A Fiscalidade como Instrumento de Recuperação Económica

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COORDENAÇÃO Sónia Monteiro Suzana Costa Liliana Pereira

Com a presente publicação, que surge na sequência da 1ª Conferência Internacional de Fiscalidade organizada pela Escola Superior de Gestão do IPCA, sob o lema “a fiscalidade como instrumento de recuperação económica “, pretende-se promover o debate e reflexão, académico e prático, do papel da Fiscalidade e da Justiça Tributária como instrumentos de política económicosocial e o seu papel num contexto de crise económica, assim como apresentar e discutir as medidas fiscais adoptadas em Portugal e noutros Estados membros da UE para responder à crise e promover a recuperação económica. Esta obra interessa especialmente a advogados, TOC, ROC, economistas, técnicos da Administração Tributária, académicos (professores, investigadores e estudantes) e outros profissionais ligados à Fiscalidade e ao Direito Tributário, nacionais e estrangeiros.

ISBN 978-972-788-374-5

www.vidaeconomica.pt http://livraria.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-374-5

9 789727 883745

A FISCALIDADE como INSTRUMENTO de RECUPERAÇÃO ECONÓMICA

O livro contém artigos especializados sobre “a fiscalidade como instrumento de recuperação económica”, incluindo as comunicações apresentadas na 1ª Conferência Internacional de Fiscalidade da ESG/IPCA, assim como as de outros especialistas convidados.

A FISCALIDADE como INSTRUMENTO de RECUPERAÇÃO ECONÓMICA


PREFÁCIO O livro que ora se dá à estampa é uma recolha de textos surgidos durante o primeiro ano de funcionamento do Curso de Mestrado em Fiscalidade da Escola de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. Estamos, pois, perante um Primeiro Volume. Tal explica a nossa opção em centrar estas linhas na realidade que é o estudo da Fiscalidade no IPCA, em detrimento de, como porventura seria mais apropriado, proceder à apresentação do conteúdo da obra. O Curso de Mestrado em Fiscalidade do IPCA é, antes do mais, resposta a uma necessidade sentida ao nível da região em que a Escola se situa e insere: a existência de oportunidades de formação mais avançada nesta área. Daí que importe começar procurando saber o que devemos entender por Fiscalidade, um conceito que todos empregamos mas que ninguém ousa definir com rigor. Acompanhando Casalta Nabais, diremos que, em sentido amplo, Fiscalidade é uma abordagem inter ou multidisciplinar dos impostos, tratando estes nos seus múltiplos aspectos – jurídicos, económicos, técnicos, institucionais, políticos e sociológicos, etc; num sentido mais estrito, refere-se preferencialmente a alguns destes aspectos. Sem pretender lograr a definição deste conceito, essencialmente polissémico, eu acentuaria o seguinte: a aplicação da lei fiscal é hoje feita, em primeira linha, por técnicos contratados pelos contribuintes, especialmente por aqueles que são titulares de empresas. Relativamente aos principais impostos, as tarefas tradicionalmente designadas por lançamento e liquidação não cabem mais à administrarão fiscal, salvo em situações patológicas. Os contribuintes (melhor, os técnicos ao serviço destes, pois a complexidade do normativo fiscal - aqui entendido no sentido mais


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A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica

amplo – exige, na sua aplicação, um conhecimento profissional) têm que conhecer a lei fiscal, mas têm, também, de saber como fazer a sua aplicação no caso concreto, muitas vezes em cumprimento de uma multiplicidade dos deveres de cooperação, em si mesmo muito complexos, que a lei impõe aos sujeitos passivos. É este contexto, é este aspecto, que, a meu ver marca, a abordagem do fenómeno fiscal (o estudo da Fiscalidade) feita no Curso de Mestrado em Fiscalidade do IPCA: estuda-se a lei fiscal na perspectiva da sua aplicação prática, feita por técnicos ao serviço dos contribuintes, no contexto de um feixe de relações jurídicas, simultaneamente dialogantes e potencialmente conflituosas, com a Administração Fiscal. A inter ou multidisciplinaridade que é essência da Fiscalidade esteve presente neste primeiro ano do Curso de Mestrado: no corpo docente, constituído por pessoas com formação diversificada em diferentes áreas; no corpo discente, constituído, na sua grande maioria, por pessoas com já assinaláveis carreiras profissionais, as quais foram capazes de expressar as preocupações para que esperavam resposta e, também, partilhar os seus diferentes saberes e experiências. A “resposta” da Escola não se limitou à escolaridade, em sentido estrito. Traduziu-se, também, em numerosas iniciativas complementares, visando a constante abertura à realidade, em permanente mutação, a sua análise sob diferentes perspectivas - jurídica, económica, sociológica, etc. –, como sejam conferências, seminários, debates, etc., muitos dos quais versando temas que extravasavam, em muito, o estrito âmbito curricular do Curso. Neste ponto, não podemos deixar de destacar o êxito que foi a 1ª Conferência Internacional sobre Fiscalidade, que teve lugar em Abril de 2010. Subordinada ao tema “ A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica”, juntou reputados especialistas estrangeiros e nacionais (sendo que várias das intervenções que, então, tiveram lugar estão recolhidas neste livro), num atestado à capacidade do IPCA em promover o debate, ao mais alto nível, de questões relevantes da actualidade, A abordagem multidisciplinar que a Fiscalidade supõe tem, no IPCA, uma outra tradução, que não podemos olvidar: o Centro de Investigação em Contabilidade e Fiscalidade. Pese embora a menor felicidade da designação (“Fiscalidade”, neste contexto, nada mais parece significar que Direito Fiscal), louva-se a preocupação, relativamente inédita entre nós, de estimular a investigação integrada destas duas áreas do saber, hoje umbilicalmente ligadas, desde logo porquanto a quantificação


