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ANO 2 | NO 16 | DEZEMBRO 2011 | JANEIRO 2012

R$ 12,00

EXEMPLAR CORT E SIA

satélites nacionais O Brasil também quer um lugar no espaço

SELEÇÃO BRASILEIRA DE VÔLEI: a tecnologia que ajuda a formar um time supercampeão

LUIZ PINGUELLI ROSA: o presidente da Coppe-UFRJ cobra mais apoio do governo e mais ação do empresariado




editorial

ANO 2 | NO 16 | DEZ•JAN 2012

EXPEDIENTE Diretor de redação Celso Horta Editor Sérgio Pinto de Almeida Editores assistentes Cecília Zioni Denise Natale Secretaria de redação Sonia Nabarrete Repórteres Clébio Cantares Joana Horta Sucursal Rio de Janeiro Maurício Thuswohl Correspondentes Flávio Aguiar (Alemanha) João Valentino (Estados Unidos) Direção de arte Ligia Minami fotografia Amanda Perobelli Tratamento de imagens Fabiano Ibidi Colaboraram nesta edição Ana Valim Rosana V. Souza Fotos de capa Satélites: Shutterstock Luiz Pinguelli Rosa: divulgação Contato com a redação revistainova@abcdmaior.com.br

DEPARTAMENTO COMERCIAL (11) 4335-6017 publicidade Jader Reinecke ASSINATURAs Jéssica D’Andréa Impressão Prol Editora Gráfica Tiragem 25 mil exemplares INOVA é uma publicação da MIDIA PRESS Editora Ltda. Travessa Monteiro Lobato, 95 Centro | São Bernardo do Campo Fone (11) 4128-1430

CORAGEM E COMPROMISSOS Com um ano de governo, e com muita coragem, a presidente Dilma Rousseff vem dando conta do recado. Mãos firmes para deixar o Brasil a salvo das turbulências financeiras internacionais e determinação para saltar sobre as pedras que lhe foram colocadas diante do caminho. E não foram poucas. Mas, para garantir o futuro da Nação, não basta a coragem captada por Guimarães Rosa do coração sertanejo. É preciso algo mais e de importância igual: compromissos. Compromissos com os que a elegeram e compromissos com a construção de um projeto nacional de desenvolvimento sustentável. Compromissos com velhos e novos programas: PAC, Minha Casa, Minha Vida, Ciência sem Fronteiras, Brasil sem Miséria, Brasil Maior e assim por diante. E é nesse campo que o debate está colocado, como mostra esta edição de INOVA ao cobrar de autoridades, empresários e intelectuais brasileiros compromissos com a ciência, a tecnologia e a inovação. Sem isto não é possível pensar na revolução proposta pelo professor Luiz Pinguelli Rosa, entrevistado desta edição. Esses compromissos não estão colocados apenas no campo da academia. Reportagens das páginas seguintes, recuperando os avanços trazidos pelos satélites geoestacionários que estão sendo colocados em operação (reportagem de capa), sobre a telemedicina na Amazônia, a energia eólica no Nordeste, os equipamentos para treinamento dos jogadores de vôlei brasileiros, também cobram compromissos com o fomento da pesquisa, desenvolvimento e inovação. O ano de 2012 vem carregado de desafios e oportunidades. A crise financeira internacional ainda está por ser superada. A União Europeia e a economia internacional precisam encontrar novo equilíbrio. Nesse contexto, o Brasil ganha peso ainda maior entre as nações. Mas, será preciso mais coragem e ainda mais compromissos com a ciência e a tecnologia para que o Brasil possa construir uma indústria competitiva globalmente e possa ocupar seu lugar entre as grandes potências mundiais. Celso Horta

INOVA não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados.

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divulgação

Entrevista

A indústria brasileira precisa inovar mais, cobra o cientista Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ

MATEUS PEREIRA

Aviões superleves, aço e cana, lixo marinho e tevê por assinatura

12 Saúde

A telemedicina melhora a qualidade dos diagnósticos e do atendimento médico na Amazônia

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17 Tecnologia Energia

Com ventos favoráveis e muito investimento, país pode ser um dos maiores produtores de energia eólica até 2020

14 silvio ávila | cbv

9 Notas

A revista Times elegeu as 50 mais importantes invenções de 2011

30 InternacionaI l Berlim Contra a devastadora malária uma nova vacina pode chegar em 2014

32 Internacional I Texas Um avião voa de Houston a Chicago, nos Estados Unidos, movido a querosene e algas

Esporte

Símbolo de excelência, a Seleção Brasileira de Vôlei conta com pesquisa e tecnologia para se consagrar nas quadras do mundo

34 Ponto de Vista

Alexandre Abdal e Carlos TorresFreire, do Cebrap, defendem que estímulos ao desenvolvimento devem ser criados sem desprezar as diferenças de territórios

shutterstock

26 18 Capa

Satélites nacionais: 5, 4, 3, 2, 1... O Brasil entra na corrida espacial com disposição de investir pesado para vencer o atraso e ingressar no pequeno grupo de países que detém tecnologia espacial

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entrevista

Luiz Pinguelli Rosa

Maurício Thuswohl

mauricio@abcdmaior.com.br

A indústria brasileira é À frente da Coope-UFRJ, o cientista Luiz Pinguelli Rosa defende mais apoio do governo Próximo de completar 70 anos, Luiz Pinguelli Rosa é um dos cientistas mais respeitados do Brasil. Doutor em física e mestre em engenharia nuclear, sempre se destacou também como professor e nunca se furtou a ter uma decidida atuação política, disposição ainda hoje rara no meio científico brasileiro. Trilhar tantos caminhos o fez por várias vezes ser cotado para assumir algum ministério, e ele chegou a ser presidente da Eletrobrás nos primeiros anos do governo Lula. Atualmente, é diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a prestigiada Coppe, posto para o qual foi reeleito em 2011. Como professor e diretor da CoppeUFRJ, Pinguelli Rosa está à frente de um dos polos mais avançados do país no que se refere à pesquisa e inovação em engenharia, e comanda projetos voltados a setores como petróleo, energias renováveis, meio ambiente e engenharia química, entre outros. Em sua opinião, no entanto, o Brasil se encontra “em imensa desvantagem tecnológica” em relação a outros países em desenvolvimento, por culpa do governo e, principalmente, dos empresários. Nesta entrevista, Pinguelli Rosa fala também do pré-sal e do acidente da Chevron, analisa os projetos de Belo Monte e de Angra 3 e revela seu pessimismo quanto às discussões climáticas e a conferência Rio+20.

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INOVA – Hoje, no Brasil, governo, empresários e academia concordam que promover um intenso ciclo de inovação científica e tecnológica é tarefa fundamental e prioritária para que o país possa se inserir de maneira soberana na economia global. Esse objetivo, inclusive, foi manifestado pela presidente Dilma Rousseff por ocasião do lançamento da nova política industrial brasileira. Na sua visão, o Brasil está preparado para esse ciclo de inovação? Quais são nossas maiores vantagens e desvantagens? Luiz Pinguelli Rosa – O Brasil, tomando a China por comparação, ficou numa imensa desvantagem tecnológica, com algumas exceções. Uma delas é o petróleo offshore, que é uma área onde o Brasil demonstrou um desenvolvimento tecnológico muito significativo. Outro exemplo é a indústria aeronáutica, onde a Embraer se tornou a terceira empresa aeronáutica comercial do mundo, depois da Boeing e da Airbus. Isso é muito significativo, embora, em ambos os casos, haja uma integração de projetos com muitas empresas internacionais participando tanto da produção do avião – os componentes são, em grande parte, importados – quanto da produção de petróleo offshore, onde muitas empresas são subcontratadas da Petrobras para a exploração de petróleo. Mas, de qualquer modo, a integração desses projetos é de competência brasileira, seja da Petrobras ou da Embraer. Fora isso, não são muitos os exemplos. Somos um país que está dependendo muito da exportação de produtos primários, como é o caso hoje da soja e dos minérios, principalmente o de ferro. A própria indústria automobilística, que cresceu muito, é totalmente estrangeira. Faz ainda poucas décadas que a Coreia do Sul era um país semidestruído pela guerra das duas Coreias e enfrentava dificuldades enormes. Hoje, ultrapassou largamente o Brasil na indústria. A China, idem. Então, o país está perdendo essa corrida. Um exemplo é a tecnologia espacial, onde estamos profundamente atrasados. A indústria brasileira não é inovadora, ela vive de importação, de processos, de produtos. O Brasil vai mal nessa área, apesar do esforço que deve se reconhecer do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que tem incentivado essa atividade, nas universidades principalmente. Mas, o lado empresarial é pior. A empresa brasileira é refratária à inovação. Falta empresário empreendedor no Brasil.

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INOVA – O senhor dirige a Coppe-UFRJ, que é reconhecida pela excelência em seus programas de pós-graduação. Um dos problemas identificados no Brasil, no entanto, diz respeito justamente ao gargalo que temos na formação de cientistas, técnicos e profissionais especializados em geral. Existem maneiras de superar esse gargalo nos próximos anos? De que forma? LPR – Acho que durante muito tempo as profissões técnicas e a de engenheiro foram subestimadas no Brasil. Perdeu-se a importância do desenvolvimento, do projeto, da obra. Isso está mudando. Do governo Lula para cá, devemos reconhecer que já houve algum incentivo importante e o mercado para engenheiros melhorou muito. Isso deve estar incentivando a busca dos jovens por essa profissão. INOVA – A Coppe tem programas em várias áreas, assim como diversos laboratórios de pesquisa. Quais são atualmente as linhas de pesquisa mais importantes desenvolvidas pelo instituto? LPR – Aqui nós temos 12 programas de pós-graduação, e vários deles trabalham com petróleo. A área de petróleo e gás é muito importante para nós. Depois, temos energias renováveis, sob várias formas. Em particular, desenvolvemos o projeto de um ônibus a hidrogênio, que já está funcionando. Temos um projeto de geração elétrica usando as ondas do mar, que já funciona também. Já foi feita uma pequena usina no Ceará, ainda a ser inaugurada, mas que já está pronta. Temos o projeto de um trem magnético de levitação, que está em desenvolvimento e esperamos dentro de um ano e meio tê-lo funcionando. Ele já funciona em uma escala reduzida, agora vamos fazer em uma escala real. E também outros projetos em outras áreas, como engenharia para a saúde, engenharia química em geral e algumas áreas de planejamento energético, que envolve a questão ambiental também. A Coppe é muito ativa em muitas áreas diferentes da engenharia. Não tenho dúvida de que é a principal instituição universitária de pesquisa e desenvolvimento de engenharia no Brasil, embora isso nem sempre seja reconhecido, inclusive pelo governo.


refratária à inovação à pesquisa, ao mesmo tempo em que critica e cobra o empresariado divulgação

INOVA – Como esse reconhecimento poderia ser feito de uma maneira mais efetiva? LPR – Na Coppe, fazemos um esforço gigantesco para desenvolver aquilo que esperamos venha a ser utilizado pela indústria brasileira, pelo setor produtivo. O governo não ajuda muito nessa ligação. Falta ao governo a consciência da necessidade de apoio a essa relação da Coppe com as empresas. Fazemos isso por conta própria, sem nenhum apoio especial do governo. INOVA – O cluster de centros de pesquisa que está se formando no Parque Tecnológico do Fundão já começa a chamar atenção até mesmo no exterior. Qual a relação da Coppe com o Parque? Quais suas expectativas em relação ao desenvolvimento de um novo polo tecnológico no Rio de Janeiro? LPR – O desenvolvimento desse polo é muito importante. Temos o Fórum Tecnológico do Fundão, da UFRJ, no âmbito do qual nos reunimos com as empresas que estão instaladas no Parque Tecnológico. A diretoria da Coppe dedicada aos assuntos relativos à inovação tecnológica é encarregada da relação com essas empresas. Faz poucas semanas, tivemos uma reunião com elas sobre uma atuação conjunta na conferência Rio+20, o encontro de cúpula da ONU sobre meio ambiente que acontecerá em junho do ano que vem no Rio de Janeiro. No momento, estamos discutindo essa atuação conjunta. INOVA – Quais são as pesquisas e procedimentos inovadores voltados à exploração do pré-sal desenvolvidos pela Coppe? LPR – Temos um grande tanque oceânico que simula as condições do mar, monitorado por computadores, onde desenvolvemos vários projetos para a própria Petrobras. Esse tanque é fruto de um projeto conjunto com a Eletrobrás, e lá desenvolvemos simulações para modelagem de grandes plataformas de produção de petróleo. Também temos um laboratório de tecnologia submarina para estudar as condições do fundo do mar. Isso já é da tradição da Coppe, e foi nesse tanque que desenvolvemos o gerador de energia elétrica com ondas do mar. DEZEMBRO 2011 | JANEIRO 2012 | INOVA

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A indústria brasileira não é inovadora, ela vive de importação, de processos, de produtos. O Brasil vai mal nessa área. (...) Mas o lado empresarial é pior. (...) Falta empresário empreendedor no Brasil.”

