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Suplemento do Jornal Unesp Novembro 2017

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O talento de todos nós: um olhar sobre a diversidade nas organizações Christiane Coutheux Trindade

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A diversidade de todos nós Renato Lantin

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Daniela Cardozo Mourão

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Entrevista com Juarez Tadeu de Paula Xavier

Shutterstock

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O VALOR DA DIVERSIDADE A sociedade contemporânea está cada vez mais complexa, abrigando segmentos com origens, hábitos e crenças diferenciados. Essa composição heterogênea exige um arranjo democrático em que os direitos de todos os grupos sejam garantidos e respeitados e que tradicionais injustiças e práticas autoritárias sejam combatidas e

superadas. Este caderno enfatiza a importância de o Brasil se tornar um país que reconheça sua diversidade, abrindo espaços de participação política, econômica e cultural para setores que sofrem de restrições históricas, em especial a população de origem negra e a comunidade LGBT. As questões abordadas vão da ampliação das

oportunidades de emprego e de acesso ao ensino superior a mudanças no funcionamento dos meios de comunicação. Assim, será possível consolidar um contexto social que respeite as diferenças e seja aberto à contribuição que todos os segmentos podem dar, sem marginalizar ninguém pela cor da pele ou pela orientação sexual.


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O TALENTO DE TODOS NÓS: UM OLHAR SOBRE A DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES

NÃO HÁ DIVERSIDADE EM SOCIEDADES DESIGUAIS

Christiane Coutheux Trindade

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123RF

JUAREZ TADEU DE PAULA XAVIER Por Oscar D’Ambrosio

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iversidade é uma palavra de origem latina. [...] Pois bem, do latim divertere (depois diversitas), significa virar-se para o lado. Ou seja, quando estamos falando de diversidade estamos basicamente nos propondo a sairmos um pouco de nós mesmos e olharmos ao nosso redor. [...] Quem se acha ao nosso lado? Qualquer rápida olhada testemunha a pluralidade humana. Isso quer dizer, como nos recorda Hannah Arendt, que reconhecemos uns nos outros uma dupla dimensão: a de que somos iguais e ao mesmo tempo diferentes. A igualdade possibilita a construção em conjunto, de um mundo comum, que podemos partilhar como pares. Já a diferença responde por aquilo que nos torna únicos, autênticos. [...] “É a singularidade que distingue cada ser humano de todos os demais, a qualidade em virtude da qual ele não é apenas um forasteiro no mundo, mas alguma coisa que jamais esteve aí antes.” [...] Vivemos um tempo de culto ao indivíduo. Isso não é novo. É, por sinal, uma marca da modernidade. [...] A igreja St. John the Baptist, localizada em Burford, na Inglaterra, é datada de 1175. [...] Como uma igreja tipicamente medieval, desconhece-se os agentes envolvidos em sua construção: de quem é o projeto original?; quem executou a obra?; quem financiou?; quem a expandiu? [...] Se viajarmos até o continente europeu, agora em Barcelona, encontramos a Sagrada Família [...]. A primeira pedra foi colocada em 1882, a partir do desenho do arquiteto Villar y Lozano. Todavia, no ano seguinte, por divergências com os promotores da obra, Lozano se desliga do projeto, quando assume a direção a célebre figura de Antonio Gaudí. [...] Vocês devem estar se perguntando: como é que fomos parar em Barcelona e construções de igrejas... Para mim, compará-las é evidenciar esse traço da Modernidade, do nascimento do indivíduo, antes oculto nas festas comunitárias medievais. [...] A autoria de Gaudí parece estar protegida do esquecimento: Gaudí é festejado, simboliza toda a cidade. [...] Estranhamente, foi no mesmo momento histórico que a vida nas grandes cidades se expandiu e se fortaleceu. Lá o indivíduo se viu perdido por aglomeração. [...] Nada como uma ida ao metrô, às 18 h de qualquer dia útil, para nos lembrar de que somos apenas mais um rosto na multidão...

