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Ana Lídia de Paula Santos

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ENTRE A INTEGRAÇÃO E A FRAGMENTAÇÃO: um olhar para a relação entre Sabará e Belo Horizonte

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Between integration and fragmentation: a view at the relationship between Sabará and Belo Horizonte

Ana Lídia de Paula Santos1*

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o processo de integração de Sabará à Região Metropolitana e sua relação com o espaço da metrópole Belo Horizonte, perpassando por discussões no que diz respeito à compreensão das novas conformações da vida em Sabará, que ultrapassam os seus limites oficiais. Para melhor compreender o recorte escolhido, a pesquisa buscará investigar a transformação de Sabará frente ao processo de crescimento das regiões metropolitanas, realidade recorrente em todo Brasil. Devido à quantidade de estudos no âmbito da fragmentação e novas configurações do espaço urbano, e como esse fenômeno também se aplica ao recorte espacial escolhido, buscar-se-á realizar uma revisão de literatura sobre a temática da metropolização e suas repercussões. Os conceitos de integração e fragmentação conduzirão a discussão a fim de compreender como se aplicam à relação Sabará-Belo Horizonte.

Palavras-chave: Metropolização. Região Metropolitana. Sabará.

Abstract: The objective of this article is to analyze the process of integration of Sabará to the Metropolitan Region and its relationship with the space of the metropolis Belo Horizonte, passing through discussions regarding the understanding of the new conformations of life in Sabará, which go beyond its official limits. To better understand the chosen subject, the research will seek to investigate the transformation of Sabará regading the growth process of metropolitan regions, a recurrent reality in Brazil. Due to the amount of studies in the scope of fragmentation and new configurations of urban space, and as this phenomenon is also applied to the chosen space, we will seek to carry out a literature review on the theme of metropolization and its repercussions. The concepts of integration and fragmentation will lead the discussion in order to understand how they apply to the Sabará-Belo Horizonte relationship.

Keywords: Metropolization. Metropolitan Region. Sabara.

Introdução

Este artigo tem como objetivo promover discussões acerca da integração e da fragmentação, resultantes do processo de urbanização. Com o crescimento das metrópoles as relações socioespaciais se tornaram mais complexas, extrapolando o modelo dicotômico centro-periferia. Dessa forma, cria-se a necessidade de uma ampliação

1* Bolsista CNPq, Mestranda em Ciências Sociais pela PUC Minas e Licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: alidiaps@gmail.com Página 155

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conceitual no campo dos estudos urbanos. É preciso reconhecer que grande parte das cidades latino-americanas, devido ao processo parecido de industrialização, possuem fortes semelhanças e pontos de congruência, contudo, uma análise de caso se faz de extrema necessidade para compreender os diferentes reflexos que a urbanização é capaz de produzir.

O presente artigo é uma parte da pesquisa de mestrado que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós graduação em Ciências Sociais da PUC Minas, pertencente à linha de pesquisa Cultura, identidades e modos de vida. Essa pesquisa busca compreender as relações entre história e lugar na cidade de Sabará, bem como a reorganização desta cidade e entender até que ponto a influência da metrópole em seus arredores se faz crucial para o desenvolvimento da cidade. Além disso, a existência de estudos sobre os impactos da metropolização sobre cidades como Brumadinho, Nova Lima, que pertencem à Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), foi também motivação para investigar como esse processo ocorreu no município de Sabará, visto que os dois primeiros citados passaram recentemente a abrigar novos condomínios de médio e alto padrão, enquanto Sabará é marcada historicamente pelo processo de periferização. É necessário frisar que o artigo tem maior foco na discussão dos conceitos do que apresentar resultados conclusivos, visto que o campo é bastante vasto e os debates conceituais são os principais objetivos dessa investigação, elencando os estudos para tratar de suas metodologias e construção conceitual.

