Seminário

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Seminário: O PAPEL DA CCJ NO PARLAMENTO MUNICIPAL

Realização



Presidente Deputado Heitor Schuch - PSB

Vice-Presidente Deputado Raul Pont – PT

Titulares Deputado Edson Brum - PMDB Deputado Giovani Feltes - PMDB Deputado Edegar Pretto - PT Deputado Dr. Basegio - PDT Deputado Marlon Santos - PDT Deputado Frederico Antunes - PP Deputado João Fischer - PP Deputado Ronaldo Santini - PTB Deputado Jorge Pozzobom - PSDB Deputado Raul Carrion - PCdoB

Suplentes Deputado Alexandre Postal - PMDB Deputado Márcio Biolchi - PMDB Deputado Adão Villaverde - PT Deputado Nelsinho Metalúrgico - PT Deputado Decio Franzen - PDT Deputado Gerson Burmann - PDT Deputado Ernani Polo - PP Deputado Mano Changes - PP Deputado Aloísio Classmann - PTB Deputado Lucas Redecker - PSDB Deputado Miki Breier - PSB



APRESENTAÇÃO

C

om este trabalho, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul vem apresentar à sociedade gaúcha e, em especial, aos vereadores, os conteúdos ministrados no Seminário “O papel da CCJ no Parlamento Municipal”. O evento foi realizado no dia 21 de junho de 2013, tendo como painelistas Dr. Eduardo K.M. Carrion – professor da UFRGS, explanando sobre a “Importância da CCJ no Parlamento Municipal”; Dr. André S.B. De Sousa – diretor do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (IGAM), falando sobre “Contraditórios dos Limites de Legislar” e Dr. Cezar Miola – presidente do Tribunal de Contas do Estado, sobre “A função da Controladoria do Legislativo Municipal e sua relação com o Tribunal de Contas do Estado”. Cada vez mais o povo que elege exige resultados concretos e o vereador é a primeira representação política a dialogar diretamente com a base da nossa sociedade, pois ele mora no município e os cidadãos e cidadãs podem bater na porta da sua casa para encaminhar os seus problemas e demandas e buscar respostas. A falta de sintonia entre a voz das ruas e a atuação dos legisladores e gestores públicos, em todos os níveis, foi uma das responsáveis pelas manifestações que de Sul a Norte e de Leste a Oeste estremeceram este país, demostrando a insatisfação de parcela significativa da nossa sociedade com a forma de fazer política, onde cada vez mais a transparência em todas as ações é fundamental para o fortalecimento do regime democrático. Entretanto, muitos legisladores, sejam vereadores, deputados e até senadores,


chegam aos parlamentos sem ter muita clareza das funções do mandato e, principalmente, sobre o que pode ou não fazer um parlamentar. Muitas das questões prometidas em campanhas eleitorais não são possíveis de serem realizadas porque não estão previstas na legislação e este desconhecimento acaba por impedir o bom desempenho da função do legislador. Mesmo na ânsia de atender à demanda das comunidade é preciso compreender que o vereador não pode resolver tudo, é preciso conhecer os limite que a lei impõe. O caminho para fazer com que os mandatos frutifiquem e os cidadãos sejam bem representados passa necessariamente pelo conhecimento, em que a principal palavra de ordem é estudar: estudar a Lei Orgânica do Município, estudar o processo Legislativo e estudar as Constituições Estadual e Federal. Como presidente da CCJ da Assembleia Legislativa, juntamente com os demais membros desta comissão, tendo o apoio da Presidência da Casa e do Espaço do Vereador, realizamos este seminário para atender também as inúmeras demandas que recebemos de vereadores eleitos e reeleitos.

Deputado Heitor Schuch Presidente da CCJ


INTRODUÇÃO

A

Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Heitor Schuch, realizou pioneiramente o Seminário “O papel da CCJ no Parlamento Municipal”. Contou com apoio da ALRS, Escola do Legislativo e Espaço do Vereador.

A presente iniciativa foi fundamental para atualizar os atuais vereadores e ao mesmo tempo servirá como subsídios as futuros pretendentes na representação legislativa e a compreensão pela sociedade das funções obrigações, deveres e direitos, enfim limites e aspectos constitucionais, processo legislativo e jurídico na arte de legislar e fiscalizar. Destaco o trabalho feito pela TV Assembleia na cobertura do evento e na possível apreciação por todos das películas da abertura do evento e das palestras realizadas. Importante somarmos esforços e compartilharmos o conhecimento para o futuro de nossas comunidades, afim de termos certeza da aplicação do esforço humano e dos recursos públicos. Tenho certeza que vamos qualificar mais a política gaúcha. Contamos com vocês.

Vanderlan Vasconselos Coordenadoria da CCJ


VÍDEOS

Abertura - Presentes o Presidente da CCJ Deputado Heitor Schuch, o Vice-Presidente da AL/RS Deputado Paulo Odone, o Presidente da Escola do Legislativo Deputado Mano Changes e, representando a Câmara Federal, o Deputado José Stédile.

http://youtu.be/YTo1KJywwFA

Palestra - Contraditórios dos Limites de Legislar - Dr. André Leandro Barbi de Souza, Advogado e Diretor do IGAM (Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos).

http://youtu.be/DszrCczdYRs

Palestra - A Importância da CCJ no Parlamento Municipal - Dr. Eduardo Carrion, Professor de Direito Constitucional. Parte1:

http://youtu.be/DDbBLURvZD4 Parte1I:

http://youtu.be/NERFhHV9Rww

Palestra - A Função Controladora do Legislativo Municipal e sua Relação com o Tribunal de Contas de Estado - Conselheiro Cezar Miola, Presidente do TCE.

http://youtu.be/Fot6rFT1ba8


PALESTRAS



Seminário: O PAPEL DA CCJ NO PARLAMENTO MUNICIPAL

MANHÃ 21/06/2013

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Senhoras e senhores, bom dia. Damos início, neste momento, ao seminário O Papel da Comissão de Constituição e Justiça no Parlamento Municipal, uma realização da Assembleia Legislativa por meio da Comissão de Constituição e Justiça, do Espaço do Vereador e da Escola do Legislativo. O objetivo deste seminário é debater o papel dos vereadores e dos procuradores dos Municípios diante da legislação vigente, discutindo os limites da competência legislativa frente às demandas da sociedade atual. Compõem a mesa de abertura o Exmo. Sr. Vice-Presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Odone; o Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Heitor Schuch; o Exmo. Sr. Subprocurador-Geral de Justiça, Dr. Marcelo Lemos Dornelles, neste ato representando o Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, Dr. Eduardo de Lima Veiga; o Exmo. Sr. Presidente da Escola do Legislativo, deputado Mano Changes; o Exmo. Sr. Deputado Miki Breier; o Exmo. Sr. Diretor de Controle e Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, Sr. Victor Luiz Hofmeister. Saudamos as Sras. e os Srs. Vereadores; os representantes da imprensa; as senhoras e os senhores presentes. Convidamos a todos para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional. (Ouve-se o Hino Nacional.) Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Convidamos a fazer uso da palavra o Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Heitor Schuch.

Deputado Heitor Schuch

O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Muito bom dia, vereadoras, vereadores, assessores que estão conosco. Como presidente da CCJ, quero saudar, com muita alegria, o presidente em exercício da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Odone; o subprocurador-geral de justiça, Dr. Marcelo Lemos Dornelles, aqui representando o Dr. Eduardo de Lima Veiga; o colega deputado Miki Breier; o presidente da Escola do Legislativo, deputado Mano Changes; o representante do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. Victor Luiz Hofmeister.

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Agradeço a presença de todos os participantes deste seminário. Quando marcamos este seminário, há mais ou menos 90 dias, tínhamos só uma certeza: nesta data, teríamos o dia mais curto e a noite mais comprida do ano, afinal começaria o inverno. Não imaginávamos que as ruas falariam do jeito que estão falando, não sabíamos das manifestações que aconteceriam neste período – aliás, em função desses movimentos, há muitos colegas no caminho, pois há rodovias trancadas. Diante disso, é importante, antes de mais nada, dizer que, no Rio Grande do Sul, temos em torno de 5 mil vereadores e vereadoras. Trata-se de uma enorme representação política. Qualquer cidadão sabe onde mora seu vereador. Se não sabe onde mora, sabe onde trabalha, sabe onde encontrá-lo. Talvez seja essa proximidade que faz com que a função da vereança seja tão dura, tão difícil de ser exercida, até porque os nossos eleitores cada vez exigem mais resultados, resultados concretos. E é também por isso que, a cada eleição – os números mostram isto –, temos muitas renovações, tanto no Parlamento Federal como nos Parlamentos Estaduais e nas Câmaras de Vereadores. O que acontece é que muitos, quando chegam ao Parlamento – e me incluo nisso –, não sabem exatamente quais são suas funções como vereador ou deputado. De nada adianta termos respaldo popular, voto na urna e representatividade se não tivermos a informação e o conhecimento para o desempenho da nossa função de legislar. Mais do que qualquer coisa, precisamos estudar, saber de cor e salteado a Lei Orgânica do Município, a Constituição Estadual, a Constituição Federal e outras legislações específicas para exercer a nossa função de propor e fazer leis, bem como de fiscalizar o cumprimento delas e representar bem as cidadãs e os cidadãos que nos elegem. Não raras vezes, vejo vereadores de primeiro mandato chegarem com muito ânimo e grande ímpeto à Câmara de Vereadores, cheios de ideias, propostas e projetos, mas a primeira coisa que lhe é dita pelo assessor jurídico é esta: Isto é inconstitucional. E aquele ânimo vai desaparecendo. Diante disso, como presidente da CCJ desta Assembleia Legislativa, propomos este seminário. Até onde o vereador pode ir? Qual é o limite? O Dr. Eduardo Carrion, professor da UFRGS, especialista nessa área, certamente nos ajudará a compreender tudo isso. A Constituição é o limite? É o freio? Depois de tudo o que estamos assistindo nas

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ruas, será que a nossa Constituição ainda é o que efetivamente rege a nossa sociedade ou também já está defasada? Também vamos ter aqui a oportunidade de ouvir o Dr. André Leandro Barbi de Souza, do IGAM. Afinal, qual é o nosso papel? Não podemos legislar sobre matéria tributária. Não podemos legislar sobre matéria administrativa. Quem dirá mexer no orçamento! O que podemos fazer então? Contaremos ainda, na parte da tarde, com a presença do presidente do Tribunal de Contas do Estado, conselheiro Cezar Miola. Temos a convicção de que muitos dos erros da administração pública se dão muito mais por desinformação do que por má fé. Queremos nos aproximar dos acertos, e não dos erros. Por isso, que possamos sair deste encontro com mais informações e conhecimento para exercer a função de parlamentar, que não é só parlar, que não é só fazer discurso da tribuna, mas que tem também esse viés do preparo, do estudo, da sabedoria de interpretar o clamor da sociedade e apresentar propostas de legislação ao nível dos nossos Municípios. Como presidente da Comissão de Constituição e Justiça desta Assembleia, dou as boas-vindas a todos. Agradeço-lhes o esforço de estarem aqui. Que possamos ter um bom seminário, mesmo sem a presença de tantos quantos se inscreveram, já que muitos acabaram desistindo devido às situações que referimos anteriormente. Que vocês que estão aqui possam voltar mais preparados para a verdadeira função do parlamentar. Muito obrigado. Um grande abraço.

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Neste momento, ouviremos S. Exa. o Sr. Vice-Presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Odone.