INOVA – Que tipo de lição devemos tirar do acidente provocado pela Chevron, com o vazamento de óleo na Bacia de Campos? LPR – Esse acidente é, de fato, uma lição que tem de ser aprendida. Cometeram-se erros, a Chevron, em primeiro lugar, e o governo, em segundo lugar, na monitoração do acidente. Nós temos que nos preparar porque na produção de petróleo no pré-sal vai haver novos acidentes. O acidente tem que ser minimizado, porque é impossível eliminá-lo. A indústria aeronáutica é um exemplo disso. De vez em quando um acidente ocorre, infelizmente para todos nós. Com o petróleo é a mesma coisa e precisamos dar mais atenção a isso do que temos dado. INOVA – Por falar em energia e na possibilidade de acidentes, qual é a sua opinião sobre o projeto de Angra 3? LPR – Angra 3 está caminhando. Eu acho que o projeto é caro demais e já pude expressar essa opinião diversas vezes. Acho que isso acontece devido aos vínculos dos contratos do acordo nuclear com a Alemanha, que permaneceram, e isso encareceu brutalmente a conclusão do projeto de Angra 3. Dito isso, vejo que a obra anda adequadamente e espero que tudo venha a funcionar bem. INOVA – Existe futuro para a opção nuclear após Fukushima? LPR – Fui contra a continuidade de mais quatro reatores no Brasil. Após Fukushima, é melhor parar para pensar e ver o caminho que a tecnologia nuclear vai tomar no mundo para só então o Brasil decidir sobre isso. Não há urgência, porque nós temos um potencial hidrelétrico imenso. Apesar da oposição a Belo Monte, acho que o Brasil deve usar o potencial hidráulico dele. INOVA – Em relação às grandes hidrelétricas como Belo Monte, compensa o esforço de enfrentar tanta resistência na sociedade? LPR – Sou a favor de Belo Monte. Quanto à sociedade, cabe ao governo negociar, convencer e, acima de tudo, esclarecer a verdade. Existem muitas informações equivocadas circulando sobre as características da usina. E as populações indígenas deveriam ser compensadas adequadamente, como vi acontecer no Canadá, com os esquimós, que têm uma enorme compensação da Hydro-Québec pelas barragens que a empresa constrói. A nossa população indígena vive em situação deplorável, com expectativa de vida de 40 e tantos anos, enquanto a expectativa de vida média do brasileiro é de quase 70 anos. É uma vergonha a situação dos nossos índios. Obras como Belo Monte são a oportunidade de apoio a uma condição de vida com educação, saúde e outras necessidades básicas que todos devem ter na sociedade brasileira.

INOVA – A opção pelas energias renováveis, ainda que timidamente, vem ganhado espaço no Brasil. O BNDES, por exemplo, já tem uma linha de crédito para a produção de energia eólica. O senhor acredita que essa opção energética possa se tornar relevante no país? LPR – Em primeiro lugar, não podemos nos esquecer que a energia hidrelétrica é renovável. Em segundo lugar, a produção de energia eólica tem crescido e espero que a gente entre agora na fase da energia solar também. Estamos fazendo um esforço para isso aqui na Coppe. Estamos discutindo com o governo do Rio um projeto chamado Fundão Solar, que provavelmente será apresentado em breve. INOVA – Quais são suas expectativas em relação à Rio+20? O tema das mudanças climáticas deverá nortear o encontro? LPR – Acredito que não, porque o governo brasileiro elaborou um documento com 25 itens, entre eles está o tema das mudanças climáticas. Acho que essa forma, com um número muito grande de pontos para discutir, não é a melhor maneira de se conduzir uma discussão de cúpula de nível mundial. Em relação à discussão do clima, a Rio+20 está mal encaminhada. INOVA – O senhor acredita que a atmosfera de pessimismo que cerca a realização da Conferência das Partes, a COP-17, da ONU, é reversível? LPR – Entre as lideranças mundiais, só se discute o problema financeiro e em como enriquecer os banqueiros. O mundo inteiro hoje está empenhado em enriquecer os banqueiros. Isso é uma idiotice e, infelizmente, a COP-17 será realizada nesse ambiente de idiotice mundial. INOVA – Qual seria o melhor caminho para destravar a discussão climática? LPR – Não sei. Essa é uma resposta muito difícil. INOVA – Qual é sua opinião sobre os experimentos realizados pela Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em inglês), em Genebra, com o acelerador de partículas e a tentativa de simulação do big bang? LPR – Estamos procurando uma partícula que não se encontra, o chamado bóson de Higgs. Ao que tudo indica, será um fracasso. A teoria da física não dá conta da maior parte da matéria e da energia do universo, as chamadas matéria e energia escura. O neutrino ultrapassou a velocidade da luz, então vai ser necessária uma revolução na teoria física. Revolução é bom, não só na física como também na sociedade.


notas

concurso

Nova versão do Guia da Internet Está no ar a décima versão do Guia da Internet, apresentando, em 106 páginas, endereços eletrônicos classificados em mais de 30 assuntos – desde ambiente e terceiro setor a direitos humanos e conteúdo escolar. Iniciativa do Centro Paula Souza, do governo paulista, o Guia visa organizar e ampliar o acesso à internet para alunos de escolas técnicas e faculdades de tecnologia do Estado. O primeiro Guia, de 2001, trazia sites de instituições de ensino, institutos de pesquisas, bibliotecas etc, do Brasil e do mundo. A novidade, agora, é a inclusão do Tumblr e de diversas mídias sociais, como Facebook, Orkut, Twitter, YouTube de todas as Etecs e Fatecs, além de um canal de perguntas e respostas no Formspring.me. O Guia pode ser consultado no endereço www.centropaulasouza. sp.gov.br/publicacoes/guia-da-internet/

Projetos de aviões “decolam” de universidades Estudantes desenvolvem modelos inovadores de aeronaves e são premiados no 12º SAE Brasil Aerodesign Criar um avião superleve, capaz de carregar o maior peso possível e decolar em curtíssima distância, foi o desafio do 12º SAE Brasil Aerodesign, concurso para estudantes de engenharia, física e ciências aeronáuticas, promovido pela Sociedade de Engenheiros da Mobilidade. Na edição 2011, foram premiadas as equipes Uai Sô Fly, da Universidade Federal de Minas Gerais, a Leviatã, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, e a Taperá Baby, do Instituto Federal Educacional de Ciência e Tecnologia de São Paulo. O primeiro colocado é um avião de 3,2 quilos capaz de carregar 12,2 quilos. Menção honrosa por inovação tecnológica foi atribuída à primeira hélice de passo reversível e aviso de estol, apresentada pela Universidade Federal do ABC. divulgação

Você sabia que, por ano, em média, cada habitante do planeta consome 10 toneladas de diversas matériasprimas? Nos países desenvolvidos, o volume é bem maior, oscilando entre 45 e 85 toneladas.

MEC lança Índice Geral de Cursos Com os resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) 2010, que avaliou 2.176 instituições de ensino superior de todo o país, o Ministério da Educação montou o Índice Geral de Cursos, divulgado em novembro. Nele, os cursos são classificados pela média ponderada entre conceito preliminar de curso (graduação) e a nota da Capes (pós–graduação), além de avaliações feitas por especialistas sobre organização didático–pedagógica, corpo docente, condições de ensino e instalações físicas. O Índice Geral de Cursos pode ser consultado no endereço www. inep.gov.br.

Alunos de engenharia, física e ciências aeronáuticas: premiados pelos aviões super leves

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notas

meio ambiente

32 países contra o lixo marinho

Quase uma centena de projetos será desenvolvida em 32 países, em 2012, numa ação global para resolver problemas de lixo marinho. As propostas foram selecionadas em encontro da indústria de plástico, realizado em Dubai, em novembro, e o Brasil participou pelo Plastivida, Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos. Também foi acertado, no encontro, o esforço para o trabalho com a comunidade científica visando incentivar a pesquisa de soluções para o problema.

O Nordeste, onde vivem 53 milhões de pessoas, a segunda maior concentração demográfica do país (atrás apenas do Sudeste), registra a maior expansão de novos usuários de tevê por assinatura. Enquanto no Brasil, as assinaturas cresciam em 30%, no Nordeste o ritmo era de 50%, no período de 12 meses até novembro. Em dois anos, a diferença é ainda maior: 70% na média nacional, 124% na região nordestina. Dos 12,2 milhões de assinantes de tevê paga no país, 1,3 milhão vivem no Nordeste – mais de 11% do total, a terceira maior participação depois do Sudeste (64,5%) e do Sul (14,4%).

Aço resistente para cortar cana

shutterstock

Criado para premiar projetos inovadores em novas aplicações na utilização de aços de alta resistência, o Swedish Steel Prize atribuiu a primeira colocação à Deere & Company, que apresentou um cabeçote para colheitadeiras 50% mais leve que os similares e capaz de gerar menos poluição. Entre as três finalistas, a brasileira Rotary-Ax teve destacado seu disco de corte com lâminas segmentadas, mais precisas no corte e mais resistentes ao desgaste.

incentivo

Prêmio Inovar divulga vencedores

O Prêmio Inovar, promoção da Finep e do BNDESPar para apoio a empresas gestoras de fundos de venture capital, foi atribuído, em suas três categorias (governança, equipe e operação), ao Fundotec II, ao fundo Logística Brasil FIP e ao FMIEE Stratus GC. Na categoria operação, venceu o fundo FMIEE Stratus GC, cujo foco é o crescimento e a consolidação de empresas médias brasileiras. Desenvolve, por exemplo, o Cleantech, para negócios em setores relacionados à sustentabilidade. Na categoria governança, o fundo Logística Brasil FIP, que apoia produtos e serviços, especialmente no setor de logística. E na categoria equipe, o Fundotec II, que investe em empresas inovadoras, prioritariamente nas áreas de tecnologia da informação, mineração e alimentação.

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Cresce indústria de alta intensidade tecnológica Com expansão de 3,8%, a indústria de alta intensidade tecnológica marcou fato inédito no Brasil: avançou mais que a média da indústria (1%). Os dados são do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e se referem ao período de janeiro a setembro. Detalhe: não há muito que comemorar, pois o desempenho médio da indústria foi dos mais baixos nos últimos tempos, por conta da concorrência de importados, desaceleração da economia e de queda na exportação. Entre os setores de alta intensidade tecnológica em avanço, destaque para a produção aeronáutica e aeroespacial (8,4%) e de equipamentos de rádio, tevê e comunicação (5,5%).


inovação social

divulgação

Ana Valim

avalimalberti@yahoo.com.br

Fundação Telefônica e OIT contra o trabalho infantil A Fundação Telefônica e OIT (Organização Internacional do Trabalho) lançam a Rede Latino-Americana contra o Trabalho Infantil, um site que permite o debate e a troca de experiências sobre um problema que atinge 14 milhões de crianças no continente. O objetivo é promover o encontro de organizações e articuladores sociais, especialistas, governos e a sociedade em geral, visando o IV Encontro Pró-Menino de 2012 e a Conferência Mundial sobre Trabalho Infantil, que acontecerão no Brasil em 2013. No site é possível acompanhar noticiário sobre o tema, participar de fóruns de discussão e acessar documentos e análises. Mais informações no endereço eletrônico pt.redcontraeltrabajoinfantil.fundacaotelefonica.com/

Programa de Música e Orquestra: 10 mil estudantes atendidos

Senac São Paulo prepara técnicos em meio ambiente

Grupo Pão de Açúcar incentiva jovens músicos

O Senac São Paulo oferece 12 mil bolsas de estudo gratuitas para cursos de técnico em meio ambiente, agente socioambiental e gestor de projetos sociais, com início em janeiro e fevereiro de 2012. A iniciativa faz parte do Programa Senac de Gratuidade, com o objetivo de ampliar o acesso à profissionalização para a população de baixa renda. Os interessados devem ter renda familiar per capita de até dois salários mínimos federais e não estarem matriculados ou participando de outros processos de bolsas na instituição. A seleção será feita por ordem de inscrição, pelo site www.sp.senac.br

O Grupo Pão de Açúcar, através do Programa de Música e Orquestra, já beneficiou, desde sua criação em 1998, mais de 10 mil jovens, de 10 a 18 anos, nas cidades de Osasco, Santos, Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza. As aulas acontecem nas Casas da Comunidade, núcleos educacionais equipados com salas, laboratórios de informática e área de convivência, com duração de um a dois anos. Os estudantes que se destacam podem vir a integrar as Orquestras do Grupo Pão de Açúcar até completar 21 anos e, segundo dados do programa, cerca de 1.500 jovens já passaram pelas orquestras, inclusive alguns premiados. Os interessados devem comparecer a uma das Casas da Comunidade, localizadas dentro de lojas do Grupo Pão de Açúcar, no período específico de inscrições (fevereiro ou julho), com um documento de identidade em mãos. Mais informações no site www.grupopaodeacucar.com.br/orquestra

Fundação Volkswagen forma novos empreendedores A Fundação Volkswagen, pelo Projeto Costurando o Futuro, formou a primeira turma de 18 empreendedores que, ao término das atividades, criou a companhia Tecoste – Tecido, Costura e Arte. A matériaprima utilizada no programa vem dos uniformes usados e descartados pelos funcionários da empresa, amostras de tecido automotivo e até cintos de segurança. Desde 2009, quando foi lançado, o programa já reutilizou 31 toneladas de tecido na confecção de mochilas, lixeiras para automóveis, nécessaires, entre outras peças. Além da costura, a equipe tem orientações para gestão administrativa de compras, gestão de estoque, confecção e vendas. O projeto recebeu investimentos de R$ 550 mil da Fundação Volkswagen e a Tecoste conta com a própria Volkswagen como principal cliente.