Prefácio

contabilística do lucro é o primeiro passo na quantificação do rendimento empresarial sujeito a imposto. A obra que se segue é, pois, antes de tudo o mais, um testemunho, a juntar a tantos outros, do que foi a actividade do IPCA no domínio da Fiscalidade (dever de dar testemunho cujo cumprimento não pode ser minimizado, até porque não podemos esquecer que, numa escola pública, o estudo dos impostos implica dispêndio de receita obtida através de impostos). Mas a razão mais importante desta publicação é outra: os frutos do trabalho realizado seriam estéreis se não fossem dados a conhecer ao público, sendo que, certamente, serão muitos os interessados em aceder e utilizar a informação que, por esta via, lhes é transmitida. Nesta medida, esta publicação é serviço público. 2 - Ao prefaciarmos uma obra que, como vimos, é um testemunho, ainda que muito limitado, do que foi o primeiro ano da existência do Curso de Mestrado no IPCA, não podemos deixar de lembrar, ainda que só em breves palavras, a perda que para este Curso representou o falecimento do Sr. Prof. Doutor SALDANHA SANCHES. Saldanha Sanches protagonizou o início deste Curso: foi a ele que, merecidamente, coube proferir a lição inaugural. Mas foi, também, para colaborar com este Curso que Saldanha Sanches realizou um dos seus últimos esforços académicos: desejoso de participar na 1ª Conferência Internacional sobre Fiscalidade, mas consciente da impossibilidade da presença física, tentou estar connosco através de videoconferência. Mas a doença fatal que o minava nem esta forma de participação permitiu. Saldanha Sanches, seguramente, revia-se na forma como o fenómeno fiscal é estudado no IPCA, especialmente no – já assinalado – permanente diálogo entre o Direito e a Contabilidade. Não foi ele, entre nós, o pioneiro do estudo integrado destes dois saberes? Não foi ele quem dedicou alguns dos mais importantes textos que publicou a estas temáticas? Prosseguir nesta senda será, certamente, a melhor homenagem que esta Escola poderá fazer a Saldanha Sanches. 3 - Prefaciar uma obra é explicar, justificar ou apresentar a mesma. Não será o lugar para tentar antever o que serão (ou deverão ser) outras obras, ainda não escritas.

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A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica

Porém, atrevo-me a fazê-lo, com base na premissa de que este livro é o primeiro volume de uma colecção que, com o tempo, a Escola irá construir. Novas conferências internacionais (já em fase de projecto) e outros eventos do mesmo tipo fornecerão, certamente, parte do acervo de tais obras futuras. Mas, mais importante, uma Escola de Ensino Superior tem que ter como pilar essencial a investigação, o estudo, realizada no seu seio: primeiro, a investigação 16 Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade - Sistema de Normalização Contabilística levada a cabo pelos seus docentes, nomeadamente no âmbito da obtenção dos graus académicos e no quadro de “projectos” do Centro de Investigação; depois, mas não menos importante, a investigação levada a cabo pelos discentes, nomeadamente as teses a serem elaboradas pelos alunos do Curso de Mestrado, muitos dos quais não deixarão, por certo, de fazer reflectir em tais trabalhos escolares as preocupações eminentemente práticas que motivam o seu estudo da Fiscalidade. É - mais que um desejo - nossa firme convicção que os futuros volumes do projecto editorial que agora se inicia serão, essencialmente, actas da investigação autónoma realizada no seio do IPCA, as quais, por mérito próprio, irão ocupar lugar relevante na doutrina fiscalista nacional, numa senda iniciada por este primeiro volume que, agora, damos a conhecer.


ÍNDICE PREFÁCIO (Prof. Rui Morais) ......................................................................... 3

RESPOSTAS FISCAIS À CRISE NO ESPAÇO EUROPEU A CRISE FINANCEIRA E A RESPOSTA DA UNIÃO EUROPEIA: QUE PAPEL PARA A FISCALIDADE? António Carlos dos Santos........................................................................... 21 POLÍTICA FISCALEM TEMPO DE RECESSÃO Carlos Baptista Lobo I.

Introdução .......................................................................................... 43

II.

As estratégias de política fiscal 2008-2009............................................. 46

III. Os estabilizadores automáticos ............................................................. 64 OS BENEFÍCIOS FISCAIS E O REGIME COMUNITÁRIO DOS AUXÍLIOS DE ESTADO Liliana Pereira 1.

A União Europeia e Os Auxílios Concedidos pelos Estados-Membros: Enquadramento e Conceptualização.......................... 71 1.1. Enquadramento ............................................................................ 71 1.2. Conceptualização .......................................................................... 72

2.

A União Europeia e Os Auxílios Concedidos pelos Estados-Membros: Fundamentação e Regulamentação........................... 73 2.1. Fundamentação ............................................................................ 73 2.2. Regulamentação ........................................................................... 74


A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica

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3.

Os Auxílios Concedidos pelo Estado Português sob a Forma de Incentivos e Benefícios Fiscais: Conceptualização e Regulamentação .... 77 3.1. Conceptualização .......................................................................... 77 3.2. Regulamentação ........................................................................... 78

OS BENEFÍCIOS FISCAIS E O REGIME COMUNITÁRIO DOS AUXÍLIOS DE ESTADO Liliana Pereira I.

Introdução .......................................................................................... 83

II.

Dos benefícios fiscais, em geral ............................................................ 84 1. Conceito ........................................................................................ 84 2. Distinção de Figuras afins................................................................. 88 3. Os benefícios fiscais enquanto despesas fiscais .................................. 91

III. O regime comunitário dos auxílios de estado e as suas implicações nos benefícios fiscais ........................................... 93 1. Enquadramento ............................................................................... 93 2. O Princípio da proibição geral dos auxílios de Estado na UE ................ 95 IV. Conclusão ..........................................................................................113 A CRISE ECONÓMICA E O REGIME FISCAL DO CENTRO INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS DA MADEIRA Clotilde Celorico Palma 1.

Nota Introdutória ...............................................................................119

2.

Caracterização do regime fiscal do CINM ..............................................120 2.1 Um regime de auxílios de Estado ...................................................120 2.2 Um regime de tributação privilegiada .............................................122 2.3 Principais características dos regimes existentes..............................123

3.

Problemas recentes do CINM...............................................................127 3.1 A nível internacional......................................................................127 3.2 A nível interno ..............................................................................129

4.

O contributo do CINM para o desenvolvimento regional – principais dados económicos ................................................131

5.

A urgente necessidade de alteração do regime .....................................135

6.

Conclusões ........................................................................................137


Índice

LES MESURES FISCALES ANTI-CRISE ET LES AIDES AUX BANQUES EN BELGIQUE Jacques Malherbe 1.

Loi relative à la continuité des entreprises ...........................................142

2.

Droits de succession ...........................................................................146

3.

Lutte contre la fraude et l’évasion ........................................................148

4.

Mesures en matière de TVA.................................................................152

5.

Mesures incitatives de la relance économique en matière d’impôts directs ..............................................154 Section 1. Déductions de charges ........................................................154 Section 2. Reports de paiements et extensions de droits .......................156

6.

Mesures limitatives en matière d’impôts directs ....................................157

7.

Mesures régionales en matière d’impôts directs ....................................158

8.

Aides financières de l’Etat aux banques ................................................159

9.

Taxe nucléraire ...................................................................................162

Conclusion ................................................................................................163 MEDIDAS FISCALES PARA HACER FRENTE A LA CRISIS ECONÓMICA EN ESPAÑA César García Novoa I.

Introducción ......................................................................................167

II.