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Deputado Paulo Odone

O SR. PAULO ODONE – Saúdo o caro presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Heitor Schuch; o Sr. Subprocurador-Geral de Justiça, Dr. Marcelo Lemos Dornelles, neste ato representando o Sr. Procurador-Geral de Justiça, Dr. Eduardo de Lima Veiga; o Sr. Presidente da Escola do Legislativo, deputado Mano Changes; o Sr. Deputado Miki Breier; o Sr. Diretor de Controle e Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, Sr. Victor Luiz Hofmeister; e o Dr. Eduardo Carrion. Pediu-me o presidente Pedro Westphalen que, na função de vice-presidente da Assembleia, eu o representasse neste ato, pois S. Exa. não poderia estar hoje em Porto Alegre. Vou continuar essa missão, recebendo na presidência o Corpo Diplomático. Como disse o deputado Heitor Schuch, este seminário foi planejado há 90 dias, e não esperávamos que coincidisse com este momento quente da política, vou dizer assim. Esses protestos de iniciativa da sociedade civil fazem com que todos observemos este momento com preocupação, ou animação, ou esperança. Há os que os veem positivamente, esperando que disso possa surgir um avanço no nosso sistema político, mas também nos trazem para uma reflexão sobre o papel do parlamentar, do vereador e dos partidos políticos.

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Não se conhece sistema democrático que não seja estruturado em torno ou através dos partidos políticos. A primeira atitude nossa é bater no peito e dizer: Olha, erramos; nós, políticos ortodoxos dos partidos que estão aí, da direita à esquerda, do poder à oposição, erramos; em alguma coisa, frustramos a sociedade civil, tanto que ela nos diz isso das ruas. Ao mesmo tempo, pela experiência histórica, sabemos que, sem os partidos políticos e um sistema de representação, não vamos garantir a democracia no nosso País. Espera-se que todos possam, de uma forma ou outra, respeitando inclusive os atos sem participação partidária, evoluir logo em seguida para fazer com que essas manifestações se transformem em avanço, e não em atraso, pois as forças retrógradas poderão aproveitar-se disso. Minha geração já viveu uma ditadura e não gostaria de viver essa experiência de novo. Se hoje tenho a oportunidade de falar para vocês, vereadores, sobre a nossa postura, digo-lhes que ela não pode ser outra. Vocês são os primeiros a receber a pressão popular, a legítima pressão popular. Vivi experiências de parlamentar há mais tempo. Fui vereador em Porto Alegre também. Fui vereador junto com o deputado Ibsen Pinheiro – ele era o presidente da CCJ, e eu era o vice. Na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, participávamos de uma experiência muito interessante. Os projetos de lei enviados à CCJ para ser apreciados – a CCJ é uma espécie de filtro nos Parlamentos – eram acompanhados de um parecer da Procuradoria Jurídica daquela Casa. Então examinávamos o projeto e o parecer; derrubávamos ou confirmávamos o parecer, dando, pela CCJ, viabilidade ou não ao projeto. Aqui na Assembleia não vivemos isso, como sabe o deputado Heitor Schuch, presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Aqui o projeto é distribuído a um relator, e nós vamos discutir o projeto. O que é mais crítico para nós, para vocês? Na Câmara de Vereadores, muito discutia isso com o Ibsen – até divergíamos, às vezes. Nossa Constituição Federal, nossa Constituição Estadual e a maioria das Leis Orgânicas dos Municípios castraram a possibilidade, por parte dos Parlamentos – Câmaras, Assembleias e o próprio Congresso –, da iniciativa de leis que possam dizer inclusive com os programas sociais a serem executados. Sobrou muito pouco para a iniciativa legislativa,

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e é essa a frustração de quem vem para esta Casa, por exemplo. Talvez seja maior ainda a frustração de quem está lá na rua, dizendo: Vocês não estão construindo nada de novo que nos atenda diretamente. Quase não podemos mexer no orçamento; não podemos propor nada que se transforme em lei e signifique algum tipo de despesa para o Estado. Se de um lado temos de festejar a Lei da Responsabilidade Fiscal e a Lei da Responsabilidade Social, de outro lado temos de lamentar que não se tenha tido mais abertura para permitir que a ebulição política e a expressão da vontade popular sejam mais incentivadas, possibilitando às Casas Legislativas avançarem mais. Quando a CCJ decide se um projeto de lei pode, ou não, tramitar nesta Casa – tem de saber se a proposta é inconstitucional ou não, se apresenta condições antijurídicas –, ela está tomando uma atitude muito séria. Diariamente vivemos aqui várias etapas. No ano passado, Dr. Carrion, discutimos – o deputado Heitor Schuch vai lembrar disto – se poderíamos propor programas de governo. Conclusão: programas, não; estaríamos interferindo na órbita do Executivo; isso implicaria a criação de despesas para implantá-los. Não importava que fosse um programa de saúde, ou de sanidade animal, ou de atendimento penitenciário. Tudo que era programa era considerado, até pela maioria da Casa, inconstitucional, sem possibilidade de tramitar na Casa. Quando se ousa apresentá-los em leis, seguidamente o governador os veta, considerando que a iniciativa não é do Parlamento. Quanto a esse aspecto, vocês, nós, a classe política, enfim, vamos ter de evoluir. Precisamos saber como as nossas Casa Legislativas – Congresso, Assembleias e Câmaras de Vereadores – vão poder expressar com muito mais autenticidade a expectativa da nossa sociedade civil. Certamente deveremos ter mais responsabilidade, inclusive na iniciativa das nossas leis, dos nossos projetos, dos nossos programas implementados. Acompanhei uma fase nesta Casa em que se fazia orgia das emendas indicativas ao orçamento. Apresentavam-se emendas, e, como não se tinha como designar a origem, dizia-se que eram indicativas, meramente. Evidentemente gerava constrangimento ao Executivo aquela lista de emendas que não serviam para nada, a não ser para afirmar a expressão política da Casa que tem a pluralidade dos partidos. Alguns viram que aquelas emendas indicativas estavam lá muito menos para responder ao anseio de determinadas fatias da sociedade do que para fazer clientelismo, ou

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seja, para carimbar propostas da ponte tal, da escolinha tal. Isso virava – vou usar uma expressão forte – instrumento de corrupção eleitoral. Por isso baniram-se as emendas ditas indicativas. O problema é que se perdeu o que poderia ser um instrumento por meio do qual as Casas Legislativas diriam ao Executivo: Olha, pretende-se que se implante esta e aquela política, que se atenda a isto e àquilo, que no orçamento não estão. Essas iniciativas limitadas – nas Câmaras mais ainda, porque o número de iniciativas tolhidas nas CCJs é enorme, bem como o número de vetos por inconstitucionalidade – deixam absolutamente frustrado o desempenho do mandato de um vereador. Mas se temos de controlar a constitucionalidade, temos também de ter o controle para que a Lei de Responsabilidade Fiscal cumpra seus objetivos. Se temos que ter isso, precisamos abrir aos legislativos a possibilidade de propor avanços sociais significativos. Tenho um projeto de minha autoria, que votaremos nesta Casa, sobre a cobertura de saúde, pelo IPE Saúde, aos pais que têm dependência econômica absoluta de seus filhos e ganham, no máximo, o piso dos funcionários públicos, portanto, numa situação quase de miséria, de pobreza. Isso cria despesas e sempre foi considerado, formalmente, como absolutamente inconstitucional. Foi alegado isso na nossa Comissão de Constituição e Justiça e felizmente foi vencido. Depois, três comissões de mérito seguidas, inclusive a de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle, aprovaram a lei. Por quê? Porque seu fundamento é assegurar os direitos fundamentais do homem. E saúde me parece ser um deles, mas tenho certeza de que há várias outras iniciativas que dizem respeito à vida além da saúde, como segurança e educação. Creio que não se pode privar os legislativos de terem iniciativas e de aprovarem suas regras, suas leis, instituindo programas e instrumentos diretos que atingem o interesse da sociedade civil. Ninguém representa mais a sociedade civil, no sistema democrático, do que os vereadores, sob cujo ônus, hoje, pesa a maior carga deste País. Quem mais suporta a saúde hoje, por exemplo, são os Municípios, que não têm os recursos que a União tem devido a carga tributária, que é pesada. Cumprimentando, mais uma vez, o deputado Heitor Schuch por esta iniciativa, desejo a todos um bom dia de trabalho. Com todos os problemas que tivemos de chuva, de interrupção de trânsito, temos, manifestamente, um bom público de vereadores, que estarão ávidos em ouvir as pessoas que trouxemos para um bom debate. Desejo um bom debate e um bom proveito. Sejam úteis. Espero que esta manhã 18

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sirva para darmos, pelo menos, um passo em busca daquilo que o movimento das ruas está pedindo. Muito obrigado.

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Agradecemos a presença do Exmo. Sr. Vice-Presidente desta Casa, que terá que se retirar em virtude de compromissos da agenda da presidência. Convidamos a compor a mesa o Exmo. Sr. Deputado Federal José Stédile, neste ato representando a presidência da Câmara dos Deputados, e o Exmo. Sr. Deputado Raul Pont. Convidamos a fazer uso da palavra o Exmo. Sr. Presidente da Escola do Legislativo, deputado Mano Changes.

Deputado Mano Changes

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O SR. MANO CHANGES – Bom dia a todos. Cumprimento e parabenizo o deputado Heitor Schuch pela iniciativa. Saúdo as autoridades presentes. Teremos mais um dia de trabalho voltado para a educação à cidadania, à democracia. Sem dúvida alguma, pelo que está acontecendo, pelo momento histórico que a nossa sociedade vive hoje, é importante criarmos mecanismos para aproximar a sociedade da política, porque hoje existe um inconsciente coletivo que traz um alerta para a sociedade, principalmente para os representantes públicos, que são eleitos por meio desta democracia, o que é uma conquista da nossa sociedade, da nossa Nação. E não vejo nenhuma possibilidade de regredirmos nesse sentido. Não temos uma educação política, no nosso País, a ponto de a sociedade lembrar em quem votou para vereador, para deputado, depois de quatro anos. Os índices são muito tristes, pois mostram que menos de 10% das pessoas lembram em quem votou. Isso demonstra como temos que evoluir politicamente para aproximar as pessoas do Parlamento. Acredito, deputado Heitor Schuch, que um seminário como este, com essas prerrogativas, no momento que estamos vivendo, tem tudo a ver, porque é uma oportunidade para os vereadores se capacitarem, se qualificarem, aproveitando este momento, esta estrutura pública da Assembleia Legislativa para ouvir o Sr. Marcello Dornelles, querido amigo, uma pessoa que admiro muito e é um guerreiro do nosso Ministério Público; o Sr. Eduardo Carrion, que vem aqui emprestar seu conhecimento para nos auxiliar; o Dr. Victor Luiz Hofmeister, que representa o Tribunal de Contas. Aproveito para saudar o deputado José Stédile, que representa muito mais a nossa bancada federal do que a presidência da Câmara. Nesse sentido, elogio a nossa bancada, porque entendemos que o Rio Grande do Sul é sim um dos Estados da Federação mais politizados, que cobra muito mais dos seus representantes do que outros Estados. Saúdo o vereador Leonardo Pasqual, de Esteio, do Partido Progressista; o vereador Rossano, de Osório; o vereador Fábio Júnior, de Xangri-lá, que são os vereadores com quem tenho mais sintonia, que têm capacidade para ocupar um espaço no Parlamento gaúcho, mas estão sempre aqui entendendo a importância de se capacitarem mais para desempenharem um bom mandato para a sociedade. Saúdo o deputado Raul Pont, que, sem dúvida, é um deputado que conhece muito bem