Fundo Brasil de Direitos Humanos apoia projetos O Fundo Brasil de Direitos Humanos vai doar até R$ 800 mil para apoio a projetos institucionais, além de oferecer também bolsas individuais. As inscrições podem ser feitas até o dia 27 de fevereiro de 2012. As propostas devem ter como foco a defesa e promoção dos direitos humanos sob a perspectiva de combate à discriminação e à violência institucional. Mais informações através do site www.fundodireitoshumanos.org.br

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saúde

Da esquerda para à direita: Chao Ling Wen, presidente do Conselho Brasileiro de Telemedicina e Telessaúde e o dia a dia dos núcleos de Telessaúde, com análises e diagnósticos a distância

amazônia com A telemedicina muda a rotina de médicos e pacientes em 62 municípios do Amazonas Rosana V. Souza rosanassauro@yahoo.com.br

município de São Gabriel da Cachoeira está localizado a 852 quilômetros de Manaus e possui a maior concentração de indígenas do Brasil, que representam 97% de sua população. Em algumas de suas áreas, como em boa parte do Amazonas, o acesso só é possível pelos rios. Uma viagem de São Gabriel da Cachoeira à capital do Amazonas, por exemplo, pode durar até três dias. Esse isolamento preocupou a infectologista Somnia Cabogan Piaggini, quando, há menos de um ano, decidiu largar seu posto em um hospital em Campinas, no interior de São Paulo, para exercer a medicina na floresta amazônica. Ela não sabia como oferecer atendimento de qualidade, estando tão longe dos grandes centros médicos especializados, mas confiava numa solução que parecia promissora: a telemedicina. Quando chegou a São Gabriel da Cachoei­ra, Somnia pôde ver de perto a eficiência da telemedicina de que ouvia falar na universidade. “No início fui meio cética, achava uma utopia. Mas na prática, vi como tudo funciona”, diz ela. O Programa Nacional de Telessaúde, lançado em 2005 pelo Ministério da Saúde, tem o objetivo de integrar as equipes de atenção básica, hoje conhecidas como Saúde da Família, com centros universitários de especialização médica e polos de referência nas diversas especialidades da saúde. A ideia é

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melhorar a qualidade dos serviços prestados na atenção primária, diminuindo assim os custos de internações e os deslocamentos desnecessários, qualificando profissionais e aumentando as atividades de prevenção. Nove municípios foram selecionados para o projeto inicial, entre eles alguns do Amazonas, estado que tem uma das mais complicadas logísticas de deslocamento e comunicação de todo o país. Hoje, seis anos depois da implantação, já possui centros de telessaúde em todos os seus 62 municípios, com uma média de 4 mil análises de exames por mês e 110 mil laudos de eletrocardiograma realizados no período. “A telessaúde tem uma importância grande em todas as regiões e é estratégica para o Brasil. Mas na região Norte, especificamente na Amazônia Legal, a importância é ainda maior, porque permite a conexão a distância entre o profissional de saúde, que está na ponta, com o centro especializado e que pode estar em qualquer lugar do país ou do mundo. As possibilidades são enormes, podemos fazer interconsultas a distância. O profissional de saúde discute um caso, tira uma dúvida com um especialista, faz laudos de exames, como eletrocardiogramas, mamografias. E também pode seguir cursos de educação permanente, atua­ lização e discussão de casos”, informa o secretario de gestão de educação e trabalho do Ministério da Saúde, Milton de Arruda. Para o presidente do Conselho Brasileiro de Telemedicina e Telessaúde, Chao Ling Wen, com o apoio da telemedicina é possível melhorar a eficiência dos atendimentos mé-

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dicos em 20% a 25%, o que gera uma economia de R$ 6 bilhões ao ano ao Sistema Único de Saúde. Com verbas de sobra, o dinheiro pode ser reinvestido em áreas de maior necessidade, diz ele, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP). Somnia Cabogan Piaggini conta sua experiência para mostrar como o sistema funciona. “Tive um paciente idoso que já havia se consultado comigo umas três vezes. Ele tinha um problema dermatológico que eu não conseguia identificar. Marcamos então uma teleconsulta. Enviei ao médico dermatologista exames e fotos e, na conversa com o paciente, ele conseguiu identificar que as lesões eram causadas por um banho de ervas muito comum na região.” Com um diagnóstico certeiro, mesmo a distância, o paciente pode ser tratado sem o custo de deslocamento para a prefeitura que, neste caso, teria que desembolsar entre R$ 600 a R$ 2 mil apenas com as passagens. Em alguns meses, a economia do município permitiu a compra de novos equipamentos, como um mamógrafo. E, uma nova parceria com o governo do estado possibilitou a instalação de um segundo centro, na comunidade isolada de Uaretê. Segundo pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 70% das pessoas que recebem esse tipo de atendimento não precisam ser transportadas para os centros de referência, o que aumenta o número de leitos disponíveis para casos de maior complexidade. E desde que o programa de telessaúde foi implantado no Amazonas, foi possível economizar R$ 7 milhões apenas


Roberto Carlos/Divulgação

e melhora a qualidade de diagnósticos e atendimentos com deslocamentos desnecessários, informa a Secretaria Estadual de Saúde. Não se trata só de economia, mas também, de melhora na qualidade de vida para o paciente e qualificação para médicos que vivem em regiões remotas. No estado, o projeto é admi­nistrado pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA), que desenvolveu uma disciplina específica para capacitar seus alunos de saúde e apoiar médicos do interior. Segundo o coordenador de telessaúde da UEA, Cleinaldo Costa, 4.500 profissionais que atuam em regiões remotas são capacitados anualmente por professores da universidade sobre novidades em diagnóstico, descobertas em tratamento e atualização em tecnologia. Normalmente, eles teriam pouco ou nenhum acesso a publicações científicas ou ao campo de pesquisa.

ENSINO E CAPACITAÇÃO Vivem no Amazonas, segundo o censo de 2010 do IBGE, 3,4 milhões de pessoas, das quais 1,5 milhão moram em comunidades ribeirinhas do interior. Com uma das menores densidades demográficas do Brasil, 2,23 habitantes por km², o interior amazonense dispõe de apenas 600 médicos para atender a população, informa o secretário de saúde do estado, Wilson Alecrim. O problema maior é manter os profissionais de saúde nessas localidades. Mesmo oferecendo salários mensais que podem chegar a R$ 20 mil, as prefeituras têm extrema dificuldade em atrair médicos para atuar em regiões distantes da capital, principalmente

os médicos especialistas. José Carlos Feitosa, vice-presidente do Sindicato de Médicos do Amazonas, considera um dos motivos desse desestímulo dos profissionais a falta de estrutura dos hospitais e de apoio especializado. “Não é só o salário, o profissional precisa de condições para exercer a medicina com dignidade”, explica. Por isso, para o reitor da UEA, professor José Ademir de Oliveira, o apoio de consultoria e qualificação pode ser um grande incentivo para manter os profissionais em campo: “Esta ferramenta dá certa segurança, pois o generalista passa a ter uma retaguarda para ajudá-lo. Além disso, pode continuar os estudos porque existem especializações ministradas a distância com validade reconhecida”. Um dos principais elos da corrente da telessaúde no Brasil é a Rede Universitária de Telemedicina, a Rute. O programa administra uma cadeia de comunicação entre praticamente todas as universidades do país com centros de pesquisa e pontos ativos de telemedicina. São 54 núcleos de telessaúde em hospitais universitários, com previsão de ampliação para mais 47 em 2012. Luis Ary Messina, coordenador nacional do Rute, vai mais adiante: “A pesquisa não pode ser feita somente pelas universidades e institutos de pesquisa. Daí a importância de termos parcerias dos governos, com Ministério da Saúde e as universidades, para sempre oferecer informação e capacitação de qualidade e atualizada aos profissionais em áreas remotas e deles receber o conhecimento do que é desenvolvido por lá”, afirma.

Para ampliar o alcance da Telessaúde em todo o país, o governo federal criou o programa Saúde Mais Perto de Você, que prevê incentivos para a qualificação das equipes de atenção básica e melhoria da infraestrutura das unidades. Serão 38 novos núcleos de telessaúde, para dar suporte a 10.966 equipes de saúde da família, em 2.036 municípios. Até 2014, a previsão é de investimentos de R$ 280 milhões, que serão transferidos automaticamente para gestão nos próprios municípios, a partir de janeiro de 2012. Nos estados da Amazônia Legal – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins –, todos banhados pela bacia amazônica, os investimentos somarão mais de R$ 14 milhões. shutterstock

mais saúde

Telessaúde no Brasil

Investimentos na Amazônia Legal (EM REAIS) Estado

Investimento

Acre

750 mil

Amapá

2 milhões

Amazonas

2 milhões

Mato Grosso

2 milhões

Maranhão

3,7 milhões

Pará

3 milhões

Rondônia

750 mil

Roraima

750 mil


energia Joana Horta joana@abcdmaior.com.br

Laís Correard

lais.cultura@gmail.com

A energia dos ventos Até 2020 o país pode se tornar um dos cinco maiores produtores mundiais de m 2012, a energia virá dos ventos. Em janeiro entra em operação o primeiro parque eólico da Bahia, que pretende se tornar polo de referência no setor para o Brasil e toda a América Latina. Nos planos do governo estadual, ao longo do ano serão inaugurados nada menos de 18 parques, que deverão produzir mais de 413 MW de energia limpa. O Brasil tem um dos melhores ventos do mundo, dizem os empresários do setor, e, embora ainda exista um gargalo na pesquisa e desenvolvimento para maior e mais eficaz exploração dessa fonte de energia, amplia-se o interesse pelo tema. E projetos de investimentos surgem por todo o país. Os números para alavancar a indústria do vento no Brasil são significativos e sinalizam sua expansão. Mais de R$ 8 bilhões foram solicitados para projetos eólicos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sendo cerca de R$ 3 bilhões o valor acumulado de empréstimos concedidos até o final de 2011. Centenas de projetos participaram do último leilão de energia, realizado em dezembro, pela Empresa de Pesquisa Energética

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(EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a quem cabe a prestação de serviços na área de estudos e pesquisas para o setor energético. Na Europa e nos Estados Unidos, a energia eólica é reconhecida como alternativa para a geração de energia elétrica limpa e sua cadeia de desenvolvimento recebeu subsídios de governos durante décadas. Mas, com a crise financeira global de 2008, investimentos foram cortados e as multinacionais do setor voltaram seus olhos para além fronteiras. O movimento aconteceu ao mesmo tempo em que a EPE passava a aceitar, nos leilões de compra, a energia produzida em parques eólicos. “Quando os países europeus suspenderam seus programas de energia eólica, as empresas do setor foram buscar alternativas e encontraram o Brasil, a Índia e a China como potenciais mercados. E o Brasil tem um dos melhores ventos do mundo”, explica Everaldo Feitosa, vice-presidente da Associação Internacional de Energia Eólica (cujo nome em inglês é World Wind Energy Association, WWEA), entidade que representa empresários do setor de energia eólica, com 208 membros e presente em 95 países.

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No fim de setembro, ao anunciar o balanço de propostas para o leilão destinado à oferta de energia a partir de 2016, a EPE informou ter recebido 377 inscrições – a maioria, 296 projetos, para a área eólica, somando 7.486 megawatts (MW). “O primeiro leilão já foi um sucesso e revelou um represamento de projetos excelentes, com os menores preços do mundo”, comentou Feitosa, que também é presidente da Eólica, empresa responsável pela instalação de parques eólicos no Nordeste brasileiro.

menos de 1% de eólica Nos primeiros cinco leilões de energia rea­ lizados pela EPE, foram contratados 5.785 MW, total insuficiente para tirar a eólica das últimas colocações como fonte energética no país: hoje, menos de 1% da matriz energética é proveniente da captação de ventos. Com as novas perspectivas de contratação, estima-se que, em dois anos, essa fatia suba até 5% da capacidade de instalação de geração de energia, com produção de 7.232 MW. O Brasil ainda não figura entre os maiores produtores mundiais de energia eólica,


MATEUS PEREIRA

O menor custo de energia do mundo (US$/por MWh) Espanha

168

África do Sul

164

Canadá

121

Índia

75

Brasil

65 *Fonte: WWEA

Os dez maiores produtores de energia eólica (2010) País

Capacidade (MW)

China

44.733

Estados Unidos

40.180

Alemanha

27.215

Espanha

20.673

Índia

13.065

Itália

5.797

França

5.660

Inglaterra

5.023

Canadá

4.008

Dinamarca

3.734 *Fonte: WWEA

energia eólica, mas precisa investir muito mais se quiser reverter o atraso mas a WWEA acredita que, se a política nacional continuar a lançar leilões de compra sistematicamente, o país atingirá, até 2015, o mesmo patamar de Inglaterra e Canadá, hoje na oitava e nona posição do ranking mundial. Ainda assim, ficará muito distante da China, a primeira colocada, que, com os ventos, é capaz de gerar 44 mil MW. Mas a estimativa da WWEA é positiva e projeta, para 2020, estar o Brasil entre o quarto e o quinto lugares, à frente de países como Espanha e Índia

Gargalo em P&D O histórico energético brasileiro tem base nas matrizes hídrica e de petróleo. A grande oferta do chamado ouro negro e a abundância dos recursos hídricos explicam, em parte, o pouco investimento em energias alternativas no país. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia e criada em 1996 para regular e fiscalizar da geração à comercialização da energia elétrica no país, nunca chegou a estimular projetos específicos para a área. Mas agora, o momento se mostra mais favorável, com custo reduzido

e clamor por energias limpas, o que tem feito o governo e a indústria se movimentarem em direção aos parques eólicos. Para Máximo Luiz Pompermeyer, superintendente de pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética da Aneel, já passou o tempo de se ver a energia dos ventos como fonte complementar e como mais uma alternativa distante. “Nos últimos anos, começamos a trabalhar de forma mais articulada com instituições de pesquisa e, em 2012, devemos fazer a primeira chamada de projeto estratégico específica para energia eólica”, informa. Como a montagem de um parque eólico depende de uma cadeia de fornecedores fundada, basicamente, no setor metal-mecânico, não há problemas quanto ao suprimento de partes desses equipamentos, por serem ainda raros os projetos de desenvolvimento interno. Em todo o Brasil, existem menos de dez centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) focados em tecnologias eólicas. Nos bancos de dados do programa de P&D em eólica da Aneel, desde 2006, são apenas 22 os projetos sobre essa tecnologia, com investimentos totais de R$ 19 milhões. É pou-

co. “São projetos pontuais de modelagem ou intermitência, que vão pensar em um novo material para a pá ou para o corpo. Deveríamos estar investindo R$ 500 milhões em tecnologias que nos rendessem patentes e que nos livrassem do pagamento de royalties por importação de tecnologias”, diz Pompermeyer. Ele também chama a atenção para um aspecto falho na legislação brasileira, referente ao estímulo à inovação no setor. “Enquanto os produtores de fontes tradicionais são obrigados, por lei, a destinar parte de seu rendimento à pesquisa e inovação, os produtores de fontes renováveis são isentos. Isso tem de mudar. Do contrário, os bilhões previstos para serem injetados pelo BNDES para alavancar o setor correm o risco de servir apenas ao sucesso de negócios”, alerta.

