Fórum 348

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Suplemento do Jornal Unesp Outubro 2018

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Sobre a queda da cobertura vacinal no Brasil Ilda de Godoy

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Entrevista com

Letícia Lastoria Kurozawa e Ivana Gonçalves

Pesquisa em vacinas

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Vamos falar de... vacinas?

Jaime Olbrich Neto

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Camila Alves Tonami

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FÓRUM

VACINAÇÃO EM QUEDA Nos últimos anos o Brasil tem vivido uma preocupante queda na cobertura da vacinação de suas crianças, para a prevenção de doenças como a poliomielite e a hepatite B, entre outras. São várias as causas desse fenômeno, que ameaça grandes conquistas no campo da saúde pública. Elas vão do excesso de confiança das famílias em relação à

ocorrência das moléstias – cuja incidência foi drasticamente reduzida ou até mesmo anulada em razão da eficácia da aplicação das vacinas – até convicções de fundo religioso e disseminação de notícias falsas sobre possíveis efeitos das imunizações. Aqui, especialistas investigam as razões do problema e apontam possíveis soluções, que não

imponham medidas e busquem um diálogo apropriado com a sociedade. Na entrevista, integrantes do Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unesp, câmpus de Botucatu, acentuam a relevância de suas atividades para 75 municípios da região.


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Fórum Outubro 2018

CENTRO É REFERÊNCIA PARA 75 MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE BOTUCATU

Ilda de Godoy

Letícia Lastoria Kurozawa e Ivana Gonçalves DEPOSITPHOTOS

SOBRE A QUEDA DA COBERTURA VACINAL NO BRASIL

Por André Louzas

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médica infectologista Letícia Lastoria Kurozawa e a enfermeira Ivana Gonçalves integram a equipe do Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unesp, câmpus de Botucatu. Nesta entrevista, as duas especialistas descrevem e analisam as atividades do CRIE em sua área de atuação.

Jornal Unesp: O que são os Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIEs)? Por que eles são importantes?

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PNI (Programa Nacional de Imunizações), que integra o SUS (Sistema Único de Saúde), vinha garantindo elevadas e contínuas coberturas de 11 diferentes imunógenos. […] Além de ser motivo de orgulho nacional, o PNI é considerado um dos maiores e mais efetivos programas públicos de vacinação do mundo. […] Apesar de terem salvado milhões de vidas ao longo de várias décadas, nos últimos anos as vacinas foram alvo de duas injustiças: enquanto alguns se esqueceram de sua importância, outros passaram a acusar os imunizantes de provocarem efeitos colaterais gravíssimos. A redução das coberturas vacinais do calendário infantil, entre 2015 e 2017, dão a dimensão do problema. Segundo dados do Ministério da Saúde/PNI, a vacinação contra a poliomielite caiu de 98,3% para 79,5%; rotavírus, de 95,4% para 77,8%; pentavalente, de 96,3% para 79,2%; hepatite B ao nascer (<1 mês de idade), de 90,9% para 82,5%; meningococo C, de 98,2% para 81,3%; pneumocócica, de 94,2% para 86,3% e; primeira dose de tríplice viral, de 96,1% para 86,7%. Segundo a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a situação é complexa, e muitos fatores relacionados entre si contribuem para a queda da cobertura vacinal: contexto político e econômico de muita fragilidade; falsa sensação de segurança, pois muitas doenças imunopreveníveis já não ocorriam devido ao sucesso do PNI; crescente movimento antivacinas, inclusive com divulgação de informações falsas sobre ausência de efetividade das vacinas e sobre eventos adversos inexistentes; questões operacionais atuais na rede de serviços do SUS. No entanto, a crise de financiamento e a piora dos serviços do SUS têm hoje papel determinante na limitação do acesso à vacinação. […] Além desses problemas, a mudança do sistema de informação do PNI para registro individual e não por dose pode ter interferido no cálculo da cobertura – mas não o suficiente para explicar a queda tão acentuada […]. A única forma de evitar retrocessos é o apoio e o reforço incondicionais às ações de vacinação propostas pelo PNI, que incluem aumento nos horários de funcionamento dos serviços de saúde, educação permanente dos profissionais de saúde, parcerias com as escolas, novas formas de produzir e divulgar informações na mídia e nas redes sociais sobre a importância da vacinação e alcance da autossuficiência nacional na produção de imunobiológicos para evitar o desabastecimento desses insumos.