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a nossa Constituição e sabe a importância de todos os atos parlamentares, principalmente, no nosso plenário. Saúdo também o deputado Miki Breier, parceiro nosso. Quando o deputado Pedro Westphalen assumiu a presidência da Assembleia Legislativa e me convidou para presidir a Escola do Legislativo, entendi que era o momento de chamar a atenção da sociedade para o fato de que não temos nenhum traço na nossa educação, hoje, ligado à democracia, à cidadania, que costumo chamar de educação política. Embora a nossa sociedade não acredita em mudanças, seja incrédula com relação a mudanças, principalmente pelo repúdio à classe política e à falta de clareza em relação às políticas públicas hoje no Brasil, essa sociedade acordou – e aí está a minha esperança. E acordou não só para ir para as ruas. Este é o momento de mostrar e de mobilizar a sociedade sobre como temos que evoluir, como temos que nos aproximar da política. Então, cabe a todos nós, agentes públicos, transformarmos isso de uma maneira inteligente, porque, se formos para as ruas agora vão nos tachar de aproveitadores, como alguém que está querendo se aproveitar de um movimento porque vê que ali pode estar uma oportunidade política, uma oportunidade para conseguir votos, para construir, de certa forma, uma representatividade. Na verdade, o que esta sociedade quer, acima de tudo, é se aproximar da política. Para isso, é preciso que entenda melhor a política. Um período de matemática na sala de aula, que aparentemente pode não ter nada a ver com política, pode ser usado para ensinar os nossos jovens como se calcula uma legenda, para que eles entendam como funciona a relação política que nos elege, que nos coloca aqui dentro. É algo não tão simples de entender, de compreender, e a maioria das pessoas não entende. No momento em que elas não entendem, elas se afastam. No momento em que se afastam, estão perdendo uma grande oportunidade de exercer algo pelo qual temos que lutar para que aconteça, que é a democracia plena. Para isso, temos que ter traços na nossa educação. Não acredito ser necessário criarmos uma disciplina, como já aconteceu no passado, para que as pessoas se instruam politicamente. Isso pode ser feito de maneira transversal. Para isso, a política tem que voltar a ser interessante, a ser debatida. Confesso que nos frustramos se formos pensar na história que estudamos, até por tudo que está acontecendo, pela Internet, por tudo o mais. No passado, a nossa voz na tribuna – digo a nossa voz, dos representantes públicos de uma sociedade – tinha muito mais força. Ela reverberava muito mais. Hoje, muitas vezes, nos pronunciamos em tribunas

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como esta, mas na tribuna mais sagrada, que é onde poderíamos e teríamos que chamar a atenção da sociedade, que é a nossa tribuna do plenário, muitas vezes não somos ouvidos, falamos para um plenário vazio. Tudo isso serve de atenção, serve para que possamos fazer uma reflexão profunda do que está acontecendo. Quando mais de 1 milhão de pessoas vai às ruas para protestar contra alguma coisa, é óbvio que esse inconsciente coletivo vai gerar um certo descontrole. Agora, temos de nos dar conta de que não é isso que tem de estar na manchete do jornal, mas sim a falta de crença e de como temos de fazer uma reflexão profunda. Só que essa profunda reflexão não pode ser construída em 140 caracteres para que a sociedade clame por uma reforma política. Não. Se hoje perguntarmos à maioria dos cidadãos brasileiros, eles irão concordar que temos de fazer uma reforma política. Mas tu vais pedir a eles uma ideia para essa reforma? A coisa já vai começar a complicar. Precisamos aproveitar este momento e, ao mesmo tempo, mostrar habilidade política para canalizar essa esperança, esse sentimento de mudança, de transformação, a fim de chamar a atenção da sociedade para alguns fatos. Nesse caso, não falo em partidos, porque as condutas acabam sendo muito parecidas. Hoje, fica claro para a sociedade o interesse da classe política em se perpetuar no poder. E nós não administramos mais o nosso País como se fosse a nossa casa; o administramos de forma a inflar ao máximo possível a máquina pública para nos perpetuar no poder. E a gente está pagando caro por isso, ou vai começar a pagar. Esta reflexão tem de nos trazer esperança, mas ela também tem de ser muito bem construída pela nossa sociedade para que possamos trazer as pessoas para a política, para que elas possam compreendê-la e possam mensurar melhor a capacidade de qualquer representante público em relação ao que ele está fazendo para a sociedade. Existem, sim, causas nesse movimento. Entretanto, mais importante do que elas são a indignação e a falta de crença em mudanças. Nós podemos criar um paradigma e quebrá-lo a partir de agora. Temos habilidade para isso. E temos de esperar a poeira baixar e clamar para que essas pessoas participem da política, para que elas entendam essa política. Que possam fiscalizá-la e, principalmente, possam trazer ideias, porque hoje nos faltam ideias para melhorar os nossos presídios, para melhorar a nossa educação, a nossa saúde, a nossa

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qualidade de vida, ou falta interesse da sociedade, interesse da mídia, em relação a essas boas ideias. Tem muita gente que tem ideias ousadas, e eu estou neste Parlamento para propor justamente projetos que tenham a ver com o que eu penso, com o que eu acredito, e que possam incluir socialmente as pessoas. E, muitas vezes, não somos ouvidos, e isso nos frustra. Eu acredito em mudanças. Eu acredito em uma quebra de paradigmas. Mas para isso todos temos de fazer a nossa parte. A sociedade em geral tem de fazer a sua parte. E se não entendemos a nossa Constituição, se não entendemos os nossos ritos, não saberemos mensurar a qualidade de um vereador, a qualidade de um Executivo, de um Legislativo, de um Judiciário. Estamos, sim, vivendo uma revolução. Mas tomara que seja uma revolução para que a sociedade possa ter mais informações e possa mensurar melhor o que está acontecendo em nosso País. Acredito nessa mudança! Acredito que os vereadores tenham um papel fundamental em tudo isso, porque é lá na ponta, na Câmara de Vereadores, que a gente tem o verdadeiro tambor da sociedade. Acredito que os vereadores que estão aqui estejam preocupados com o que está acontecendo hoje e que poderão reverberar todo esse sentimento. Óbvio que temos de lutar por uma reforma tributária. Não podemos ficar reféns do governo federal, independentemente do partido político que esteja no poder ou dos partidos que componham esse governo federal. Temos de dar mais autonomia para os nossos prefeitos, porque é na cidade que fica mais fácil para esse cidadão, que não entende a política, compreender resultados práticos e diretos para a nossa sociedade. Observem a briga que o Brasil construiu em relação ao pré-sal. Sem dúvida nenhuma, a frase mais importante do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, para mim, na minha humilde opinião, foi quando descobrimos o pré-sal, e ele disse que o pré-sal era para a educação. Que bom – pensei–, não temos de brigar. Temos de investir em educação, temos de investir em acesso à informação principalmente para o cidadão de baixa renda, através da Internet, para que ele possa ter capacidade e para que não se crie um abismo social. Pasmem: para construir um anel de fibra ótica público, no Estado do Rio Grande do Sul, se gastariam 50 milhões de reais! São 5 reais por gaúcho! Assim estaremos dando o verdadeiro grande passo para melhorar a nossa gestão pública, a nossa transparência, a nossa educação, gerando mais inclusão, mais oportunidade para todas as crianças e para todos os que estão aprendendo.

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Vivemos em um país em que a hora da Internet é uma das mais caras do mundo – e 68 milhões de brasileiros nunca tiveram acesso à Internet! E essa democracia digital, construída através das redes sociais – que vão para as ruas clamar por isso –, muitas vezes não se dão conta do quanto é barato o investimento no acesso à informação. A própria ONU reconheceu a Internet como um direito humano desde 2012. Entretanto, falta vontade política para transformarmos esse quadro em realidade. Esse é um exemplo, uma ideia. Assim como quando o deputado Paulo Odone esteve aqui e falou de um projeto dele. Todos nós temos ideias, todos temos projetos, mas, muitas vezes, apenas as coisas ruins são reverberadas pela sociedade. Por isso, temos de mudar essa realidade. E só conseguiremos isso no momento em que tivermos um povo consciente, uma classe política consciente e criarmos uma harmonia. E o momento é este! Este é o chamamento que eu faço! O momento é, sim, de criarmos essa harmonia. É o momento de entendermos essas vozes que vêm das ruas e que não são apenas dos jovens, mas do Brasil que foi para a rua. Ontem isso ficou muito claro. Não vimos apenas jovens nas passeatas. E, para bom entendedor, meia palavra basta! Temos capacidade de persuasão, pois a política é a arte da persuasão, de mostrarmos à sociedade, ao grupo que representamos, os nossos anseios, os nossos interesses e como temos capacidade de representá-los. Para isso, temos de ser persuasivos. Vamos usar essa arte para criarmos uma sintonia com uma sociedade incrédula em mudanças. Tenho certeza de que, a partir deste momento, acende-se uma fagulha de esperança de transformação real e concreta da nossa realidade. É um prazer para mim e uma honra presidir a Escola do Legislativo, porque este é o seu objetivo: aproximar cada vez mais o jovem da cidadania e da democracia plena. Muito obrigado.

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Convidamos para fazer uso da palavra o Exmo. Sr. Deputado Federal José Stédile.

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Deputado José Stédile

O SR. JOSÉ STÉDILE – Bom dia a todos. Uma saudação especial ao deputado Heitor Schuch pela iniciativa deste importante debate que iremos realizar. (Saúda as autoridades presentes.) Na semana passada, eu estava coordenando um debate na Câmara Federal – e trago um abraço de toda a bancada gaúcha – entre vários representantes de movimentos sociais, alguns deles do movimento que está acontecendo agora no Brasil. Havia representantes da Favela do Vidigal, do Rio de Janeiro, da Favela São Luis, de São Paulo, e de uma favela de Cuiabá. O representante da favela de São Paulo dizia que ficava três horas e meia dentro do ônibus, todos os dias, mais duas horas em pé. Ganho 890 ou 900 reais, e vocês dizem que são mais de 300 dólares, mas compro menos do que quando ganhava 100 dólares! Não temos o que perder! Se eu perder o emprego, não perco nada, diz ele. Pior do que está o transporte coletivo, ele não ficará. E continua: Aí, vemos vocês – falando da classe política como um todo – aprovar, na Câmara dos Deputados, benefícios para a rede de montadoras de veículos no ano de 2011. E, no ano de 2013, depois de pressões, a redução da carga tributária – a mesma redução – para o transporte coletivo. Aí – e ele dando exemplos – vemos vocês priorizando investimentos. Na Câmara de Deputados é assim: quando se trata de discutir, debater a melhoria da

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qualidade de vida do povo, a melhoria da qualidade de vida dos aposentados, os projetos populares, são necessários 10 anos de tramitação. Agora, para beneficiar, como ocorreu no mês passado, a estrutura bancária do Brasil, em um mês, com uma medida provisória, aprovamos sem sequer debater de forma geral. Não há como não esperar uma indignação. Esses são apenas dois exemplos. Na minha opinião, o Brasil arrecada mal, mas, acima de tudo, distribui mal os recursos. Vocês são vereadores. Não há um Município no Brasil que não esteja com dificuldades financeiras. O Brasil concentra os recursos na União, e boa parte dos Estados está com dificuldades. Os que estão em dificuldades não encontram ferramentas para reverter essas dificuldades, que se refletem, principalmente, na dívida com o governo federal. Esperávamos – eu esperava – que o governo do Estado do Rio Grande do Sul, por ser do mesmo partido que governa o Brasil, tivesse o protagonismo na renegociação das dívidas e na revisão do pacto federativo. E não vimos uma atitude mais forte. Apenas promover audiências e reunir bancadas não faz com que se reveja pacto algum. Enquanto o Rio Grande do Sul não renegociar a dívida e não pressionar para que se refaça o pacto federativo, este Estado, na minha opinião, será ingovernável. Enquanto os Municípios brasileiros continuarem sendo tratados como os terceiros na pirâmide social, viveremos na mesma situação. Quando digo que o Brasil gasta mal é porque, em primeiro lugar, há uma grande distorção a respeito do que os deputados se beneficiam. Todos os deputados do Brasil, em média, têm de 7 a 10 milhões de reais por ano em emendas parlamentares. Vou pegar um exemplo do Rio Grande do Sul para perceberem a distorção que isso causa. O Município de Viamão tem o mesmo tamanho e a metade do PIB per capita da cidade de São Leopoldo. Quem conhece Viamão e São Leopoldo sabe que este Município tem um parque industrial muito maior do que o de Novo Hamburgo, mas tem a mesma população e a área inclusive é maior do que a de Viamão. Viamão recebeu menos de 10% dos recursos federais que São Leopoldo, quando deveria ser exatamente o contrário. Essa é uma das distorções que as emendas parlamentares geram.

