Edição 73 do Boletim da Campanha ANA prevenção ao suicídio

Page 1

da

ANA

Ano IV - Nº 73 - Setembro de 2018

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI

Saber agir e prevenir, uma conversa sobre suicídio Por Rodrigo Corrêa Formando em Gestão Pública, Educador, membro da Equipe Campanha ANA e da ASTARTE Educa. A história quase sempre parece seguir o mesmo roteiro. Uma pessoa alegre (ou no extremo oposto em isolamento), sem porquês, “de repente” coloca fim a sua própria vida. Só então as pessoas próximas e algumas mais distantes param para perceber e se questionar qual o foi o ponto, nessa encruzilhada, que não estava “dando certo”. Arrisco dizer que talvez o ponto nessa encruzilhada da vida, seja aquele espaço de diálogo e que muitas vezes não achamos tempo. Esse tempo de escuta das dores e angústias é importante, se você identifica que não é a pessoa apropriada para isso, busque ajudar e apontar os caminhos às pessoas que precisam, já é um grande passo. Não há, obviamente, uma única razão que explique a angústia e o sofrimento intenso de quem decidiu pôr fim à vida. Se o ato de suicídio parece violento para quem está observando de fora, imaginem a intensidade do desespero interno de quem optou por essa atitude. A pergunta que nós devemos fazer é: o que está por trás dessa atitude de

ANA

da

cerceamento da própria vida? É comum pesarmos que os fatores de risco têm haver somente com questões de conflitos como brigar com o (a) namorado (a), perder um parente, ficar desempregado, etc., desconsiderando que todos passam por situações assim. O fato é que para entendermos um pouco melhor, precisamos alargar e reconhecer outros fatores que vulnerabilizam as pessoas e provocam um tensionamento às tentativas e óbitos por suicídio. Segundo os dados divulgados recentemente pelo Ministério da Saúde, no Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, entre 2011 e 2016 houve o registrou de 62.804 mortes por suicídio no país, também nesse mesmo período ocorreram 48.204 tentativas de suicídio. Precisamos considerar que embora não hajam consensos na comunidade médica, os fatores genéticos são muito relevantes, correspondendo há uma grande

Imagem retirada da internet

porcentagem de r isco, uma predisposição (saúde mental fragilizada, ou dificuldade de percepção de riscos) que, no entanto, pode ser potencializada pelos fatores ambientais, como histórico familiar, gênero, situação econômica, inclinação ao pessimismo e desesperança, uso abusivo de drogas e álcool, doenças g raves ou incapacitantes.

EXPEDIENTE COORDENAÇÃO Lídia Rodrigues SECRETÁRIA EXECUTIVA Cecília Góis ASSESSORES DE CONTEÚDO Paula Tárcia

Rodrigo Corrêa Rosana França DIAGRAMAÇÃO Tatiana Araújo

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI’s

1


Outro aspecto importante é a existência de transtornos psiquiátricos, que estão constantemente associados ao suicídio. As pesquisas apontam que os principais são os transtornos de h u m o r, c o m o d e p r e s s ã o e bipolaridade. A idade também é um fator a ser considerado: países com baixo ou médio desenvolvimento econômico têm maiores índices entre jovens, que podem ficar muito angustiados quanto ao seu futuro. Em países desenvolvidos, por sua vez, há predomínio de suicídio entre pessoas a partir de 50 anos. É um fator de risco dos mais importantes a pessoa já ter tentado o suicídio, pois é comum que tente novamente. A automutilação seria ainda uma situação de atenção, pois a pessoa vai se acostumando com a dor, até chegar ao ponto em que adquire a coragem de tirar a própria vida. Os traumas também aparecem como um potencial gatilho para a mor te por suicídio, pois, especialmente na infância e adolescência, as tentativas estão relacionadas a algum trauma, como abuso emocional, sexual, bulling e a negligência emocional. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 200 tentativas entre jovens 1 é efetivada. Outro dado que também precisamos levar em consideração é que, entre os jovens de 15 a 29 anos, a morte por suicídio é maior entre os homens, cuja taxa é de 9 mortes por 100 mil habitantes. Entre as mulheres, o índice é quase quatro vezes menor (2,4 por 100 mil). Na população indígena, a faixa etária de 10 a 19 anos concentra 44,8% dos óbitos. Ainda segundo os dados do Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, ao contrário da mortalidade, foram as mulheres que atentaram

ANA

da

mais contra a própria vida, 69% do total registrado. Entre elas, 1/3 fez isso mais de uma vez. Se olharmos ainda outros aspectos desta população, por exemplo, raça/cor, a população branca (53,2%) registrou maior taxa. Do total de tentativas no sexo masculino, 31,1% tinham entre 20 e 29 anos. Além disso, 58% dos homens e das mulheres que tentaram suicídio, utilizaram substâncias que provocaram envenenamento ou intoxicação.