O recorte escolhido tem o objetivo de compreender de que forma o processo de fragmentação e integração se manifesta no espaço de Sabará e Belo Horizonte. Para isso, foi adotada a metodologia de revisão bibliográfica acerca dos conceitos abordados em território brasileiro, com enfoque nas metrópoles cujas características se aproximam a Belo Horizonte. Então, para elencar as obras que serão discutidas nesse artigo, utilizouse a Biblioteca Digital do Observatório das Metrópoles, onde se encontram pesquisas de relevância sobre a temática central deste estudo, buscando pelas palavras-chave “integração” e “fragmentação”. Para discutir sobre a integração, os debates propostos na obra “Níveis de integração dos municípios brasileiros em Regiões Metropolitanas, Região Integrada de Desenvolvimento e Arranjos Urbanos (RMs, RIDEs e Aus) à dinâmica da metropolização” (RIBEIRO, 2014) serão um importante ponto de partida para entender

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como o conceito se aplica na realidade das metrópoles brasileiras e quais as novas conformações do espaço urbano. Para discutir sobre fragmentação, utilizar-se-á as definições elencadas por Chetry (2014), que traz para o centro do debate a multiplicidade desse conceito e suas aplicações para a classificação do território como um espaço social, e seus desafios para a construção de uma política capaz de atender as demandas das cidades. É importante destacar que os fenômenos da integração e da fragmentação nesse estudo não serão considerados interdependentes, mas elementos coexistentes no que diz respeito à relação entre metrópole e região metropolitana. Há possibilidade de se enxergar novos arranjos criados ao longo dos anos e com o vertiginoso crescimento urbano, que devido a suas múltiplas facetas, acaba por dificultar uma conceituação precisa. Além dos conceitos debatidos a partir das referências bibliográficas, serão utilizados os estudos produzidos pelo Observatório das Metrópoles sobre a cooperação das Regiões Metropolitanas. Destacam-se duas publicações, “Como andam as Regiões Metropolitanas: Como anda Belo Horizonte” (2008) e “Belo Horizonte: Transformações na ordem urbana (2015)”, que abarcam estudos sobre as cidades que integram a Região Metropolitana e discutem os últimos dados censitários (2000 e 2010).

Antes de adentrar o recorte temático, é preciso explicitar o conceito de fragmentação que guiará esse debate, elaborado por Salgueiro (1998), embora esse fenômeno se expresse em múltiplos campos, aqui será abarcado exclusivamente no âmbito espacial:

Entendemos por fragmentação uma organização territorial marcada pela existência de enclaves territoriais distintos e sem continuidade com a estrutura socioespacial que os cerca. A fragmentação traduz o aumento intenso da diferenciação e a existência de rupturas entre os vários grupos sociais, organizações e território. (SALGUEIRO, 1998, p.38).

O processo de fragmentação extrapola o padrão de segregação centro-periferia, no centro há a concentração das atividades econômicas alocando as classes média e alta, enquanto a periferia é marcada pelo empobrecimento e precariedades de recursos. O surgimento de uma nova cidade, marcada por fronteiras simbólicas, não é vista no aspecto da totalidade, mas como uma organização extremamente complexa e em constante transformação. Milton Santos (1993) enxerga a origem da fragmentação sob a ótica da globalização e intensificação da divisão do trabalho, onde a totalidade dá origem a um

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“outro”, que por sua vez não deixa de estar integrado ao todo e, somada a essa percepção, a discussão feita por Chetry (2014) evidencia que esse processo no âmbito espacial é como uma “fratura” incapaz de ser resolvida. O processo de integração é também um dos reflexos da metropolização em estágios bastante avançados, aproximação das cidades, formando uma rede conectada interdependente, construindo polos que exercem maior importância econômica, política e social. Para analisar e mensurar esse processo são considerados fatores como mobilidade, ocupação territorial, população, grau de urbanização. Assim, os espaços são classificados de acordo com uma hierarquia, quanto mais expressivos os fatores citados, maior influência é exercida. O Registro de Influência das Cidades (Regic)2 realiza um

trabalho de levantamento das informações com o propósito de analisar a rede urbana brasileira e identificar quais cidades desempenham centralidade e a construção da hierarquização dos espaços.

