USOS TEMPORÁRIOS

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USOS TEMPORÁRIOS

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FAU USP Agosto 2016

Arquitecturaahora é uma publicação de Arquitetura que opera como órgão independente de caráter crítico. Cada número é editado por um editor convidado.

EDIÇÃO #11

Por Paula Monroy

ESPAÇO EM DISPUTA: USOS URBANOS TEMPORÁRIOS Particularmente as cidades contemporâneas da região sul global estão experimentando uma mudança paradigmática a respeito de sua evolução, ocupação e relação com aqueles que nelas habitam. O diálogo com o território começa a se basear em dinâmicas de apropriação do espaço público, teste de novos usos urbanos e intervenções temporárias; todas características próprias do que Rahul Mehrotra define como cidades cinéticas. Conforme aduz o arquiteto indiano, no caso de Bombay, ela é regida pela dimensão temporal e por uma dinâmica cíclica, através do uso de estruturas efêmeras, resíduos e pela organicidade com que se espalham entre o tecido formal e estático. Na Cidade Cinética a perspectiva não faz parte; os ritmos do meio urbano estão em volta do pedestre numa constante reinvenção da metrópole1. Paralelamente, nossas cidades hoje enfrentam uma população de múltiplos interesses, cuja vontade de exercer os direitos do cidadão se traduz numa erupção de movimentos de ocupação, em que mediante critérios de colaboração, espontaneidade e flexibilidade2, buscam questionar os processos e atores que definem o destino da cidade.

Na cidade de São Paulo, uma das mais densas e extensas cidades da América Latina, cuja demanda por espaço de uso comum e universal tem se tornado peremptório, é possível analisar dois fenômenos de ocupação temporária que permitem entender aqueles processos de transformação que envolvem certas áreas de forma imediata, quanto permanente, cuja origem provém de coletivos interessados em reconverter zonas urbanas deterioradas em espaços públicos de lazer e cultura. Em primeiro lugar o Largo da batata, é uma região histórica de intercâmbio comercial de 20.000 m2, a qual, produto de uma reforma incompleta, foi percebida como vazio urbano até 2013. Em segundo lugar, apresenta-se um viaduto para uso veicular de 3,4 km/l o antigo Elevado Costa e Silva, popularmente chamado de Minhocão, há 50 anos desde sua inauguração, ainda é percebido como um limite físico e visual que atravessa um conjunto de prédios de residências, além de abrigar sob sua estrutura atividades ligadas a drogas e prostituição.

COMENTÁRIOS

Tema atual: #UsosTemporarios

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Arquiteta, docente Universidad Mayor, Facultad de Arquitectura. Pesquisadora convidada FAU USP.

A partir da segunda década do século xxi, as cidades contemporâneas têm sido palco de uma onda de movimentos sociais que buscam tanto esclarecer e legitimar os direitos do cidadão, quanto quebrar com a letargia de consciência que afeta de forma geral a população. De modo que essas iniciativas são refletidas em novos usos, intervenções temporárias e práticas na apropriação do espaço público. Os chamados países do terceiro mundo têm se tornado terreno fértil para essas intervenções, devido à dinâmica característica dessas sociedades, em constante construção/demolição* de infraestruturas e disputa por espaço, dentro de um solo urbano que se espalha descontroladamente.

Mapear e registrar a temporalidade das dinâmicas, se torna fundamental a fim de identificar tanto os fatores que contribuem para sua gênesis, quanto o impacto que estas podem gerar num nível paisagístico, econômico, comunicacional e de comportamento social. Aplicando diferentes formas de análise gráfica, a representação se torna uma ferramenta para traduzir a forma com que certas ações são interpretadas pelos seus usuários e os possíveis rastros materiais e imateriais que podem se dar naqueles fragmentos da megalópole * Alberto Sato ao definir as Clausuras Urbanas «Uma cidade contemporânea viva é aquela que está em permanente estado de demolição e construção, fato natural das cidades latino-americanas».