Bahia como referência Os ventos são favoráveis, principalmente no Norte, Nordeste e Sul do Brasil. O Rio Grande do Norte, cuja paisagem é marcada por coqueiros vergados pelo vento, tem as melhores perspectivas

DEZEMBRO 2011 | JANEIRO 2012 | INOVA

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ELOI CORRÊA adenilson nunes aristeu chagas

James Correia, secretário da Indústria e do Comércio da Bahia: empresas internacionais já estão produzindo turbinas eólicas e aerogeradores no estado

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do país, com produção estimada de 2.383 MW até 2014. O maior projeto potiguar é o Parque Eólico de Mangue Seco, formado por quatro usinas, das quais a última entrou em operação no dia 1º de novembro. Investimento da Petrobras com três parceiras, o Parque começou a funcionar comercialmente oito meses antes da data marcada no contrato celebrado com a Agência Nacional de Energia Elétrica, em meados de 2012. As usinas (Potiguar, Cabugi, Juriti e Mangue Seco) foram equipadas com 52 aerogeradores de 2 MW cada e, em conjunto (104 MW), somam a maior capacidade já instalada no país com esse sistema. A energia gerada é suficiente para atender uma população de 350 mil habitantes. Com a Petrobras, participam do projeto, de mais de R$ 420 milhões, a Eletrobras (parceira na usina Cabugi), a Alubar Energia (na Mangue Seco) e a Wobben Wind Power (nas outras duas). Depois do Rio Grande do Norte, seguem-se Ceará, Bahia e Rio Grande do Sul, com potenciais entre 1.500 MW e 1.200 MW. Além deles, outros sete estados projetam começar a produzir energia eólica em dois anos. Sem grande alarde, a Bahia vem captando investimentos para conquistar a posição, ainda sem titular, de estado referência em desenvolvimento de energia eólica. Atualmente, é o segundo maior estado em potência contratada nos leilões de energia eólica do país e espera acrescentar 1.418 MW à rede elétrica, com a conclusão de 52 projetos. Até 2012, estarão em plena operação 18 parques, cujos investimentos somam aproximadamente R$ 6 bilhões. Um dos diferenciais da Bahia é ter os potenciais mais significativos de energia eólica identificados em regiões com os menores indicadores de desenvolvimento econômico: o interior, ao longo de toda a margem direita do Rio São Francisco. Na maioria dos estados brasileiros, os projetos estão localizados no litoral. No primeiro semestre de 2011, James Correia, secretário da Indústria e do Comércio da Bahia, viajou à Europa com o intuito de atrair grandes empresas para alavancar a cadeia produtiva. Primeiros resultados: a espanhola Gamesa já está produzindo turbinas eólicas, a francesa Alstom começou a fabricar aerogeradores, e, no próximo ano, a espanhola Windar se instalará na Bahia com o nome de Torres Eólicas do Brasil (Torrebrás). A GE também busca seu espa-

ço e, em outubro, assinou protocolo de intenções para, até o início de 2013, produzir geradores eólicos. E o governo baiano iniciou tratativas com a dinamarquesa Vestas, maior fabricante mundial de componentes para a geração de energia eólica. Sem esquecer a importância da P&D, o governo baiano está investindo na criação de uma rede de pesquisas para atender diretamente ao setor. Um desses projetos, negociado com a Universidade de São Paulo, inclui questões como formação e qualificação de mão de obra e desenvolvimento de tecnologias para substituição de equipamentos importados, anuncia o secretário. Correia informa que o governo também trabalha para construir um cluster de energia eólica em Camaçari, buscando atrair empresas. “A energia eólica requer uma logística muito grande, equipamentos difíceis de serem transportados, como geradores de 80 toneladas e pás de até 70 metros de comprimento. Por isso, quanto mais próxima a fábrica estiver dos parques eólicos, melhor”. Já funcionam, na Bahia, fabricantes de torre metálica, torre de concreto de até cem metros de altura, turbinas, materiais plásticos que compõe os equipamentos e fábrica de pás. De acordo com o secretário, no final de 2011 forram inaugurados os três primeiros parques eólicos do estado, com investimentos de R$ 415 milhões e capacidade de gerar 90 MW, suficientes para abastecer uma cidade de 360 mil habitantes. O projeto de instalação é da empresa nacional Desenvix, e contou com R$ 270 milhões em investimentos financiados pelo Banco do Nordeste. A energia proveniente dos três parques terá de ser entregue a partir de julho de 2012, mas a empresa acredita que poderá antecipar a distribuição ainda em 2011, afirma José Antunes Sobrinho, executivo chefe da Desenvix, empresa que começou a atuar na região em 2007. “O Brasil demorou para desenvolver seu potencial, mas agora está se consolidando principalmente no Nordeste, e a Bahia, além do potencial, está abrigando diversas fábricas fornecedoras. Não se vê desvantagem nesse cenário”, comenta. No começo da década, o potencial eólico da Bahia era estimado em 14,5 mil MW para altura de 70 metros nas torres baixas, o que representa 10% do potencial nacional e 19,3% do potencial do Nordeste. Hoje, já se estima o potencial baiano em 40 mil MW.


tecnologia

Antigamente, quem visse um cuitelinho(*) de penas brancas no rabo, sugando a seiva de uma flor, sabia que o correio lhe entregaria uma carta de amor. De umas décadas para cá, porém, o máximo que pode lhe acontecer depois dessa bela cena de jardim é a chegada de um e-mail ou uma mensagem de texto pelo pager ou celular. Com esses equipamentos, hoje em dia, o encanto da crendice popular foi-se com os ventos. Culpa da tecnologia, que nunca para de criar novidades aos olhos dos consumidores, militares ou outros bichos mais. Uma das mais recentes é exatamente um beija-flor, e mensageiro. Mas nada de missivas, estafetas e suspiros apaixonados de donzelas ou moçoilos... Trata-se de um pássaro mecânico, na forma de um colibri, com 18,7 gramas e 16,5 centímetros de comprimento, capaz de pairar suspenso no ar, voar a uma velocidade de 17,7 km/h, girar para frente e para trás, do mesmo jeito que seu delicado modelo silvestre, entretanto sem nenhuma atração por flores. É o nanoveículo aéreo (NAV, na sigla inglesa), desenvolvido pela Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa norte-americana (Darpa), com sede na Califórnia. Cada espécime sai a US$ 4 milhões. Caro, sim, mas – equipado com uma microcâmera – ele pode espionar os inimigos no campo de batalha sem ser detectado por radares ou sequer chamar a atenção, encontrar soldados feridos no front inimigo, identificar trilhas seguras aos soldados na árdua tarefa da guerra. Ou, ainda, encontrar sobreviventes em edifícios desabados e localizar vazamentos de refinarias ou de outras instalações de produtos químicos, em pontos que os olhos humanos não alcançam. Essa foi uma das 50 mais impactantes invenções do ano de 2011, de acordo com reportagem de Lev Grossman da revista americana Time, edição de 28 de novembro. Aliás, a que mereceu maior destaque e saiu na capa. Mas muitas outras invenções dessa lista são

igualmente surpreendentes, como um software criado na Universidade de Berkeley, também na Califórnia, que permite fazer a leitura do pensamento, seja durante a vigília ou o sonho. Ainda no campo das mais intensas invasões de privacidade, uma invenção do laboratório de pesquisa do jornal The New York Times bota a estória da Branca de Neve no chapéu, ao tornar realidade o conto de fada do espelho que interage com quem se olha através dele. Só que, em vez de alimentar vaidade de bela mocinha ou de desapontar bruxa velha e nariguda, como na historinha dos irmãos Grimm, o inteligente aparelho é muito mais pragmático e adaptado ao mundo moderno, e logo de manhã informa aos homens de negócios qual a sua agenda, seu histórico de saúde, os remédios do dia, as condições do tempo e a melhor opção de gravata para o terno escolhido. E por falar em roupa, que tal um pano feito de leite azedo? Isso foi o que a designer alemã Anke Domaske fez, e em sua língua batizou de QMilch. É simples: com seis litros do fruto da vaca, já talhado, se tira uma saia ou um vestido com material bem parecido com a seda, feito de fibras de proteínas, em apenas duas horas, a um custo entre US$ 200 e US$ 270. Talvez não seja tão barato, mas é ótimo para quem tem alergias a vários tipos de tecidos, em especial aquelas surgidas em tratamentos pesados, como o de leucemia. E, como garante sua criadora, é gentil com o meio ambiente. Há outra luz sobre a responsabilidade ecológica vinda do afã tecnológico: uma lâmpada. Eficiente, ela foi desenvolvida para substituir as incandescentes, que serão banidas nos Estados Unidos a partir de 2014 por força de lei, e as fluorescentes, cheias de substâncias venenosas. Chamada de Switch60 Lightbulb, funciona com interruptor dimmer, para economizar eletricidade, tem vida útil de cerca de 25 mil horas e emite luz amarelada de 60 a 75 velas, mas gasta como se fosse de 12,5, e custa uns US$ 20. Ainda em setores tradicionais e esperados, há invenções como painel solar flexível, que, enrolado, facilita o transporte ao camping para ser instalado no teto de barracas; labo-

ratório lunar; veículo para busca em Marte; mapa holográfico; vacina para a malária (em estágio final); novo motor a jato para avião, mais econômico e silencioso e menos poluente; avião movido a energia solar; e máquina automática para venda de baguetes. Ah, tem também o barbeador perfeito, com lâminas 5 mil vezes mais finas que as conhecidas, feitas de irídio, material muito resistente e quase nada agressivo à pele. O aparelho é garantido por 20 anos e sai a um preço de US$ 100 mil. Algumas invenções, porém, atendem a necessidades surpreendentes, como o Tambor Digital, bancado pelo Unicef. Trata-se de um computador alimentado por energia solar, destinado a comunidades rurais da Uganda que têm dificuldades de acesso a informações relacionadas à saúde. É feito com os tambores de óleo que existem lá, duráveis, resistentes ao clima local e ainda trazem conteúdo educacional. Outra, que se espera ver na Copa de 2022, no Qatar, é a nuvem artificial, desenvolvida por engenheiros da Universidade do Qatar. São estruturas leves, de carbono, infladas com hélio, e controladas remotamente para serem posicionadas de modo a produzir sombra nos estádios, onde a temperatura deve oscilar ao redor dos 40º C, caso a competição se realize no calendário convencional, ou seja, no período mais árido do verão na região. Outra inovação que se cogita para essa edição da Copa, porém, é a mudança de calendário, com a realização do evento no inverno local. (JV) (* Não é uma invenção: cuitelinho, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, é o popular beija-flor)

divulgaçã0

As 50 maiores invenções de 2011


especial polĂ­tica espacial

contagem regressiva

shutterstock

Demorou, mas finalmente o paĂ­s vai entrar na corrida espacial

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INOVA | DEZEMBRO 2011 | JANEIRO 2012


Maurício Thuswohl

mauricio@abcdmaior.com.br

O Brasil se ressente da ausência de uma política espacial e de investimentos que alavanquem o setor e capacitem a indústria nacional. O início da produção de um satélite geoestacionário, que deverá ficar pronto até 2014 para operar na Copa do Mundo, e acordos internacionais acenam com a reversão desse quadro – cerca de R$ 55,7 milhões – e o total de R$ 716 milhões está previsto no Plano Plurianual 2012-2015”, informa o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O governo quer que o primeiro satélite seja utilizado em conjunto com a rede da Telebrás para a implantação da transmissão de dados em banda larga e da tecnologia de 450 megahertz em todo o Brasil. Paulo Bernardo espera que a entrada em operação do satélite tenha impacto positivo sobre as telecomunicações no país: “O novo satélite propiciará o atendimento de 24,4 milhões de pessoas na área rural, além de atingir 1.283 sedes de municípios fora da abrangência da rede terrestre da Telebrás. As regiões que mais se beneficiarão com o satélite são as que sofrem, hoje, a maior carência de acesso em banda larga, em especial o Oeste do Amazonas, o Sul do Pará, o interior do Nordeste e algumas zonas do Centro-Oeste. Todo o Brasil será coberto”, diz o ministro. A possibilidade de utilizar o satélite geoestacionário como mais um instrumento para impulsionar o Plano Nacional da Banda Larga (PNBL) também é vista com entusiasmo pelo governo: “O satélite é parte do PNBL e será operado pela própria Telebrás, com o qual complementará a sua infraestrutura de fibras ópticas e rádios terrestres. Trata-se de um importante instrumento na massificação da banda larga para regiões remotas e de baixa densidade populacional”, acrescenta Paulo Bernardo.