Grupos contrários às imunizações nunca estiveram tão ativos […] No entanto, apesar dos inegáveis resultados positivos, nunca estiveram tão ativos, no mundo todo, grupos contrários às imunizações. […] Como consequência desse movimento, muitas das doenças que poderiam ter sido erradicadas ou, pelo menos, controladas, ainda dão origem a surtos e até mesmo epidemias. Se o ressurgimento da difteria e do sarampo na Venezuela, assim como a pólio e o sarampo na Nigéria, no Paquistão e no Afeganistão, pode em grande parte ser atribuído à pobreza, ao descaso das autoridades locais, à falta de infraestrutura no atendimento à saúde e a conflitos civis, os mesmos argumentos não servem para justificar os recentes surtos de sarampo em vários países da Europa. […] Mas até que ponto a decisão de não vacinar seu filho se torna uma responsabilidade social? Para o presidente do Departamento Científico de Infectologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), Aroldo Prochman de Carvalho, o ato de não vacinar é uma negligência. […] Para os especialistas, a responsabilidade de vacinar e de informar-se corretamente é dever de todos. […] Da mesma maneira, é fundamental que os profissionais e a sociedade se empenhem em combater as notícias falsas (tão em moda hoje), divulgadas sem qualquer embasamento científico. A mídia tradicional deve ser uma aliada, como aliás tem se mostrado na maioria das vezes, na luta e na conscientização para uma saúde cada vez melhor. […] O futuro aponta para uma progressiva expansão das imunizações, tanto em termos de alcance quanto no número de vacinas disponíveis. Não há sentido em permitir que a desinformação e movimentos sem sentido comprometam os avanços inestimáveis da vacinação, algo capaz de colocar em risco as crianças e um mundo melhor e mais saudável. Ilda de Godoy é professora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina, câmpus da Unesp de Botucatu A íntegra deste artigo está disponível no “Debate Acadêmico” do Portal Unesp, no endereço: https://bit.ly/2K00dQn

Ivana Gonçalves e Letícia Lastoria Kurozawa: Os Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais têm importância na rede de imunizações, uma vez que promovem suas ações baseando-se no princípio da equidade. Assim, pessoas que possuam alguma vulnerabilidade de origem biológica ou devido à exposição a alguns agentes infecciosos podem ter o direito de receber vacinas especiais ou ainda imunoglobulinas através do Sistema Único de Saúde/ Programa Nacional de Imunizações (SUS/PNI). Por exemplo, pessoas portadoras de doença pulmonar crônica têm o direito de receber vacina pneumocócica 23-valente, para que possam se tornar menos vulneráveis às pneumonias, cuja incidência é maior nesse grupo de indivíduos. Os CRIEs trabalham em uma lógica onde são responsáveis por uma quantidade de municípios de abrangência. Nessa perspectiva, autorizam e encaminham vacinas e imunoglobulinas especiais para as cidades solicitantes, a partir de protocolo preestabelecido pelo Ministério da Saúde. JU: Como funciona o CRIE do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB)? Ivana e Letícia: O CRIE do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu foi criado em 2005, sendo referência para 75 municípios de sua área de abrangência. Trabalha com a lógica de oferta de vacinas básicas e especiais em sua sala de vacinas e com a distribuição de vacinas especiais a partir de protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde. Atua hoje em diversas atividades como referência aos municípios, tanto em atendimento quanto em assessoria técnica com logísticas diferentes: • Oferta de palestras aos municípios de abrangência; • Assessoria técnica por e-mail e telefone; • Fluxo de atendimento a pacientes com risco potencial de EAPV (evento adverso pós-vacinação) em leito reservado no pronto-socorro; • Logística de oferta de vacinação de campanhas/intensificação por meio de busca ativa; • Consulta médica e de enfermagem; • Apoio a pesquisas na área de imunização. Apoia ainda as ações de estímulo à vacinação no câmpus de Botucatu, bem como em demais câmpus da Unesp e na Reitoria.


