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Reynaldo Luiz Calvo Júlia Calvo

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BH: cidade censurada

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BH: censored city

Reynaldo Luiz Calvo1* ,

em fevereiro de 1995 (in memoria)

Júlia Calvo2** ,

em março de 2020

RESUMO: Esse é um texto escrito em dois tempos e a quatro mãos. O texto em si, que originou este artigo é um manuscrito escrito pelo meu pai, falecido em 2018. A apresentação é minha, escrita em 2020. Em novembro de 1994, Belo Horizonte passou por uma política patrimonial muito agressiva: tombou ao mesmo tempo toda a região do hipercentro incluída como Conjunto Urbano Avenida Afonso Pena – Rua da Bahia e Adjacências. Casas, palacetes, edifícios residenciais e comerciais, praças e outros equipamentos foram deliberados para uma política de tombamento. No texto B.H. – Cidade Censurada, Reynaldo Calvo, arquiteto e cidadão, reflete sobre a cidade e suas transformações e sobre a relação da cidade com o passado, trazendo contribuições sobre as diretrizes de patrimônio e de cultura no mundo contemporâneo e em Belo Horizonte.

Palavras-chave: Belo Horizonte. Área Central. Tombamento. Políticas de Patrimonialização.

ABSTRACT: This was written twice and by four hands. The text itself, which was the origin for this article, is a manuscript written by my father, who died in 2018. The presentation is mine, written in 2020. In november 1994, Belo Horizonte underwent a very aggressive patrimonial policy: at the same time, the entire hyper-center region, including the Afonso Pena avenue – Rua da Bahia Urban Complex and its surroundings with their houses, mansions, residential and comercial buildings, squares and other equipment were deliberated for a heritage policy. In the text BH – Censored City, Reynaldo Luiz Calvo, architect and Citizen, reflects on the city, its transformations and relationship with the past, which effectively contributes to the guidelines of heritage and culture preservation in the contemporary world and in Belo Horizonte.

Keywords: Belo Horizonte. Central Areas. Listing. Patrimonialization Policies.

1*Arquiteto premiado pelo IAB-MG em 1966 com projeto de Escola pública e no Concurso de projetos da CARPE/IAB-MG de 1981. Graduado em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1964. Foi presidente do IAB-MG, da UIBH e do IHIM. Falecido em 2018. 2**Graduada em História e Doutora em Ciências Sociais pela PUC Minas e professora do Departamento de História da PUC Minas. E-mail: juliacalvo1@gmail.com

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Apresentação

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Esse texto BH – Cidade Censurada, nunca foi publicado. Foi descoberto pela minha mãe, após o falecimento do meu pai no final de 2018, como um manuscrito ainda datilografado e com destaques, correções e alterações. Nele, o arquiteto e o cidadão, faz uma crítica aberta à política patrimonial que levou ao tombamento dos edifícios da área central, da cidade de Belo Horizonte, em 1994, com a criação da Diretoria de Patrimônio Cultural.

Suas críticas se referem ao Conjunto Urbano Avenida Afonso Pena – Rua da Bahia e Adjacências, tombado compulsoriamente em novembro de 1994 que reúne, além de edifícios e casas, a Praça Rio Branco, o Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro e a Antiga Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária, todos tombados conforme Deliberação 03/94 (por meio dos processos 01.059218.95.78, apenso ao processo 01.059220.9510 - Bens culturais com tombamento específico: Rodoviária Praça Rio Branco (fachadas e volume); Hotel Vitória – Rua 21 de Abril, 202 / 230 (fachadas e volume); Edifício Mauro Queiroz (Centro dos Chauffers) – Rua Acre, 107 (fachadas e volume); Hotel Madrid – Rua dos Guaranis, 12 (fachadas e volume); Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária – Praça Rio Branco, 56 (fachadas e volume); Camisaria Cadillac – Avenida Afonso Pena, 385, e Rua São Paulo, 380 (fachadas e volume); Edifício São Paulo – Rua São Paulo, 387 (fachadas e volume); Edifício Thibau – Rua São Paulo, 401 (fachada e volume); Edifício Sarandy – Rua dos Tupinambás, 498 (fachada e volume); Edifício Santa Tereza – Hotel São Miguel – Rua dos Tupinambás, 643 (fachada); Rua dos Tupinambás, 597 / 605 (fachada e volume); Edifício Ibaté – Rua São Paulo, 498 (fachadas e volume); Avenida Afonso Pena, 505 / 525 (fachadas e volume); Agência do Banco do Progresso – Avenida Afonso Pena, 529 (altimetria); Avenida Afonso Pena, 541 / 549 (fachada e volume); Avenida Afonso Pena, 551 / 565 (fachada e volume); Edifício Mariana – Avenida Afonso Pena, 526 (fachadas); Hotel Estoril (Antigo Hotel Cecília) – Rua dos Carijós, 454 (fachadas e volume); Edifício Lutétia – Rua São Paulo, 679 (fachadas e volume); Agência do BEMGE – Banco do Estado de Minas Gerais – Avenida Amazonas, 478 (fachadas e volume); Avenida Amazonas, 287 (fachada e volume); Cine Brasil - Avenida Amazonas, 333 (integral) (tombamento de uso: atividades artítico-culturais); Edifício Cruzeiro – Avenida Afonso