Medidas destinadas a fomentar la creación y el mantenimiento del empleo ..........................................170

III. La futura Ley de Economía Sostenible ..................................................171 III.1. El concepto de Economía Sostenible ...........................................171 IV. Las medidas de incentivos a las inversiones tecnológicas y de fomento de las energías renovables ...........................174 V.

Valoración del beneficio fiscal en el contexto de medidas fiscales para salir de la crisis .............................................178

VI. Medidas tendentes a minorar los incentivos a la construcción y a la adquisición de viviendas.............................................................179 VII. Medidas relativas al IVA .....................................................................181 VIII. Medidas destinadas a la lucha contra la morosidad ...............................183

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A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica

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VIII.1. Concepto de morosidad y formas de afrontarla según el ordenamiento jurídico vigente .....................................183 VIII.2. La Ley de lucha contra la morosidad en las operaciones comerciales. Logros e insuficiencias ...............184 VIII.3. Efectos previstos en la Ley para el incumplimiento de la obligación de pagar en plazo ......................186 IX. Medidas fiscales contra la morosidad. Especial referencia a las normas relativas al IVA. ..................................189 EL DERECHO FINANCIERO Y TRIBUTARIO EN LOS UMBRALES DEL SIGLO XXI: LAS MEDIDAS DE APOYO A LAS EMPRESAS ADOPTADAS EN ESPAÑA ANTE LA CRISIS ECONÓMICA Jaime Aneiros Pereira 1.

Introducción ......................................................................................195

2.

La tipología de medidas adoptadas para reactivar la economía ..................................................................196

3.

2.1

Los principales cambios en la regulación como medida de apoyo a la economía........................................196

2.2.

Iniciativas en materia financiera.................................................199

2.3

La respuesta fiscal de los países de la Unión Europea ..................201

El sistema tributario español ante la crisis económica ............................206 3.2

4.

5.

Los incentivos fiscales condicionados en los impuestos que gravan el beneficio empresarial ...........................211

Los incentivos para el cambio de modelo productivo: los beneficios fiscales para las actividades de I+D+i .............................218 4.1

La reducción del rendimiento por obtención de ingresos procedentes de la propiedad industrial .......................................219

4.2

Las deducciones en la cuota del Impuesto sobre Sociedades. ......221

Medidas tributarias para facilitar la liquidez de las empresas ..................222 5.1

El uso del criterio de caja ..........................................................223

5.2

La deducibilidad de los impagados .............................................223

5.3

Los pagos fraccionados sobre el beneficio del periodo. ................224

5.4

La reducción del plazo para modificar la base imponible del IVA en los supuestos de impago............................225

5.5

El sistema de devolución mensual en el IVA................................226


Índice

5.6 6.

El aplazamiento y fraccionamiento de las deudas tributarias ........228

Conclusiones ....................................................................................228

EL SISTEMA TRIBUTARIO ESPAÑOL ANTE LA CRISIS INMOBILIARA Carmen Ruiz I.

Introducción ......................................................................................233

II.

La finalidad extrafiscal de los tributos ..................................................234

III. Deducción de vivienda en el Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas..................................................238 IV. El IVA en la rehabilitación de viviendas ................................................241 V.

El tratamiento en el IVA de los empresarios dedicados a la rehabilitación de edificios y viviendas ............................245

VI. Conclusiones ......................................................................................247 Bibliografía ...............................................................................................248 LA FISCALIDAD Y LA SOCIEDAD DEL CONOCIMIENTO COMO VÍA DE SALIDA DE LA CRISIS: TRIBUTACIÓN DE LA TRANSFERENCIA DE TECNOLOGÍA Soraya Rodríguez Losada 1.

Introducción ......................................................................................251

2.

Régimen jurídico-tributario de la transferencia de tecnología .................252

3.

2.1.

Transferencia de conocimientos patentados: patentes y modelos de utilidad ..................................................252

2.2.

Transferencia de conocimientos no patentados: know-how .........................................................255

2.3.

Prestaciones de asistencia técnica..............................................261

2.4.

Contribuciones a gastos de I+D.................................................266

La sociedad del conocimiento como vía de salida de la crisis..................272

AS (NOVAS) CONTRA-ORDENAÇÕES CONTABILÍSTICAS E AS GARANTIAS DAS ENTIDADES SUJEITAS AO SNC Suzana Fernandes da Costa 1.

Introdução ........................................................................................279

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A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica

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2.

As novas contra-ordenações contabilísticas ..........................................280 2.1. Art.º 14.º, n.º 1 do DL n.º 158/2009.............................................280 2. 2. Art.º 14.º, n.º 2 do DL n.º 158/2009 ...........................................282 2.3. Art.º 14.º, 3 do DL n.º 158/2009 ..................................................284

3.

Contra-ordenações contabilísticas e garantias das entidades sujeitas ao SNC ............................................285 3.1. Questões procedimentais .............................................................285 3.2. O concurso com as contra-ordenações tributárias...........................287

Conclusões ...............................................................................................288 Bibliografia: ..............................................................................................288 BREVES NOTAS SOBRE O PLANEAMENTO FISCAL, AS SUAS FRONTEIRAS E AS MEDIDAS ANTIABUSO Patrícia Anjos Azevedo 1.

Introdução .........................................................................................293

2 . Planeamento fiscal .............................................................................295

3.

2.1.

Questões preliminares...............................................................295

2.2.

Planeamento fiscal legítimo .......................................................296

2.3.

Planeamento fiscal abusivo, agressivo, excessivo ou elisão fiscal ....297

2.4.

Planeamento fiscal ilícito (fraude/evasão fiscal) ...........................299

Medidas antiabuso..............................................................................300 3.1.

Generalidades ..........................................................................301

3.2.

Cláusula geral antiabuso ...........................................................301

3.3.

Análise de algumas cláusulas específicas antiabuso .....................303

3.4.

Reflexos, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) ............................307

4. Conclusões............................................................................................308 Bibliografia ...............................................................................................310 A DESIGNADA «RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS COLECTIVAS E EQUIPARADAS» NO CONTEXTO DO PRESENTE ORDENAMENTO JURÍDICO LUSO E DO «REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES RIBUTÁRIAS» Gonçalo S. de Melo Bandeira 1.

Introdução .........................................................................................316


Índice

2.

1.1.

As «organizações» e o cometimento de infracções ......................318

1.2.

A relação entre os presentes art. 7.º do RGIT e art. 11.º do CP .....320

O art. 7.º do RGIT: para uma primeira análise sintética .........................322 2.1.

O art. 7.º do RGIT: para uma segunda análise sintética ...............322

2.2.

Os requisitos da responsabilidade das «organizações» delimitados pelo art. 7.º, n.º 1 e n.º 2, do RGIT .........................324

2.3.

A infracção deverá ser praticada por um órgão ou representante da «organização» ............................324

2.4.