Este artigo está dividido em três partes, primeiramente será discutida a formação das metrópoles e suas relações socioespaciais, pontos fundamentais que irão conduzir ao conceito de fragmentação e integração e como estão relacionados ao processo de intensificação urbana e metropolização. Num segundo momento, será abordado o caso de Sabará e Belo Horizonte, e como os processos de fragmentação e integração se fazem presentes a partir do crescimento da capital mineira, além de buscar entender a formação de novas conexões entre as cidades, que extrapolam os limites físicos. Por fim, uma conclusão para elencar os pontos de interseção dessas teorias debatidas com o caso da cidade de Sabará e Belo Horizonte.

A modificação das metrópoles brasileiras e suas integrações

Tratar sobre o assunto urbanização no contexto das cidades brasileiras requer um cuidado, visto que em um mesmo espaço podem ser encontradas múltiplas facetas. É importante realçar também o processo de formação das cidades não como uma maneira de explicação pragmática da atualidade sem ignorar as consequências da organização

2 Aqui utilizo o da publicação mais recente, datada de 2018. Página 158

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colonial3, mas para compreender a construção da dinâmica urbana atual, como Gorelik diz, as cidades latino-americanas são “realidades construídas” (2005, p.112). O processo de crescimento das cidades brasileiras e a intensificação da urbanização nesse território após a década de 1950 se deu a partir dos interesses dos países ditos como desenvolvidos, que enxergavam potencial de firmar uma zona produtiva em algumas cidades, devido à oferta de matéria-prima e mão de obra abundantes4. Contudo, a questão da permanência do fator desigualdade é um dos alvos do debate, visto que o processo de urbanização nos países de capitalismo periférico não ocorreu de forma homogênea, assim essa questão se tornou um problema evidente à medida que a população abandona os campos em direção às cidades. O crescimento rápido, intenso e muitas vezes desordenado, contribui fortemente para a obtenção do modelo de urbanização que temos. No caso do Brasil, é perceptível através dos dados estatísticos a acentuação dos espaços periféricos em grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, e como essas localidades trazem à tona a desigualdade socioeconômica. A explosão rápida dessas cidades acaba por gerar um inchaço das metrópoles, que concentram serviços e maiores oportunidades, tendo como resultado um grande déficit, seja de moradia, de acesso a serviços, de empregos, desencadeando os subempregos (principalmente no setor do comércio informal), aglomerações e a marginalização desses sujeitos. De acordo com Castells (2001) esse desequilíbrio urbano tem como uma das consequências a falta de serviço para todos, fato que mais uma vez contribui para a piora da desigualdade. Além disso, a intensificação da modernização das cidades traz à tona a discussão em torno do agravamento das disparidades sociais, como Gorelik levanta: “Como acelerar a urbanização sem exacerbar os problemas que estão associados ao crescimento urbano?” (2005, p. 119). O autor ressalta a questão da necessidade dos estudos sociológicos para que a expansão econômica não se fundasse sobre grande sofrimento humano, mas que fossem construídos planos para lidar com essa questão. Um dos desdobramentos dessa problemática nas cidades brasileiras é a tendência de crescimento do espaço metropolitano. Há uma transformação nos arranjos das cidades,

3 Castells ressalta a importância de considerar o processo de colonização ibérica pelo qual os países latinos passaram longos séculos, sendo inegável que boa parte dos problemas atuais são resquícios desse contexto. Além disso, o modelo de cidade e suas funcionalidades já eram existentes nas circunstâncias coloniais, além da permanência das centralidades. 4 Para Lefebvre (2001), questões como oferta de mão de obra, matéria-prima, proximidade a recursos hídricos e fontes energéticas, tiveram papel decisivo para a expansão industrial. Página 159

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aumentando o grau de conexão entre elas, questão que será retomada posteriormente nessa discussão. O grau de dependência entre metrópole e cidades menores é algo recorrente e, no caso do Brasil, essa dinâmica ganhou tamanha complexidade a ponto de cunhar novos conceitos acerca da disposição do espaço urbano.5