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Pena, 774 (fachada e volume); Agência do UNIBANCO – Avenida Afonso Pena, 737 (fachada e volume); Avenida Afonso Pena, 749 (volume); Lojas Hamiltom – Avenida Afonso Pena, 771 (volume); Edifício Acaiaca – Avenida Afonso Pena, 867 (fachadas); Rua Espírito Santo, 757 (fachadas e volume); Igreja Metodista do Brasil – Rua Tupis, 51 (fachada e volume); Edifício Parc Royal – Rua da Bahia, 902 (fachadas e volume); Hotel Metrópole – Rua da Bahia, 1025 (fachadas e volume); Rua Goiás, 60 (fachada e volume); Museu de Mineralogia Djalma Guimarães – Rua da Bahia, 1149 (fachadas e volume); Rua da Bahia, 1155 (fachadas e volume); Clube de Belo Horizonte (Sociedade Recreativa de Minas Caixa) - Rua da Bahia, 1201 (fachadas e volume); Pizzaria Giovani – Avenida Afonso Pena, 1124 (fachada e volume); Avenida Afonso Pena, 1156 (fachada e volume); Museu do Telefone – Avenida Afonso Pena, 1180 (fachada e volume); Correios e Telégrafos – Avenida Afonso Pena, 1270 (fachadas e volume); Edifício sede do Automóvel Clube – Avenida Afonso Pena, 1394 (fachadas e volume); Tribunal de Justiça Rodrigues Alves – Avenida Afonso Pena, 1420 (fachadas e volume); Secretaria do Tribunal de Justiça (antigo Fórum) – Rua Goiás, 229 (fachada e volume); Conservatório Mineiro de Música – Avenida Afonso Pena, 1534 (fachada e volume); Palácio das Artes – Avenida Afonso Pena, 1537 (fachadas e volume); Teatro Francisco Nunes (fachadas e volume); Abrigo de Bondes Santa Tereza (integral) 3 Reynaldo Luiz Calvo é arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura da UFMG. Suas digitais e concepções estão espalhadas por Belo Horizonte de muitas formas e em diferentes tempos. Além de projetos residenciais e obras estruturais e prédios públicos como a Câmara Municipal de Belo Horizonte, a adequação do terminal de passageiros do Aeroporto da Pampulha, o Hospital Belvedere. Tem histórico de representação como suplente, secretário e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, seccional de Minas Gerais (IAB-MG), Presidente do Instituto Israelita Mineiro (IHIM) e membro de sua diretoria por muitos anos, Presidente da União Israelita de Belo Horizonte (UIBH) e membro de sua diretoria por muitos anos. Também foi premiado pelo IAB-MG em 1966 com projeto de Escola pública e em 1981, com seu escritório, no Concurso de Projetos da CARPE/IAB-MG (Projeto Escola de Vila).

3 Disponível em:https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/politicaurbana/2018/planejamento-urbano/cca_diretrizes_de_protecao_ao_patrimonio_cultural.pdf. Acesso em: 2021.