Só a imaginação é capaz de colocar o mundo nos trilhos [...] A trilha proposta por Hannah Arendt, que discutimos acima, exige que nós reconheçamos ao mesmo tempo que somos inéditos, sem que isso signifique a ilusão esvaziada do exclusivo ou especial. Porque, se assim o fizermos, negligenciamos a dimensão da igualdade, único caminho para encontrar o que é comum... Comum, não à toa, dá origem à palavra comunicar. [...] [...] Nesse sentido, o ser comum é o que nos torna os habitantes de uma democracia. [...] Isso me leva então a indagar se não precisamos nos recordar da importância do possível, do que nós, as pessoas comuns nas contingências de nossas vidas, somos capazes. [...] O campo das possibilidades abraça, inclusive, a imaginação: essa capacidade humana de desenhar aquilo que não existe. [...] [...] Não conto nenhuma novidade para vocês quando digo que o século XXI é um século de tensões ecológicas, políticas e sociais. Só a imaginação é capaz de recolocar o mundo nos trilhos, [...] fomentando cenários em que os agentes saem mutuamente beneficiados. [...] E como podemos fazer essa imaginação aflorar senão por meio da diversidade, desse sair de si e olhar o entorno? A diversidade se dá sob muitas faces: é a diversidade de pessoas, de experiências, de histórias, de repertórios e, claro, de pensamentos. [...] [...] A diversidade nos proporciona a chance de trabalharmos diferentes pontos de vista, de trilharmos juntos caminhos que, sozinhos, nos eram desconhecidos. Nem sempre isso se dá facilmente. Mas me parece certo ser a alternativa mais ética e inteligente para conduzirmos os empreendimentos humanos, em especial diante de um mundo complexo, que exige respostas cada vez mais completas. [...]

Christiane Coutheux Trindade é professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) e da USP. A íntegra deste artigo está disponível no "Debate Acadêmico" do Portal Unesp, no endereço: <http://www.unesp.br/portal#!/ debate-academico/o-talento-de-todos-nos/>.

rofessor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp, Juarez Tadeu de Paula Xavier tem como uma de suas prioridades ampliar o debate sobre a diversidade na Universidade. Na Unesp, Xavier é coordenador-executivo do Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão (Nupe); pesquisador do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (Lecotec); coordenador do Núcleo de Estudos e Observação em Economia Criativa (NeoCriativa/FAAC); assessor da Pró-Reitoria de Extensão (Proex); e coordenador do Programa Educando pela Diversidade, além de ser colunista sobre diversidade da Rádio FM/Unesp. Na USP, é pesquisador do Centro de Estudos Latino- -Americanos sobre Cultura e Comunicação da Escola de Comunicações e Artes (Celacc) e do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb). Xavier busca, ainda, contribuir para a aproximação da Universidade com Bauru e para pensar a cidade como um polo avançado de produção independente de audiovisual. Caderno Fórum: Em que consiste o Programa Educando pela Diversidade? Juarez Tadeu de Paula Xavier: As dimensões epistêmicas da diversidade são inovação, criatividade e invenção. O Programa Educando pela Diversidade visa criar um ambiente diferente na Universidade, e sua criação exigiu uma série de leituras de referências de Universidades internacionais. A Liga das Nações, por exemplo, ativa de 1920 a 1946, foi umas das primeiras instituições a fazer esse debate sobre a diversidade na comunicação. Naquela época, já eram analisadas as produções midiáticas e observava-se como o racismo científico defendia a colonização dos países africanos, que resultou na disseminação da intolerância na Europa. CF: Como os meios de comunicação atuam nesse processo? Xavier: A Unesp é uma universidade de classe internacional e, como tal, precisa aprender a lidar com as diversidades. Há muitos anos existe um processo de discussão pelo mundo afora sobre a inclusão de grupos acêntricos. É preciso fazer essa discussão por aqui. E isso vem sendo feito. O racismo, por exemplo, provoca índices de morbidade: o jovem negro é o que morre mais, a mulher negra é a mais pobre, a que sofre mais violência... A violência contra essas populações é naturalizada na sociedade, desde as filas de ônibus, escolas, até a segregação. Por tudo isso é importante a denúncia constante, para desnaturalizar o que as pessoas acreditam ser natural. Recai sobre os meios de comunicação o papel de criar as narrativas que serão assumidas pelo