A infracção deverá ser praticada em nome e no interesse colectivo, rectius, no interesse da «organização» ........................328

2.5.

O agente não pode praticar a infracção contra instruções ou ordens expressas de quem de direito.....................332

3.

A designada «responsabilidade civil pelas multas e coimas» ..................339

4.

Breves conclusões ..............................................................................342

A IMPORTÂNCIA DO CÓDIGO CONTRIBUTIVO COMO INSTRUMENTO DE RECUPERAÇÃO ECONÓMICA Duarte Abrunhosa e Sousa 1.

Introdução ......................................................................................351

2.

Código Contributivo e a convergência de legislação avulsa ..................351

3.

Código Contributivo e as alterações mais relevantes ...........................352

Bibliografia ...............................................................................................365

IMPACTO DAS ‘REFORMAS’ NA RECUPERAÇÃO ECONÓMICA O IMPACTO DO REGIME JURÍDICO-FISCAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA ECONOMIA: BREVES CONSIDERAÇÕES NACIONAIS E DE DIREITO FISCAL COMPARADO Glória teixeira • Teresa Antunes 1.

A propriedade intelectual – história e funções .....................................369

2.

A propriedade intelectual no direito português – breve enquadramento ..................................................370

3.

A função da propriedade industrial na recuperação económica e o seu reverso – a propriedade industrial como entrave ao desenvolvimento .....373

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A Fiscalidade como instrumento de recuperação económica

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4.

O impacto dos impostos no desenvolvimento de um país: o caso da propriedade intelectual e industrial em Portugal ...................375

5.

A perspectiva de direito fiscal comparado ...........................................378

Conclusões ...............................................................................................380 O MODELO DE GOVERNAÇÃO DAS SOCIEDADES E A FISCALIDADE Dino Almeida 1.

Introdução .......................................................................................385

2.

Os princípios básicos da governação das organizações –sociedades ..........................................................389

3.

Modelos de Corporate Governance .....................................................391

4.

Mecanismos de redução do risco da corporate governance ..................392

5.

O papel dos auditores externos .........................................................393

6.

A Lei SARBANES-OXLEY (SOX)...........................................................394

7.

CONCLUSÕES ...................................................................................398

Bibliografia ..............................................................................................400 Bibliografia adicional ..................................................................................405 Outras publicações consultadas ..................................................................405 O SISTEMA DE INVENTÁRIO PERMANENTE (POC VS. SNC E CIRC) Joaquim Fernando da Cunha Guimarães Introdução ................................................................................................409 1.

Algumas referências históricas ...........................................................410

2.

Definições de “inventário” e de “inventário permanente” .......................412

3.

Breve análise complementar ao dl 44/99, de 12 de fevereiro .................414

4.

O “SIP” no SNC ................................................................................417

5.

Comparação do SIP (POC vs. SNC) ....................................................417

6.

A aplicação prática do SIP .................................................................422

7.

O “SIP” e a revisão/auditoria às contas ..............................................423

8.

O “SIP” e os métodos indirectos ........................................................427

Conclusões ...............................................................................................429


Índice

FISCALIDADE NO IMOBILIÁRIO: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Abílio Marques 1.

Celebração do contrato .....................................................................433 1.1. No âmbito do IMT ......................................................................433 1.2. No âmbito do IVA ......................................................................434 1.3. No imposto do selo ....................................................................434 1.4. Na contabilidade e no IRC ..........................................................435

2.

Opção de compra no final do contrato, ...............................................435 2.1. No IMT .....................................................................................435 2.2. No IVA ......................................................................................436

3.

Cedência da posição contratual do locatário........................................436 3.1. IMT ..........................................................................................436 3.2. IVA ..........................................................................................436 3.3. IRC ...........................................................................................437

4. 5.

Aquisição do imóvel antes do final do contrato....................................437 Rescisão do contrato .........................................................................438 5.1. IMT ..........................................................................................438 5.2. IVA ...........................................................................................438 5.3. IRC ...........................................................................................438

6.

Não opção de compra no final do contrato .........................................439

7.

O Leaseback ....................................................................................439 7.1. No âmbito do IMT ......................................................................439 7.2. No âmbito do IVA.......................................................................439 7.3. No imposto do selo ....................................................................440 7.4. Na Contabilidade e no IRC ..........................................................440

O TRATAMENTO DOS IMPOSTOS DIFERIDOS NO ÂMBITO DO SNC José de Campos Amorim Introdução ................................................................................................443 1.

Enquadramento do imposto diferido ...................................................444

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Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade - Sistema de Normalização Contabilística

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2.

Base tributável dos elementos do activo e do passivo por impostos diferidos ...................................................445

3.

O reconhecimento de activos e passivos por impostos correntes ..........446

4.

O reconhecimento de passivos e de activos por impostos diferidos .......447 4.1. Diferenças temporárias, diferenças definitivas e diferenças tempestivas .............................................................447 4.2. Diferenças temporárias tributáveis .............................................449 4.3. Diferenças temporárias dedutíveis ...............................................451 4.4. A contabilização dos efeitos dos impostos correntes e dos impostos diferidos .............................................................452 4.5. Compensação entre activos e passivos por impostos correntes e entre activos e passivos por impostos diferidos .........................454

5.

O imposto diferido e a sua relação com os elementos do activo e do passivo ...........................................455

6.

Reconhecimento de activos e passivos por impostos diferidos ..............456 6.1. Situações de activos por impostos diferidos .................................456 6.2. Situações de passivos por impostos diferidos ...............................459

Conclusão .................................................................................................462 A ADOPÇÃO DO JUSTO VALOR NO SNC: BREVE REFLEXÃO FACE À CRISE FINANCEIRA Sónia Maria da Silva Monteiro INTRODUÇÃO ...........................................................................................467 1.

Breve caracterização do Sistema de Normalização Contabilística...........................................................468

2.

O Justo valor como base de mensuração de alguns activos.......................................................475 2.1. Activos fixos tangíveis e activos intangíveis (NCRF 7 e NCRF 6) .....475 2.2. Activos não correntes detidos como detidos para venda ................479 2.3. Propriedades de investimento .....................................................481 2.4. Activos biológicos .......................................................................484 2.5. Instrumentos financeiros /Investimentos financeiros .....................486

3.

O Justo valor e crise nos mercados ....................................................488

Conclusão .................................................................................................491 Bibliografia ...............................................................................................493


A crise financeira e a resposta da União Europeia: que papel para a fiscalidade?

A CRISE FINANCEIRA E A RESPOSTA DA UNIÃO EUROPEIA: QUE PAPEL PARA A FISCALIDADE? ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS Prof. da UAL. Jurisconsulto. Membro do Gabinete de Estudos do GETOC, o SOCIUS/ ISEG e do IDEFF/FDL. Colaborador do IDEFE/ISEG.