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O texto de Reynaldo Luiz Calvo está apresentado na sua integralidade. As poucas interferências que se fizeram aqui, importante relatar foram, após a transcrição, a separação de parágrafos e correção dos erros de datilografia. Foram mantidos os grifos, os destaques e todas as observações que marcam sua vertente literária e que aparecem entre parênteses ao longo do texto. Cabe, entretanto, algumas observações. O texto se assenta na discussão entre memória, lugar de memória, na perspectiva de pensadores que foram tratados pelo autor. Reynaldo cita, sem preocupação da normatização acadêmica, desde Abílio Barreto, para a descrição da cidade e sua história, até autores da História da Cidade, da Arquitetura e das Ciências Sociais como Lewis Munford, Henri Lefebvre, Sylvio de Vasconcellos e Edgar de Albreguernue Graeff. Reynaldo transita entre a História da Cidade e das políticas urbanas. Enaltece-se aqui seu conhecimento amplo e sua experiência com as quais pauta sua reflexão e argumento. O texto B.H. – Cidade Censurada vai tratar com competência as diretrizes e regulamentações urbanas, constituindo-se quase também, embora essa não era a pretensão, numa História das intervenções urbanas na cidade. Assim, Reynaldo vai conduzindo suas análises sobre o espaço em transformação e seus sentidos, dialogando com os empreendimentos e as políticas urbanas e patrimoniais e filosofando sobre os sentidos da memória e as finalidades da preservação patrimonial. Empreende com lucidez uma reflexão sobre temas da cultura, da memória, da História, da Cidade de Belo Horizonte, da Gestão Cultural e da patrimonialização. Torna-se interessante perceber a atualidade do tema e a forma como foi tratado no manuscrito em que incorpora à discussão patrimonial atual, ampliada a Patrimônio Cultural desde 1988 (antes era Patrimônio Histórico e Artístico), e as mudanças na concepção do Patrimônio advindas com a Carta de Atenas (1933), que traduzia as preocupações com o crescimento urbano no século XX e o Movimento Moderno (na arquitetura e no urbanismo) que caracterizou-se pela força que recebeu nos regimes totalitários para preservação dos monumentos. A Carta de Atenas merece destaque por formular pautas importantes para a preservação, principalmente a defesa das organizações nacionais e internacionais voltadas à preservação. Essa defesa insistente foi importante para pressionar cada nação a assegurar sua legislação de proteção. Reynaldo já discutia, em 1995, as diretrizes atuais

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das políticas culturais de preservação, considerando não o valor histórico e artístico do bem, mas os sentidos de identidade e memória que o bem recebe da sociedade e comunidade em que se insere. Preservar é antes de tudo uma discussão de cidadania e do próprio direito à memória. É preciso ouvir as comunidades sobre suas interpretações e sentidos aproximando identidade, memória e lugar. Com relação aos usos, Reynaldo, mesmo sem conhecer, incorporou a célebre análise de Pierre Nora com relação aos bens patrimoniais transformarem seus usos e celebrarem o casamento entre cultura e sociedade. Ele também antecipa uma discussão de sustentabilidade muito em voga atualmente nas políticas de preservação: a relação ambiente, constituída na relação com o homem, é preciso ser considerada. Castriota (2009) analisou as mudanças nas políticas de patrimônio. Antes, cerceado por uma visão restrita, o papel de decisão era limitado aos arquitetos, historiadores da arte e intelectuais do IPHAN. Com o processo de redemocratização e as lutas que o contexto abarcou, os cidadãos passaram a compor o grupo responsável pelas decisões e pela manutenção do bem. Um bem deve estar assegurado também por sua comunidade e servir a ela, quando lhe impõe prejuízos, deve ser revisto. O ato do tombamento e da decisão à conservação do bem é de responsabilidade do Estado, mas os valores dados aos bens patrimoniais devem ser avalizados e reiterados constantemente pela sociedade, nos seus dinamismos e variações no tempo e no espaço (FONSECA, 2009).

O tombamento é o último e mais importante registro para preservar o bem, mas não pode ser vinculado a uma noção de imutabilidade. Deve incorporar a existência de mudança e transformação e trazendo o foco mais para os sentidos que se atribui ao objeto ao longo do tempo. Belo Horizonte sofreu ao longo das décadas um misto de inovação de destruição. Foram erguidas grandes obras e grandes arranha céus que acompanharam a destruição das casas na área central e de alterações nas políticas públicas. O processo que ficou conhecido como o Ciclo dos Arranha Céus, ao longo das décadas de 1930 e 1940 transformou o centro da cidade com um processo de verticalização que Vera Chacham (1996) denomina de “Ciclo dos Arranha-céus”. Foi um processo de desenvolvimento frenético de construção de edificações altas e modernização da área central.

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A questão da preservação histórica da cidade veio juntamente com a percepção do centro como um lugar de memórias. Da interpretação e das lembranças sobre o que existia e de uma nostalgia que definia o pertencimento afetivo de gerações que passaram e viveram o centro. E, diante de uma transformação contínua, de descaracterização e desvalorização da área central, trazia uma pressão latente por uma política de preservação. A preservação é importante, a crítica trazida por Reynaldo Calvo, o arquiteto e o cidadão é na forma como foi realizada, sem o devido processo da escuta e da análise dos sentidos e dos significados e, assim, para finalizar e partimos de fato ao texto de Reynaldo, que é o que interessa mesmo aqui, é interessante contextualizar a criação da Diretoria de Patrimônio e o processo acelerado de tombamento da área central. É nos anos 1980 que se inicia na cidade um movimento para a criação da política de proteção de bens culturais como uma reação da sociedade à demolição do antigo Cine Metrópole (que ficava na Rua da Bahia com Rua Goiás). Tombar as edificações foi uma forma de garantir que não se destruíssem bens históricos da cidade. A crítica de Reynaldo não se dirige à preservação em si, mas à preservação desenfreada e sem filtro que foi promovida. O que se percebe na história de Belo Horizonte é que as políticas municipais interferiram na valorização e na desvalorização da área central ao longo da história da Cidade.