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A denúncia constante é importante para desnaturalizar o que as pessoas acham natural público. A comunicação feita nos dias de hoje deve ser pensada entre a ciência e a poética, com a seriedade da primeira e a criatividade da segunda. Afinal, a comunicação feita resulta na compreensão, por parte do público, de uma superfície, de uma realidade. CF: O que significa esse conceito de diversidade? Xavier: Existe uma diversidade de baixo impacto e uma diversidade de alto impacto. Na primeira delas, na vivência cotidiana, as idiossincrasias são varridas para debaixo do tapete, como ocorre com as violências ocorridas na Universidade. Na segunda, que, em diversos aspectos, é a mais importante, a esfera das discussões, é gerado o novo. A diversidade, no macroambiente é reproduzida de forma a habituar o público à existência de pessoas descartáveis e, por essa razão, o sistema da informação passa a produzir narcoses para lidarmos com isso. No microambiente, cria-se um simulacro e aliena-se o público. Afinal, o Brasil ainda é movido por moldes da escravidão, entre os quais a violência contra a mulher, contra o pobre e contra o negro, que se faz muito presente e acaba sendo aceita. No nanoambiente, a veiculação da diversidade nos meios de comunicação é feita de forma machista, homofóbica e xenofóbica, evidenciada, por exemplo, pela falta de diversidade nas publicidades e pela construção das narrativas nas novelas. Por tudo isso, é preciso entender a diversidade de forma epistêmica, não sendo possível haver diversidade em sociedades desiguais. Leia mais em: <http://www.faac.unesp.br/#!/ noticia/1493/lilian-diniz-e-prof-juarez-xavier-palestramno-meeting-2017/>.

Renato Lantin Shutterstock

Divulgação

A DIVERSIDADE DE TODOS NÓS

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tema da Diversidade está presente em minha vida desde que nasci. Nasci gêmeo, com 1,2 kg, muito pequeno e com grande risco de perder a vida – esse é um tema que toca muito meu coração, com muito respeito e carinho. Dessa forma, quero compartilhar com vocês algumas experiências. Há pouco mais de um mês, fui convidado a participar de uma entrevista à Carta Capital. O artigo expunha as experiências de executivos que se assumiram como gays no ambiente de trabalho, e como suas carreiras foram impactadas por esse processo. Confesso que a repercussão da entrevista tomou uma proporção muito além do que eu imaginava e fez com que um filme passasse pela minha cabeça. Lembrei de quando comecei minha carreira e como o mundo – dentro e fora do escritório – era um lugar diferente naquela época. [...] De tudo que aconteceu em decorrência da minha entrevista, o que mais me emociona é a ideia de ter percebido como os tempos mudaram. E os tempos mudaram em grande parte porque as empresas começaram a fazer da diversidade uma de suas pautas prioritárias. Em um relatório recente, a consultoria McKinsey&Company aponta que empresas mais diversas têm chances, em média, 15% maiores de retorno financeiro. Se falamos de diversidade racial, esse percentual sobe para 35%. Isso acontece por uma série de motivos. O relatório mostra que uma estrutura organizacional mais diversa tem correlação com processos de tomada de decisão mais eficientes, equipes mais colaborativas e coesas, maior entendimento das necessidades do mercado consumidor, entre outros. Porém, o aspecto de uma melhor performance e rentabilidade não é o único incentivo por trás dessa mudança. Nossa empresa assume um compromisso ético de promover um ambiente de trabalho mais inclusivo. [...] Hoje, temos um claro comprometimento em atender às diferentes necessidades e sensibilidades de nossos funcionários e o evento de hoje é exemplar. Ressalto a importância de incorporarmos uma pluralidade de vozes e opiniões cada vez maior em nossos processos. Acredito que “diversidade”