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1. Ao longo das últimas décadas difundiu-se na Europa uma visão demasiado optimista da situação económica mundial. O discurso das instituições europeias louvava o crescimento, sem precedentes na história, da economia internacional e dos mercados mundiais, nos últimos 25 anos, sem, ao mesmo tempo, referir que tal crescimento não decorria de um processo linear, sem crises, com enorme incremento de desigualdades na Europa e no mundo, pois nem todos os países, regiões, estratos e classes sociais beneficiaram do mesmo modo desse crescimento. Uma visão demasiado optimista turvava a percepção da realidade, a ponto de, por exemplo, o próprio Parlamento Europeu, instituição que, dada a sua composição e legitimidade democrática, pretende ser um foro de debate atento ao mundo, só ter dado pelos sinais da actual crise financeira e económica em Outubro de 20081. Um outro sinal significativo: as Orientações Gerais de Política Económica da União Europeia para o período 2008-2010 eram praticamente omissas em relação à crise2. Ora não só a actual crise se desencadeia, como veremos, muito antes de 2008, como, de certo modo, vivemos, de há muito tempo a esta parte, em plena sucessão de crises, as últimas das quais ligadas aos custos da energia e à subida dos preços dos bens alimentares e das commodities 3. Com efeito, desde o fim do acordo de Bretton Woods (1971) e da emergência das crises petrolíferas dos anos setenta que a economia mundial é assolada por crises permanentes4. Apenas para citar algumas das mais recentes, lembremos as 1. PARLAMENTO EUROPEU, Crise financeira: a resposta do Parlamento Europeu (disponível na internet): “A crise financeira mundial, que começou a dar sinais em Outubro de 2008, teve um impacto brutal a vários níveis” (itálico nosso), e Relatório sobre o plano de relançamento da economia Europeia, de 17 de Fevereiro de 2009 (2008/2334 (INI)), considerando A (disponível na internet). 2. Recomendação do Conselho 2008/390/CE, de 14 de Maio de 2008, sobre as orientações gerais para as políticas económicas dos Estados-Membros e da Comunidade (2008-2010) [Jornal Oficial L 137 de 27.05.2008]. 3. No estudo de Luc LAEVAN e Fabián VALENCIA, “Systemic Banking Crisis: A New Database”, IMF, Working Paper nº 08/224, 2008, refere-se que, desde finais da década de oitenta do século passado, se registaram 121 crises financeiras, com efeitos em 101 países. 4. WIBAUT, Serge (in “Quelles leçons tirer de la crise financière”, Regards économiques, décembre 2008, n.º 64, p. 2) chama justamente a atenção para a relação das crises com o desmantelamento dos acordos de Bretton Woods, conjugado com a resolução do problema da valorização das opções


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crises que eclodiram em países asiáticos (Indonésia, Singapura, Japão), em países latino-americanos (México, Brasil, Argentina), em países africanos (Etiópia) e mesmo nos Estados Unidos da América, com o crash bolsista de 1985 e a crise do dot-com de 2000-2001. Mas como as primeiras irromperam longe dos países do centro do capitalismo mundial, sem os atingir profundamente, e as segundas foram debeladas com maior ou menor rapidez, gerou-se, no pensamento económico dominante, a convicção de que as crises estariam superadas, não atingiriam o Velho Continente ou que seriam fenómenos de relativamente fácil controlo e resolução5. Não admira, assim, o espanto com que a actual crise foi recebida por organizações internacionais, pelos Estados e pela maioria dos economistas e financeiros de formação neoliberal6. Como era possível irromper, nos dias de hoje, uma crise tão profunda que evocava a grande depressão de 1929-1931?7 2. A União Europeia (UE) não estava preparada para uma crise desta profundidade, uma crise que desafiava os próprios fundamentos da União Económica e Monetária (UEM). As suas instituições levaram imenso tempo a reagir e fizeram-no de forma tímida e pouco eficaz. Ainda hoje estão por aprovar muitas medidas que, no plano político, foram avançadas em Outubro de 2008. Tudo se passava como se a crise analisado por Black, Merton e Scholes em 1973. Estes factos estiveram na base do incrível desenvolvimento dos produtos financeiros derivados, como forma de prevenção da incerteza decorrente de taxas de câmbio variáveis, instrumentos sofisticados que as empresas não dominam e, muitas vezes, não compreendem e que ajudaram a desencadear a crise de 2008. 5. Sobre estas crises e o papel desempenhado pelo Fundo Monetário Europeu, é útil a leitura dos livros de Joseph Stiglitz, La Grande Désillusion, Paris: Fayard, 2002 e Quand le capitalisme perd la tête, Paris: Fayard, 2003. Vide ainda o livro iconoclasta de Georges SOROS, La crise du capitalisme mondial. L’intégrisme des marchés, Paris: Plon, 1998. 6. Referimo-nos ao conglomerado teórico decorrente de teorias desenvolvidas no quadro da economia neoclássica que engloba, como sublinha LOPES, J. Silva (in As políticas orçamentais de combate à presente crise económica, FERREIRA, E. Paz et alii (org.), Conferência Crise, Justiça Social e Finanças Públicas, IDEFE/ Almedina, 2010, p. 41) as teorias do monetarismo, das expectativas racionais, dos ciclos reais, do princípio da equivalência ricardiana e da eficiência dos mercados financeiros. Estas teorias – escreve o mesmo autor – “terão dado origem a exercícios matemáticos sofisticados que valeram prémios Nobel aos seus autores, mas assentam sobre hipóteses sem correspondência com a realidade, escolhidas por forma a facilitarem a manipulação matemática ou para corresponderem às preferências ideológicas das correntes neoliberais dominantes”. Sobre o véu ideológico que impediu a leitura dos sinais da actual crise, cf. o meu artigo, entretanto publicado, “A ciência económica e a crise de 2007/8 -20??: Crónica de um terramoto anunciado”, Revista da OTOC, n.º 122, Maio 2010, pp. 63-66. 7. Há, contudo, muitas diferenças entre a actual crise e a de 1929. No plano dos valores, uma das mais significativas é a forma como as falências eram sentidas pelos empresários. Na crise de 1929, as falências estavam associadas à ideia de desonra, sendo, por isso, muito comuns os suicídios.