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O deputado coloca dinheiro, independentemente de critérios, da necessidade dos Municípios, onde há interesse eleitoral, o que gera distorções preocupantes em nível nacional. Quando digo que o governo gasta mal não é somente por isso. Por exemplo, o governo federal, há uns três meses, distribuiu 3 mil máquinas para os Municípios. E algum Município foi consultado de qual máquina precisava? Tenho falado com muitos prefeitos e quase todos dizem que não, que estavam precisando de máquina, mas não era bem daquela. Então, por que, em vez de dar 3 mil máquinas, que foram compradas com recursos do governo federal, não consultaram e distribuíram esse dinheiro para os 3 mil Municípios para que comprassem a máquina de que necessitavam, ou investissem num posto de saúde, numa escola? As decisões vêm de cima, e é por isso que digo que o Brasil gasta mal. São só dois exemplos, mas há centenas, milhares de exemplos. De forma muito concreta, quero dizer que há muitas decisões que chegam por meio de medida provisória que causam desequilíbrio entre os Estados e o desequilíbrio da própria economia. As desonerações fiscais que se concede a alguns setores da economia em detrimento de outros causam também um desequilíbrio fiscal e econômico, na minha opinião, que prejudicam muito a Nação Brasileira. Fica aqui a reclamação de um socialista que luta por mudanças, que luta, sim, pela reforma política, mas não uma reforma política urgente como alguns deputados pedem. Eles apresentam um relatório para que também a reforma inclua o voto em lista. No mês passado, houve eleição no Paraguai, onde o voto é em lista. Vocês, que são vereadores, sabem como se faz voto em lista? Em primeiro lugar, para ser o primeiro deputado na lista dos partidos tradicionais, o partido cobra em torno de 600 mil dólares, oficialmente. Então, na verdade, a ordem na lista é comprada. Em segundo lugar, os partidos mais de esquerda se obrigam, para eleger alguém, a colocar um artista. Então, o primeiro da lista é um artista, um jogador de futebol, que as vezes não tem discurso partidário, ou até contradiz o discurso do próprio partido. E os partidos mais à esquerda ainda, que não querem se submeter a isso, resolvem que quem vai decidir a lista são os filiados. Aí vai acontecer no Brasil o que tem acontecido no Paraguai – podem me cobrar: quem mais filia mais ganha. Então, compram-se filiações. No Paraguai, se trouxerem 50 filiados, é tanto por cada ficha. É assim que se faz. Por isso também devemos nos preocupar com a reforma política, mas não como está sendo proposta. As alterações são importantes e necessárias, mas, na verdade, temos

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que rever toda a estrutura política brasileira, a estrutura partidária da forma como está e não tomar apenas algumas medidas como se o financiamento público de campanha, como tem sido falado, resolvesse toda a situação democrática dos partidos. Parabéns a vocês que estão aqui. Os vereadores cumprem um papel talvez mais importante do que os deputados, porque convivem, dia a dia, com as necessidades da população. Parabéns pelo trabalho de vocês, e, acima de tudo, fica aqui a minha sugestão: sendo governo, nem tudo que é do governo é bom; e, sendo oposição, nem tudo o que é do governo é ruim. Bom trabalho para todos.

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Convidamos a todos a ouvirmos o Hino Rio-Grandense. (Ouve-se o Hino Rio-Grandense.)

A SRA. MESTRA DE CERIMÔNIAS – Faremos um breve intervalo para a recomposição da mesa e, em seguida, daremos prosseguimento a este encontro, com a coordenação do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Heitor Schuch. Convidamos para compor a mesa o professor Dr. Eduardo Carrion, palestrante desta manhã. Solicitamos aos Srs. Participantes que, no retorno aos trabalhos, à tarde, assinem novamente a sua presença para que seja possível a confecção dos certificados. Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Saúdo os vereadores que chegaram um pouco mais tarde. Sejam todos bem-vindos. De imediato passamos ao primeiro dos três painéis. Está aqui, para abordar o tema A Importância da CCJ no Parlamento Municipal, o Dr. Eduardo Kroeff Machado Carrion, que já é muito conhecido no meio político, também pelos professores, mestres, doutores e alunos, em especial do Direito. Ele é professor titular de Direito Constitucional e ex-diretor da Faculdade de Direito da UFRGS e também professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior

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do Ministério Público. É pós-graduado em Direito Constitucional na França, na Europa, por onde andou estudando e trabalhando. É pesquisador também do CNPq e escreveu diversos livro. É consultor jurídico, alguém que conhece o tema com certeza com muita profundidade. Agradeço a sua disponibilidade de vir aqui fazer esse painel e abordar essa conjuntura jurídica, constitucional, junto aos nossos vereadores e vereadoras que estão aqui. Concedo a palavra ao Dr. Eduardo Kroeff Machado Carrion para discorrer sobre o tema.

Dr. Eduardo Kroeff Machado Carrion

O SR. EDUARDO KROEFF MACHADO CARRION – Cumprimento o deputado Heitor Schuch, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; as demais autoridades aqui presentes, deputados e vereadores. É com muita honra que me dirijo aos senhores para trocar algumas ideias. Irei limitar a minha intervenção a em torno de uma meia hora para ensejar inclusive eventualmente uma troca de ideias. Sei que há uma longa programação durante o dia. Agradeço ao Dr. Vanderlan Vasconcellos, assessor da Comissão de Constituição e Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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Justiça, que fez a mediação, o contato, para que eu estivesse hoje com os senhores. Expresso inclusive a minha satisfação com relação à proposta da minha intervenção: A Importância da Comissão de Constituição e Justiça no Parlamento Municipal. A utilização desta expressão Parlamento é sintomática, porque muitas vezes nos referimos ao Legislativo quando na realidade o papel da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Assembleias Legislativas, das Câmaras de Vereadores, vai muito além simplesmente da produção de legislação, mas há um trabalho, uma responsabilidade relevante de fiscalização do Executivo e praticamente de cogoverno, tal como acentuado pela Constituição de 1988. A minha intervenção terá alguns passos. Como eu estava dizendo anteriormente, farei um esforço de limitar a em torno de 30 minutos a partir de agora. Num primeiro momento, procurarei destacar a importância do Parlamento; num segundo momento, a importância do Município; para finalmente desaguar numa reflexão sobre a importância das comissões de Constituição e Justiça no Parlamento Municipal. Não poderia me furtar, num ponto final que estou destacando como as Câmaras Municipais e as demandas populares, de fazer algumas rápidas reflexões sobre a conjuntura atual, inclusive essa foi a tônica das intervenções dos parlamentares que me precederam. Não podemos nos furtar, nesses dias, de minimamente refletir sobre o que está acontecendo no País: essa perplexidade criada. A minha reflexão vai muito no sentido de destacar o possível papel positivo e construtivo das Câmaras de Vereadores nesse contexto. Esses são os quatro pontos que serão palmilhados e trilhados na minha rápida intervenção. Inicialmente destacaria a importância histórica do Parlamento, o Parlamento mais do que simplesmente um Legislativo. Aliás, reporto-me às suas origens, ao século XIII na Inglaterra, já faz algum tempo, e ao século XIV na França. As funções do Parlamento – o Parlamento na Inglaterra e os Estados Gerais na França, que faziam as vezes do Parlamento – não eram propriamente legislativas, mas eram funções que denominaríamos, em linguagem contemporânea, de fiscalização orçamentária e financeira. Em outros termos, para decretação de novos impostos, o monarca dependia em grande parte do assentimento, da concordância do Parlamento – o Parlamento na Inglaterra, e os Estados Gerais na França. Estabelecia-se, então, um jogo político de concessões mútuas. Isso levou pouco a pouco ao fortalecimento do Parlamento, até que ele adquirisse a função legislativa e inclusive o monopólio da função legislativa. O que ocorria normalmente tendo como exemplo a Inglaterra? O Parlamento apresentava sugestões de legislação ao monarca. O monarca podia ou não promulgar essas

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sugestões de legislação. Então, ele possuía um verdadeiro direito de veto. Aliás o direito de veto no sistema presidencial foi resgatado dessa experiência inglesa no momento em que transitava-se para o parlamentarismo, mas no momento ainda em que o monarca tinha amplas prerrogativas. Ele exercia o direito de veto em relação às sugestões de legislação do Parlamento. Então, os constituintes norte-americanos adaptaram essa prática inglesa, num momento de parlamentarismo dualista, como se denomina – esse é um parlamentarismo em que o monarca tinha ainda amplas prerrogativas, não era um parlamentarismo democrático ainda –, resgataram essa experiência e traduziram para um sistema republicano, que é o direito de veto do presidente. A última vez que o monarca inglês se recusou a promulgar as sugestões de legislação do Parlamento inglês foi em 1707, com a rainha Ana Stuart. Reconhecem os especialistas que, a partir de 1707, finalmente o Parlamento adquiriu a função legislativa e até o monopólio dessa função. Na passagem do século XIX para o século XX, passou a haver um reconhecimento crescente de que o Executivo também deveria ampliar as suas funções legislativas, muitas vezes editando ato normativo primário, em outros termos, ato normativo equiparável a uma lei ordinária em situações de excepcionalidade, como é o caso, na nossa realidade hoje, das medidas provisórias. Só que a prática institucional das medidas provisórias levou a uma vulgarização das medidas provisórias. O Executivo contemporâneo, em face das responsabilidades que assumiu, precisa ter um instrumental também legislativo mais eficiente: a capacidade de editar ato normativo primário. Isso leva também à necessidade de prerrogativas crescentes para o Parlamento, não só legislativas, mas de fiscalização política da ação do Executivo. O Parlamento em tese – estou me referindo genericamente ao Parlamento, o que inclui também as Câmaras de Vereadores – é uma expressão mais legítima da diversidade da sociedade do que o próprio Executivo, porque, no Parlamento, temos a representação de múltiplos partidos, de múltiplas posições políticas ideológicas, representando melhor a diversidade ou a heterogeneidade da própria sociedade. É nesse sentido que o Parlamento é uma representação mais fiel no contexto democrático da diversidade e da heterogeneidade da sociedade civil do que o próprio Executivo, que representa uma maioria. A Constituição de 1988 manteve o sistema presidencial de governo, mas procurando aperfeiçoá-lo. Fala-se muitas vezes que é um sistema presidencial com ingredientes ou corretivos parlamentaristas. Vou dar um exemplo aos senhores. O art. 49, inciso V, da Constituição, que geralmente é reproduzido nas Constituições Estaduais e eventualmente