Passando para a análise do caso brasileiro, o processo de urbanização ocorre com maior expressão durante os anos de 1940 e 1980, sobre o qual o geógrafo Milton Santos (1993), ao tratar do processo de urbanização brasileiro, mostra que a população urbana triplicou durante esses quarenta anos e, junto a isso (que pode ser visto também como um reflexo), o PIB brasileiro se encontrava em ascensão. No entanto, a melhora econômica do país não impactou as camadas menos privilegiadas da sociedade, que permanecem invisibilizadas e à margem das políticas sociais que buscam equidade social, sendo a desigualdade um grave problema das metrópoles (Maricato, 2000). Após 1980, o declínio econômico evidenciou a exclusão social que persiste na organização urbana brasileira, problemas sociais como a expansão das condições precárias de habitação, desemprego, aumento da violência, passaram a crescer vertiginosamente após o adensamento das grandes cidades. Sobre a questão habitacional, Maricato (2000) ressalta que o Sistema Financeiro de Habitação, criado durante a ditadura militar, não combateu as atividades de especulação, mantendo as classes médias no centro e direcionando a população de baixa renda a ocupar locais afastados e sem infraestrutura planejada com a construção dos Conjuntos Habitacionais populares e a expansão das ocupações irregulares.

O crescimento intenso e acelerado das metrópoles desencadeou também o aumento das cidades que se avizinham, formando as regiões metropolitanas6, assim, as relações de proximidade transformam não só espaço físico, mas a dinâmica de troca entre essas localidades, abarcando um fluxo econômico, trânsito de pessoas e,

5 Para explicar melhor a questão dos espaços metropolitanos e seus arranjos, retomarei mais adiante a ideia de arranjos urbanos discutida na pesquisa feita por Rosa Moura (2009). 6 Apresento o conceito de Região Metropolitana a que me refiro, publicado pelo Observatório das Metrópoles: “Corresponde a uma porção definida institucionalmente, como, no Brasil, as nove RMs institucionalizadas pela Lei 14 e 20/73 ou as atuais definidas pelas legislações dos estados brasileiros, com finalidade, composição e limites determinados. A absorção legal do termo “região metropolitana” e a materialização da faculdade constitucional de forma indiscriminada, esvaziou de conteúdo o conceito consagrado de região metropolitana na sua correspondência ao fato metropolitano. A Constituição de 1988 também incorpora a categoria “aglomerações urbanas” sem tornar preciso o conceito. Apenas sugere que corresponde a uma figura regional diferente da região metropolitana, podendo-se inferir, portanto, que não tenha o polo na posição hierárquica de metrópole.” (PONTES; PEDREIRA, 2008, p.30) Página 160

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consequentemente, desencadeando intercâmbios sociais. A pesquisa desenvolvida por Moura (2009) discute essa nova ordenação do espaço, abordando o conceito de arranjo urbano-regional:

São arranjos concentradores de população, com relevância econômico-social e na infraestrutura científico-tecnológica, elevada densidade urbana e forte articulação regional, e extrema complexidade, devido à multiplicidade de fluxos multidirecionais de pessoas, mercadorias, finanças e de relações de poder, que se materializam em seu interior. (MOURA, 2009, p. 26)

Essa forma de organização é vista como um produto de uma transformação de ordem econômica, causada pela divisão do trabalho, assim os centros urbanos abrigam grande parte das atividades laborais e, consequentemente, atraem maior fluxo de pessoas. Dessa maneira, são constituídas áreas de integração entre as localidades, condições propícias à expansão territorial de tal maneira que impossibilita a distinção dos limites municipais. Conforme Moura (2009), o processo de desenvolvimento econômico brasileiro, no âmbito urbano, foi responsável por desencadear profundas mudanças na dinâmica metropolitana e a integração entre as cidades, reafirmando a questão centro e periferia, na qual os municípios mais distantes dos centros acabam por se tornar “cidadesdormitório”, constatando a dependência das que possuem menor recurso para a movimentação do capital, considerados municípios de baixa arrecadação.

As cidades próximas aos polos metropolitanos passaram por um intenso processo de crescimento populacional, visto que os custos para adquirir um imóvel são mais baixos. Somado a isso, o fluxo intenso entre as diversas cidades e a metrópole favoreceram o movimento de expansão territorial, tornando recorrente a migração pendular, devido à boa parte da população economicamente ativa desenvolver suas atividades econômicas nos polos. Uma das consequências da formação de novo arranjo urbano-regional são os entraves encontrados pela governança municipal, principalmente em localidades mais limítrofes. Por conta da dificuldade em identificar os limites municipais, as administrações muitas vezes travam embates para solucionar problemas e pensar políticas públicas que alcancem as zonas de fronteira.