A verticalização da Avenida Afonso Pena e a Pampulha são exemplos disso. O Poder Executivo, porém, não conseguiu controlar todos os processos. A Savassi, e posteriormente os Shoppings Centers manifestam uma mudança dos hábitos de consumo e a atuação das elites na conformação dos espaços, mesmo sem a anuência do poder público. O centro atual de Belo Horizonte, mesmo tombado, não conseguiu alcançar uma consciência de identidade do lugar nas novas gerações. Muitos dos processos de revitalização acabaram por agravar a relação social do espaço central da cidade, levando aos movimentos de gentrificação que acabam por gerar a exclusão dos antigos frequentadores do lugar. Preservar foi e continua sendo um grande desafio, pois altera a relação entre os sentidos e o lugar nas diversas mudanças e dinâmicas que o espaço e a sociedade revelam ao longo do tempo. As ações são importantes como garantia para que não se perca bens

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de valor para a memória da cidade, mas refletir sobre elas, em 1995 e hoje, são ainda mais importantes. Vamos ao texto:

B.H. – CIDADE CENSURADA

Sob o impacto da chusma de tombamentos de bens culturais (sic) em nossa B.H. (diria no sentido lato que tombam ou desabam sobre nós) embora reconhecendo a seriedade das intenções neles instituídos, considero representar uma censura à criatividade e produzirá efeito inverso ao imaginado pelos seus realizadores. Talvez suposição que sejam uma barreira à famigerada especulação imobiliária (leia-se espigões) explique a passividade e a omissão da sociedade civil à qual ainda não foi bem explicado que um adensamento bem produzido é melhor que grandes distâncias e ruas caras e inúteis.

Além de ilegal que certeza tenho o seja (o que não é minha seara) representa uma camisa de força exercida por censores nomeados, que como qualquer tranca-ruas, se arvoram no direito de fazer o que nem a revolução bolchevique nem a pior das ditaduras se atreveu a fazer, “tombar o USO”: Cultura ou povo não existem sem passado que deve ser a alavanca do presente, não podendo porém ficar num limbo, como se tempo e espaço fossem únicos. Ligo-me tanto aos acontecimentos passados que, em noites de libação chego a afirmar – considerando a velocidade da luz – que o que vemos já é passado. Evidentemente não estou só, com meus anos de janela e conscientemente – a maioria das vezes – apropriar-me-ei de pensamentos de indivíduos que aprendia a admirar e do estofo de um Lewis Munford e de um Henri Lefebvre de um Lúcio Costa entre outros e amigos e mestres mais diretos que já se foram como Sylvio de Vasconcellos e Edgar de Albreguernue Graeff. Como em qualquer cidade, espontânea ou planejada nada se realiza ao acaso, lembrando que a opção primeira de Aarão Reis foi a Várzea do Marçal e não o nosso arraial.

A cidade projetada foi fruto consciente da escola francesa, cuja língua o nosso Aarão dominava completamente 3e era então marco de erudição. Não tinha porém o brilhante engenheiro nenhuma experiência ou qualquer antecedente em questões urbanas, além das filosofias políticas em voga não alcançarem a dinâmica da sociedade industrial emergente, e com seus efeitos nas cidades, já tão visíveis na América do Norte, não

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podendo dele esperar-se uma reflexão ou forma urbana apropriada aos novos tempos. Cidade para o qual não se pretendeu marcar por um estilo, mas com ruas de excelente caixa, na planície aos pés da Serra do Curral, definida por um contorno do núcleo urbano, o Ribeirão dos Arrudas e uma ferrovia, mas surpreendendo pelas perspectivas limitadas pela topografia, chegando inclusive a aparecer barroca quando alcançando-se o topo da larga avenida da Liberdade depara-se com uma surpresa pasmante com a bela esplanada do palácio. Porém nem “urbs”, nem “civitas”, mas motivo de muito orgulho dos “papudos” como pejorativamente eram tratados pelos ouropretanos os habitantes do arraial, que via crescer uma obra ciclópica, com as serrarias a vapor, os vários ramais ferroviários e as grandes galerias subterrâneas. A grandiosidade necessária a uma capital, seria medida pela beleza do sítio e pelas obras arquitetônicas a implantar, belas, porém fruto da pior fase histórica da arquitetura que foi a do século XIX, um verdadeiro período de desintegração, onde as construções são desprovidas de raízes na paisagem, exclusiva, forma externa, o estereótipo morto de outra cultura. Embora não entendida senão pelos eruditos, era decisivo motivo de orgulho, tanto pela beleza de muitas das obras neoclássicas, como pelo troco pesado que seria dado nos despeitados ouropretanos com sua “pobre” arquitetura, como por constituir-se na sensação de nivelamento social com a elite.