Outubro 2018 Fórum

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PESQUISA EM VACINAS FREEPIK

Camila Alves Tonami

O CRIE de Botucatu é referência para 75 municípios JU: Qual é a relação do CRIE com o Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do Hospital das Clínicas da FMB? Ivana e Letícia: O CRIE atua na mesma estrutura, coordenação e equipe que o Núcleo Hospitalar de Epidemiologia (NHE), criado em 2004. A coordenação do NHE e do CRIE dentro desse hospital é a mesma, o que, na nossa visão, facilita seu funcionamento, uma vez que ambos têm uma perspectiva comum, que é buscar acompanhar o processo saúde-doença da população, em relação à qual são referência, e atuar também minimizando danos. O NHE promove diariamente a busca da identificação de casos de notificação compulsória e auxilia no bloqueio da cadeia de doenças. Assim, os imunobiológicos (vacinas, imunoglobulinas) podem estar inseridos na “quebra” dessa cadeia, muitas vezes. JU: Quais profissionais estão envolvidos em suas ações? Ivana e Letícia: Em Botucatu, o CRIE conta com diferentes tipos de profissionais: técnico de enfermagem, enfermeiro e médico. Com essa composição de equipe, é possível realizar os atendimentos, quer realizando a aplicação de vacinas/imunoglobulinas, quer verificando eventos adversos, bem como atendendo aos municípios de abrangência, tanto no fornecimento de imunobiológicos especiais, quanto em relação a assessoria técnica. No caso do CRIE de Botucatu, há ainda busca ativa da população que tem direito a vacinação e realização de colaborações e assessorias em conjunto com os serviços mais relacionados aos grupos compreendidos nos protocolos dos CRIE. JU: Quais são as vacinas mais utilizadas na região? Ivana e Letícia: As vacinas especiais mais empregadas na região são a pneumocócica 23-valente e a meningocócica, devido aos grupos atendidos pelo protocolo dos CRIEs. A pneumocócica 23-valente destina-se principalmente a pessoas com diabetes, àquelas que convivem com soropositivos HIV/Aids, pneumopatas crônicos e cardiopatas crônicos; a meningocócica C é destinada a casos de hepatopatias crônicas e transplante de órgãos.

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m 1796, o médico inglês Edward Jenner utilizou fragmentos de pústulas de cowpox (lesão pustular humana de varíola bovina) para proteger crianças contra varíola, foi esse o marco inicial da vacinação. Anos mais tarde, Pasteur estabeleceu a teoria da origem microbiana das doenças e desenvolveu pesquisas para atenuação dos microrganismos (como a atenuação do vírus da raiva). A descoberta dos anticorpos, em 1890, por Von Behring e Kitasato possibilitou o uso de imunização passiva contra as infecções, outra forma de proteção. Em 1909, Albert Calmette e Camille Guerin, do Instituto Pasteur, desenvolveram um bacilo de virulência atenuada com capacidade de proteção contra tuberculose, o BCG, que foi introduzido no Brasil em 1925. Outras descobertas foram surgindo ao longo dos anos, permitindo aprimoramento para produção de novas vacinas. No Brasil, foi criado em 1973 o PNI (Programa Nacional de Imunizações), um programa de excelência com campanhas de vacinação coordenadas no país e vacinações de bloqueio (em casos de surtos de doença). O PNI organizou um calendário vacinal, uniformizando os cuidados para prevenção das doenças graves. O número de vacinas do calendário cresce de acordo com as necessidades epidemiológicas. Os resultados desse programa foram redução de mortalidade e erradicação ou quase erradicação de algumas doenças ao longo dos anos, gerando constantes investimentos para produção das vacinas em território nacional, com possibilidade de ampliação da abrangência da população contemplada. Em oposição a maior disponibilidade de vacinas à população e a redução da mortalidade por algumas doenças, tem-se observado uma diminuição da cobertura vacinal nos últimos anos. Num mundo globalizado, com grande circulação de pessoas entre os países, isso possibilita o retorno de algumas doenças, como ocorreu com o sarampo em algumas regiões do Brasil. A baixa cobertura vacinal tem sido atribuída a motivos como: • menor procura por vacinação pela população, devido a redução do número de casos das doenças; • medo de reações adversas às vacinas (que passam a ser mais relatadas que as doenças por elas protegidas); • informações equivocadas ou fake news, como os relatos de associações não com-

provadas de aumento de doenças após a aplicação de vacinas (por exemplo: autismo, esclerose múltipla); • desconhecimento das vacinas que fazem parte do calendário nacional de vacinação, pelos médicos que não lidam com vacina no dia a dia.