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Artigos Livres O processo de metropolização como ponto de partida

O que deve ser destacado na realidade das metrópoles brasileiras é que o aumento da urbanização não se concretizou como um plano, seguiu desordenado nas cidades, fator que impacta na transformação do espaço e está diretamente conectado à lógica da financeirização (RIBEIRO,2018), como uma das reações nos países de capitalismo periférico, capaz de ressoar no campo econômico e socioespacial. No estudo produzido pelo Observatório das Metrópoles acerca das integrações dos municípios brasileiros, destaca-se a seguinte consideração:

A metropolização está ligada ao processo de urbanização, capaz de gerar dinâmicas territoriais de concentração e difusão dos artefatos econômicos, políticos, sociais e culturais em determinados aglomerados metropolitanos. (RIBEIRO, 2012, p. 2)

A expansão da urbanização das cidades que se tornaram metrópoles pode ser interpretada como um desdobramento da concentração de renda, local onde circula maior quantidade de capital, consequentemente engloba grande parte de recursos, visto que concentra serviços e bens, produzindo assim reflexos sociais e espaciais. Assim, a segregação passa a fazer parte da rotina dessas cidades, os espaços centrais se tornam mais valorizados por estarem próximos aos serviços ofertados pela metrópole. Nesse sentido, grande parte dos indivíduos responsáveis por manter a metrópole em pleno funcionamento residem em um espaço distante de onde está localizado seu trabalho.

A partir dessa realidade, a hierarquização dos espaços se faz presente e impacta diretamente no âmbito social, onde fronteiras simbólicas se tornam nítidas. A hierarquia entre os espaços foi construída conforme fatores como a concentração populacional, a relevância socioeconômica, ofertas a uma grande diversidade de serviços, assim, conectando outras cidades, criando uma rede complexa, convergindo os fluxos para o centro, que é uma referência. A metrópole ocupa o papel de destaque, construindo um elo entre as cidades circundantes e, nessa rede formada, as que possuem menor expressão econômica e populacional, desempenham menor influência, ocupando camadas mais baixas dessa hierarquia. Sob essa ótica a fragmentação se torna ainda mais evidente como um processo e desdobramento de uma cadeia complexa possível de ser vista em múltiplos

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campos da sociedade, espacial, governamental, identitário. Contudo, o presente artigo aborda apenas a fragmentação socioespacial.

A partir das colocações feitas para o contexto espacial e temporal que este artigo trata, deve-se ressaltar que ser parte da região metropolitana implica ter considerável densidade populacional e estar próxima à metrópole espacialmente e em fluxo de pessoas, além de retroalimentar uma relação de dependência entre algumas das cidades pertencentes a essa estrutura, principalmente as que possuem alta integração com a capital. O estudo apresentado por Cano (2011) traz uma importante reflexão sobre os efeitos do crescimento das cidades e a dinâmica financeira associada à alocação da população de acordo com sua renda. Belo Horizonte é uma das cidades que foi marcada pelo crescimento acelerado e pela segregação espacial desenvolvida ao longo dos anos, dessa forma a urbanização promoveu, gradativamente, o afastamento da população de baixa renda dos centros urbanos, e a especulação imobiliária se tornou recorrente pela facilidade de acesso a serviços que esses espaços oferecem. Dessa maneira, as cidades próximas aos centros econômicos e de serviços tornam uma opção mais viável para os indivíduos que se encaixam como operário, operário-popular e popular, visto que oferecem um custo de manutenção menor do que residir nas proximidades do local de trabalho/estudo.