A fraca personalidade urbanística produziu alterações imediatas, e em menos de um quarto de século inúmeros e pomposos prédios foram derrubados e substituídos, as secretarias foram implantadas em local diverso do projeto, as obras do parque municipal (restaurante, cassino, observatório meteorológico) foram sequer iniciadas. A indefinição de zonas de uso como é hoje – e isto foi bom – produziu o nosso primeiro especulador urbano, o José dos Lotes (José Francisco de Macedo) que procurando com outros comerciantes locais para instalar sua mercancia ia também adquirindo os lotes sorteados para proprietários de Ouro Preto, que definitivamente para aqui não viriam. “Extinta” após a inauguração a Comissão Construtora, o ritmo de ocupação continuou célere como se procurasse alcançar de imediato os 30.0000 habitantes da primeira demarcação (+ 200.000 ao final) explodindo após 1930, exigindo regulamentos de construções mais modernos como o de 1933 (Octávio Goulart Penna), logo substituído pelo do Juscelino de 1940, até hoje vigente. Definia ele um centro comercial no núcleo urbano e que muito

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consolidado em 46 com Otacílio, e que muita dor de cabeça iria nos trazer, gabaritos de altura, normas de ventilação e iluminação, enfim, “moderno”, mas ainda como quase tudo nosso, cópia de “algo” ou de algum lugar que desconhecemos. A verticalização desenfreada do centro gerou nas palavras de um amigo ex-reitor uma “cidade de costas” pois só existiam fachadas de frente e fundo e a última nunca tratada pelos arquitetos, permitia que, pela distância, se avistasse a triste perspectiva das casas de máquinas e reservatórios (como pombais) e essas fachadas sem preocupação, e acabamento inferior. Como náufragos urbanos como até hoje sem saber o que fazer, caminhamos até 1976 (com ligeiro agito no cinquentenário, passando pelo primeiro plano diretor /Sagmags que ficou no papel e com alguns outros que o sucederam) quando da primeira lei do solo elaborada pela PLAMBEL – Plano Metropolitano de Belo Horizonte – infelizmente de longa data esvaziado – calcado em diretrizes nacionais e metropolitanas de planejamento (auge da ditadura) que ia implantando nas principais cidades do país as “taxas de ocupação”, os “coeficientes” (como se esses regulassem necessidades) os corredores de tráfego, enfim alto que respeitadas algumas peculiaridades, era genérico. De qualquer modo buscou-se hierarquia, relações metropolitanas, revalorização da área central, a primeira grande via de tráfego rápido que somada ao anel de contorno isola o que antes constituía vizinhança, fragmentando o tecido urbano. Sua revisão em 1985 não trouxe nada de novo e surge agora o plano direto e a nova lei que poderão trazer seríssimas mudanças -boas e más -no desenvolvimento da cidade, uma má lá identificada pelo engessamento do núcleo urbano tradicional, agora chamado de hipercentro e ao bairro da floresta (atenção, sem ser pejorativo, o nome em função do bar e bordel “Hotel Floresta”) tudo sob uma égide presumida de preservação do patrimônio cultural. A análise que agora faço é aplicável a todo centro urbano tradicional, centro e hipercentro, embora em certos momentos amarre-se no antigo centro comercial e ficará claro que embora tenhamos muito pouco da cidade original sua preservação é questão básica, mas deve sêlo de forma pacífica, respeitosa e não reacionária como se pretende. Antes de tudo, a cidade é a casa do homem urbano, nosso espaço educacional, nosso fazer, nosso viver, um “fato da natureza”, um gruta, um formigueiro, uma forma de arte totalmente consciente eu não diria pois seria como chutar uma bola – que contém em si inúmeras outras formas de arte. O espaço e o tempo são reorganizados nas cidades, onde o homem por diferenciar-se dos animais como criador de cultura e capacidade de

