicada em dois empreendimentos de Campinas, para testá-los e aprimorá-los. A etapa seguinte envolverá procurar o Ministério Público, o Poder Público Municipal e entidades de classe, apresentando-lhes a matriz proposta, junto com a ferramenta que a gerou. O estudo integra um projeto temático financiado pela Finep envolvendo uma rede nacional de pesquisa com sete universidades – a rede Brum

(Bacias Representativas de Uso Misto) –, entre elas a Unicamp. A importância do estudo de Fantinatti, diz Zuffo, está no uso de um instrumento de planejamento que busca sustentabilidade urbana para acabar com o contraste reinante no país, desde a década de 1950, do vertiginoso crescimento urbano somado à ocupação desordenada. Não havendo um planejamento para a ocupação, a solução ficará mais distante, adverte, sendo que o cenário já não é mais sustentável desde agora.


12 Jornal daUnicamp Campinas, 12 a 18 dezembro de 2011

MARIA ALICE DA CRUZ

G

halice@unicamp.br

ilberto Mendes, 89 anos, é um dos compositores da contemporaneidade mais destacados entre ouvintes de música erudita. O artista, que começou a estudar música tardiamente no Conservatório Musical de Santos, sua cidade natal, inseriu-se no campo da música erudita brasileira como estudante, na década de 1940. Sua biografia, narrada por ele mesmo em dois livros da Edusp, foi o ponto de partida da pesquisa de doutorado em antropologia social realizada pela antropóloga Carla Delgado de Souza, sob orientação de Rita de Cássia Lahoz Morelli, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Para a pesquisadora, interessada na obra de Mendes desde a primeira vez que ouviu a música para coro Beba Coca-Cola, as duas autobiografias foram fontes preciosas para a realização de um estudo que permitisse mapear as relações entre arte e mercado e entre estética e política, determinantes para a música brasileira de 1940 até 2001, período em que o compositor se estabeleceu como um dos principais representantes da música erudita contemporânea no Brasil e no mundo. Ao relacionar a vida de Gilberto Mendes com o campo da música erudita, Carla torna públicas reflexões sobre tensões e ambiguidades no universo musical. Começando pela década de 1940, momento em que ele decidiu seguir uma carreira musical, a autora ressalta o predomínio político da estética nacionalista no campo da música erudita brasileira. Neste período, muitos artistas pautaram suas produções no projeto de construção nacional vigente, já que a própria ideia de uma música erudita originalmente brasileira estava vinculada a esses projetos. Num momento em que começava a ser contestado pelo Movimento Música Viva, o nacionalismo musical encontrou forças no Partido Comunista Brasileiro, que coadunado com as políticas para a arte propostas por Andrei Jdanov (1896-1948), pregava uma estética musical que se apegasse às referências nacionais e à tradição musical clássico romântica. Assim, de acordo com Carla, o nacionalismo conseguiu manter sua posição privilegiada no campo musical, atraindo adeptos tanto do setor mais conservador, quanto aqueles vinculados a uma proposta política “de esquerda” e marxista. “Sendo considerado pelas políticas soviéticas para a arte como uma técnica musical degenerada, o dodecafonismo, inovação formal que era uma das pedras de toque do movimento Música Viva, não foi bem-sucedido em sua missão política”, acrescenta a autora. Em meio a esse clima, após um breve período em que Gilberto Mendes não se vinculou a nenhum dos “modernismos” vigentes no cenário nacional, o compositor acabou cedendo aos apelos políticos por uma arte nacionalista. Mesmo não se identificando inteiramente com a proposta musical nacionalista, o compositor sabia que se inserir neste campo seria a melhor postura política a adotar como um músico inovador na época. Ao se interessar pela música de vanguarda europeia, Gilberto Mendes começou a estudar com Olivier Toni e a frequentar o ambiente musical paulistano em 1955. Nesse processo, ainda ligado ao Partido Comunista, Mendes estudou até mesmo as novidades musicais criticadas como sendo burguesas e degeneradas pela política partidária. Segundo Carla, a postura estética de Mendes fica mais clara quando, adepto das novidades europeias contemporâneas, passa a ter sua casa como centro de referências para nomes da música brasileira como Willy Corrêa de Oliveira. “Ele pretendia se informar sobre o que acontecia na Europa em ter-