Embora boa parte das relações de intercâmbio social entre as cidades vizinhas de Belo Horizonte já existissem, a região metropolitana só foi criada institucionalmente no ano de 1973 através da lei complementar número 14, que considerou as cidades de Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano, como parte integrante dessa conformação. Então, compreende-se que a metrópole de Belo Horizonte passa a ser uma cidade capital que ocupa um espaço de influência para além de sua limitação geográfica. Como o estudo de Geddes (apud FREITAS-FIRKOWSKI, 2020) sugere, a metropolização do espaço ocasiona a expansão em uma grande mancha urbana que tratamos como conurbação. Assim, ao analisar a ocupação do espaço, é difícil distinguir onde começa ou termina uma cidade, fenômeno que caracteriza as metrópoles. Em uma breve contextualização histórica é possível identificar a relação de proximidade entre Sabará e Belo Horizonte que se intensificou ao longo dos anos. A cidade de Sabará, fundada como Villa Real em 1710, foi uma das mais relevantes

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comarcas exercendo centralidade político-administrativa durante o século XVIII e conserva até hoje traços do período colonial, com um centro histórico preservado. Barreto (1996) narra em sua obra sobre a história da capital mineira importantes ocorridos que revelam a aproximação entre Curral Del Rey e Sabará, em 1702 já havia uma estrada a conectar as atuais cidades (que à época eram respectivamente arraial e vila), usada inclusive para abastecer a cidade de Sabará, fluxo que posteriormente se tornou mais intenso durante meados do século XX com a construção das linhas férreas, importante ponto de escoamento de mercadorias e trânsito de pessoas. Teixeira e Souza (2003) afirmam que desde a inauguração, a moderna Belo Horizonte desempenha um papel metropolitano e as primeiras relações de proximidades foram firmadas a partir de uma rede rodo-ferroviária, assim, a região metropolitana foi inicialmente constituída por cidades como Sabará, Santa Luzia, Caeté. Por ser uma cidade planejada, Belo Horizonte foi regulada por legislações que prezavam pelo ordenamento espacial, e buscou afastar as periferias do centro, delimitar áreas agrícolas, industriais e definir o subúrbio. Assim, em 1908 o estado de Minas Gerais criou o primeiro loteamento próximo à divisa entre Sabará e Belo Horizonte, no bairro General Carneiro, que sempre apresentou características de periferização. A partir dos anos de 1970, o crescimento das cidades da região metropolitana se acelera e o fenômeno da conurbação se torna recorrente em quase todos os limites da capital, em intensidades diferentes. O crescimento dessas áreas está diretamente ligado a questões econômicas e grau de dependências. Pertencente à RMBH desde a criação da lei em 1973, Sabará é uma das cidades mais próximas a Belo Horizonte, localizada a 17 km, 48% de sua população praticam o movimento pendular, sendo em sua maioria em direção à capital mineira, uma das taxas mais elevadas se comparadas aos demais municípios integrantes. A partir desses dados citados, é clara a dependência entre as duas cidades, elevando a integração para além dos espaços físicos limítrofes, mas para a dinâmica das relações socioeconômicas. A figura abaixo, construída a partir dos dados censitários de 2010, ilustra a taxa líquida de migração e pendularidade, que corresponde ao número de pessoas que diariamente se deslocam para outras cidades a fim de trabalhar e/ou estudar e retornam ao seu município de origem no fim do dia. Percebe-se que Sabará, cuja área está circulada na figura abaixo, atinge os maiores níveis das taxas citadas, mais alto dentre a classificação das cidades pertencentes à RMBH, variando de -59,4 a -48,9:

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Figura 1 – Taxa líquida de migração metropolitana e taxa de pendularidade por população ocupado por município da RMBH - 2010.

Fonte: DINIZ; ALVIM, 2019

Em uma amostra feita pelo Censo de 2010 de pessoas com mais de 10 anos, ocupadas na semana de referência, revela que no município de Sabará 33.594 pessoas se deslocam para outro município para trabalhar, enquanto 24.779 trabalham e residem na mesma cidade. Além disso, a pesquisa mostra a seção das atividades7, sendo as mais recorrentes entre os que praticam movimento pendular as seguintes: comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas, construção e serviços domésticos, já entre os que residem e trabalham em Sabará, as maiores seções de atividades são: comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas, indústria de transformação e serviços domésticos. Esses dados são essenciais para o conhecimento do perfil dos trabalhadores do município, de acordo com os estudos do Observatório das Metrópoles, Sabará se encaixa como um município operário e operário popular de acordo com suas características socioespaciais, além de ser considerado no período entre 1980 a 1991 como espaço marcado pela proletarização e popularização. De acordo com o IBGE, os