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intervenção e alteração, atua, com todo o direito no sítio natural, respeitando-o ou negando-o – quase sempre de forma não a mais adequada , em cada época, diante dos fatos primordiais de sua existência. Buscando a eterização (Toynbee), “processo de cultura, quando uma comunidade assume o domínio do ambiente e dos meios físicos da vida” o homem inventou e inventa seus espaços na procura da criação de modelos lógicos na busca da sua meta que é a perfeição. Como ninguém vive para si, nem a cidade, e viver é uma contínua troca de experiências e evolução, todos sabemos que a preservação de espaços e monumentos urbanos é que irá permitir nossa inserção em cada época. Muito foi e tem sido dito sobre as cidades nas suas várias épocas, muita coisa já está sedimentada em vários mestres, restando a nós a modesta análise de uma cidade somente centenária, nem ainda adolescente, que sofreu e continua a sofrer um processo histórico ainda não alcançado pelos seus planejadores, desde sua concepção, pela falta de uma visão cosmopolita do seu universo (atenção, não é globalidade). Estamos ainda numa época de cultura burguesa, (quando sairemos?) que a partir do renascimento, em seu absolutismo ainda emergente submeteu e vez por outra destruiu as que lhes eram contemporâneas. Belo Horizonte, bem ou mal já formada, poderia provavelmente superar melhor –não fora a malfadada área comercial do regulamento de 1946 – a verdadeira agressão, posse e destruição que a sociedade industrial, traz ao meio urbano e em especial à área central – o coração comercial, lúdico e centralizador da personalidade coletiva desde a cidade medieval. Para a sociedade industrial as obras da cidade, seus prédios, suas ruas e praças, seus monumentos e obras de arte são exclusivos objetos de uso para onerar o seu valor de troca. Neste tipo de comportamento e enfoque ela dirige-se obstinadamente à produção, considerando, em tese, qualquer outro investimento que não o objeto fim, “um luxo”, negando sempre o social urbano pelo econômico industrial: o nosso núcleo central é tomado já e a partir da década de 50 pelo duplo caráter da centralidade capitalista que o vê exclusivamente como lugar de consumo e lugar que deve ser consumido. Não é só especulação imobiliária, pois o fenômeno não se restringe à terra já que a riqueza imobiliária já está móvel com o capitalismo comercial e bancário e são muitos os meios de apropriação da sociedade industrial capitalista. O crescimento com novos habitantes e o deslocamento populacional para a periferia (residencial ou produtiva) vai esvaziando o núcleo central liberando-o como o que para os “pobres”, deixando à mostra,

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de forma clara e explícita a feiura burguesa, a relação custo/ganho, a pobreza do produto/obra que se instalou no lugar de um conjunto sem luxo, eclético, frio, mas sobretudo agradável. Nosso centro, planejado que foi facilmente identificado no espaço, não sucumbe porém (aliás historicamente os centros tradicionais sempre reagem) e continua a ser para o cidadão a “cidade” ir à “cidade” segundo velho amigo da PLAMBEL- Plano Municipal de Belo Horizonte (que já se foi, é sinônimo de “ir ao centro”). Mas, fato histórico, o núcleo estático envelhece e o que era suave e quase orgânico vai ficando decrépito, já é um produto que quase não se presta ao uso, não conseguindo sequer gerar contraste positivo com a outra feia obra que dele quis se apoderar. A lei de 1976, que tenta dar-lhe ganho em produto com atrativos aumentos de coeficiente, não contempla o necessário apoio ou incentivo aos planos que visavam sua revitalização, propostos por urbanistas oficiais ou não, alguns com a veemência de um velho amigo professor emérito da Escola de Arquitetura. Na última administração belos planos foram feitos e deles nenhuma notícia temos. A nossa falta de personalidade urbana (sem consolação não é só nossa), onde toda proposta de longo prazo é visionária e inatingível mede nossa incultura. Hoje não se vende um imóvel mas uma ilusão, um urbanismo que passa a ser valor de troca, oferecendo-se um imaginário habitat (os Alphavilles da vida aqui chegando) que tenta “prescindir” da cidade como que fechado em si, em local privilegiado “um lugar de felicidade e segurança”. E mais, temos os Shoppings Centers reinando com profissionalismo absoluto impedindo qualquer comércio periférico, os famosos “templos do consumo” que oferecem de tudo, à contemplação e ao dito lugar de consumo e consumo do lugar. Precisamos do núcleo? Sim, pois o homem vive na cidade e da cidade e a cidade não deixa de viver do homem e seu núcleo, seu centro histórico é parte essencial do conceito de cidade. Além do mais ele tem de ser visto como local franco, aberto, “grátis”, o local da festa (como antes) voltado à maioria da população que move-se agora mais rápida na malha urbana em função da variação acentuada dos pontos de emprego não tendo mais sentido a casa própria, o habitat permanente. Outros centros a serem criados não são concorrentes destes, embora o “urbanismo de consumo”, assim o deseje. Como fortalecê-lo, como torná-lo a realização de um imaginário teórico não ouso dizer, embora possa dizer como não fazê-lo. Resguardá-lo todo (o centro) e esperar que uma mão divina ou as forças de um capital sem lucro para