Uma estratégia para garantir a cobertura vacinal é realizar educação continuada para a população A liberação de novas vacinas ocorre após estudos de eficácia e resposta vacinal em vários países. Um exemplo da importância desses estudos para as orientações de uso das vacinas foi a liberação da vacina contra a dengue (Dengvaxia) em 2015, licenciada inicialmente para faixa etária de 9 a 45 anos em esquema de 3 doses sem restrições. A resposta dos pacientes que foram acompanhados por dois anos após a aplicação da vacina modificou a orientação, restringindo o uso em pacientes soronegativos (que não tiveram dengue), pelo risco de quadros graves de dengue se ocorresse a infecção natural pelo agente após a vacinação. Esse é apenas um exemplo que reforça a busca e a constante avaliação de produtos seguros que protejam contra doenças graves com risco de mortalidade ou sequelas, sem causar eventos adversos graves, e com maior segurança. Realizar educação continuada sobre vacinas para a população, explicando a finalidade do uso e a vantagem na proteção contra doenças graves, é uma possível estratégia na luta para manter coberturas vacinais adequadas e continuar o caminho para a erradicação das doenças. Camila Alves Tonami é médica da especialidade de Alergia e Imunologia da Faculdade de Medicina da Unesp, câmpus de Botucatu Este artigo está disponível no “Debate Acadêmico” do Portal Unesp, no endereço: https://bit.ly/2DfOr34


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Agosto/Setembro 2018

VAMOS FALAR DE... VACINAS? Jaime Olbrich Neto

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preocupação com o aumento do número de pessoas, ou famílias, cuja opção é não receber todas, ou algumas, vacinas tem provocado um debate importante. Tanto para os que defendem um rigor, um controle absoluto sobre esses que “não reconhecem o esforço do governo para dar de graça um benefício que em outros países têm-se que pagar”, quanto para os que simplesmente recusam e defendem que “vacinas causam doenças e são perigosas, e as populações antigas viveram sem elas e chegamos até aqui”, fica a certeza de sua razão. Paixão, ignorância, má-fé, dogmas, falsa ciência, desinformação, descompromisso, arrogância e autoritarismo podem ser argumentos para explicar os diferentes comportamentos, desqualificar grupos, condutas, valores éticos e morais. O pior argumento, entretanto, é o silêncio. As pessoas estão presentes o tempo todo, cabe às ditas autoridades constituídas, em leis, códigos ou reconhecimento por afinidade de seus pares, mostrarem que estão presentes, falando para todos, e com todos, sobre a importância da vacinação, sua história, suas vitórias e suas limitações e fracassos. [...] Do que estamos falando, e para quem? O que penso, eu, disso tudo? Questione-se, evite as fábulas, aceite os desafios das dúvidas e das certezas. Desenvolver vacinas para reduzir a ocorrência de doenças, e portanto o risco de morte, foi, e tem sido, um desafio com vitórias e derrotas acumuladas ao longo do tempo pela ciência. [...] Estudos têm mostrado que, para uma população geral, temos aqueles que aceitam todas as vacinas, aqueles que aceitam todas mas têm dúvidas; tem os que aceitam algumas, atrasam as doses, recusam algumas; aqueles que recusam todas as vacinas e os que recusam mas têm dúvidas, ou de outra forma, mas com o mesmo significado: aceitam sem questionar, aceitam com cautela, hesitam em aceitar, aceitam seletivamente, e aqueles que recusam todas as vacinas.

aceita todas mas tem dúvidas

recusa todas mas tem dúvidas

Conforme proposto por Noni E. MacDonald.