Imagem retirada da internet

Portanto, é preciso olhar para a questão de forma multifatorial, o que nos ajuda a perceber que o problema é um somatório de fatores vindos de outras formas de violência e, por assim dizer, desmonta o argumento do senso comum, de que esta foi uma escolha, quando na verdade quem se tornou vítima, se tornou em razão de todas outras tentativas de cercear o sofrimento ter falhado. Nesse sentido, precisamos entender que o cerceamento da vida, provocada pela morte por suicídio, não deve ser encarado como uma alter nativa de eliminação do sofr imento, tampouco encarada como um homicídio, afinal homicídio é um caso de polícia e a morte por suicídio é uma questão de saúde pública. Alguns sinais de alerta podem nos ajudar a identificar uma crise suicida ou um indivíduo em sofrimento. Não é uma receita, pois alguns sinais e sintomas isolados

podem indicar outras violências, que ela ou ele esteja sofrendo. É importante ressaltar que muitos desses sinais se manifestam ao mesmo tempo e podem ser um grande indicativo desta crise. Pode parecer óbvio, mas muitas vezes negligenciamos os fatores a seguir: Podemos considerar como expressão de ideias ou de intenções suicidas: Ÿ "Vou desaparecer” Ÿ “Vou deixar vocês em paz” Ÿ “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar” Ÿ “É inútil tentar fazer algo para mudar, eu só quero me matar” Por fim, acreditamos que é preciso encarar o problema da morte provocada por suicídios, de forma responsável e sem tabus, afinal esta é uma tarefa de todos nós, uma vez que a interrupção de uma vida é também a interrupção de possibilidades locais e globais de transformação do mundo. Referência: Boletim Epidemiológico Secretaria deVigilância em Saúde − Ministério da Saúde http://portalarquivos2.saude.gov. br/images/pdf/2017/setembro/2 1/2017-025-Perfilepidemiologico-das-tentativas-eobitos-por-suicidio-no-Brasil-e-arede-de-aten--ao-a-sa--de.pdf Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil http://portalarquivos2.saude.gov. br/images/pdf/2017/setembro/2 1/17-0522-cartilha---AgendaEstrategica-publicada.pdf Novos dados reforçam a importância da prevenção do suicídio http://portalms.saude.gov.br/not icias/agencia-saude/44404-novosdados-reforcam-a-importancia-daprevencao-do-suicidio

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI’s

2


MURALIDADE

FIQUE

por dentro ONU convoca países a vencer o ódio contra pessoas LGBTI’S Há 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamava que todos, sem distinção, 'têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal'. Quando existe um padrão de violência motivada por ódio, como por exemplo, a violência baseada em gênero, orientação sexual ou identidade de gênero e os países não agem para prevenir e enfrentar efetivamente esses ataques, eles (os Estados) estão falhando em cumprir essa obrigação. A alta-comissária da ONU Bachelet afirmou que, em muitos países, podem ser observadas tendências de homicídios LBGTIfóbicos por indivíduos ou forças de segurança locais. Em alguns casos, as mulheres trans estão particularmente em risco de sofrer agressões. Atualmente, mais de 70 países criminalizam relacionamentos consensuais entre pessoas do mesmo sexo, além de criminalizar pessoas trans por sua aparência. As sentenças incluem longos períodos na cadeia e, em alguns casos, castigo físico. Em sete países, leis nacionais ou estaduais preveem a execução de indivíduos condenados por atos relacionados à homossexualidade. As pessoas intersexo também enfrentam violência, há relatos de assassinatos de jovens bebês intersexo. Algumas crianças intersexo são submetidas a práticas nocivas em contextos médicos e pouquíssimos Estados estão agindo para proteger as crianças intersexo desse dano. Fonte: www.nacoesunidas.org