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fosse algo exterior à economia e às finanças europeias, a que estas permaneceriam imunes. O forte abrandamento da economia americana não se transmitiria à Europa. E quando a crise e o seu brutal impacto já não podiam ser ocultados, a questão mais importante parecia ser a de encontrar a forma mais rápida de regressar aos tempos antes da crise, crismados de estratégia para o pós-crise. Um dos traços da dificuldade de a UE encarar a actual crise é a ausência de reflexão teórica consistente sobre o tema. A crise, cujo principal desafio no plano financeiro é hoje o cerceamento do crédito e, no plano económico, o aumento do desemprego decorrente da redução da actividade económica, é quase sempre vista como resultante da crescente falta de confiança dos agentes económicose dos mercados financeiros, com a consequente quebra no investimento, a que acresceria a permanência de políticas monetárias laxistas, o incremento do risco ligado ao crédito à habitação politicamente imposto e certos desequilíbrios macroeconómicos do passado. Sem pôr em causa a relevância de factores psicológicos ou políticos no exacerbar da crise, choca a desistência do pensamento económico dominante em procurar a explicação da crise em factores de natureza essencialmente económica. Como se a crise fosse o resultado de elementos exteriores ao funcionamento do sistema e não algo de intrinsecamente inerente às economias capitalistas8. 3. A simples evocação da cronologia da crise mostra quão tardia foi a reacção europeia9. Em Fevereiro de 2007, o Banco HSBC anuncia uma queda dos lucros devido a aumento de provisões por créditos imobiliários duvidosos; em 2 de Abril, a New Century Financial, instituição ligada ao subprime, declara falência, após ter despedido anteriormente metade dos trabalhadores10; em 17 de Julho, o banco de 8. A literatura sobre a actual crise é já abundante, embora desigual. A título de exemplo, destacamos, com perspectivas distintas, ARTUS, P. et alii, La crise des subprimes, Rapport du Conseil d’Analyse Économique, La Documentation Française, 2008; KRUGMAN, Paul, The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008, Allen Lane, 2008; SOROS, George, O Novo Paradigma para os Mercados Financeiros, A crise de crédito de 2008 e as suas implicações, Coimbra: Almedina, 2008; WOLF, Martin, Fixing Global Finance, Yale University Press, 2009; ALEXANDRE, F. et alii, Crise Financeira Internacional, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009. 9. Consultem-se, a este respeito, as cronologias estabelecidas por ALEXANDRE, F. et alii, Crise Financeira Internacional, op. cit., e por ARTUS, P. et alii, La crise des subprimes, op. cit. Note-se, aliás, que, como escreve WIBAUT, Serge, “Quelles leçons tirer de la crise financière”, op. cit., p. 2, a crise do subprime começou, em regra, em finais de 2006 e desenrolou-se lentamente ao longo de 2007 e 2008 num cenário de “slow crash”. 10. O termo subprime designa um tipo específico de crédito imobiliário hipotecário que se desenvolveu nos últimos anos nos EUA e que comporta um alto risco, uma vez que se destina a famílias

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investimento americano Bear Sterns anuncia a total perda de valor de dois dos seus fundos devido à crise do subprime; em Agosto, dá-se uma primeira intervenção do Banco Central Europeu (BCE) no mercado monetário; em Setembro, o Northern Rock pede ajuda ao Banco de Inglaterra e regista-se a primeira corrida a depósitos desde 1866; em Outubro verificam-se perdas nos bancos UBS, Citygroup e Merrill Lynch, tendo o FED reduzido a taxa de juros; em 6 de Dezembro, Bush aprova um plano de urgência de 150 mil milhões de dólares, seguido em Janeiro de um plano de relançamento económico para ajudar 1,2 milhões de famílias endividadas; em Fevereiro, dá-se a nacionalização do Northern Bank, em Março, a falência do Carlyle Capital Corporation, em Julho, a falência do IndyMac (4.ª maior falência na história dos EUA) e surge o plano americano de ajuda ao sector imobiliário. Tudo isto culmina, em Setembro, com a falência do Lehman Brothers e a compra do Merryill Lynch. Só depois de todos estes acontecimentos ocorria o primeiro importante sinal de alarme dado pelo CONSELHO ECOFIN de 7 de Outubro de 2008, na sequência da segunda-feira negra (no dia 6) para as bolsas mundiais. As conclusões deste Conselho alertavam, enfim, para a necessidade de uma reacção imediata às turbulências financeiras, aumentando a solidez e a estabilidade do sistema bancário, de forma a restabelecer a confiança e o bom funcionamento do sistema financeiro11. São os seguintes os princípios de orientação e coordenação da acção da UE e dos Estados-Membros (EM) enumerados por este Conselho: as intervenções deveriam ser oportunas e o apoio, em princípio, temporário; os EM deveriam estar atentos aos interesses dos contribuintes; os accionistas deveriam suportar as consequências normais da intervenção; os EM deveriam estar em condições de introduzir alterações no plano da gestão; os gestores não deveriam conservar lucros indevidos, podendo

financeiramente frágeis. As quebras nos pagamentos por parte de muitas dessas famílias provocaram efeitos em cadeia com repercussões negativas no sector bancário e nos mercados financeiros. 11. Conclusões do Conselho ECOFIN de 7 de Outubro de 2008 (até há pouco tempo disponíveis na internet no sítio do Conselho http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressdata/pt/ecofin/103568.pdf). Anteriormente a esta data, devemos apenas salientar, ainda em 2007, algumas intervenções do BCE no mercado monetário ou a sua participação num acordo de concessão de crédito com as autoridades monetárias dos EUA, Canadá, Reino Unido e Suíça. Não se desconhece também que o ECOFIN do Porto, em 16 de Setembro de 2007, havia mandatado o Comité Económico e Financeiro para analisar formas de incrementar a transparência dos instrumentos e das instituições financeiras, de melhorar os processos de gestão do risco e estudar o papel das agências de rating. Mas as conclusões dos Conselhos ECOFIN de Outubro de 2007 e de Fevereiro de 2008 revelam que a crise não era ainda vista como uma verdadeira prioridade.


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os governos ter a possibilidade de intervir a nível das remunerações; deveria ser protegido o interesse dos concorrentes, em especial através das regras dos auxílios de Estado, e, finalmente, deveriam ser evitados efeitos de propagação negativos. A prevenção do risco sistémico tornava-se assim muito mais importante do que garantir o princípio liberal do risco moral (moral hazard). Em 12 de Outubro, efectuou-se a reunião dos Chefes de Estado e de Governo do Eurogrupo destinada a dar o aval a um plano coordenado para fazer face à crise12. As conclusões do Conselho Europeu do Luxemburgo de 15 e 16 de Outubro vieram confirmar as orientações consagradas no Eurogrupo13. Este plano começou a ganhar contornos em 25 de Outubro, com a definição das orientações sobre auxílios estatais às instituições financeiras, em particular dos critérios relevantes para a determinação da compatibilidade desses regimes com o Tratado da União Europeia14. São assim definidos critérios para outorga de garantias que cubram o passivo das instituições financeiras, para a introdução de regimes de recapitalização dessas mesmas instituições, bem como para a sua liquidação controlada15.