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ele sejam guiadas, enxergando burocraticamente a perspectiva desta atração e não a prospectiva de novas necessidades, que não preexistem como objetos, mas serão descobertas no decorrer dessa prospecção, não é correto. “A obra permanece depois que o tempo superou sua utilidade funcional, quando se apresenta como criação plástica ainda válida, porque capaz de comover (o grifo é meu)”. O que comove na área furiosamente tombada? Por que preservar-se fachadas de gosto duvidoso quando o importante é o todo? Por que impor um padrão estético a uma população cuja média provável na cidade mal chega à quarta parte de sua idade? Por que não imaginar um “novo” centro preservandose o significativo, o marcante, o histórico feio ou bonito? Por que não novas intervenções que devolvam a ele o local de convívio, de festa, de comércio, de “uso” como antes onde se desenvolvia o sucesso? Qual a mais-valia deste tombamento senão um iminente risco de criar-se um enorme balcão de negócios? Tombar “conjuntos” que não o são? Como pode a Avenida Afonso Pena (porque não os “nn” e os “ff” tão mais bonitinhos) da rodoviária à Rua da Bahia ser um conjunto? (tenho de jogar fora os meus “pais dos burros” dicionários). Tombemos pelo patrimônio de uso, pela qualidade artística, por respeito àquele que historicamente o utilizou; tombemos agora no sentido de derrubar, desprezando o inútil e feito, destacando e valorizando o corretamente tombado. Transformá-lo (o hipercentro) em museu de arte, em local de peregrinação estética de mau gosto é na realidade transformá-lo em museu de história social, que necessariamente procura conservar e consagrar o passado. Devemos ter em mente que é “por nossas interpretações errôneas é que o passado revive e pelo fato de ser “diferente” é que o passado enriquece nosso presente”. O que faz uma arte ser eterna, no sentido humano, não são os detalhes que ela nos traz do passado morto, mas o que significa em nossa própria experiência. Não é preciso morar numa casa renascentista para apreciar uma obra de arte da época porque, mesmo que tivéssemos a casa, não poderíamos ver o ambiente, o quadro com olhos da renascença, mas pelo contrário, quanto mais completo é o nosso afastamento e quanto mais efetivamente possamos separar um símbolo do que ele possa significar para outra geração, tanto mais pronta e decisiva nossa própria reação. No caso da cidade museu – e dificilmente pode deixar de ser assim, confunde-se “aquisição” com apreciação, conhecimento de fatos com “intuição estética” e “imitação mecânica” como intercurso cultural. Sem seus habitantes “normais” o núcleo se

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transformará num amontoado de ruínas e rapidamente morrerá como qualquer ser vivo. Numa cidade nessas condições (museu) não tem sentido e representa um atordoamento intelectual, mas, uma cidade que preserva com base numa “cultura” e não num “padrão aquisitivo de vida” permitirá que cada geração possa assumir o controle coletivo de seu passado. Em todo o mundo, bens preservados com critério tem sido muitíssimo bem reutilizados e ganham nova vida, mas, imaginemos nossos edifícios, em cada terreno, onde uma fachada tradicional ou parte de seu volume, acopla-se a outra arquitetura que com ela nada tem de comum tornando-as, as duas, grotescas ou no mínimo de mau gosto. Pretende-se o “museu” e custo zero pela adoção de transferência do direito de construir. Em 1933 foi realizado em Atenas – Grécia – o IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) onde foram estabelecidos princípios para uma carta de urbanismo. Suas conclusões publicadas em 1941, como a “Carta de Atenas” no capítulo “Patrimônio Histórico das Cidades”, reza em alguns tópicos que extraí com comentários reduzidos:

Os valores arquitetônicos devem ser salvaguardados [....] primeiro pelo seu valor histórico, segundo, porque alguns levam em si mesmos uma virtude plástica na qual toma corpo o mais alto grau de intensidade do gênio humano; serão salvaguardadas se constituem expressão de uma cultura anterior e se respondem a interesse geral [...] nem tudo que é passado tem direito, por definição, à perpetuidade; convém eleger com sensatez o que deve ser preservado. Se sua conservação não implica no sacrifício de populações mantidas em condições malsãs...um estreito culto ao passado não poderia fazer desconhecer as regras da justiça social; O emprego de estilos passados, sob protesto da estética, em construções novas erguidas em zonas históricas tem consequências nefastas [...] as obras mestras do passado nos mostram que cada geração tem sua maneira de pensar [...] copiar servilmente o passado é condenar-se à mentira, é erguer a falsificação [...] (CARTA ..., 1933).