O novo satélite propiciará o atendimento de 24,4 milhões de pessoas na área rural, além de atingir 1.283 sedes de municípios fora da abrangência da rede terrestre da Telebrás. As regiões que mais se beneficiarão com o satélite são as que sofrem, hoje, a maior carência de acesso em banda larga, em especial o Oeste do Amazonas, o Sul do Pará, o interior do Nordeste e algumas zonas do Centro-Oeste. Todo o Brasil será coberto”.” Paulo Bernardo, Ministro das Comunicações

TECNOLOGIA espacial Através de sua assessoria, o ministro da Defesa, Celso Amorim, confirma a intenção do governo federal em eliminar todo o controle de empresas privadas sobre as comunicações do setor. “A ideia é manter as comunicações da Defesa, por satélite, totalmente controladas pelo governo. Esta mudança começará com o lançamento do primeiro satélite geoestacionário do governo”, afirma o ministro. Segundo ele, a entrada em operação do satélite geoestacionário trará boas mudanças para a segurança em geral e o controle do espaço aéreo brasileiro: “O lançamento do

AntÔnio Cruz | ABr

conomia emergente, nação que reivindica um assento entre as grandes no Conselho de Segurança da ONU e que sediará eventos internacionais como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o Brasil não possui em operação um satélite orbital produzido no país ou controlado por seu governo. Desde que a Embratel foi privatizada em 1998, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, todas as comunicações governamentais, inclusive na área de defesa, passaram a ser realizadas por satélites controlados por empresas privadas. Empenhado em reverter essa realidade, o governo se movimenta em várias frentes para tentar colocar satélites brasileiros em órbita. Entre as novidades previstas estão o lançamento de um satélite geoestacionário até 2014, a revitalização do acordo com a Ucrânia para a utilização da Base de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão – localizada a cerca de 20 quilômetros da capital, São Luiz –, e a retomada de programas conjuntos entre a Agência Espacial Brasileira e a agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa. A notícia mais aguardada pela presidente Dilma Rousseff, entretanto, é mesmo a do início da produção pelo Brasil de um satélite do tipo geoestacionário (permanece parado relativamente a um ponto fixo na Terra) que deverá ser utilizado nas telecomunicações em geral e na defesa nacional, inclusive no controle do espaço aéreo. Se ficar pronto até 2014, como pretende a presidente, o satélite poderá operar durante a Copa do Mundo. Por esse motivo, a tarefa é encarada como fundamental dentro do governo. Uma proposta de viabilidade técnica e econômica do satélite geoestacionário brasileiro – elaborada conjuntamente pelos Ministérios da Defesa, das Comunicações e da Ciência, Tecnologia e Inovação – está com Dilma Rousseff desde o início de outubro. “O primeiro satélite geoestacionário brasileiro será lançado até 2014, e o segundo até 2018. A construção do primeiro satélite já tem recursos alocados de projeto de lei


especial política espacial

Parcerias com EUA e Ucrânia

DIVULGAÇÃO

O estabelecimento de parcerias com países detentores de acúmulo tecnológico significativo na área espacial é o caminho escolhido pelo Brasil para desenvolver novos projetos visando o lançamento de satélites nacionais. Uma dessas parcerias é o acordo firmado com a Ucrânia para a utilização da Base de Lançamentos de Alcântara. Os dois países se comprometem a lançar até 2013 o foguete Cyclone-4, que está sendo desenvolvido conjuntamente e servirá para colocar em órbita um satélite estratégico a ser utilizado pelos governos brasileiro e ucraniano. Uma empresa binacional, a Alcântara Cyclone Space (ACS), foi criada em 2006 para levar adiante a parceria, mas o projeto caminhava a passos lentos por conta das turbulências político-eleitorais vividas pela Ucrânia nos últimos anos. Até metade de 2011, o governo ucraniano havia honrado somente R$ 98 milhões da contribuição esperada de R$ 259 milhões para a construção do Cyclone-4, cujo custo total é estimado em R$ 518 milhões (a outra metade bancada pelo Brasil). No entanto, na visita do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, ao Brasil, em 2010, ele garantiu que seu país vai complementar “em um curto espaço de tempo” o investimento que lhe cabe no projeto binacional. Para lançar novos satélites produzidos no país, o Brasil busca também parceria com os Estados Unidos. Nesse caso, o objetivo do governo brasileiro é convencer a National Aeronautics and Space Administration (Nasa) a desenvolver conjuntamente com a Agência Espacial Brasileira (AEB) um satélite para integrar o Programa de Medição de Precipitação Global (GPM, na sigla em inglês). Coordenado pelos Estados Unidos e pelo Japão, o GPM será composto por uma rede de satélites de baixa órbita, que terão a função de analisar as mudanças climáticas e meteorológicas em diversos pontos do planeta, com o objetivo de aumentar o nível de acerto das previsões do tempo e tornar mais rápidos e eficientes os alertas em casos de tempestades ou outros desastres ambientais. Também no final de outubro passado, o Brasil recebeu a visita do ex-astronauta e diretor da Nasa Charles Bolden. Após conhecer os laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em São José dos Campos (SP), Bolden assinou dois termos de cooperação entre a Nasa e a AEB, mas não ainda o esperado compromisso formal dos Estados Unidos para produzir com o Brasil um satélite para integrar o sistema GPM. Na estimativa extraoficial do governo brasileiro, o custo do satélite ficaria em torno de US$ 170 milhões, mas nenhuma cifra chegou a ser tratada com a Nasa. O documento assinado com os Estados Unidos apenas prevê “o estudo da viabilidade do desenvolvimento conjunto de um satélite para a constelação GPM”. Os outros pontos previstos no acordo são: estudos conjuntos e disseminação dos dados do GPM no Brasil, estabelecimento e coordenação de projetos conjuntos de pesquisa, organização de reuniões de equipes científicas e de intercâmbio técnico relativo ao GMP, e a preparação de cientistas e engenheiros para o planejamento de missões científicas conjuntas.

Marco Antonio Raupp, da AEB, e Charles Bolden, da Nasa: acordos de cooperação

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satélite permitirá o seu total controle por uma empresa estatal, o que é importante para a defesa nacional, e representará ainda um aumento de sua capacidade nas comunicações em Banda X, de uso exclusivo militar. Em função da maior potência do novo satélite, serão possíveis também comunicações em Banda X com estações equipadas com antenas de menor porte. Juntamente com a Banda X, serão possíveis ainda comunicações em Banda Ka, permitindo levar a banda larga na internet a localidades hoje não assistidas com segmento terrestre”. Para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a construção de satélites pelo governo brasileiro será uma grande oportunidade de promover transferência de tecnologia espacial para o país. Ao levar a proposta de viabilidade do satélite geoestacionário à presidente Dilma, o ministro Aloizio Mercadante destacou suas expectativas quanto às possibilidades de geração de empregos e capacitação da indústria nacional trazidas pelo projeto. A coordenação da produção dos satélites geoestacionários nacionais caberá à Agência Espacial Brasileira (AEB), órgão subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: “Serão dois satélites. No primeiro, toda a organização será feita a partir de especificações funcionais fornecidas por um comitê técnico formado por pessoal do governo. Esse comitê fará toda a arquitetura industrial do satélite”, explica o presidente da AEB, Marco Antonio Raupp.

NOVA EMPRESA ESTATAL A estruturação do projeto do satélite geoestacionário foi feita de maneira a entregar a uma empresa nacional toda a gestão do processo produtivo: “O fato de o satélite ficar sob a gestão do governo e de uma empresa nacional nos dá a garantia de que vai ser executada a política de trazer o máximo possível de tecnologia para o Brasil, dentro de nossa capacidade e sem comprometer a necessidade que o país tem de um satélite funcionando num prazo adequado. Como não temos capacidade em certas áreas, o prazo pode ser muito longo, se for contratado tudo aqui no Brasil, e isso não nos interessa. Essa é uma solução que vai criar também oportunidades para as empresas nacionais investirem, se capacitarem e cada vez irem aumentando mais sua participação de um projeto para o outro”, diz Raupp. A empresa gestora dos satélites brasileiros deverá nascer de uma sociedade entre a Em-


DIVULGAÇÃO

Base de Lançamentos de Alcântara: mais obras civis e de infraestrutura para o lançamento de satélites

braer e a Telebrás: “Terá capacidade de fazer contratações junto a empresas nacionais e internacionais. Essa capacidade de articular é fundamental, com uma empresa de porte que possa assumir a responsabilidade do sistema integral. A Embraer faz assim para construir aviões. A empresa tem um projeto, contrata as partes aqui e no exterior, faz a integração aqui e está aí o avião. Esse é o procedimento industrial habitual, por isso a Embraer foi trazida também para a área de satélites. Já tem expertise em questões de integração de sistemas complexos e experiência com empresas internacionais”, avalia o presidente da AEB. Raupp espera que a participação da indústria brasileira no setor de satélites cresça rapidamente nos próximos anos: “Contratar as partes fora ou dentro do Brasil é uma questão que será planejada em função da nossa capacitação. Em um primeiro momento, de menor capacitação, vai ser contratado menos aqui e mais no exterior. Mas, já no segundo satélite geoestacionário, o que se prevê é que isto se inverta”, diz. Exemplo do processo é o Programa China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS), satélite de recursos terrestres, parceria com a China e primeiro projeto do país no setor. “O CBERS, responsabilidade de dois países, começou com 30% da produção feita aqui no Brasil e 70% na China. Hoje, está na base de 50% para cada país. À medida que as empresas e a indústria nacional forem se capacitando, aumentarão seu nível de participação”. Além do satélite geoestacionário, o Plano Plurianual 2012-2015, que fixa diretrizes e metas para os investimentos do governo nesse período, prevê o desenvolvimento de mais dois satélites em parceria com a China: o CBERS 3,

que deverá ficar pronto em 2012, e o CBERS 4, previsto para 2016. E, para os anos seguintes, são indicados projetos a serem desenvolvidos com os Estados Unidos (satélite para precipitações, previsto para 2020) e com a Alemanha (satélite radar, para 2021) ou exclusivamente com tecnologia brasileira (satélite Lattes para 2017 e satélite Sabiá Mar para 2021).

faltam investimentos Apesar das metas anunciadas, há quem considere que o Brasil continua muito aquém de onde poderia estar em termos de política espacial. Segundo a Consultoria Legislativa da área de ciência e tecnologia da Câmara dos Deputados, o gasto com o lançamento de satélites representa somente cerca de 10% do que gastam outros países emergentes, como Índia e China: “Não se faz nada sem dinheiro, e os recursos são mínimos, não correspondem ao discurso do governo”, afirma Fernando Rocha, consultor da Câmara. Diz ele que, pelo PPA 2012-2015, são previstos para a política espacial brasileira R$ 2,2 bilhões. “No entanto, segundo o que já foi divulgado amplamente pela imprensa, só em infraestrutura para a Copa do Mundo serão gastos cerca de R$ 33 bilhões. A comparação já é suficiente para verificarmos que o Programa Espacial Brasileiro não é prioritário para o governo. Tanto é que os investimentos no setor aparecem na 44ª posição nas prioridades do PPA”.

BASE DE ALCÂNTARA Em relação ao acordo com a Ucrânia para a utilização da Base de Alcântara, o presidente da AEB, Marco Antonio Raupp, admite

que o governo brasileiro tinha dúvidas em como conduzir o processo: “Uma delas porque havia muito pouca transferência de tecnologia, que não é permitida pelo acordo de salvaguardas entre os dois países. Outra razão é que a participação do Brasil e da Ucrânia na capitalização da empresa binacional estava desbalanceada”, explica Raupp. A solução, no entanto, parece ter sido encontrada: “Orientados pelo ministro Mercadante, negociamos acordos de colaboração tecnológica entre a AEB e a agência espacial ucraniana fora do âmbito do programa. Dentro do programa, é proibido ter transferência de tecnologia, mas nós teremos cooperações tecnológicas em outras áreas. Isso nos satisfaz no que diz respeito a agregar tecnologia às organizações brasileiras empresariais, industriais ou órgãos tecnológicos do governo. Que todos ganhem em tecnologia nesse processo de colaboração entre os dois países”, diz Raupp. Com o compromisso assumido pela Ucrânia de complementar sua participação financeira na criação da ACS, a produção do foguete e do satélite em parceria com os ucranianos, segundo Raupp, é questão de tempo: “Superados esses dois problemas, o governo quer levar às últimas consequências esse projeto e fazer todos os investimentos que precisam ser feitos na Base de Alcântara. Não só investimentos em obras civis ou de infraestrutura, mas também em obras mais tecnológicas e em toda a construção de equipamentos de solo para termos condições de fazer esses lançamentos a partir de lá. Então, estamos em pleno desenvolvimento, nós retomamos isso com força”, afirma o presidente da AEB.