ANA

da

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI’s

3


dICIONÁRIO DE DIREITOS HUMANOS

Bullying: atos de violência física ou psicológica intencionais e repetidas, praticadas por um indivíduo ou grupo de indivíduos, causando dor e angústia e sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder. Intersexo: é um termo utilizado para um grupo de variações congenitais de anatomia sexual ou reprodutiva que não se encaixam nas definições tradicionais de “sexo masculino” ou “sexo feminino”.

notÍcias

da rede

IGUALDADE DE GÊNERO Masculinidades pela Igualdade de Gênero é o tema do Diálogos #ElesPorElas, que aconteceu no dia 27 de setembro, das 14h às 17h30, em São Paulo. O evento marcou o quarto aniversário do movimento #ElesPorElas (#HeForShe, no original em inglês), criado pela ONU Mulheres para engajar homens e meninos na defesa dos direitos das mulheres e meninas. Apoiado pelo secretário-geral das Nações Unidas, o movimento ElesPorElas tem como uma de suas principais mobilizadoras a atriz britânica e embaixadora global da ONU Mulheres, Emma Watson. A iniciativa é voltada para todas e todos e promove uma visão compartilhada de que a igualdade de gênero é uma questão de justiça e benefício para todos os seres humanos. No Brasil, nos últimos quatro anos, o movimento ElesPorElas tem engajado diferentes públicos, tanto nas universidades, como nos meios de comunicação. Artistas, esportistas, empresas e instituições públicas e privadas têm apoiado ações pela igualdade de gênero.

Olá pessoal! Vocês sabiam que setembro é o mês de prevenção ao suicídio, conhecido como setembro amarelo? #setembroamarelo www.anamovimento.blogspot.com

ANA

da

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI’s

4


entrevista

Karina Figueiredo é mineira, mas mora em Brasília há 27 anos, é assistente social há 22 anos, há 05 anos trabalha na área de saúde mental no Distrito Federal, no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), um equipamento especializado em atender os dependentes de álcool e drogas e que tem por base o tratamento do paciente em liberdade, buscando sua reinserção social. Também é colaboradora do Centro de Estudos da Criança e do Adolescente (CECRIA) desde 1996 e secretária executiva do Comitê Nacional de Enfretamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Campanha ANA: O Ministério da S a ú d e d iv u l g o u , n a ú l t i m a s e m a n a , o B o l e t i m Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, e traz como um dos alertas a alta taxa de tentativas de autoextermínio entre idosos com mais de 70 anos, adolescentes e jovens de 15 a 29 a n o s . C o m o v o c ê av a l i a a concentração desse problema nessas faixas etárias e quais fatores contribuem para isso? Karina Figueiredo: De forma geral as tentativas de suicídio têm diversos determinantes, não temos como afirmar exatamente o que levou àquela pessoa a realizar tentativa ou mesmo autoextermínio. Porém, na minha experiência de atendimento direto a

ANA

da

essas situações, vejo a questão do abandono afetivo, da solidão entre os idosos e algumas doenças. No que se refere aos adolescentes, são várias questões. A dificuldade em lidar com frustrações, a questão do pertencimento a um núcleo familiar, escola e amigos. Também a dificuldade dos pais e professores, em dialogar com os adolescentes, ouvi-los, buscar entender o que o adolescente pensa, as coisas próprias da adolescência. Associado a isso temos os adolescentes que vivenciam situações de violência das mais diversas, dentre elas o abuso sexual. O SAMU atende muitos casos de adolescentes e mulheres que vivenciam o abuso sexual na infância e tem ideação suicida e tentativa de suicídio. A questão do bulling, da orientação sexual, os adolescentes e jovens LGBT's também são um público que atendemos com frequência. Outra questão importante sobre essa pauta é que nossa sociedade ainda ignora o sofrimento psíquico das pessoas, a depressão ainda é vista como frescura. Isso também é fator de risco que potencializa a questão da ideação e da tentativa de suicídio, principalmente entre os homens, este é um outro dado que vejo no dia a dia do meu trabalho. Os homens são menos preparados pra lidarem com o sofrimento psíquico. ‘‘É frescura’’, ‘‘coisa de mulher’’, ‘‘homem não chora’’, é o que a cultura machista nos ensina. As mulheres tentam mais o suicídio, porém os homens conseguem mais êxito na tentativa, pois a fazem de forma mais contundente. Não falam do que sentem e etc. C. Ana: Segundo a OMS a cada 200 tentativas de morte por suicídio entre adolescentes e jovens, 1 é efetivada. O silenciamento sobre o tema contribue para aumentar esse dado? K.F: Hoje precisamos romper com o mito de não falar sobre isso. A orientação é justamente o contrário. P r e c i s a m o s c o nve r s a r c o m o s adolescentes e jovens. Dizer que eles podem buscar ajuda, que eles precisam falar das suas angústias, dúvidas, sofrimentos. C. Ana: Enquanto Assistente Social e Secretaria Executiva do Comitê Nacional de Enfretamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, você percebe que a violação dos