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nas Leis Orgânicas Municipais, prevê – é um instituto que vem da Constituição de 34, que passou por um longo eclipse e que foi a rigor retomado pela Constituição de 1988 – a possibilidade de o Parlamento, por meio de um decreto legislativo, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou da delegação legislativa. É um instrumento excepcional em mãos do Congresso Nacional, por exemplo. Sabemos que existem inúmeros decretos regulamentares do Executivo que extrapolam do poder regulamentar, que criam direitos e obrigações, o que só caberia à lei. Não pode um regulamento, que é um ato normativo secundário, criar direitos e obrigações. Isso cabe à lei complementar, à lei ordinária, à medida provisória, à lei delegada, que são atos normativos primários. Há inúmeros decretos regulamentares ou regulamentos que extrapolam do poder regulamentar. Pedi a um orientando meu da UFRGS fazer um levantamento de quantos decretos legislativos, no plano federal, tinham sustado regulamentos do Executivo. Pois bem, nenhum. Houve algumas proposições, em torno de cinco proposições de decretos legislativos com esse teor, mas nenhum se consumou, o que mostra uma omissão muitas vezes do Parlamento com relação à implementação dos mecanismos previstos na própria Constituição no sentido de melhor fiscalizar, seja a atividade legislativa do Executivo, seja a sua atividade política. A Constituição possui uma clara perspectiva de um cogoverno entre Legislativo e Executivo. No caso da organização política federal, da União Federal, isso se traduz sobretudo nos arts. 49, 51 e 52 da Constituição, em que houve um alargamento das chamadas funções político-administrativas ou materiais do Parlamento, funções em grande parte de fiscalização do Executivo. Contextualizada a importância do Legislativo ou mais propriamente do Parlamento, gostaria agora de enfatizar a importância do Município, porque, se estamos tratando do papel das comissões de Constituição e Justiça das câmaras de vereadores, há uma superposição entre a importância do papel do Parlamento por um lado e a importância do papel do Município. Há uma dupla importância quando chegamos a uma câmara de vereadores. A nossa Constituição de 1988 é claramente municipalista, e há alguns dispositivos sinalizadores e simbólicos. Chamo a atenção para algo inusitado na nossa experiência constitucional. O art. 18, no seu caput: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Todos autônomos nos termos dessa Constituição. É a primeira Constituição que, num dispositivo de tal generalidade, explicita claramente a autonomia municipal. Coloca o Município em pé de igualdade com os Estados membros e com a União Federal. Não digo que as constituições anteriores tenham desconhecido a autonomia municipal, mas regulamentavam

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a autonomia municipal em capítulo específico. Estou dizendo que é a primeira vez que uma Constituição, na nossa experiência histórica, num dispositivo de tal generalidade, explicita claramente a autonomia municipal. Isso é algo inusitado, reflete um espírito municipalista, além de federalista, da Constituição de 1988. A Constituição vai mais longe ainda com relação aos Municípios. Ela foi promulgada em 1988. Desde meados dos anos 70, já havia o diagnóstico de uma crise de legitimidade das democracias representativas. Surgiu, no leito dessa reflexão, a construção teórica da chamada democracia participativa na perspectiva de melhor fiscalizar a ação do Executivo por um lado e, por outro lado, de criar mecanismos de maior e mais efetiva participação do cidadão na vida política. Isso em grande parte simboliza os eixos principais da democracia participativa, que não é uma revogação das instituições representativas, mas uma oxigenação da experiência da democracia representativa. A Constituição de 1988 foi ousada nessa perspectiva tratando-se dos Municípios. Vou destacar apenas um dispositivo, o art. 31, § 3º, que preceitua: As contas dos Municípios ficarão, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade nos termos da lei. Vejam aqui: disponibilizar as contas dos Municípios. Até que ponto o Executivo disponibiliza claramente ou apenas é um ato formal para inglês ver? O Executivo publica num jornal ou deixa lá num corredor de uma secretaria, de preferência no subsolo. Pois bem: até que ponto, realmente, há disponibilização das contas municipais e até que ponto as Câmaras de Vereadores fiscalizam essa publicidade? Vejam que o dispositivo constitucional utiliza uma palavra que tem uma consequência e um significado constitucional, do qual o contribuinte poderá questionar a legitimidade. Não se trata simplesmente de um controle de legalidade – se os recursos públicos foram utilizados corretamente, respeitando-se os marcos legais –, mas de um controle de legitimidade, que implica a oportunidade e a conveniência política da obra. Mesmo que ela tenha respeitado todo o marco legal, era conveniente para o Município, para a sociedade, a construção dessa obra, ou foi uma despesa sem maiores consequências sociais? Controle de legitimidade! É muitas vezes a não implementação dessas previsões constitucionais que leva ao quadro de hoje, que vemos em praça pública. Isso não ocorre impunemente. A irresponsabilidade dos nossos governantes – e aí eu me refiro aos administradores e eventualmente aos parlamentares, não importa em que nível –, as suas omissões e as suas carências levam a esse resultado. Era tudo previsível. O que é surpreendente é não ter ocorrido antes, só agora,

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porque nós estávamos criando, construindo um caldo de cultura que levava a esse desaguar da população brasileira em praça pública. Pois bem: mecanismos há na Constituição; temos é que implementá-los. Aí chegamos ao papel da Comissão de Constituição e Justiça. Talvez seja a comissão mais importante das Câmaras de Vereadores ou do Parlamento – Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembleias Legislativas –, sem demérito das demais. Talvez seja a mais importante porque ela tem um papel central: não só o exame do mérito das proposições, mas o exame da sua constitucionalidade e da sua legalidade. Nós sabemos que o nosso sistema de controle da constitucionalidade das leis é um dos mais aperfeiçoados da experiência internacional. Nós temos um controle que pode-se dizer misto: é um controle chamado por órgãos políticos, exercido pelo Executivo e pelo Parlamento, e, ao mesmo tempo, um controle judicial – e, em se tratando de um controle judicial, ele, ao mesmo tempo, incorpora os mecanismos do modelo norte-americano, de controle difuso e os mecanismos do modelo europeu, de corte constitucional; é um modelo concentrado. Exemplo de mecanismo de modelo concentrado: ação direta de inconstitucionalidade. Pois bem, é um sistema extremamente aperfeiçoado. Tanto o Executivo como o Legislativo ou o Parlamento participam desse controle. É o controle por órgão político. Não se diz controle político, mas por órgão político, que pode se traduzir eventualmente em controle político, como também o controle por órgão judicial pode, eventualmente, traduzir-se como controle político – mas fala-se mais propriamente em controle por órgãos político, espero, que não o Judiciário, seja o Executivo, seja o Legislativo. E um dos papéis é exatamente esse das Comissões de Constituição e Justiça, que examinam a constitucionalidade ou a legalidade das proposições ou mais propriamente dos projetos de lei. É um controle de constitucionalidade por órgão político – no caso, o Legislativo ou o Parlamento – preventivo. Se diz preventivo para diferenciar do repressivo. Preventivo porque se trata de um controle, não de uma lei já promulgada ou de uma emenda já promulgada, mas de um projeto de lei ou de uma proposta de emenda, extremamente importante, uma filtragem inicial que inclusive poupa o Judiciário muitas vezes de ter de enfrentar a questão. Pois bem, mas não só com relação ao controle preventivo da constitucionalidade, vou tomar a título de exemplo o Regimento da Câmara Municipal de Porto Alegre. Tornava-se impossível eu, em poucos dias, compulsar, examinar os Regimentos de inúmeras Câmaras

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de Vereadores do Rio Grande do Sul, então tomei, a título de exemplo, o Regimento da Câmara Municipal de Porto Alegre. Pois bem, o art. 36 elenca, enumera competências da Comissão de Constituição e Justiça. A título de exemplo, cito o inciso I do art. 36. I – Examinar e emitir parecer sobre: a) aspecto constitucional, legal e regimental das proposições; b) veto – do prefeito – que tenha por fundamento a inconstitucionalidade. A previsão, na Constituição Federal, é de veto em duas hipóteses: por consideração de inconstitucionalidade ou por consideração de contrariedade ao interesse público. Quando é um veto por consideração de inconstitucionalidade, trata-se do exercício, por parte do Executivo, de um controle de constitucionalidade preventivo também. Mas o que prevê o Regimento da Câmara Municipal de Porto Alegre? Que, na eventualidade de um veto do prefeito municipal que tenha por fundamento consideração de inconstitucionalidade, caberá, antes de tudo, à Comissão de Constituição e Justiça apreciar, refletir, porque poderá o plenário da Câmara derrubar o veto. Então, há um papel significativo também da Câmara Municipal em relação ao veto do Executivo. Algo que me surpreendeu no inciso III desse art. 36 foi esta previsão – lógico que pode ser, digamos, um enunciado genérico, teórico, mas que carrega um simbolismo: zelar pelo cumprimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, presumivelmente da ONU, de 1948. É muita responsabilidade para a Câmara Municipal de Porto Alegre. Alguns poderiam até tentar desqualificar esse enunciado. Quero chamar a atenção para o seu simbolismo. Não que se tenha essa pretensão, mas cria-se uma responsabilidade da Comissão de Constituição e Justiça com relação ao respeito aos direitos humanos. E direitos humanos são múltiplos, inclusive os direitos trabalhistas. Eles fazem parte do rol dos direitos humanos. Há uma série de outras competências da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Porto Alegre que são extremamente relevantes. Presumo que, grosso modo, algo semelhante ocorra no Regimento das Câmaras de Vereadores de outros Municípios do nosso Estado e mesmo do Brasil. É, sim, uma comissão não somente essencial, mas estratégica na atividade do Legislativo, do Parlamento municipal. A importância histórica do Parlamento, antes de tudo, e a importância do municipalismo, ambas enfatizadas pela nossa Constituição, realçam o papel das Câmaras Municipais. E, especificamente, as responsabilidades das Comissões de Constituição e Justiça – sem demérito das demais comissões, que possuem também papel relevante – são estratégicas,