Fotos: Antoninho Perri

Estética e política em

Gilberto Mendes

O compositor paulista Gilberto Mendes em visita à Unicamp, no último dia 2 de dezembro: do nacionalismo à vanguarda

mos musicais”, explica Carla. Nas performances de música contemporânea no Teatro Municipal de São Paulo, Mendes e Corrêa, ao lado de Rogério Duprat e Damiano Cozzela, se consagraram, finalmente, como a vanguarda da música erudita brasileira. Carla lembra que, como sempre, as vaias vieram a calhar para que os compositores tivessem o escândalo necessário para figurar na mídia brasileira. Com a viagem dos artistas para o curso de verão de Darmstadt, na Alemanha, o Manifesto Música Nova, a criação do Madrigal Ars Viva e do Festival Música Nova, em Santos, onde Mendes mora até hoje, o novo momento estético ganhou força e, além disso, teve o apoio da vanguarda da poesia concreta, formada pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Os compositores integrantes do movimento Música Nova, segundo Carla, tiveram uma relação conflituosa com o mercado musical, o que pode ser vislumbrado pelas diferentes vinculações de Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Rogério Duprat e Damiano Cozzela a essa esfera. Enquanto os dois primeiros assumiram uma postura combativa ao mercado, Duprat e Cozzela se desiludiram com o campo da música erudita e passaram a investir na produção de jingles, trilhas e arranjos musicais, dialogando abertamente com o mercado. De acordo com a antropóloga, mesmo se desvinculando da proposta estética de vanguarda, a partir do final da década de 1970, Gilberto Mendes e Oliveira continuaram contestando a indústria cultural. A música composta para fins mercadológicos continuou recebendo interpretação negativa dos dois compositores. Após os conflitos dentro do movimento de vanguarda, Corrêa de Oliveira e Mendes se aproximaram do universo popular, mas de maneiras distintas, segundo Carla. “Em um processo de abertura estética e de pertencimento ao pós-modernismo musical, Oliveira propôs que os compositores compusessem de modo engajado, auxiliando o proletariado na luta de classes”, explica Carla. Já Gilberto Mendes marca sua entrada no pós-modernismo musical ao retomar a música popular norteamericana e ao desenvolver uma composição musical mais livre. A tese mostra que Willy não rompeu a postura de vanguarda mesmo optando pelo trabalho mais popular. “Por mais que tivesse adotado uma música popular vermelha, seus pares e suas atitudes continuavam os mesmos”, enfatiza Carla. Um aspecto abordado na tese e que surpreendeu a autora foi o pouco espaço reservado em suas narrativas biográficas a sua incursão nos ambientes universitários e na Academia Brasileira de Música. Ela acredita que isso ocorra porque ela tenha ocorrido fora de época e lugar para o compositor. A orientadora da tese, Rita de Cássia Lahoz Morelli, enfatiza que o trabalho de Carla é importante por conseguir apresentar uma história do campo da música erudita no Brasil a partir da experiência de Gilberto Mendes. “Acredito que analisar a história do campo da perspectiva de outro sujeito resultaria em uma análise diferente. Carla não teria conseguido uma perspectiva tão original da história do campo musical”, acrescenta Rita. Além da riqueza textual, a tese é acompanhada de três CDs com uma série de obras. Para Rita, o trabalho torna-se mais rico com as referências feitas ao CD ao longo do texto e em nota de rodapé, pois permite que o leitor faça um passeio musical com ela pela história da música erudita brasileira.

........................................................... ■ Publicação

A professora Rita de Cássia Lahoz Morelli, orientadora, e Carla Delgado de Souza, autora da tese: passeio pela história da música erudita brasileira

Tese: “Os caminhos de Gilberto Mendes e a música erudita no Brasil” Autoria: Carla Delgado de Souza Orientação: Rita de Cássia Lahoz Morelli Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

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