diretos sexuais pode ser um fator que potencializa as tentativas de autoexter mínio/mor tes por suicídio de meninas e meninos? K.F: Sim, como já mostravam os primeiros estudos sobre abuso sexual, realizados na década de 90 e no início dos anos 2000, quando começamos a aprofundar os estudos sobre violência sexual. A violência sexual, quando não é atendida, quando a pessoa não fala, ou não consegue ser acompanhada por profissionais, resulta na ampliação das c hances dela desenvolver um sofrimento psíquico extremo é muito grande. No CAPS, por exemplo, atendemos muitas mulheres e homens que vivenciaram a violência sexual na infância, nunca foram atendidos, ninguém acreditou quando eles contaram. C. Ana: Adolescentes e jovens que se descobrem LGBTI tem, infelizmente, aumentado esses dados de tentativas e de óbitos por suicídio? K.F: Principalmente a negação, que existe na nossa sociedade, em falar e aceitar a diversidade. Aí o adolescente LGBT não se sente pertencente a este mundo, como muitos falam. Dizem que preferem morrer do que passar por t o d o s o f r i m e n t o, h u m i l h a ç ã o, violência. C. Ana: Qual a importância dos equipamentos de assistência psicossocial na prevenção das tentativas e mortes causadas por suicídios? K.F: Os profissionais precisam trabalhar a prevenção, inclusive os professores. Isso não existe na sociedade ainda. É como se fosse um tabu falar sobre o suicídio. C. Ana: As redes de proteção de crianças e adolescentes podem contribuir com a prevenção deste problema? K.F: É preciso construir um processo de formação para os profissionais e precisamos trabalhar espaços de fala para os adolescentes, grupos, plantões de atendimento, etc. Não podemos silenciar essa violência, seja por medo ou tabu de falar. O importante é que falemos de forma responsável e cuidadosa, não dá para esquecer as famílias que também passam pela dor da perda e como diz o Estatuto, as organizações, família e sociedade tem o dever de zelar pela plena integridade de meninas e meninos.

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI’s

5


a

Fica dica

Livros Sobre o suicídio

Filmes Sala do Suicídio Um filme polaco que conta a história de Dominik, um garoto que, após beijar outro garoto, começa a sofrer bullying e se isolar em um universo virtual. Na internet, conhece uma moça que lhe apresenta a Sala Suicida, onde ele pode interagir com pessoas que passam pela mesma situação que ele. Um filme bem caricato, mas com uma visão diferente sobre o assunto.

Em 'Sobre o suicídio' Marx trata da esfera da vida privada, das angústias da existência mediada pela propriedade e pelas relações de classe, e antecipa temas como o direito ao aborto, o feminismo e a opressão familiar na sociedade capitalista. Diferente também na sua origem, o texto tem por base uma tradução comentada de passagens de 'Du suicide et ses causes', um capítulo das memórias de Jacques Peuchet, diretor dos Arquivos da Polícia de Paris durante o período da Restauração, que se torna uma espécie de 'co-autor' desta obra.

Acompanhe e compartilhe a Campanha ANA em nossas redes sociais

Geração Prozac Baseada no livro de Elizabeth Wurtzel, a história acompanha a própria Elizabeth, que passa por uma fase depressiva que compromete seus planos de estudar jornalismo em Harvard. A moça começa a frequentar terapia e a tomar Prozac, o que deixa a per sonagem perplexa sobre a relação médica e a receita de antidepressivos.

ana.movimento@gmail.com

Realização

Brasil

Cofinanciador

União Europeia

Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é de exclusiva responsabilidade da Associação Barraca da Amizade e não pode, em caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

ANA

da

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI’s

6


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.