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Cronograma dos satélites em órbita

2012

Satélite CBERS 3 (China) sensoriamento remoto e observação do território

2014

Satélite Geoestacionário (em aberto) telecomunicações

Acordo com a Ucrânia: oportunidade de modernizar a Base de Alcântara

O primeiro passo, já executado, segundo a AEB, foi a criação de um consórcio entre as empresas Odebrecht e Camargo Correa para a execução da infraestrutura civil da base. Em relação ao acordo firmado com a Nasa, Raupp reforça o desejo do governo de desenvolver juntamente com os Estados Unidos um satélite para operar no sistema GPM: “Temos interesse em várias cooperações tecnológicas com a Nasa na área de satélites científicos e satélites de aplicações, e um deles é o GPM. Queríamos fazer junto com eles um satélite que se incorporasse ao sistema GPM e que passasse sobre o território nacional para ter informações mais especificas sobre a nossa região”, diz o presidente da AEB, antes de reconhecer que “a Nasa não tomou ainda a decisão de que é possível fazermos uma parceria”. Existe, entretanto, a esperança de que o satélite brasileiro em parceria com os Estados Unidos vire realidade nos próximos anos: “Quando começarem a funcionar esses satélites japoneses e americanos, o que está previsto para o inicio de 2012, os acordos já firmados com a Nasa relativos aos satélites de aplicação servirão para que o Brasil utilize os dados que eles vão levantar. Foi feita também uma declaração de princípios, segundo a qual vamos estudar a possibilidade de produzir um satélite que se agregaria ao sistema GPM para termos informações mais efetivas para nosso uso”, diz Raupp. O cronograma estabelecido para as negociações sobre o desenvolvimento do satélite com a Nasa prevê, segundo o governo, a criação de uma comissão binacional para levantar os custos totais do projeto e planejar a divisão do trabalho de produção e da responsabilidade de cada país.

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2016 tecnologia defasada Uma das principais críticas ao acordo firmado para o uso de Alcântara é que a tecnologia a ser transferida pela Ucrânia estaria ultrapassada e utilizaria “sucatas” do período soviético. Consultor da área de ciência e tecnologia da Câmara dos Deputados, Fernando Rocha relativiza o problema: “Em termos de desenvolvimento a tecnologia soviética, que foi herdada pela Ucrânia, está indiscutivelmente em um patamar inferior à dos norte-americanos. Mas, mesmo com essa defasagem, são os ucranianos que estão colocando gente, equipamentos e materiais na estação espacial. A tecnologia é defasada, mas funciona. E para quem não tem nada, como o Brasil, será vantagem receber essa tecnologia, que pode não ser a mais nova, mas está à frente da nossa”, conclui. As tentativas de acordo com a Nasa, por sua vez, são vistas com mais desconfiança pelo consultor: “Tenho medo dos acordos que o Brasil celebra, porque ao longo dos anos temos feito alguns acordos de longo prazo sempre limitando a nossa autonomia tecnológica, o nosso desenvolvimento na seara espacial e até mesmo a nossa soberania”, diz. Rocha, no entanto, defende a aproximação com os Estados Unidos: “Ainda que exista por parte do governo dos Estados Unidos uma política de óbices ao nosso desenvolvimento espacial, e isso é patente, não adianta batermos de frente com eles, porque, se conseguirmos desenvolver alguma indústria nessa área, o mercado norte-americano provavelmente será o nosso maior comprador”.

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Satélite CBERS 4 (China) sensoriamento remoto e observação do território

2017

Satélite Lattes (tecnologia nacional) pesquisa científica

2018

Satélite Amazônia 1 (tecnologia nacional) pesquisa científica

2020

Satélite para Sistema GPM (Estados Unidos) medição de precipitações

2021

Satélite Radar (Alemanha) controle de espaço aéreo e marítimo

2021

Satélite Sabiá Mar (tecnologia nacional) pesquisa científica

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especial política espacial


análise

Economistas querem mais investimentos em inovação Como o país pode avançar com a crise nos Estados Unidos e na Europa nacional de desenvolvimento. O país vem tendo um trabalho admirável na área de ciência e tecnologia, onde consegue grandes avanços. Mas, na economia, continuamos dominados por um pensamento ortodoxo ou keynesiano simplista”. Para Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, o Brasil deve se valer de sua condição privilegiada em relação aos recursos energéticos para impulsionar a inovação: “Uma revolução industrial deverá passar pelo vetor de energia. Se não for assim, então é a preliminar da preliminar da preliminar. Falar de revolução tecnológica profunda é pensar o que está acontecendo com a energia”. Lessa, no entanto, ressalta que apostar no potencial energético brasileiro não significa transformar o país em mero fornecedor: “O Brasil se converter em celeiro do mundo para mim é uma aflição enorme, porque ainda temos muitos brasileiros com fome. O Brasil abrir mão da idéia de indústria e de industrialização me assusta muito, assim como morro de medo de o Brasil virar um exportador de petróleo. Converter o Atlântico Sul em supridor do império é o pior destino que se pode pensar para o país”. A economista Tânia Bacelar afirmou que “desenvolvimento científico e tecnológico e inovação são prioridades”, mas frisou a importância dos investimentos em educação, formação e capacitação: “A crise atual não é só financeira, porque dentro dela acontece uma mudança de paradigmas técnicos que é de grande profundidade”. Para ela, o país melhorou após montar seu sistema de ciência e tecnologia e estabelecer “prioridades claras” no Plano Nacional de Ciência e Tecnologia:

“Todo um trabalho foi feito nos anos recentes, mas ainda está muito longe do ideal. Quando olhamos a China e a Índia, percebemos que estamos muito longe dos desafios que vêm por aí e das necessidades do país”. O economistaWilson Cano situou as dificuldades de implementação de uma política de inovação tecnológica no contexto vivido pelo país nas últimas décadas: “Não posso inventar uma política de ciência e tecnologia se não tenho a coerência de uma política macroeconômica consistente para dar o apoio necessário. Sem isso, política científica e tecnológica não existe. Estamos há 31 anos em crise, período em que o Estado se debilitou e destruiu grande parte de seu sistema de planejamento econômico. É através da industrialização que a inovação e o progresso técnico se disseminam por toda a sociedade”, disse. Para o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, após os esforços realizados no governo Lula para dar segurança à economia do país, aumentar os investimentos em infraestrutura e criar empregos para gerar renda e aquecer o mercado interno, cabem agora ao governo de Dilma Rousseff os investimentos em educação e inovação: “Além do investimento em infraestrutura e capital físico, o governo agora adotou uma política de mais investimento em capital humano”, disse, citando o Programa Nacional de Ensino Técnico (Pronatec) como parte desse esforço.

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ara alguns dos principais nomes do pensamento econômico progressista brasileiro, o país precisa investir em inovação como forma de garantir competitividade à indústria nacional e saúde para a economia nos próximos anos. Encontro realizado no Rio de Janeiro, no final de novembro, foi organizado pelos quatro maiores partidos de esquerda do país por intermédio das Fundações Perseu Abramo (PT), João Mangabeira (PSB), Alberto Pasqualini/Leonel Brizola (PDT) e Maurício Grabois (PCdoB). Objetivo: analisar o momento do Brasil frente à crise econômica global que castiga, sobretudo, a Europa e os Estados Unidos. A economista Maria da Conceição Tavares foi categórica ao defender uma política de inovação capaz de alavancar a economia: “Hoje, só a taxa de câmbio não é capaz de proteger a indústria brasileira. Tem que fazer uma revolução tecnológica, basicamente nos setores eletroeletrônico, automobilístico e de insumos químicos para o agronegócio e o ramo farmacêutico. São setores onde temos que atacar as multinacionais, não tem escapatória. O país precisa investir agora pesadamente em inovação tecnológica na indústria, se não quiser ser apenas um primário exportador”. O ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, afirmou que os industriais brasileiros deveriam deixar de apenas “reclamar da China”. Ele prega um esforço conjunto entre governo e setor produtivo para resolver os problemas do país, “como o câmbio sobreapreciado”, e desenvolver uma política industrial nacional: “Durante 50 anos, de 1930 a 1980, tivemos uma política nacional. Nos anos 80, tivemos uma grande crise e, desde os anos 90, não temos política nacional nenhuma. Apenas de 2006 para cá começou a haver uma mudança”, disse. Bresser defende que a política industrial esteja inserida em uma política macroeconômica mais ampla: “Para a indústria inovar, o Brasil precisa de uma estratégia

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esporte

Máquina inovadora para a Fora das quadras, a super premiada seleção masculina de vôlei do Brasil conta com

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os últimos anos, a seleção masculina de vôlei do Brasil tornou-se sinônimo mundial de eficiência e alto desempenho. Além dos diversos títulos e medalhas conquistados em torneios mundo afora – Campeonato Mundial, Olimpíada, Liga Mundial, Panamericano, etc – impressionam na equipe técnica comandada pelo treinador Bernardinho desde 2001, a capacidade de estar sempre motivada e a busca constante pela inovação. Essa inovação acontece nas práticas de treinamento e condicionamento dos jogadores e, também, na criação de equipamentos de treino modernos e adequados, algo nem sempre valorizado e que pouco torcedor conhece. Seja para simular saques, cortadas e, mais recentemente, bloqueios, o vôlei de alto nível cada vez mais utiliza máquinas nos treinamentos. E, por exemplo, mesmo não tendo sido o criador original dos canhões que disparam bolas, o Brasil, assim como acontece na quadra, apresenta trunfos que nenhum adversário consegue ter. O jeitinho brasileiro, nesse caso, veio em forma de puro talento. Primeiro, na adaptação das máquinas às necessidades de treinamento das nossas seleções. Depois, no desenvolvimento de máquinas próprias que já começam a ser produzidas em São Caetano do Sul, no ABCD paulista. “O canhão não foi criado aqui. O Japão e os Estados Unidos já produziam esse tipo de equipamento. Mas nós fizemos o nosso. E fomos evoluindo, fomos aperfeiçoando e hoje estamos em um estado bem adequado no que diz respeito às nossas exigências”, avalia José Inácio Salles, o preparador físico da seleção masculina adulta e o principal responsável pelas questões de cunho tecnológico na equipe de Bernardinho. Hoje, é difícil imaginar um treinamento sem uma máquina dessas: “Para treinar recepção, tem que ter alguém sacando. Então, haja braço para continuar sacando várias vezes, ininterruptamente. Agora temos condições de treinar continuadamente, o canhão facilita isso. Ele simula a situa-

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“máquina” de jogar vôlei pesquisa, ciência e tecnologia para se tornar uma equipe praticamente imbatível Silvio Avila | CBV

da bola e um bom controle do movimento, que é importante para que você tenha direcionamento preciso e profundidade no ataque ou no saque”, diz.

O processo de inovação das máquinas se acelerou há quatro anos, quando o estatístico da seleção feminina infanto-juvenil, André Rosendo, foi trabalhar no CDV. Ex-funcionário da Volkswagen, onde ficou por 16 anos, e formado pelo Senai, Rosendo logo demonstrou grande interesse pelos canhões: “Em 2007, vi as máquinas e comecei a fazer algumas alterações que o pessoal precisava. Na verdade, comecei a brincar com isso. Para mim, era um protótipo, então toda hora eu fazia uma máquina diferente. Fazia uma, desmontava, fazia outra, e a gente usava aqui em São Caetano para fazer testes. Tudo isso na garagem da casa do meu pai, em Mauá, onde trabalho até hoje”, conta. Algum tempo antes, após ter se formado em eletrônica, Rosendo começou a cursar a Faculdade de Educação Física. A aproximação com o vôlei o levou à equipe do São Caetano e, logo depois, à CBV. O interesse pelos canhões de saque continuou, e o trabalho em Mauá rendeu frutos: “Consegui uma máquina funcional e o Osasco (um dos principais times de vôlei feminino), do professor Luizomar de Moura, comprou minha primeira máquina”, recorda. Nessa mesma época ele se aproximou da equipe de Bernardinho: “Começamos a bolar umas máquinas para ajudar no treinamento e eles estão usando minhas máquinas há dois anos. O Bernardinho quer uma máquina mais potente do que o normal, porque o pessoal precisa, realmente, treinar em alto nível”, diz. Rosendo afirma que seu trabalho “está em pleno desenvolvimento”. Prova disso é que entregou uma máquina zero quilômetro, em Saquarema, em outubro: “É um canhão mais alto. A necessidade agora era a altura, por isso alterei a altura. Se precisar de força, coloca-se mais força. Ou seja, mexe nisso, mexe naquilo e vai ajustando”, afirma Rosendo.