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para não dizer principais. Destaco, sobretudo, a sua responsabilidade de controle preventivo da constitucionalidade das leis, embora não apenas isso. Neste momento, já me direciono para a conclusão da minha reflexão, colocando-me à disposição dos senhores para, oportunamente, ouvi-los e eventualmente trocar ideias. Gostaria de fazer uma rápida reflexão sobre a situação atual, a conjuntura que estamos vivendo nestas últimas semanas. Muitos de vocês que acorreram a Porto Alegre vindo do interior talvez tenham sido surpreendidos ontem com a grande manifestação que houve em Porto Alegre e em todo o País. É um movimento que assumiu uma dimensão nacional e maciça, algo inusitado na história recente. Se tentarmos ver exemplos semelhantes, falaríamos na luta pela anistia, na luta pela Constituinte e pelas Diretas Já, no Fora Collor. Foram movimentos igualmente nacionais e maciços. Este é um movimento policlassista. É verdade, impulsionado, sobretudo, pela juventude, mas multigeracional e policlassista. Encontramos desde metalúrgicos – ontem estava assistindo à reportagem do Jornal Nacional em que foram colhidas palavras de um metalúrgico – até estudantes, professores, crianças, jovens, pessoas maduras e até com idade avançada. Então, é um retrato de parte do Brasil. É verdade que, quantitativamente, levando em conta a população brasileira, alguns poderiam tentar desqualificar o movimento: Não, são apenas 1 milhão na rua quando a nossa população é em torno de 190 milhões. É que não podemos reunir, em São Paulo, todo o interior do Estado; em Porto Alegre, todo o interior do Rio Grande do Sul. Ora, essas pessoas expressam um sentimento disseminado. É a expressão da sociedade brasileira claramente. Se fosse um grupo de mil pessoas, poderíamos dizer: Não, mas isso não é representativo. Mas quando vão às ruas, no Rio de Janeiro, 300 mil pessoas; em São Paulo, quase 100 mil pessoas, e assim sucessivamente, ultrapassa qualquer matemática. É claramente o anseio, o sentimento da sociedade brasileira. É um sentimento de exaustão, de indignação com a nossa vida política, com os nossos políticos e os nossos partidos. É um acúmulo de mazelas. Não foi só o mensalão, que vinha de antes, mas a irresponsabilidade na utilização dos recursos públicos, o dispêndio com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, a indigência do sistema de saúde, educação e segurança. O surpreendente é não ter ocorrido um movimento tão nacional e tão maciço antes. Não há nenhuma surpresa no que ocorreu. Chegou-se a um momento de saturação, exaustão. Há questão de duas semanas, um ministro do Supremo ainda veio alardear publi36

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camente que o julgamento do mensalão talvez só se concluísse daqui a dois anos. Já estão havendo firulas jurídicas para tentar retirá-los da cadeia. Estão inventando tudo. Então, a população fica atônita e passa a desacreditar nas instituições. Já havia, como tinha me referido anteriormente, desde os anos 70, o diagnóstico de uma crise de legitimidade das democracias contemporâneas. E daí surge, no leito dessa reflexão, como tinha enfatizado anteriormente, a proposta de uma democracia participativa, ou a proposta de democratizar a democracia. O que se percebe é um alienamento cada vez maior do Estado, da sociedade política com relação à sociedade civil. A democracia representativa é uma tentativa de superar essa distância entre o Estado e a sociedade, criando mecanismos de relação e tornando minimamente representativo o Estado. Quando me refiro ao Estado, falo das instituições representativas, de maneira geral, de torná-las minimamente representativas da sociedade. O que observávamos e observamos ainda é talvez um divórcio entre a sociedade política e o Estado, por um lado, e a sociedade civil, que não se reconhece nas instituições. Isso possibilita, sim, as alternativas salvacionistas, muitas vezes por responsabilidade, parece-me, dos políticos, que se omitem, que não correspondem minimamente aos anseios sociais. Nesse contexto, pode, sim, fomentar-se uma crítica genérica às instituições representativas. Isto é, se as pessoas não se reconhecem nas instituições representativas, não encontram caminhos para encaminhar as suas demandas, organizam-se à margem do mundo político e das instituições e criam até uma prevenção em relação aos representantes políticos. É o que observamos nessas manifestações. Se alguns se apresentavam com bandeiras de partidos, eram rechaçados. A Folha de S.Paulo fez um levantamento com relação às manifestações de segunda-feira na Capital. Oitenta e quatro porcento dos participantes não tinham filiação partidária ou não tinham preferência partidária. O Estado inicialmente agiu repressivamente. Na quinta-feira da semana passada, 55% eram simpatizantes com a manifestação. Com a repressão policial – que foi desproporcional em São Paulo –, na segunda-feira seguinte, a simpatia com os movimentos tinha saltado de 55% para 77%, o que é sintomático. Lógico, esses excessos são condenáveis. Temos que coibir o crime, o excesso, a depredação. Outra coisa é a pichação. Para isso tem que ter uma certa tolerância. Isso não estraga irreversivelmente o patrimônio público ou privado. Mas depredação e outros atos de vandalismo têm de ser reprimidos e responsabilizados. Não podemos deixá-los impunes. No entanto, temos que saber diferenciar entre o sentimento principal do movimento Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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e esses excessos. A nossa sociedade está permeada também pelo banditismo, que pode se aproveitar, muitas vezes, desses movimentos, que são massivos, para que, ao final dessas manifestações, haja quebra-quebra e outras iniciativas. Sim, isso é condenável, tem de ser reprimido e responsabilizado. Mas temos que resgatar o principal desses movimentos, o sinal principal, que é uma demonstração de exaustão, de indignação e o anseio de uma clara mudança. Se o mundo político não responder a isso, continuará deslegitimado. É lógico que esses movimentos, que são fluidos, sem maior organicidade, chegam ao momento da exaustão. É difícil dar continuidade exatamente por falta de organicidade. Mas não pensem os senhores que no refluxo desses movimentos as coisas se tornem tranquilas. Não: o sentimento persistirá, e haverá, mais cedo ou mais tarde, novas erupções. Então, é necessário neste momento muito diálogo, muita paciência, muita perseverança por parte do mundo político, compreendendo o momento e estando aberto a mudanças. É uma oportunidade única e rara na história recente de fazermos uma inflexão no que se refere à nossa vida política, tornarmos ela algo saudável, qualificado, legitimado e respeitado pela sociedade. Devemos trazer esses jovens à vida política também, para oxigenarem os partidos e a militância. E as Câmaras Municipais podem ter um papel significativo, porque nós vivemos no Município. É o nosso quadro real de existência. Não vivemos propriamente na União Federal ou no Estado, que é uma construção teórica, em grande parte. O nosso quadro mais imediato é o Município, onde pulsa o nosso coração. Pois bem, as Câmaras Municipais podem resgatar essa participação, a começar pela publicidade das contas públicas e submetendo à censura e ao controle popular a prática de audiências públicas para debater as grandes questões do Município, com essa abertura para o diálogo, para a compreensão e para a aceitabilidade das propostas que emanam também da população. É verdade que os senhores, como os vereadores, foram eleitos e têm uma legitimidade. Mas essa legitimidade tem que ser reconstruída diariamente. Então, a democracia é um processo contínuo, e o diálogo é fundamental. A Constituição, por vezes, é, sim, excessiva, mas o padrão geral da Constituição de 88 é um padrão positivo – já é chamada constituição analítica. Na sociedade complexa do mundo contemporâneo, não basta que as constituições

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afirmem os direitos individuais e políticos e a separação dos Poderes, como eram as constituições clássicas, as constituições na sua origem. A complexidade da sociedade contemporânea, em que um indivíduo é hipossuficiente, faz com que ele enfrente corporações, enfrente macroestruturas sindicais, partidárias, políticas, estatais. Então torna-se necessário criar novos mecanismos para a participação do cidadão, mecanismos coletivos. É necessário regulamentar a economia, regulamentar a cultura, a informática, para que a constituição resgate o seu espírito clássico. Qual o espírito clássico das constituições? Um instrumento de afirmação da liberdade, de controle do poder – todo tipo de poder: poder econômico, poder político, poder cultural, poder financeiro. Para resgatar a inspiração clássica, as constituições tiveram de ampliar seu conteúdo, criar novos instrumentais, regulamentar novas facetas da vida social. Mas o grande problema no Brasil, ao qual tenho chamado reiteradamente atenção, é o que eu identificaria como déficit de constituição. A Constituição não é suficientemente implementada. Eu me referi inicialmente a mecanismos de controle do Executivo por parte do Legislativo que não são implementados, a começar pelo Congresso Nacional. Então, há um déficit de constituição. Ela instrumentaliza a sociedade, instrumentaliza os diversos Poderes, em especial o Legislativo, para fazer frente a uma concentração demasiada de poderes em mãos do Executivo. O Executivo tem a sua importância, as suas responsabilidades, mas não podemos ficar à mercê – nós, a sociedade brasileira – de decisões solitárias do Executivo, pouco compartilhas nem falo com a sociedade, mas com o Legislativo, decisões solitárias que possam comprometer o nosso futuro por décadas. O Executivo tem que compartilhar, o que não significa comprar a sua base parlamentar. Isso não é diálogo; isso é o caminho curto da política. O que eu tenho diagnosticado em relação ao mensalão como expressão da corrupção no Brasil é que adotou-se a política do caminho mais fácil, isto é, uma base parlamentar comprada, adquirida. Aí se tem de compactuar com o que existe de mais atrasado na nossa realidade! É uma política de pernas curtas, a da facilidade. Distribuir mesada – lógico, mensalão era isto, era distribuir a mesada, entregar ministério, criar ministério – é o caminho mais fácil de rapidamente ter uma base. Mas aí vem a conta, depois, a ser cobrada. Ora, num sistema presidencial como o nosso, em que o Executivo tem amplas prerrogativas, até temos que diminuir. Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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Eleito por voto majoritário. Imaginem a legitimidade de um presidente eleito pela maioria absoluta do eleitorado! Ele pode fazer uma interlocução com a sociedade, com os partidos, inclusive os partidos de oposição, construir um projeto para o Brasil sem necessidade de estar dando migalhas e se comprometendo, porque essa política de pernas curtas e de efeito imediato leva a isto, a esses escândalos, e há reação da população na rua. A gente pensa que é muita inteligência o Dirceu, etc. Não tem nada a ver com Maquiavel, o bom Maquiavel, que pensava três séculos antes a unificação italiana! Essa política é uma política de pernas curtas. Só leva a isto: à desmoralização dos políticos perante a sociedade. Vocês ganharam com isto, os políticos? Não, estão perdendo. Como resgatar a legitimidade? Aí vêm as soluções salvacionistas. Daqui a pouco surge um salvador da Pátria, por omissão da classe política. Então vejam: é uma questão de pragmatismo, para a classe política, vocês terem desprendimento, visão estratégica. Faltam estadistas, não esses políticos de cozinha, tipo José Dirceu – isso é política de pernas curtas, não leva a nada, a absolutamente nada além do desprestígio e da deslegitimação da democracia representativa. É necessário aproveitarmos este momento para, nesse elã, tentarmos reconstruir certos referenciais. Primeira coisa: referenciais. Depois: trabalhar as instituições. A Constituição é um instrumental positivo. Ela está aqui. Deixaram-na meio de lado ou lhe deram um sonífero, mas ela está tentando se acordar. Há instrumentos em mãos de vocês, legisladores, parlamentares. Bem, quero agradecer novamente o convite que foi feito e cumprimentar a Comissão de Constituição e Justiça na pessoa do deputado Heitor Schuch. Também quero cumprimentar o Vanderlan Vasconcelos, que foi um dos protagonistas deste evento, e agradecer a todos vocês a presença, a atenção. Se por vezes fui demasiadamete crítico, é porque esse é o meu jeito. Assumo esta função de tentar minimamente veicular o que seria o sentimento espraiado na sociedade que eu me sinto deste lado da barricada. Estou, na medida do possível, junto à sociedade, também formulando essas críticas, mas acreditando que é possível, sim, regenerar a nossa vida política. Muito obrigado novamente. (palmas) 40

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O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Muito obrigado, professor Eduardo Carrion. O povo do Rio Grande vai lhe retribuir a boa vontade e o conhecimento que traz a nós aqui. Vamos encerrar esta parte agora para que todos possam almoçar. Ao retornar, lembrem-se de assinar a presença novamente, pois não queremos ser acusados, amanhã ou depois, de ter expedido diploma para quem entrou por uma porta e saiu pela outra nem ser alvo de ações do Ministério Público, como já aconteceu, ou da imprensa. Antes de liberá-los, transmito-lhes um recado. O pessoal que está organizando o 5º Seminário do Comitê Intermunicipal Legislativo de Acompanhamento das Ações do Pró-Sinos, da bacia hidrográfica do rio dos Sinos, convida todos a participarem desse evento no dia 12 de julho. Quem desejar poderá obter mais informações aqui. Esperamos nos rever às 13h30min. Bom almoço, e até o retorno.