ROMAN, S. (2011) «Doblando y desdoblando la trama urbana en la India contemporánea» apud. Mehrotra, R, «Negotiating the Static and the Kinetic: The emergent urbanism of Mumbai», em Huyssen, Andreas (ed.), Other cities, other worlds: Urban imaginaries in a Globalizing Age, Durham/ London, Duke University Press, 2008, p. 206. 1

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Tanto as intenções por democratizar o ato de desenho urbano, quanto a ideia de transitoriedade no espaço, forjam-se em oposição ao neoliberalismo global que favorece o efeito blasé 3, marcado por uma alta mobilidade humana e uma forte nostalgia pela «vida de vizinhança», cenário que Guilherme Wisnik, crítico brasileiro de arte e arquitetura, sugere ao falar sobre os «novos nômades». Wisnik, G (2009) em «Estado Crítico: à deriva nas cidades» estabelece que o crescente aumento de mobilidade, em oposição às distâncias estáticas e tradicionais da família ou local de origem, nos conduz a uma permanência crescentemente fugaz e individualizada, paralela à própria mobilidade do capital no território. Desde a dimensão física e tangível, realça-se a emergência de infraestruturas urbanas subutilizadas e um crescimento populacional que tende a transformar as cidades em megalópoles.

Embora estes dois espaços fossem alvo de intervenções temporárias, existia

um rastro daquela transitoriedade, afetando de maneira prolongada não apenas a paisagem em sua configuração física, mas também a mobilidade e os meios de transporte, assim como as redes de comunicação e sua efetividade para convocar. Em quanto as relações interpessoais, observou-se a aparição de empatia entre desconhecidos, o conflito como catalisador do debate, e a memória coletiva como testemunho da gentrificação. O questionamento nos permite propor para revalorizar, voltar a questionar áreas urbanas obsoletas, que ao se coletivizarem, podem tornar-se ativas e universais, nos ensinando como o processo em si registra situações que podem ser consideravelmente mais interessantes do que o resultado final Por_Paula Monroy Artigo desenvolvido a partir da pesquisa: —Sistemas de representação para o estudo de usos urbanos temporários na cidade de São Paulo* —

MONROY, P (2016) Pesquisa desenvolvido na Faculdade de Arquitetura de la Universidade de São Paulo (fau usp). *

Critérios bases do urbanismo bottom up ou de baixo para cima. Segundo Georg Simmel «las cidades eram o espaço onde os sentidos eram bombardeados de estimulo visuais e sonoros. A reação social ante isso foi uma atitude reservada e em certa maneira insensível ao entorno». 2

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A questão da apropriação de espaços públicos na metrópole de São Paulo, tem se tornado cada vez mais complexa nos últimos vinte anos, em decorrência dos efeitos de políticas urbanas e de usos espontâneos que se entrecruzam de maneiras ora convergentes, ora conflitantes. Nesta edição realizada pela Paula Monroy, destacam-se dois importantes lugares paulistanos – o (longo) viaduto Minhocão e o Largo da Batata— que, embora associados a períodos e processos urbanos distintos, possuem em comum o fato de serem, atualmente, foco de práticas culturais, artísticas e de lazer que os têm requalificado significativamente. O Minhocão, que consiste numa das mais graves feridas urbanas derivadas do rodoviarismo dos anos 1970, transformou-se, há alguns anos, numa imensa pista exclusiva para pedestres, nos finais de semana. O Largo da Batata, fruto de um projeto recente de redesenho urbano e gentrificação que eliminou grande parte de sua memória local, tem se transformado num local importante de protestos políticos e de encontros culturais, buscando-se reconstruir como referência urbana.

Vera Pallamin

Doutora Arquiteta e docente fau usp. Post-doutorado University of California, Berkeley e Università degli Studi di Firenze na esfera pública e arte urbano.

Prototipando as cidades. Nos últimos anos tem se gerado um questionamento ao caráter top-down do planejamento urbano, sob um movimento que alguns tem nomeado Do-it-Yourself Urbanism ou urbanismo open source. A premissa é que o tecido social da cidade pode aumentar a partir de práticas de apropriação do urbano por parte da comunidade, reformulando os significados, usos e projeções do espaço público. El principal valor do projeto da Paula Monroy reside em oferecer um repertório de documentação e análise deste tipo de intervenções em São Paulo. O caráter de transitoriedade e «em beta» dos projeto analisados, permite serem objetivados e valorizados graças as estratégias de registro e mediação, implantados por Monroy, tornando inteligíveis processos performativos de reinvenção do urbano a partir de práticas locais dos cidadãos afetados e envolvidos. Em soma, esse trabalho permite operacionalizar a ideia de uma cidade de «código aberto», isto é, uma cidade que está-se prototipando constantemente, se construindo a partir de práticas e materialidades, afetos e eventualidades que a compõem.

Martín Tironi

Sociólogo uc. Pesquisador e professor Escuela Diseño uc. Mestre em sociologia na Université Paris-Sorbonne V, PhD no Centre de Sociologie de l’Innovation.

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