7 Setor produtivo ocupado pelo trabalhador e qual a função desempenhada. Definição construída pelo Censo de 2010. Página 165

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dados mais recentes (2015) constatam que 71,5% da receita municipal são de origem externa, ponto que pode ser associado à dependência econômica para com a metrópole devido à baixa geração de empregos, oportunidades de estudos e acesso a serviços mais especializados. No entanto, esses ocorridos não são exclusivos da relação Sabará-Belo Horizonte, sendo recorrentes em ambientes metropolitanos, considerados como reflexo da centralidade exercida pela metrópole, fato já tratado ao longo deste artigo.

Figura 2 – Nível de integração metropolitana dos municípios da RMBH - 2010

Fonte: ANDRADE; DINIZ (2015)

A proximidade entre Sabará e Belo Horizonte é um ponto importante para compreender o processo de integração entre essas cidades, visto que a facilidade das vias que ligam as cidades e, posteriormente, a ampliação da oferta de transporte público para atender os que efetuam o movimento pendular, contribuíram para que fosse considerado como um município de alta integração pelo censo de 2000 e mantendo essa aproximação também no censo de 2010, como a figura 2 ilustra. A intensificação desse processo e a aproximação das cidades em questão podem ser lidas como reflexo do processo de

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dependência. Sabará não abriga nenhuma estrutura produtiva de grande expressão para a região e, ao compararmos as taxas de movimento pendular, o número de entrada é bastante inferior ao de saída, tendência recorrente nas cidades da região metropolitana e que não exercem influência.

Considerações finais

O espaço da metrópole e seus arredores estão em constante transformação e ao longo dos anos as interrelações entre os municípios mais próximos à metrópole intensificaram a dinâmica de trânsito populacional, uma das resultantes é o processo de conurbação e inchaço das regiões metropolitanas como um todo. No contexto espacial em que este presente artigo se dispôs a analisar, é inegável que as cidades de Belo Horizonte e Sabará são territórios altamente integrados por conta do fluxo de pessoas, renda, serviços e outros fatores elencados ao longo de texto, que demonstram o grau de dependência da metrópole para a manutenção de renda de grande parte da população economicamente ativa de Sabará. É notório que a integração desses municípios coexiste com a fragmentação espacial, mas com menor nitidez se comparado aos casos de cidades pertencentes à RMBH, que passaram a abrigar nos últimos dez anos novas classes que optaram em viver em enclaves fortificados, como o caso de Nova Lima e parte de Brumadinho. De acordo com a Prefeitura de Sabará, os bairros localizados na divisão municipal são marcados pela desigualdade e a constante expansão territorial. Embora esses bairros tenham perfil parecido com os bairros da capital que ali fazem limite, recebem menores recursos aplicados em infraestrutura, saúde e educação, reflexos diretamente ligados à disponibilidade de investimentos dos municípios. Aqui apresenta-se um grande desafio para as governanças municipais. O que chama atenção no caso de Sabará é o fato de que em meio a essas transformações socioespaciais causadas pelo processo de metropolização, a cidade mantém simultaneamente um centro histórico setecentista preservado com grande potencial turístico, mas que, por hora, não é expressivo para a economia local.

Portanto, compreende-se que devido à proximidade geográfica entre as cidades de Sabará e Belo Horizonte, a relação entre esses espaços antecede a consolidação da área

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metropolitana, a integração é considerada como alta de acordo com seu arranjo populacional, assim o processo de conurbação ocorreu ao longo da intensificação dessas relações de confinidade e dependência. É interessante ressaltar que o município de Sabará não possui crescimento uniforme de seus limites territoriais e sofre seu processo de conurbação de forma mais intensa nas áreas de divisa com a capital mineira. As reflexões abordadas neste texto levam a compreender as particularidades dessa cidade e a transformação do perfil de Sabará e sua relação com a metrópole Belo Horizonte, demonstrando heterogeneidade dos impactos da metropolização.

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Artigos Livres

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