12. Cfr. Summit of the Euro Area Countries, Declaration on a concerted European action plan of the Euro area countries (disponível na internet). 13. Cfr. 2894th Economic and Financial Affairs, Council Conclusions on a coordinated EU response to the economic slowdown (disponível na internet). 14. Ao abrigo do então n.º 3, alínea b), do artigo 87.º, hoje, n.º 3, alínea b), do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Cf. COMISSÃO, Comunicação (2008/C 270/02) sobre Aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas adoptadas em relação às instituições financeiras no contexto da actual crise financeira global, JOCE C 270, de 25 de Outubro de 2008, p. 8 e ss. Esta comunicação foi seguida de uma outra destinada a dar orientações aos EM relativas à forma como a recapitalização dos bancos devia ser efectuada, de modo a assegurar níveis adequados de empréstimo ao resto da economia e estabilizar os mercados financeiros, sem provocar excessivas distorções de concorrência. Cf. COMMISSION, Communication on the recapitalisation of financial institutions in the current financial crisis: limitation of the aid to the minimum necessary and safeguards against undue distortions of competition, OJ. C 10 , 15.01.2009. 15. Em 3 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Financeiro (in First horizontal assessment of national Economic Recovery Programs Budgetary and structural policies), ao fazer um balanço dos auxílios estatais concedidos ao sector financeiro, referia que cerca de 6% do PIB da UE havia sido injectado nesse sector, a título de recapitalização ou de apoio à liquidez, e que o valor das garantias prestadas ascendia a cerca de 19% do PIB da UE. O Comité alertava ainda para os défices e os níveis da dívida pública dos EM estarem a aumentar muito rapidamente e para a necessidade coordenar estratégias de saída que tivessem em conta o princípio da consolidação orçamental.

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4. A crise financeira arrastou uma grave crise económica. Um segundo vector do plano da Comissão foi a aprovação de um quadro de acção europeu tendo em

vista a retoma económica16. Neste documento a Comissão assinalava que a crise financeira se mantinha e estava mesmo a degenerar numa grave desaceleração da economia no seu conjunto, afectando as famílias, as empresas e o emprego. Previa ainda que os choques que abalavam a economia europeia reduziriam a taxa potencial de crescimento a médio prazo e, de modo significativo, o crescimento em 2009 e 2010. E que, como os investidores estavam a evitar o risco, a produtividade iria ser sujeita a pressões e a inovação poderia ressentir-se. Neste contexto, o quadro de acção e de enquadramento global de retoma económica na UE deveria assentar numa estratégia concertada e coordenada desenvolvida em 3 frentes: 1ª. Uma nova arquitectura dos mercados financeiros a nível da UE, prosseguindo os esforços que tiveram em vista retirar o sector financeiro europeu da situação de crise, e iniciar uma reestruturação do sector bancário, como fase preparatória para o regresso dos bancos nacionalizados ao sector privado, comprometendo-se a Comissão, neste quadro, a trabalhar com os EM no reforço da regulamentação e da supervisão do sector. Ao mesmo tempo, foram apresentadas pela Comissão propostas relativas às garantias de depósitos e aos requisitos dos fundos próprios, bem como à compensação do risco de efeitos pró-cíclicos da regulamentação e das normas de contabilidade. A estas propostas seguir-se-iam outras sobre as agências de notação de crédito (rating) e sobre a remuneração dos quadros executivos, sobre a supervisão dos mercados de capitais e da gestão do risco dos instrumentos derivados, dos fundos de retorno absoluto (hedge funds) e dos fundos de capitais de investimento (private equity). Por sua vez, o grupo De Larosière ocupar-se-ia da definição do modelo regulamentar e do sistema de supervisão das grandes instituições financeiras internacionais.17 16. COMISSÃO, Da crise financeira à retoma: Um quadro de acção europeu, COM (2008) 706 final, Comunicação de 29.10.2008. 17. Jacques de Laroisière, antigo director do FMI, foi nomeado por Durão Barroso, em 8 de Outubro, presidente de um grupo de alto nível para decidir como supervisionar mais eficazmente, a nível europeu e global, as instituições financeiras globais, até então supervisionadas, principalmente, no plano nacional. Este relatório foi apresentado publicamente em 25.02.2009. Cfr., na internet, sob o título The High-Level Group on Financial Supervision on the EU, Report.


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2.ª. Medidas para enfrentar os impactos da crise na economia real e para relançar a actividade económica e a retoma, fomentando o emprego e a procura. 3ª. Uma resposta mundial à crise, em coordenação com o G8 e com o G 20, e incluindo a colaboração com o Fundo Monetário Internacional (FMI), disponível para intervir com financiamentos de emergência.

5. Este quadro de acção seria concretizado, em 26 de Novembro de 2008, por um Plano de Relançamento da Economia Europeia (PREE) 18. A filosofia de acção deste plano assentava nas ideias de solidariedade e justiça social (apoiar os mais carenciados; proteger o emprego; reduzir os custos humanos), na promoção da confiança dos consumidores e na definição de novas oportunidades, bem como na cooperação entre UE e EM, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), revisto em 2005, e da Estratégia de Lisboa. O plano propunha uma resposta anticíclica de carácter macroeconómico, para evitar uma recessão profunda. Não sendo a UE um espaço económico, político e social homogéneo, nem dispondo de um verdadeiro governo económico nem de um orçamento equivalente ao dos Estados federais (bem longe disso), não era tarefa fácil definir um plano de aplicação global. Com efeito, havia algumas economias em crescimento (ex: Polónia, Bulgária, Eslováquia e Roménia), ao lado da maioria em ponto morto ou mesmo em recessão técnica, havia economias com acentuada inflação (acima dos 10%, como a Bulgária, a Estónia e a Lituânia), enquanto outras se debatiam com problemas de deflação. Mesmo na Zona Euro, que, recorde-se, não é uma zona monetária óptima, havia situações e margens de manobra muito distintas entre os EM que a integravam. O PREE assentava em dois pilares, parecendo a lista das medidas propostas no segundo pilar mais um cardápio para escolha à la carte que um verdadeiro plano, uma vez que a maioria dos instrumentos para atingir os objectivos de relançamento 18. COMISSÃO, Plano de relançamento da economia europeia, Comunicação ao Conselho Europeu, COM (2008) 800, 26.11.08 e a nota de imprensa IP/08/1771, de 26.11.2008. Este Plano dirigia-se ao crescimento da actividade económica e do emprego, com vista a estimular a procura e a restabelecer a confiança na economia europeia. Previa-se que o esforço financeiro dos EM ascenderia a 3,3% do PIB da UE, previsão que, segundo TOMAZ, J. Amaral, deveria ser revista em alta, para uma percentagem superior a 4% (“Intervenção no painel Medidas orçamentais e fiscais anticrise”, publicada in FERREIRA, E. Paz et alii (org.), Conferência Crise, Justiça Social e Finanças Públicas, op. cit., p. 237.