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TARDE 21/06/2013

O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Boa tarde! Vamos retomar o nosso trabalho. Para debater o tema dos contraditórios, dos limites de legislar, está conosco o Dr. André Leandro Barbi de Souza, professor com especialização em Direito Político, sócio fundador e diretor do IGAM, instituto muito conhecido nos meios municipalistas, sempre conectado à nossa vida pública. O Dr. André é parecerista, consultor e avaliador de artigos submetidos a publicação na Revista de Estudos Legislativos da nossa Assembleia Legislativa, palestrante e diretor do site Cidadania e Democracia. Depois da sua exposição, a exemplo do que aconteceu hoje de manhã, iremos franquear a palavra aos que desejarem se manifestar. Dr. André, a palavra está à sua disposição.

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Dr. André Leandro Barbi de Souza

O SR. ANDRÉ LEANDRO BARBI DE SOUZA – Boa tarde. É um privilégio estar compartilhando com vocês esta atividade. Parabenizo a Comissão de Constituição e Justiça pela iniciativa. É extremamente importante este debate sobre a construção de uma lei, os elementos contraditórios desse processo e a responsabilidade do parlamentar no envolvimento com a elaboração da legislação, até porque falar de lei é falar de pessoas, é falar da sociedade. A lei tem um destinatário, o povo; portanto, é muito importante fazê-la bem. Não se faz lei de qualquer jeito. Existe uma responsabilidade social, política e técnica muito importante nesse contexto. Por isso, deputado, agradeço mais uma vez a oportunidade de compartilhar com os presentes um pouco dessa experiência acumulada. Vocês têm na pasta um material que foi disponibilizado com slides bem mais completo do que este que eu rascunhei aqui para nós. O que eu rascunhei é uma síntese e serve mais para nos orientarmos no encaminhamento da temática. Quero começar a tratar desse assunto pelo que está acontecendo no Brasil hoje.

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Brasil, 2013. Para entender as manifestações, a movimentação da sociedade, o que vivemos ontem, nos últimos 10 ou 12 dias, e o que ainda pode acontecer daqui para a frente, temos de voltar a 1988, quando a Constituição foi trazida para nós. Essa é a oitava Constituição do País. São 500 de vida, e o Brasil tem 200 anos de constituições. Essa é a Constituição Cidadã, dita assim por Ulysses Guimarães. O que essa Constituição fez? Ela declarou direitos, e nós passamos todos estes anos em função dessa declaração de direitos. Somos os primeiros brasileiros que estão tendo, por exemplo, a oportunidade de protagonizar dez eleições. A cada dois anos temos eleições. Não tínhamos tido, na história do Brasil, a oportunidade de viver a democracia por tanto tempo como neste momento da vida brasileira. Então o que está acontecendo hoje, depois da declaração de direitos pela Constituição de 1988? O que se está buscando hoje – a palavra está ali – é a confirmação. Quer dizer: não adianta ter direitos declarados; esses direitos têm de acontecer na prática. E a sociedade está querendo isso, do jeito que ela encontrou. Do jeito que podemos, estamos fazendo os movimentos, estamos externando este desejo de ver a confirmação de direitos na saúde, na infraestrutura, na educação. Nós queremos esses direitos na saúde, na infraestrutura, na educação, nós queremos esses direitos acontecendo no nosso dia a dia. Então, por que hoje isso está acontecendo? Porque lá atrás isso foi produzido pela sociedade, quando da elaboração da Constituição de 1988. Agora, se há esse grito social para confirmar direitos, o que significa confirmar direitos? Confirmar direitos tem um pressuposto, que são ações qualificadas de Estado – não do Estado do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, mas do Estado Brasil – a Nação, governo federal, governo estadual, governo municipal. Só com ações qualificadas de Estado teremos condições de confirmar direitos. Sem isso, não é possível. Como o Estado se move – o Estado Nação, o Estado Brasil? Move-se por meio da lei. Este é o combustível de movimentação do Estado Brasileiro: a lei. Como a lei dialoga com esse seu papel, com essa sua função? Como a lei é processada, como é trabalhada para poder, por ela, interferir na vida de Estado a fim de que o Estado evolua enquanto sociedade e enquanto governo? A lei tem essa função pedagógica de produzir valor para o Estado. Vejam: como é que a lei se conecta com a sociedade, pedagogicamente falando? Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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Induzindo-a a ser melhor, em termos de convivência. Está escrito na nossa Constituição Federal, que é democrática, no art. 5º, inciso II: Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Então, a lei é um condutor das nossas ações enquanto integrantes da sociedade. Há quatro anos, eu ia a um churrasco, tomava uma cervejada e saia dirigindo, sem problema algum. Agora, a lei, pedagogicamente, vem cumprir um papel de evitar que isso cause problemas sociais. A lei chega com esse propósito, para interferir na vida das pessoas, da sociedade, visando à produção de um valor, para agregar um bem, um valor, para melhorar a vida das pessoas. Se examinarmos do ponto de vida dos governos federal, estadual e municipal, a lei entra em que contexto? Também entra no contexto da ação, porque temos um outro artigo na Constituição, que é o art. 37, que diz que aqueles que agem em nome do governo – vamos pensar num Município: prefeito, vereador, secretário, secretária, prefeita, vereadora, servidores e servidores públicos – só podem agir conforme a lei. Se a lei não é boa, se a lei tem um conteúdo fraco, se a lei é imprecisa, se ela causa dúvida para a sociedade, isso significa insegurança. Para os governos federal, estadual e municipal, isso significa dificuldade, porque, se o governo só pode agir conforme a lei e a lei é ruim porque foi mal elaborada, por melhor que tenha sido a intenção do gestor público, ele não conseguirá bons resultados. Não se governa, numa democracia, por intenções; governa-se pelo que a lei determina. Onde expresso a minha boa intenção, visando a um resultado de governo, é na construção da lei. Quando não cuido a construção da lei, não qualifico as ações de governo, eu produzo insegurança para a sociedade. E aí vem a inquietação. Como confirmar os valores declarados na Constituição de 1988? Como confirmar os direitos colocados no texto da Constituição de 1988 se, ao construir as nossas leis hoje, não nos preocupamos em fazê-las bem, em corretamente elaborá-las? Esse é o desafio que está colocado. Essa é uma das alternativas de resposta que temos que produzir para fazer a leitura do que hoje está acontecendo no Brasil. Talvez essa distância e o cenário que envolve a construção legislativa sejam necessários para colocar foco na leitura do que está acontecendo hoje. Podemos não entender bem o que está acontecendo nas ruas hoje, pode ser que ainda não tenhamos segurança em afirmar é isso ou é aquilo, mas não podemos desconhecer o que está acontecendo. Às vezes, muito de perto, não temos condições de ler, mas, distanciando-nos e olhando a partir 46

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de um critério no qual trabalhemos a construção constitucional de 1988, talvez isso fique um pouco mais interessante em termos de leitura. Se a lei tem toda essa função, se a lei entra em contato com a sociedade, com a qualidade de governança que precisamos ter nas ações que visam confirmar direitos já declarados na Constituição de 1988, como é feita a lei? Como se faz uma lei? A maioria de vocês está começando agora uma caminhada no Legislativo, no âmbito municipal. A Assembleia Legislativa vem com esta proposta, que é fundamental, de discutir um pouco o papel das comissões de uma maneira geral e da Comissão de Constituição e Justiça de uma maneira específica, na construção da lei local. Como se faz uma lei? A primeira palavra que responde a essa questão é a que está ali colocada: por um processo. O que significa processo de elaboração de uma lei? O que significa processo legislativo? Vou dar, de imediato, uma resposta para isso: significa movimento. Não podemos pensar a elaboração da lei sem esse processo, sem esse movimento. Por que aqui sublinho esta parte para vocês? Porque é inconstitucional pensarmos que é possível fazer uma lei sem esse movimento, sem esse processo. Isso já está colocado nas jurisprudências que temos hoje, tanto do Tribunal de Justiça como do Supremo Tribunal Federal. Aqui no Rio Grande do Sul, tivemos um caso no Município de Alvorada. Um projeto de lei que instituía a contribuição de iluminação pública chegou às 17 horas na Câmara e, às 17horas e 30 minutos, estava aprovado – na mesma sessão plenária. Isso não é movimento, não é processo legislativo. Deem outro nome para isso, chamem de outra coisa, mas não de processo legislativo e de democracia, porque isso contraria o que foi declarado em termos de direitos na Constituição de 1988. O desembargador Wellington Pacheco foi o relator no Tribunal de Justiça. Ele disse uma frase didaticamente perfeita. Ele falou, no voto, que a lei não é um produto pronto. Nós temos que construir a lei. Ela não vem em prateleiras, não posso adquiri-la. Não. Temos que construí-la. Toda lei que é feita desta forma é inconstitucional. Toda lei que é aprovada no mesmo dia, na Câmara, é inconstitucional, porque não foi feito um movimento de elaboração dessa lei. Esse movimento para a construção de uma lei é político. Daí a importância de vocês, parlamentares. Se vocês, parlamentares, abrem mão do processo de elaboração qualificado de uma lei, vocês estão se diminuindo politicamente, porque não estão produzindo para a sociedade aquilo que os levou ao Parlamento, que é a representação política. Então, isso é indisponível. Não posso não querer construir a lei; não posso não querer trabalhar o pro-

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cesso, o movimento de elaboração da lei, porque isso está fora de debate. Se eu me desvio desse caminho, posso produzir uma lei que, questionada mais adiante pelo Judiciário, será considerada inconstitucional. O processo de construção de uma lei tem um padrão constitucional, e é responsabilidade do Parlamento construir um movimento qualificado de elaboração da lei. Ontem o Supremo Tribunal Federal concluiu um julgamento sobre o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional regulando a questão dos partidos pequenos, dizendo – não assim com essas palavras, mas com este teor: Eu, Supremo Tribunal Federal, não tenho nada que fazer na construção dessa lei. Por que disse isso? É que a tramitação do projeto de lei no Congresso tinha sido suspensa por uma liminar do ministro Gilmar Mendes, porque supostamente teria, esse projeto, uma inconstitucionalidade. Mas o Supremo decidiu, por maioria de votos, que inconstitucionalidade, ou constitucionalidade, ou conteúdo de projeto de lei é responsabilidade do Parlamento. Não é o Judiciário que avalia isso. Agora, se esse projeto de lei for aprovado no Congresso e resultar em uma lei inconstitucional, aí temos a ação direta de inconstitucionalidade, mas antes disso não. O Supremo diz que, primeiramente, o Parlamento faz o projeto e aprova a lei; depois, se houver uma provocação, analisará o conteúdo da lei. O Supremo reafirmou que a construção da lei é um processo político. Essas fases de construção da lei são necessárias para aquilo que se chama de aperfeiçoamento, ou o chamado devido processo legislativo. Quantas etapas tenho que atender para construir uma lei qualificadamente? Cinco. Eu tenho a iniciativa, que é a primeira etapa; a instrução do processo, que é a segunda etapa – eu tenho que instruir o projeto de lei; deliberá-lo em plenário é a terceira etapa; revisar, fazer a redação final do projeto; e há a etapa executiva, que é o encaminhamento do projeto para o governo, para o Poder Executivo avaliar se ele concorda – e aí o sanciona –, ou se ele discorda e veta o projeto aprovado na Câmara. Estas etapas: iniciativa, instrução, deliberação, revisão e a fase executiva são, como já está decidido no Judiciário por decorrência da Constituição Federal, indisponíveis. Eu não posso não realizá-las. Quando o presidente da Câmara diz assim: Sras. e Srs. Vereadores, V. Exas. concordam em que nós dispensemos o parecer das comissões para acelerar a votação desse projeto de lei? Isso é o mesmo que o presidente da Câmara propor: Sras. e Srs. Vereadores, V. Exas. concordam que nós descumpramos a Constituição? É a mesma pergunta, é exatamente a mesma coisa.