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TECNOLOGIA DO ABCD

No alto, o técnico Bernardinho: não dispensa a ajuda da tecnologia; acima, o supercanhão: ferramenta valiosa nos treinos; abaixo, André Rosendo: novas máquinas na oficina em São Caetano do Sul

AMANDA PEROBELLI

ção do saque, a bola vem lá do fundo, do lado oposto, e aí os passadores podem ficar treinando sistematicamente. É necessário alguém para ficar municiando, só botando bola no canhão, e ele vai cuspindo bola em uma velocidade compatível com aquilo que é praticado e, às vezes, até um pouco maior”, diz Salles. O início da adaptação das máquinas aconteceu há oito anos, com a criação do Centro de Desenvolvimento do Voleibol (CDV) na cidade de Saquarema, na região dos Lagos, a cerca de 100 quilômetros do Rio de Janeiro. As primeiras adaptações, na verdade, ocorreram nos aparelhos de musculação: “Desenvolvemos nossas máquinas de musculação. Tudo foi inspirado naquilo que já existia no mercado, mas fizemos alguns redimensionamentos devido à estatura e à força, características dos jogadores de voleibol. As máquinas aqui são bem grandes se comparadas às encontradas nas academias tradicionais. Tivemos que produzir esse equipamento”, conta o preparador físico da seleção. A adaptação foi fruto de pesquisa e, para isso, a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) solicitou o auxílio da Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, que passou informações sobre o dimensionamento dos aparelhos utilizados pelos atletas. Essa ajuda, dada por intermédio do Laboratório de Robótica, se estendeu mais tarde, de forma pontual, aos canhões de saque adquiridos no mercado e jamais considerados satisfatórios pelo treinador da seleção masculina e pelos profissionais que o acompanham. Para Bernardinho, fazer questionamentos sobre quais tipos de instrumento ou ferramenta poderiam ser desenvolvidos para se alcançar maior eficiência nos treinamentos sempre foi uma característica das equipes que comanda: “Criamos uma máquina há um tempo que não tinha ainda a eficiência desejada, e ela foi sendo desenvolvida. Hoje, temos duas máquinas muito boas e continuamos desenvolvendo outras. A máquina deve ter uma boa força de propulsão


MEDALHA, MEDALHA, MEDALHA Um time que inova e não pára de vencer Liga Mundial

Olimpíadas

ANO

LOCAL

BRASIL

ANO

LOCAL

BRASIL

2001

Polônia

campeão

2004

Grécia

campeão

2002

Brasil

vice- campeão

2008

China

vice-campeão

2003

Espanha

campeão

2004

Itália

campeão

2005

Sérvia Montenegro

campeão

2006

Rússia

campeão

2007

Polônia

campeão

2008

Brasil

4° lugar

2009

Sérvia

campeão

2010

Argentina

campeão

2011

Polônia

vice- campeão

Fonte: Confederação Brasileira de Voleibol

Campeonato Mundial ANO

LOCAL

BRASIL

2002

Argentina

campeão

2006

Japão

campeão

2010

Itália

campeão

Copa do Mundo ANO

LOCAL

BRASIL

2003

Japão

campeão

2007

Japão

vice-campeão

2011

Japão

vice-campeão

World Grand Champions

Tudo começou com testes em canhões que não eram utilizados: “Colocamos a máquina em cima de caixotes e vimos que ficou perfeito. Então, eu construí outra, bem mais alta, para atender a essa necessidade”, conta Rosendo, ressaltando que o novo aparelho pode ser usado também para levantar bolas que serão cortadas pelos atacantes na rede: “Posso trabalhar a defesa, com a máquina próxima à rede. Quem a estiver operando tem todos os movimentos para poder desenvolver um ataque onde quiser na quadra, com repetição e qualidade”. A novidade foi aprovada por Bernardinho: “Essa estrutura nova é bem alta e permite uma proximidade muito grande com a realidade. Na verdade, nós estamos dificultando a realidade. Ou seja, se um jogador russo tem um alcance de 3,8 metros, por exemplo, é preciso fazer com que a bola saia realmente do ponto de impacto que esse jogador tem sobre a bola. Estamos nos aprimorando para ficarmos o mais próximo possível da realidade e, quiçá, dificultando um pouco para que, quando nos defrontarmos com a realidade da partida, tenhamos alguns níveis de facilidade”, diz o treinador.

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ANO

LOCAL

BRASIL

2001

Japão

vice- campeão

2005

Japão

campeão

2009

Japão

campeão

NOVO MERCADO André Rosendo começou, em 2011, a vender seus produtos para outros clubes do voleibol brasileiro: “Cada vez há mais pedidos e estamos comercializando cada vez mais as máquinas”, comemora. Ele, que prefere não revelar por quanto vende cada aparelho, já pensa em crescer: “Trabalho na garagem do meu pai e toda família me ajuda. Mas, como o mercado está melhorando, estou pensando em montar uma empresa e começar a atender até mesmo outros esportes. Tenho projetos de máquinas para basquete e futebol”. Por enquanto, a realidade é continuar inovando: “Estou estudando o desenvolvimento de um aparelho para ajudar nos treinamentos de levantadores, ajudar no treinamento de continuidade, e soltar a bola sozinho, usando controle remoto. O treinador acionaria o controle remoto para lançar a bola na hora em que quisesse”, adianta Rosendo, que já apresentou o novo projeto à equipe de Bernardinho: “Sempre há o debate sobre novas máquinas que possamos vir a desenvolver”. A busca é constante: “A idéia é inovar. É preciso sair do conforto e gerar o desconforto e assim poder atender de forma eficiente a determinada necessidade. De repente, uma

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grande ideia pode não ser legal na prática, mas uma ideia mais simples pode ter um resultado superbacana. Por isso, é importante inovar sempre e buscar desafios e acrescentar ao esporte o que ele precisa. O alto rendimento cada vez mais exige muito treinamento e muita repetição, tudo isso com muita qualidade, para atingir o objetivo que é ser campeão. A diferença hoje é o detalhe. O que você fizer a mais vai fazer a diferença em competições como as Olimpíadas ou o Campeonato Mundial”, diz Rosendo. Figura requisitada para palestras em todo o Brasil, Bernardinho, por sua vez, ensina que todo projeto vencedor deve permanecer de olhos sempre abertos para a inovação: “Isso é o que a gente busca permanentemente com as máquinas e os aparelhos que usamos no CDV, em Saquarema. Inovar é fruto de um questionamento constante para que possamos ser mais eficientes nas nossas ações e melhorar ainda mais o nosso desempenho”, conclui.

INOVAR SEMPRE Antônio Rizola Neto, gerente de seleções da CBV, afirma que o alto nível alcançado pelo esporte no país pode ser explicado também pela busca permanente da inova-


Silvio Avila | CBV

Pesquisa e inovação evitam lesões

Eps, consuppl. Satio clerios inprat, vissermil co etisum te faccia? imus, vividin dius sulto et; es coere pro abis

ção em procedimentos, técnicas e equipamentos de treinamento e condicionamento dos jogadores: “A estrutura tecnológica é, com certeza, um dos fatores que auxiliam no crescimento do voleibol brasileiro. A CBV tem, historicamente, mantido processos inovadores e incentiva a pesquisa em todas as áreas que tenham relação com o esporte. Nossos técnicos buscam sempre o conhecimento científico”, diz. Na visão do treinador Bernardinho, os estudos e pesquisas sobre fisiologia são fundamentais para o desenvolvimento dos atletas de uma maneira geral, passando pelos clubes, pelas categorias de base e chegando às seleções nacionais: “A base de praticantes do voleibol no Brasil se ampliou muito e, com isso, se perde um pouco o controle da atividade. Até que ponto tem sido condizente e adequada a um jovem atleta em desenvolvimento? Existe uma busca pelo equilíbrio da força, uma busca pelo desenvolvimento das estruturas que geram suporte e previnem as lesões? Como isso é feito? Então, pesquisamos tudo isso para, por meio da pesquisa, desenvolver a metodologia que é passada e dividida com os clubes, com as estruturas que existem aí fora e formam os atletas, para que possam estar desenvolvendo atletas cada vez mais sãos”.

Bernardinho ressalta ainda que é muito importante a procura pelo equilíbrio durante a preparação física: “Não se pode só ficar buscando a performance e colocar em risco a integridade física do atleta. Isso tem acontecido de uma forma cada vez mais precoce e a gente vê atletas muito jovens já com lesões. Então, essa parceria com o Into, e tudo aquilo que vem para somar nesse aspecto de trazer maior segurança e maior longevidade para o atleta, é muito importante para todos nós”, diz o técnico supercampeão.

MARCADORES GENÉTICOS O mais recente projeto da CBV com o Into está sendo desenvolvido no Laboratório de Terapia Celular, coordenado pela professora Maria Eugênia Duarte: “É um trabalho que busca identificar marcadores genéticos das tendinopatias, as conhecidas tendinites. Naqueles atletas, jovens ainda, nos quais identificarmos o potencial de desenvolver uma tendinite, poderemos começar precocemente a gerar procedimentos que minimizem esse impacto. A genética nos ajuda a reconhecer antecipadamente essas questões. Temos a missão de gerar desempenho, e as lesões ortopédicas interrompem esse prosseguimento. Esses são

O voleibol brasileiro e a inovação também jogam do mesmo lado da quadra quando o assunto é o estudo da fisiologia dos atletas e a prevenção e o tratamento de lesões e contusões. Há oito anos, desde que foi criado o CDV, uma parceria entre a Confederação Brasileira de Voleibol e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) tem garantido o desenvolvimento de uma série de pesquisas experimentais nessas áreas, gerando conhecimento e produzindo informação. A gestão da parceria fica a cargo de José Inácio Salles, o preparador da seleção masculina de vôlei e também diretor do Laboratório de Pesquisa Neuromuscular do Into: “Pesquisamos as perturbações do controle do movimento no cérebro e elaboramos condutas para poder minimizar esse impacto. Os resultados dessas pesquisas são aplicados, sobretudo, nos procedimentos de preparação física. Isso mudou muito o nosso conceito de trabalho”. Hoje, a tecnologia é uma importante aliada na preparação dos atletas: “Temos algumas estruturas dentro do próprio treinamento que sinalizam precocemente se, por exemplo, está sendo instalado em determinado atleta um potencial patológico no âmbito ortopédico. Isso nos permite tratar e cuidar com antecedência e evita a situação de o jogador se machucar, ficar três semanas fora e perder todo o nível de condicionamento adquirido”, diz Salles.

problemas que há 20 anos interrompiam carreiras de jogadores de vôlei”, observa José Inácio Salles. A equipe técnica comandada por Bernardinho está em permanente sintonia com a Divisão de Pesquisa do Into, de onde surgem os estudos aplicados no condicionamento dos craques do nosso vôlei: “Para ser validada, a pesquisa tem que ser submetida a um comitê de ética, em seguida registrada no Ministério da Saúde e publicada em revistas de grande impacto internacional. No Into temos toda essa estrutura administrativa como também os equipamentos. Na realidade, o nosso papel é incentivar outros parceiros, outros colaboradores, no sentido de atender as demandas de treinamento e preparação dos atletas”, diz Salles. No constante trabalho de pesquisa, revela ele, a CBV tem na academia sua principal aliada: “Buscamos orientar os estudantes dos programas de pós-graduação, mestrado e doutorado. Esse é o pessoal que carrega o piano. Mostramos as questões que existem para serem investigadas e que podem ser objeto de teses. Ajudamos também na orientação dos estudos e das pesquisas, além de fornecermos toda a infraestrutura para as pesquisas”. (MT)

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Direto de Berlim, alemanha Flávio Aguiar correspondente flavio-aguiar@t-online.de

A malária do professor Falcíparo e a busca da vacina

De paletó branco e gravata, o professor Falcíparo e seus discípulos da Costa do Marfim em 1996: vítima das mosquitinhas

A doença continua matando, mas uma nova vacina pode chegar até 2014 m pedido inesperado. A jovem pesquisadora, de prancheta, papel e lápis na mão, sentou-se ao lado de minha cama e disse: – Agora o senhor vai me contar tudo o que fez na Costa do Marfim. O pedido me surpreendeu. – Tudo? perguntei, como para ganhar tempo. Ela foi taxativa: – Tudo. E eu contei. Esse diálogo se passou dias depois do Natal de 1996, num quarto do hospital da Universidade de São Paulo, onde eu estava internado depois de um ataque gravíssimo de malária, que quase me matou. Graças à minha boa memória, à minha fidelidade à pergunta e à argúcia da jovem pesquisadora, foi determinado que eu fora infectado com um tipo de malária ainda inexistente no Brasil, entre as 18:00 e às 18:30 (hora local) de 3 de dezembro daquele ano, na periferia de Abidjã, centro econômico da Costa do Marfim, onde eu estivera dando aulas de Literatura Brasileira durante um mês. Lá eu fora com minha anfitriã, a professora Maria José dos Santos, comprar verduras numa chácara, para um jantar que ofereceríamos a alguns colegas naquela

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noite. E lá eu fora picado pelos anopheles, os ínfimos mosquitinhos (ou as mosquitinhas, pois só as fêmeas se alimentam de sangue) que transmitem a doença.

PAPAI NOEL NO HOSPITAL De volta a São Paulo, o surto se manifestou 16 dias depois, no dia 19: um febrão de 39 a 41 graus, dores de cabeça e pelo corpo, sobretudo nas juntas, suores em abundância (lençóis encharcados), calafrios, perda de apetite, mais ou menos de 12 em 12 horas. Fui ao Hospital Universitário dois ou três dias depois de os sintomas aparecerem. Em princípio, me disseram, aquilo poderia ser uma virose. Insisti: estivera na Costa do Marfim, zona de malária, queria fazer o exame. Colheram sangue, e mandaram para a Superintendência do Controle de Endemias (Sucen) do Estado de São Paulo. Parece que em meia hora fizeram o diagnóstico: eu contraíra um tipo novo da doença, um novo responsável, chamado de falcíparo resistente, porque resistia aos remédios tradicionais, à base de quinino e derivados. Com o risco de transmissão, mandaram uma ambulância me buscar. Mas eu me mudara recentemente. Não me acharam. A Sucen e a direção do hospital cogitaram mandar a Polícia Militar atrás de mim. Ainda bem que não o fizeram, ou

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a PM não me achou. Já pensaram se eu saísse do edifício onde eu morava então, escoltado pela PM, e explicando aos vizinhos: “Não se preocupem, é só malária”? No dia seguinte, ao comparecer ao HU para saber do exame, fui recebido na portaria: “Ah, é o senhor que está com malária?” Assim fiquei sabendo do diagnóstico. Eu, que era professor de Letras, virei literatura médica. O caso já corria mundo. Como era Natal, passei três dias delirando, na companhia de Papai Noel e suas renas. O HU, a USP e a Sucen foram muito legais, e me salvaram. Mandaram buscar o remédio eficaz contra o falcíparo, fabricado por um laboratório no Japão. Em 24 horas o remédio chegou, em 72 horas eu estava curado. Quer dizer: com seis quilos a menos, amarelado, com o rosto chupado, e pela primeira vez conseguindo comer com apetite. Um sintoma da gravidade de meu estado foi que, nesse dia em que não tive febre pela primeira vez (26 ou 27 de dezembro), achei a comida do hospital saborosíssima. Um dia depois, veio a mocinha com suas perguntas indiscretas, mas eficazes.