vai muito além das categorias padronizadas que normalmente são utilizadas quando o assunto é discutido. Embora questões de gênero, raça, e orientação sexual sejam, sem dúvida, de vital relevância nesta conversa, eu gostaria que cada um mantivesse em mente que todos nós, mesmo os que não pertencem a grupos tradicionalmente categorizados como “minorias”, podemos contribuir com nossas experiências únicas e diversas e com diversidade de pensamento respeitando a todos!!! Diversidade é um conceito amplo e está relacionada à maneira como a trajetória única de cada indivíduo proporciona uma forma distinta de ver o mundo. E quantos mundos diferentes temos aqui dentro! Cada um deles complexo, rico e cheio de potencial para contribuir com algo novo. O nosso segundo objetivo é discutir como podemos continuar aprimorando e expandindo as iniciativas implantadas e sucessos obtidos até agora. Já fizemos muito progresso, cultivando um ambiente saudável de valorização às diferenças, mas ainda há uma jornada pela frente. Precisamos pensar em como a empresa pode continuar fazendo sua parte para mudar esse cenário. Tenho orgulho de poder dizer que minha carreira não se deu porque sou gay, mas sim porque tive gestores que me apoiaram e ajudaram a desenvolver plenamente minhas habilidades, sem vantagens – ou repressão. Da mesma forma, quero ver cada vez mais pessoas crescendo não por fazerem parte de um grupo ou de outro, mas sim por terem obtido condições igualitárias de desenvolver suas próprias competências. A troca de experiências faz com que nos tornemos muito mais que apenas colegas de trabalho – e sim parte de uma comunidade. Uma comunidade que não só respeita e convive com as diferenças, mas que se torna mais forte e mais fértil por causa delas.

Troca de experiências nos torna parte de uma comunidade

Renato Lantin é diretor regional de Supply Chain da BASF. Referência: <https://www.mckinsey.com/business-functions/ organization/our-insights/why-diversity-matters>. A íntegra deste artigo está disponível no "Debate Acadêmico" do Portal Unesp, no endereço: <http://www.unesp.br/portal#!/debate-academico/a-diversidade-de-todos-nos/>.


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TRANSBALHO Daniela Cardozo Mourão Shutterstock

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em dúvida nenhuma o trabalho é um importante elemento da dignidade humana. Não é somente um meio de subsistência, apesar de muitos inconscientemente o diminuírem assim. Ele nos transmite a ideia do serviço ao outro, elevando a autoestima. [...] No trabalho nos sentimos gratificados pela esforço dos nossos estudos e capacidades. No trabalho temos também uma identidade: sou o padeiro, sou o empresário, sou o vendedor. Por fim, é no trabalho que colocamos as nossas aspirações profissionais e de uma vida melhor. No caso dos transgêneros é muito difícil, e para alguns praticamente impossível, ter o direito ao acesso a esse elemento da dignidade. Vamos entender isso melhor neste artigo. Quantas pessoas trans trabalham na sua empresa? Quantas vezes você foi atendido em uma empresa ou comércio por uma travesti ou transexual? Na sua escola ou universidade, quantos transgêneros havia? É comum, e já ouvi de pessoas, que travestis e transexuais sejam considerados vagabundos, pessoas que optaram por própria vontade e perversão pela prostituição. [...] Isso é ver somente o resultado final sem se importar com a causa. [...] As estatísticas da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) mostram que o alarmante número de 90% dos travestis e transexuais estão na prostituição, 6% trabalham por conta própria e 4% estão empregados. Esse problema tem sua raiz logo no início da transição de gênero. A imensa maioria, provavelmente a totalidade desses 90% dos transgêneros, relata um processo dramático de rejeição e até expulsão dos seus lares pela família. [...] Uma vez forçada a sair de casa, essa pessoa não encontra qualquer porta aberta. [...] Há vários depoimentos de pessoas que são expulsas do local onde procuram trabalho, que têm seus currículos rasgados e jogados na lata do lixo ou ouvem simplesmente “não trabalhamos com pessoas como você”. As que fazem sua transição mais tarde, principalmente no caso dos homens trans, encontram um pouco mais de oportunidade, se antes de fazerem a transição já alcançaram alguma qualificação ou têm a vida profissional bem estabelecida. Porém, mesmo as mais qualificadas são expulsas do mercado privado de trabalho, percebem a queda no interesse de contratação ou de consumidores dos seus produtos, e relatam que após passar em todas as etapas de recrutamento são repentinamente dispensadas após apresentarem suas carteiras de trabalho com o nome civil. Daí uma das motivações para que se facilite a retificação do nome e sexo nos documentos de transgêneros. Uma vez na rua, não resta absolutamente nada para a sobrevivência de transgêneros que a prostituição ou a criminalidade. A primeira é a opção mais comum e legítima, já que prostituição não constitui crime, mas sim a exploração da prostituição. E ao contrário do ditado, não é uma vida fácil. A pessoa tem de estar todo dia na rua (ou na pista), muitas vezes à noite, sofrendo com o frio em roupas curtas. Estando sujeita a todo tipo de risco de violência, não só xingamentos, mas pedradas, pauladas, tortura e até mesmo a morte. Não tem a quem recorrer, a não ser seu próprio grupo, e alguns policiais não têm se mostrado preparados para essas situações. [...] [...] Segundo Daniela Andrade, não estão lá esperando uma carreira, promoção, curso de inglês, etc. Estão lá pelo mais primário objetivo, a sobrevivência. [...] Algumas sonham em encontrar um cliente que queira se casar ou uma ilusória vida melhor por uma “transferência”