[...] Qual o argumento para convencer a vacinar? Uma série histórica de casos, antes e depois da vacina ser introduzida, pode ser uma opção. Vejamos abaixo um exemplo, utilizando uma figura do documento técnico do CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) de São Paulo: Parece evidente que o uso da vacina e, depois, a busca de uma homogeneidade de cobertura vacinal no país todo, com os dias nacionais de vacinação, produziram uma redução acentuada no número de casos de poliomielite. Mas isso é suficiente para que a pessoa que se recusa a receber vacinas passe a receber, ou permitir que seus filhos recebam vacina? [...] Paradoxalmente, o sucesso de um PNI (Programa Nacional de Imunização), como o brasileiro, que disponibiliza vacinas e outros imunobiológicos para toda a população, pode resultar em hesitação em vacinar, pois os pais podem avaliar que os riscos de eventos adversos de uma determinada vacina superem o risco da doença que ela previne, já que não ouvem falar da doença atualmente.[...] Vacina deve ser entendida como a oportunidade de exercer sua cidadania, seu direito de receber, ou não, e seu compromisso, ou não, com a comunidade da qual você faz parte. A vacina faz parte de um calendário estratégico, resultado de muita ciência e interpretação. O Plano de Ação Global de Vacinas, aprovado pela Assembléia Mundial da Saúde em maio de 2012, afirmou que “os indivíduos e as comunidades entendem o valor das vacinas e exigem imunização como direito e responsabilidade”. É isto, e pronto? Não, não é assim para quem recusa a vacina. Quem são essas pessoas? Como identificá-las? E... para que conhecê-las? Quem recusa vacinas não o faz por serem fornecidas pelo serviço público, uma vez que os imunobiológicos do PNI são de qualidade. Não querem receber vacinas, e nesse campo temos influências contextuais, influências decorrentes de fatores históricos, socioculturais, religiosos, ambientais, do sistema de saúde e suas instituições, econômicos ou políticos, e até aqueles com uma argumentação técnico-científica detalhada e importante para o debate. Praticar o respeito às opções de cada cidadão, suas convicções, seus medos e receios, parece um bom começo. Esse respeito inclui necessariamente o

Figura 1 – Número de casos de poliomelite no Estado de São Paulo, 1960-2005

Postura autoritária pode ter tido seu momento, mas nos tempos de compromisso o direito à informação deve prevalecer direito à informação. [...] Basta convocar nas campanhas ou alertar nos surtos ou epidemias, que de forma resiliente todos, ou a maioria absoluta, acatarão o roteiro? Os que atrasam as doses, escolhem qual vacina seu filho toma ou não, o fazem depois de argumentar com os serviços de saúde, ou por meio de informações na mídia, ou redes sociais? Queremos a vacina como dogma ou como direito e compromisso coletivo? A postura autoritária determinista e fechada à questionamentos pode ter tido seu tempo, mas nos tempos de respeito e compromisso o direito à informação deve prevalecer. [...] Dialogar, ouvir e falar, argumentar, talvez sejam fatores modificadores nas atitudes dos que recusam, hesitam. Estudos com aplicação de questionários aos pais de recém-nascidos, para identificar aqueles com maior chance de hesitar ou recusar vacinas, e a realização de atividades em grupos ou individuais para falar de vacinas, e das dúvidas dos pais, fizeram aumentar a aceitação no grupo identificado como hesitante. A legislação parece ser suficiente para atribuir responsabilidades ao médico que reiterada e sistematicamente prescreve a recusa às vacinas; aos pais e responsáveis pelas crianças; aos serviços de saúde, mas talvez falte a informação em sua forma mais neutra. O acúmulo de pessoas não vacinadas pode ao longo do tempo colocar essas pessoas e a comunidade em risco. [...] Vacina é um direito de todos, uma responsabilidade coletiva, uma opção individual, uma conquista da sociedade e da ciência, e precisa entrar na pauta de discussões da comunidade, com respeito, ética e informação. [...] A comunidade tem o direito de receber informações claras para decidir, optar, aceitar as vacinas propostas para fins de prevenção, sem que apenas receba vacinas para cumprir uma determinação do trabalho, da escola, ou do governo. [...] A informação combate aqueles que se valem da vacinação apenas para comércio, desqualificando o programa público e introduzindo medos e se valendo da ciência para falsas interpretações. Os números, séries históricas, gráficos e leis são frios, impessoais, e a compreensão sobre os fatores que levam a hesitação ou recusa passa primeiro pelo acolhimento dessas pessoas, sem negar-lhes o direito à dúvida, e sem discriminação. Se você acredita que as vacinas são importantes na prevenção de doenças, fale sobre isso sempre que tiver oportunidade. Jaime Olbrich Neto é professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Unesp, câmpus de Botucatu.

Fontes: DDTHA/CVE-SES-SP

A íntegra deste artigo está disponível no “Debate Acadêmico” do Portal Unesp, no endereço: https://bit.ly/2zNL6VD


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