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da economia e de evitar uma recessão profunda, em particular os que visam estimular a procura interna, estariam nas mãos dos EM. Assim, o primeiro pilar consistia numa injecção de poder de compra, acordado entre a UE e os EM, para fomento da procura até 1,5% do PIB da UE, dos quais 3% saídos dos orçamentos da UE e do Banco Europeu de Investimento (BEI). Esta injecção, destinada a fomentar a procura e a estimular a confiança, deveria ser, porém, efectuada no respeito do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), questão que tornava dificilmente exequível a proposta e, em muitos casos, se afigurava mais como um wishful thinking. O segundo pilar implicaria uma orientação prioritária da acção para investimentos inteligentes (qualificações, eficiência energética, tecnologias limpas, inovação e reforço da componente ambiental, acelerando a transição para uma economia de baixo carbono), para infra-estruturas (modos de transporte favoráveis ao ambiente que integrassem as Redes Transeuropeias, como o TGV), para as interconexões (redes de energia, redes de tecnologia de informação e comunicação, redes de investigação), de modo a reforçar a competitividade da UE a longo prazo, bem como a aceleração da execução dos fundos estruturais e a continuidade das reformas estruturais. O PREE define as condições monetárias e de crédito tendo em vista a estabilização do sistema bancário. Define o papel a desempenhar no combate à crise pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelos Bancos Centrais nacionais, em particular mediante a redução de taxas de juro e a concessão de empréstimos aos bancos, bem como do sistema bancário no apoio ao investimento na economia real e ainda do BEI e do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento no financiamento de actividades na UE e nos novos EM. O Plano traçava ainda as grandes linhas da política orçamental, incluindo a fiscal. No plano da política orçamental, previa que, no contexto dos orçamentos nacionais para 2009 e para além do papel dos estabilizadores automáticos, o estímulo orçamental coordenado, a fim de garantir um impacto substancial e rápido na economia e no emprego, atingisse 170 mil milhões de euros, representando 1,2% do PIB da UE19.

19. A expressão estabilizadores automáticos designa os estímulos à procura decorrentes da quebra das receitas tributárias e do incremento de determinadas despesas públicas, como, por exemplo, os subsídios de desemprego, em virtude da queda do PIB provocada pela crise. Segundo Teresa Ter-Minassian (“Intervenção no Painel Crise económicas e Políticas Públicas” in FERREIRA, E. P. et al. , Conferência, op. cit., p. 31), o impacto orçamental dos estabilizadores automáticos em percentagem do PIB seria (média anual 2008-2010) no G20 de -1,4 e no G20 – EU de -2,2.


A crise financeira e a resposta da União Europeia: que papel para a fiscalidade?

As despesas e/ou as reduções dos impostos incluídas no estímulo orçamental deveriam ser contudo coerentes com a flexibilidade proporcionada pelo PEC revisto e contribuir para as reformas estruturais da Estratégia de Lisboa20. Este estímulo deveria ser oportuno, temporário, bem orientado e coordenado. Os EM deveriam comprometer-se a inverter a deterioração orçamental e voltar a prosseguir as metas fixadas nos objectivos de médio prazo. 6. Neste quadro, que papel era reservado à fiscalidade? O PREE deveria orientar-se para os domínios prioritários da Estratégia de Lisboa (cidadãos, empresas, infra-estruturas e energia e investigação e desenvolvimento) e poderia socorrer-se de instrumentos ligados às receitas ou às despesas. Mas a COMISSÃO partiu de um princípio: “em termos gerais, as despesas públicas de

carácter discricionário terão impacto positivo mais forte a nível da procura a curto prazo do que as reduções de impostos. Este fenómeno prende-se com o facto de alguns consumidores preferirem poupar, em vez de gastar, a menos que as reduções de impostos sejam limitadas no tempo” 21. Mesmo assim, o PREE sugeria a adopção, consoante a margem de manobra dos EM, das seguintes medidas fiscais: •

Descida de impostos e contribuições para a Segurança Social pagas pelos empregadores para manter e criar postos de trabalho (emprego para os trabalhadores menos qualificados);

Descida da tributação sobre os rendimentos do trabalho (em particular, dos trabalhadores com mais baixos salários) para apoiar o poder de compra;

Redução temporária da taxa normal do IVA; aprovação da directiva que torna permanente a aplicação do IVA a serviços de trabalho temporário; proposta de taxas reduzidas de IVA para produtos e serviços ecológicos destinados a melhorar a eficiência energética dos edifícios;

20. De acordo com o PREE, o estímulo deveria ser conduzido no quadro do PEC (haveria uma expansão orçamental coordenada no âmbito da UE, mas as medidas que contribuem para o défice deveriam, a curto prazo, ser reversíveis, a médio prazo deveria haver uma melhoria das políticas orçamentais e, a longo prazo, reformas que contivessem o aumento das despesas relacionadas com o envelhecimento da população), devendo ser acompanhado de reformas estruturais necessárias para enfrentar algumas das causas da crise (ajustar os salários à produtividade, melhorar o funcionamento dos mercados para que houvesse descida de preços, introduzir maior flexibilidade em termos de duração do trabalho, efectuar uma redução da carga administrativa sobre as empresas). 21. Cfr. Plano, ob. cit., p. 10.

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COORDENAÇÃO Sónia Monteiro Suzana Costa Liliana Pereira

O livro contém artigos especializados sobre “a fiscalidade como instrumento de recuperação económica”, incluindo as comunicações apresentadas na 1ª Conferência Internacional de Fiscalidade da ESG/IPCA, assim como as de outros especialistas convidados. Com a presente publicação, que surge na sequência da 1ª Conferência Internacional de Fiscalidade organizada pela Escola Superior de Gestão do IPCA, sob o lema “a fiscalidade como instrumento de recuperação económica “, pretende-se promover o debate e reflexão, académico e prático, do papel da Fiscalidade e da Justiça Tributária como instrumentos de política económicosocial e o seu papel num contexto de crise económica, assim como apresentar e discutir as medidas fiscais adoptadas em Portugal e noutros Estados membros da UE para responder à crise e promover a recuperação económica. Esta obra interessa especialmente a advogados, TOC, ROC, economistas, técnicos da Administração Tributária, académicos (professores, investigadores e estudantes) e outros profissionais ligados à Fiscalidade e ao Direito Tributário, nacionais e estrangeiros.

ISBN 978-972-788-374-5

www.vidaeconomica.pt http://livraria.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-374-5

9 789727 883745

A FISCALIDADE como INSTRUMENTO de RECUPERAÇÃO ECONÓMICA

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