Transexuais e travestis devem ter direito ao trabalho para a Europa. Mas sabem que isso é para poucas. A expectativa de vida de uma travesti, devido à violência e à ausência de interesse do setor público, inclusive na saúde, é de 35 anos. [...] Além da questão do direito de existir na família e na sociedade, que só vai ser resolvido quando se tratar esse assunto nas escolas e nas famílias, há o problema da falta de qualificação dessa população. Basta lembrar que 82% não conseguem terminar o ensino médio. Em algumas escolas sofrem violência por parte dos colegas, ignoradas por professores, orientadores educacionais e diretores. [...] Um projeto quanto a isso vem sendo desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, chamado de TransCidadania, que visa oferecer alguns cursos de qualificação e formação para as travestis de rua. [...] Porém, de nada adianta a qualificação se as empresas se recusarem a empregar transgêneros. Uma iniciativa positiva é o Fórum de Empresas LGBT, que é uma associação de grandes empresas que adotam a missão de “promover os direitos humanos, a valorização e respeito à diversidade, garantindo uma melhor qualidade de vida profissional para as pessoas LGBT”. [...] Elas recrutam, contratam e treinam LGBTs, inclusive transexuais. Além desse, cumpre destacar o projeto TransEmprego, uma entidade independente que realiza um cadastro de transexuais e travestis que querem se inserir no mercado de trabalho, e os encaminham a estabelecimentos e serviços que façam o recrutamento sem discriminação. Segundo Márcia Rocha, do TransEmprego, as empresas relatam que funcionários transgêneros, por sua vivência na diversidade, trazem novas soluções para os desafios na empresa. [...] Um ponto importante, que é também tratado nesses projetos, é que não basta somente empregar

um transgênero. É preciso que haja um ambiente de trabalho acolhedor. Acontece que quando um transgênero faz sua transição dentro de uma empresa, mesmo as públicas, passa humilhações, perseguições e chacotas. [...] Assim, esses projetos também promovem palestras e estabelecem diretrizes de acolhimento e respeito para os funcionários transgêneros. E os resultados têm sido positivos. [...] Outro ponto necessário é preparar o funcionário para a nova vida. Eles estavam acostumados a uma vida de rua e a receber o próprio dinheiro, mesmo que muito pouco. [...] Na vida do trabalho eles têm horários, chefia, obrigações e metas. Se não forem conscientizados e preparados para a nova vida, podem ter um sentimento de estranhamento e deslocamento, e acabam voltando para a vida antiga. Porém, após um período de adaptação, eles logo se sentem mais à vontade, se sentindo fazer parte da sociedade de novo. Em suma, passam a se sentir cidadãos. [...] Obviamente vivemos um problema de desemprego, que tem de ser pensado e resolvido. Mas aqui a questão é outra, é muito mais ampla. Não é um problema político-econômico. [...] Portanto, é um problema social. Mais ainda, é um problema de preconceito e discriminação. [...] Espero aqui ter desmistificado a ilusão, que alguns têm, de que travestis e transexuais estão próximos a algumas casas se prostituindo por opção e depravação. Eles são o que são, e não poderiam ser diferentes. São pessoas, e deveriam ter os mesmos direitos de todos. Inclusive o direito, ou pelo menos a tentativa do acesso ao trabalho. O que para nós é natural e uma conquista, mas para eles não passa de um sonho. Eles aprenderam, e não é fácil, a se aceitar; falta o mundo os aceitar.

Daniela Cardozo Mourão é professora da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá. Contato: <decmou@gmail.com/>. A íntegra deste artigo está disponível no Portal Unesp, no endereço: <http://www.unesp.br/portal#!/noticia/30049/artigo-transbalho/>.


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