780 MIL MORTES POR ANO Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a malária provoca 780 mil óbitos por ano, sobretudo na África. Al-


arquivo pessoal

gum tempo atrás, esse número era de um milhão. A diminuição se deve ao combate ao mosquito, sobretudo, e a campanhas sanitárias de esclarecimento e prevenção. No Brasil, o número também vem diminuindo. A malária ataca principalmente na Amazônia, em três das quatro subespécies conhecidas do protozoário plasmodium, o principal responsável: falcíparo, vivax, malariae e ovale (esse só dá na África). Segundo o Programa Nacional de Controle da Malaria, do Ministério da Saúde, em 1999 a doença ocorria com “alto risco” em 160 municípios brasileiros; em 2008 esse número caiu para 67. Em 1999 os municípios de “médio risco” eram 119 e em 2008 eram 79. De “baixo risco” eram 513 em 1999, e 388 em 2008. Os municípios com maior número de casos eram Porto Velho, Manaus e Cruzeiro do Sul. Em 2000 houve 243 óbitos por malária, só 67 em 2008. Embora no Brasil o maior número de casos se localize ao Norte, e mundialmente a malária seja conhecida como uma doença tropical ou subtropical, não há área que seja considerada completamente infensa à doença, cuja erradicação estaria condicionada à produção de uma vacina eficaz. As buscas por uma vacina se intensificaram a partir de uma guerra: as opera-

ções de uma força tarefa da ONU (com tropas, sobretudo, dos Estados Unidos e do Canadá) na Somália, em 1990 e 19921994. Essas operações de “pacificação” foram consideradas um fracasso, porque a sua eficácia foi reduzida pela incidência de malária entre os soldados, entre outras doenças e causas. A partir daí, o governo norte-americano começou a incentivar a pesquisa.

UMA VACINA POSSÍVEL Hoje a principal fonte de pesquisa é uma fundação privada em Seattle (EUA), a Bill e Melinda Gates Foundation, que, nos últimos anos, investiu US$ 300 milhões num produto chamado RTS,S. Este se provou, até agora, a mais eficaz forma de vacina já produzida. Aplicada, sobretudo, em crianças africanas da Tanzânia, Gana, Moçambique e outros países subsaarianos, a vacina revelou-se eficaz em 47 % dos casos, percentual considerado ainda insuficiente, mas promissor. Até 2014 a Fundação pretende aplicar mais US$ 100 milhões na pesquisa. O principal laboratório envolvido, o GlaxoSmithKline, se comprometeu a vender o produto a países em desenvolvimento a preço de custo mais 5%, que, segundo

ele, serão reaplicados em novas pesquisas contra a doença. A principal dificuldade para a obtenção da vacina é que o protozoário responsável muda constantemente de “forma”, digamos. Como ocorreu com o tipo que peguei, o tal falcíparo resistente, que se desenvolveu, sobretudo, por causa dos tratamentos incompletos que muitas vezes as pessoas se autoaplicam. Além disso, no mais das vezes ele se oculta e se reproduz, durante seu ciclo, no fígado humano, onde é difícil atacá-lo sem ameaçar seriamente o próprio órgão. Em 2014 será feita uma avaliação final sobre se o RTS,S estaria pronto para ser lançado no mercado. Em caso positivo, haveria uma revolução na área, sendo uma vacina eficaz contra um “não-vírus”. E uma esperança renovada para milhões de seres humanos, sobretudo crianças, na África, mas também no Brasil. De minha parte, retornei à Costa do Marfim em 2000, para novo curso de literatura brasileira, e mais tarde fui também ao Quênia e à África do Sul. Porém, nada de ir comprar verduras ao entardecer. Passei a usar sistematicamente manga comprida, paletó ou casaco, meia e sapato, para evitar o mosquito. Mas isso não impediu que alguns colegas passassem a me chamar, carinhosamente, de professor Falcíparo.

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Direto do texas, estados unidos João Valentino correspondente joaovalentino@abcdmaior.com.br

Depois do petróleo e do álcool, a vez das algas Americanos descobrem que as algas dos mares, dos rios e até dos esgotos podem o último dia 7 de novembro, um avião da United Continental voou de Houston a Chicago, aqui nos Estados Unidos, com uma novidade no tanque. Parte do querosene havia sido produzida com algas, um biocombustível alternativo mesclado ao tradicional. As algas são conhecidas, de um jeito ou de outro, em nosso dia-a-dia: envolvem as peças do sushi, são usadas como base de alimento para peixes criados em ceveiros, irritam a pele de banhistas nas praias e proliferam nas represas Billings e Guarapiranga, quando a poluição da água aumenta, e então exalam um desagradável cheirinho que se espalha pela atmosfera da Grande São Paulo. Mas elas também são usadas em cosméticos, cantaria, materiais odontológicos, antioxidantes, cápsulas de remédios, complementos alimentares e colorantes, entre tantos outros fins que as envolvem num negócio mundial de centenas de bilhões de dólares. Sabe-se também que sua concentração, a certo momento da história geológica, acabou se transformando, com a paciente ação dos milênios, em jazidas de petróleo. Desde os primeiros instantes de conscientização da progressiva redução dos níveis do combustível fóssil, o que popularizou o ameaçador rótulo “não renovável”, porém, começou a se falar em biocombustível, feito de variados insu-

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mos, como a cana-de-açúcar no caso brasileiro desde os anos 1970, ou o milho, no norte-americano, pouco mais recente. Há menos tempo, também se usa o azeite de feiras, botecos e biroscas, saturado na fritura de coxinhas, pastéis e porções de camarão. Mas isso tem sido pouco para a Humanidade, que alcançou recentemente a incontável soma de 7 bilhões de seres, muitos deles verdadeiros carburadores indiretos de gasolina e outros líquidos inflamáveis. Agora, entretanto, que a cada minuto se assusta com a redução dos níveis das reservas do chamado ouro negro e já se especula a data em que ele será completamente esgotado do seio da terra, e dos fundos dos mares, os olhares científicos se voltam mais e mais a uma de suas matérias-primas, como sempre abundante no planeta: as algas. O tópico, ou a commodity, já conta com revistas técnicas, organizações, centros de biotecnologia, encontros internacionais e empresas associadas. Num primeiro olhar, são muitas as vantagens de seu uso. De início, alimentos, como milho e açúcar, deixariam de ser consumidos por motores. Depois, elas podem ser cultivadas em terrenos estéreis e descartados pela agricultura. Também, são riquíssimas em biomassa energética, facilmente manipuladas geneticamente, reproduzem-se de modo estrondoso, podendo se duplicar em quatro ou cinco horas, e o combustível

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extraído de seu corpo, quando queimado, não emite monóxido de carbono, o vilão do aquecimento global. Esses são alguns aspectos apontados por Jerry Brand, professor da Faculdade de Ciências Naturais da Universidade do Texas, responsável por um setor de pesquisa da instituição que mantém o maior acervo de algas vivas do mundo, com culturas de mais de 2.800 espécies. Segundo Brand, para processar as vantagens das algas na linha de produção, de modo que elas impactem positivamente a economia e, digamos, o bem-estar das pessoas, as pesquisas nos Estados Unidos atuam no momento em várias frentes. Entre elas, destacam-se o desenvolvimento e aperfeiçoamento de biorreatores para o seu cultivo (que pode se dar, em alguns casos, em águas de esgoto), métodos de extração de seu óleo e estudos em genética molecular para alterações de sua composição química, tornando-as assim mais densas em materiais energéticos. Mas não são poucos os obstáculos a serem ainda superados. Conforme lembra o pesquisador, há desafios que podem fugir ao controle, como o desenvolvimento de outros organismos no mesmo ambiente, a proliferação de predadores (animais microscópicos), o surgimento de doenças por bactérias ou vírus e fatores abióticos, como a temperatura. E todos teriam de ser tratados numa situação nova para a ciência: o cultivo de microorganismos em larga escala, que, como observa Brand, jamais foi


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se tornar um biocombustível feito na História; afinal, as experiências do tipo até hoje se limitam a laboratórios, para produção de remédios e vacinas, além de casos industriais bem mais simples, como a fermentação de bebidas. Com cenário promissor e ao mesmo tempo um tanto desconhecido, qual o futuro para a queima disseminada de algas transformadas? Para o professor Jerry Brand, nos próximos cinco anos já se sentirá onde tudo isso vai dar, período em que ele vê 30% de chances de um afloramento de interesse dos atores comerciais, ainda que se mantenha certo ceticismo na comunidade científica. Num prazo médio, ou nos próximos 25 anos, ele acredita em 80% de chances para um otimismo generalizado, impulsionado também pelo uso das algas na produção de grande variedade de alimentos. E depois de 2035? Surgiria consenso universal sobre seu uso nos mais diversos setores? Para Brand, a chance para isso é de 10%. Mas, por que essa queda repentina nas expectativas depois de uma subida vertiginosa? A resposta é simples: os avanços científicos permitem vislumbrar possíveis alternativas, como um sistema baseado no uso de energia solar, água e eletricidade, que captaria dióxido de carbono diretamente da atmosfera, para a qual devolveria oxigênio, e que teria ainda como produto uma massa de moléculas orgânicas, ricas em energia para a produção de combustível. Uma espécie de fotossíntese artificial.

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DIVULGAÇÃO

ponto de vista | Alexandre Abdal | Carlos Torres-Freire

Ciência e tecnologia para o desenvolvimento de São Paulo á no Brasil um ambien­ te propício para a combinação de ciência, tec­ nologia e inovação (C&T&I), o qual se converte em oportunidades de desenvolvimento. Um dos desafios para tanto é a utilização dos incentivos governamentais e mecanismos legais para pesquisa, desenvolvimento e inovação por parte do setor produtivo. Isso porque, apesar de vários incentivos e leis terem sido criados nos últimos dez anos (Lei do Bem, Lei de Inovação, programas da Finep, por exemplo), a sua utilização por parte do empresariado ainda está aquém do desejado. Uma forma de fomentar a utilização de tais incentivos à pesquisa e inovação é aperfeiçoar a articulação entre infraestrutura de ciência e tecnologia (universidades) e a inovação (empresas). Isso é essencial para a diversificação produtiva e para a concretização de um padrão de desenvolvimento com maior qualidade. No estado de São Paulo, especificamente, concentra-se o parque industrial e de serviços mais avançado e diversificado do país, o que é expresso em indicadores positivos de geração de valor, emprego, renda e qualificação da mão de obra. Teoricamente, muitas das empresas que mais poderiam se beneficiar dos incentivos à inovação estão em São Paulo. A análise da distribuição da infraestrutura de C&T no território ajuda a pensar como a articulação universidade-empresa pode ser estimulada ao

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revelar diferenças em termos de potencial de desenvolvimento. Isso porque padrões territoriais distintos pedem políticas públicas de desenvolvimento também distintas. Assim, as oportunidades existem, mas são diferentes no território. Em São Paulo, podemos identificar três tipos de áreas, segundo a intensidade de C&T. Em um primeiro plano, há a Região Metropolitana de São Paulo e a região de Campinas como aquelas que se destacam em muitos indicadores de C&T&I como: instituições de ensino superior, matriculados na pós-graduação, publicações científicas indexadas, investimentos em pesquisa e desenvolvimento, patentes, incubadoras e parques tecnológicos. As duas regiões formam a área de maior intensidade em C&T no estado e com a maior diversidade em termos de campos de conhecimento. Em um segundo plano, há quatro áreas intensivas em C&T, mas com especializações. Além de capacidade de absorção de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I), elas apresentam forte estrutura de ensino e expressiva produção de pesquisa (universidades, pós-graduação e publicações) em campos de conhecimento específicos. O Vale do Paraíba, liderado por São José dos Campos, é forte nas engenharias (aeronáutica, mecânica, espacial, eletrônica e computação). Em Botucatu e Piracicaba, os destaques são agricultura e veterinária. Já a região de São Carlos apresenta produção em ciên­cia da computação, física e quími-

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ca, além de engenharias (materiais, produção, elétrica e mecânica). Por fim, a faixa de Ribeirão Preto a Jaboticabal é forte nas ciências biológicas (biologia celular e molecular, bioquímica, biotecnologia, farmacologia e genética) e agronomia, zootecnia e veterinária. Um terceiro grupo abarca regiões menos desenvolvidas em C&T, mas que podem ser estimuladas, já que, em alguns municípios, há infraestrutura física (universidades e incubadoras) e, em outros, produção científica: o arco Centro-Oeste (Bauru, Marília e Assis); a faixa contornando a parte Norte do estado de São Paulo (de Franca a Presidente Prudente); por fim, uma área a Sudoeste, onde só há poucas instituições de ensino superior (Itapeva, Avaré e Ourinhos). Estímulos ao desenvolvimento devem ser pensados considerando as diferenças no território. No caso da articulação entre C&T&I, isso é essencial, uma vez que diferenças nas estruturas produtivas e de ensino e pesquisa são significativas no país. O Brasil parece caminhar na construção de instrumentos legais e institucionais que podem colocar C&T&I como motores do desenvolvimento. Nesse sentido, a análise mais cuidadosa na formulação de políticas públicas, observando, por exemplo, diferentes padrões territoriais, é bastante desejável. Alexandre Abdal e Carlos Torres-Freire são doutorandos em Sociologia na USP e pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).




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