Um dos mestres citados enxergou mais que a porta entreaberta por Paul Valéry Dize-me (pois tão sensível aos efeitos da arquitetura) se tens observado, em seus passeios por esta cidade, que entre os edifícios que a povoam, uns são mudos, outros falam; e outros, enfim, os mais raros, cantam... (Eupalyos – o arquiteto). Os edifícios mudos só merecem o nosso desprezo, fiquemos com os que cantam as grandes ideias dos homens, esses movem, conduzem, e levam os homens. “A vida do homem é o trabalho, o repouso, o amor, o ódio, a alegria, o pranto... e tudo isso o homem relaciona com as coisas que foram o cenário da sua vida”. Tentemos ficar pelo menos com o menos feio. Agora, sem

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divagações, de volta ao solo pergunto: será que não poderemos criar condições para trair pelo menos os edifícios que murmuram?

Considerações Finais

Esse texto de Reynaldo Calvo é um texto da época, escrito logo após o tombamento em massa do Circuito da Avenida Afonso Pena. É interessante refletir que nos anos 1990, as decisões acerca do tombamento já estavam partilhadas entre outros profissionais para além dos arquitetos, considerando os impactos sociais e as demandas populacionais. O fato de criticar o tombamento da forma como já foi realizado, não sustenta uma rejeição ao tombamento e outras políticas de preservação. Patrimonializar na nossa percepção é importante para conservação dos espaços, dos lugares e da memória, porém deve-se considerar a preservação e suas escolhas de forma ampliada, promovendo a inserção do cidadão no processo, como parte interessada e que tem, na preservação, a definição de um direito. É preciso garantir a ligação do espaço preservado com a sociedade que ele acolhe, até mesmo para que a população se aproprie e cuide desses espaços e, para tanto, eles precisam fazer sentido para a comunidade e para a cidade. Não um sentido histórico distante, mas a partir de uma sensibilização, um sentido da história dos sujeitos nos lugares da memória, como um espaço que integra ambiente e cidadão. Não se atribui valor a um patrimônio sob o quesito nem apenas histórico e nem apenas estético como foi no início da política patrimonial no país. O valor de um bem (se é que é possível a atribuição de uma valoração de bem já que ele deve ser estabelecido a partir de valores de pertencimento e de afeto e, portanto, subjetivos) não deve ser a meta. Tomar um bem melhor que outro é uma atitude excludente por natureza e a proposta de registro e tombamento tem como princípio ampliar a ligação das pessoas com o lugar, com a história.

Nessa perspectiva é que o texto de Reynaldo é atual já que faz uma reflexão de alguém que viveu o tombamento da área central como crítico do processo que se estabeleceu. Olhando a partir do presente, entendemos a importância que teve a atuação municipal de cuidado com o patrimônio e a importância das ações em relação à área central que foi, ao longo do tempo, fruto de várias intervenções públicas e privadas que

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ameaçavam sua descaracterização e necessitavam de uma valorização como parte integrada da história da Cidade. A política de patrimonialização precisa de cada vez mais atenção. A criação de um órgão de Patrimônio naquele contexto dos anos 1990, atendia a este requisito fundamental de valorizar e, principalmente, não negligenciar o que existia na área central. Entretanto vale o recado de que toda política precisa se voltar para as comunidades mais amplas, escutar suas demandas e melhorar sua atuação para incluir e, com certeza, sensibilizar e valorizar o que existe e os sentidos da cidade. Os pareceristas deste artigo, contribuíram com reflexões importantes, e nos levaram a atualizar que hoje a comunidade se faz mais presente e tem ocupado com qualidade o espaço público, destaque aqui para os movimentos “Ocupação”, “Praia da Estação”, “CurArte” que integram/reintegram as pessoas à cidade e dão aos espaços públicos sentidos renovados e democráticos. A crítica de Reynaldo também é uma reflexão importante de que é preciso sempre e cada vez mais investir na construção de uma equipe ampla, multidisciplinar e com apoio institucional que possa, cada vez mais, adequar a política pública às demandas da cidade e da sua sociedade, realizando a pesquisa, a escuta, valorizando a memória e seus atores, a promoção e ocupação dos espaços públicos e o cuidado da cidade, as expressões culturais e a memória enquanto cidadania. Compreender a história como princípio do passado deve englobar a percepção de sua dinamicidade que acompanha a transformação da sociedade no espaço e no tempo. Toda cidade é histórica, ou seja, está em transformação, alinhando presente e passado e produzindo leituras de mundo e de seus grupos plurais e de suas condições contemporâneas. Cuidar do Patrimônio é cuidar da própria cidadania, dando sentido ao viver na própria cidade. A política patrimonial tem que se iniciar pelas pessoas, pelos moradores e sua relação com a cidade e o pertencimento. Nesse sentido, cabe dizer que os processos patrimoniais devem ampliar-se, sempre que possível, na inclusão das comunidades tanto no momento decisório como também pautando-se no acompanhamento e até em uma reavaliação por parte da comunidade.

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Referências

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