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Não posso dispensar parecer de comissão, porque isso não é admitido, porque isso faz parte da instrução do projeto de lei. O que eu posso fazer, em alguns casos, como regime de urgência e tramitação de veto, é, depois de esgotado o prazo, aí com ou sem parecer, a matéria ser encaminhada para a fase deliberativa – mas não essa alternativa de colocar para o plenário se o plenário concorda em dispensar o parecer. Dispensar o parecer é uma inconstitucionalidade. O Supremo julgou em março do ano passado e declarou a inconstitucionalidade da lei que criou o Instituto Chico Mendes, que é um instituto fantástico, que atua na questão da biodiversidade, da guarda de parques. E por que o Supremo declarou que é inconstitucional? Não porque a lei era com conteúdo ruim – porque o Supremo não avalia o conteúdo de lei, se é bom ou se não é bom. O Supremo declarou a inconstitucionalidade, porque a medida provisória que tramitou no Congresso Nacional, que gerou a lei que criou o Instituto Chico Mendes, essa medida chegou e foi colocada diretamente no plenário do Congresso Nacional sem o parecer da comissão mista. Disse o ministro Fux, que relatou a matéria: (...) amesquinhamento do processo legislativo ao não ter o trabalho das comissões. É fundamental o trabalho das comissões para poder instruir, qualificar. Por quê? Porque a instrução processual legislativa incide sobre dois elementos que fazem parte de qualquer projeto de lei que tramita na Câmara, na Assembleia ou no Congresso Nacional. Esses dois elementos são o problema e a solução, pois eu não posso ter um projeto se ele não justifica a sua apresentação porque existe um problema. Então, eu tenho que investigar qual é o problema, a causa, para a proposição desse projeto de lei. Eu tenho que buscar informações, e aonde busco essas informações sobre o problema, que é causa de apresentação daquele projeto que está tramitando na Câmara? Eu busco essas informações nas comissões e não no plenário, na fase deliberativa. É nas comissões que quero entender esse problema. Quero abrir um parênteses para dizer aos senhores que esta é uma questão de extrema responsabilidade legislativa. Nesse ponto reside o maior comprometimento do parlamentar. Pois não há problema – vou ser redundante na minha fala – no fato de o vereador ou a vereadora não saber sobre um projeto que está tramitando. Isso não é problema. O problema é o vereador ou a vereadora, diante de um projeto de lei que está tramitando na Câmara, não querer saber do que se trata.

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Se eu tenho um projeto de lei que trata na Câmara sobre saneamento básico, sobre alternativas que envolvem, por exemplo, a renovação do contrato com a Corsan – é uma alternativa; terceirizar saneamento básico é outra alternativa; e municipalizar o serviço, pois há Municípios em que é municipalizado o sistema de saneamento básico – não há problema no fato de eu não entender nada sobre saneamento básico, mas até o projeto chegar na Câmara. Quando o projeto chegar na Câmara, eu não posso mais não querer saber disso: eu tenho que buscar respostas, e aí entra o trabalho das comissões. Qual é o problema de que trata esse projeto? E o segundo elemento: qual solução o projeto propõe para o problema que ele precisa resolver? Aí entra o olhar político, aí entra a responsabilidade social do elaborador da lei: interpretar se esse problema é realmente um problema e se a solução proposta no projeto de lei para o problema que se quer resolver tem – e agora vou usar uma palavra que eu gostaria de anunciar para os senhores, talvez nova para muitos – realizabilidade. A solução proposta no projeto de lei tem que ter realizabilidade, ou seja, ela tem que ser factível, ela tem que gerar efeitos práticos, sob pena de não olhar a solução proposta para o projeto, para resolver o problema que lhe deu causa, e produzir uma lei não pedagógica, mas demagógica. O que é uma lei demagógica? O que é uma lei inútil? O que é uma lei vazia? É uma lei em que a solução não contém realizabilidade. Na Comissão de Constituição e Justiça, a solução proposta nesse projeto de lei tem realizabilidade constitucional? Na Comissão de Orçamento e Finanças, a solução proposta nesse projeto de lei tem realizabilidade financeira e orçamentária? Na Comissão de Educação, se a matéria trata, por exemplo, de educação, a solução prevista nesse projeto de lei tem realizabilidade material? Na Comissão de Serviços Públicos, de Infraestrutura, a solução prevista nessa lei tem realizabilidade operacional? Eu tenho que buscar essas respostas. Onde eu as busco? Nas comissões, porque é lá que trato desses dois elementos. É lá que eu aprofundo o debate sobre esses dois elementos. Como vereador, como vereadora, eu não tenho certeza se tem realizabilidade essa solução proposta no projeto de lei para o problema que se pretende resolver. Estou em dúvida. Então, vamos fazer uma audiência pública. Vamos chamar pessoas que possam me ajudar a entender essa solução que está proposta no projeto.

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Vamos chamar o Poder Executivo, a Secretaria de Obras, a Secretaria de Saúde, a Secretaria de Educação, a Secretaria de Finanças. Vamos discutir a questão. Por isso, construir lei é movimento. Lei não é pronta: Mas eu quero que alguém venha da sociedade expor a opinião que esse segmento tem sobre a solução que está proposta no projeto de lei. Então, que chame o segmento da sociedade. Se é um projeto de lei que trata, por exemplo, de alteração do Plano Diretor do Município, e se quer ouvir o CREA, o Conselho Regional de Engenharia, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, que os ouçam, os chamem, interajam com eles, compartilhem isso com a sociedade. A construção de uma lei tem que atender a um pressuposto democrático que é extremamente importante, que se chama o princípio da não-surpresa. Toda lei que causa surpresa, que as pessoas olham e questionam de onde surgiu, já foi elaborada de forma equivocada, porque nenhuma lei pode produzir surpresas, como a lei não produz surpresas através da instrução processual legislativa, fazendo os parlamentos o seu papel de trazer para a sociedade esse debate enquanto a lei está sendo pensada. Essa é uma questão que temos que mudar no Brasil, porque no País temos esta tendência de fazer a lei para ver o que acontece. Na verdade, temos que ver o que acontece antes de elaborar a lei, ou durante o processo de elaboração da lei, porque, se eu não sei o que a lei vai produzir, o risco do dano social será enorme. Uns podem dizer: Não, mas vamos colocar a lei para ver como vai ser. Não. Escutei no jornal Bom Dia, da Rede Globo, em março de 2012, uma reportagem sobre aquela lei que estabelecia a obrigatoriedade de aulas noturnas para se tirar carteira de motorista. Lembram? Então o jornalista Alexandre Garcia e os outros que estavam apresentando esse jornal começaram a dizer: Vamos torcer para essa lei pegar. A jornalista Zileide Silva, que era apresentadora, na época, falou: Tomara que essa lei dê certo. Eu fiquei pensando sobre aquilo. Até fiz um texto sobre o assunto. A lei dar certo ou não dar certo, a lei pegar ou não pegar não é uma questão de torcida. Não é uma questão de: vamos lá que vai pegar. Não: essa é uma questão de elaboração correta da lei. Se não elaborar corretamente a lei, se não pensar a lei antes de ela produzir os seus resultados, aí será uma questão de sorte. Mas não se constrói uma sociedade com harmonia, com sustentação em cima de valores que são fundamentais para a qualidade de vida, em cima da sorte.

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Nós temos que confirmar aquilo que foi declarado na Constituição de 1988, realizando corretamente o chamado processo legislativo. O processo legislativo é um movimento que significa uma sucessão fases. São cinco as fases que constroem uma lei. São indisponíveis essas fases. Não posso não as realizar. Se não realizar uma delas, contamino a lei produzida. Ela poderá ser declarada inconstitucional. Das fases de construção da lei, iniciativa, instrução, deliberação, revisão e executiva, a instrução é colocada sob a responsabilidade das comissões. Já falei que as comissões vão trabalhar essencialmente esses dois elementos. Qual o problema e a solução proposta para o problema? Realizabilidade. Essa palavra contém a responsabilidade política, social e técnica do elaborador da lei. Olhando isso, examinamos a função das comissões de uma maneira geral – e a CCJ, em particular, que é a Comissão de Constituição e Justiça, que é obrigatória em todos os parlamentos. Não pode existir uma Câmara Municipal sem a presença da CCJ. Minimamente, uma Câmara Municipal deverá possuir duas comissões, em decorrência do que determina o padrão constitucional, que havia mencionado antes. Escrevi aqui: movimento para a construção de uma lei é político e segue um padrão constitucional. Então, não posso não ter, na Câmara, no mínimo, duas comissões: a Comissão de Constituição e Justiça e a Comissão de Orçamento e Finanças. Mesmo que a Câmara possua somente nove vereadores, deverá possuir duas comissões. Não pode haver menos do que duas. Qual é, na instrução do processo de elaboração de uma lei, pontualmente a responsabilidade, da Comissão de Constituição e Justiça? É confirmar o projeto sob o ângulo da sua constitucionalidade. O nome já está dizendo. Isso implica examinar o projeto para ver se a sua forma está corretamente colocada e o seu conteúdo está adequadamente exposto. Portanto, o olhar da Comissão de Constituição e Justiça é essencialmente técnico: confirmar a constitucionalidade formal e material. Sob o ponto de vista da forma, como a CCJ se manifesta? Ela verificará, primeiro, a iniciativa, se foi corretamente exercida. Aliás, abro outra janela para explicar para vocês que a instrução processual de um projeto de lei que tramita na Câmara deve iniciar na Comissão de Constituição e Justiça. Primeiro, o projeto é analisado na CCJ, porque há uma preliminar a ser apurada. Antes de discutir se o projeto faz ou não bem para a sociedade, se é de interesse público ou não, qual é a preliminar? É

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constitucional a solução que está proposta para o problema que esse projeto de lei indica como causa para ser analisado? Então, não adianta ir para Comissão de Saúde, se, antes, a Comissão de Constituição e Justiça não examinou esses dois aspectos, que são a constitucionalidade formal e material. Passou na CCJ, o projeto está apto para as demais comissões, pelo princípio de identidade de matéria. Se gera despesas, irá par a Comissão de Finanças, se trata de saúde, vai para a Comissão de Saúde, se trata de educação, vai para a Comissão de Educação, e assim por diante. A identidade de matéria determina a sequência da instrução do processo, mas todas vão para a Comissão de Constituição e Justiça, para exame justamente dessas questões. A Comissão de Constituição e Justiça indica: Não, há um erro nesse projeto. Isso significa que foi identificado um erro na sua iniciativa ou na sua forma; isso causa e produz um incidente. Quer dizer, não normal. Então, esse incidente deverá ser examinado. Daí, depende do regimento interno de cada Câmara como esse incidente será resolvido, com o parecer de inconstitucionalidade da Comissão de Constituição e Justiça. A maior parte das regimentos internos determina que a matéria para de tramitar e vai a plenário em discussão especial. O que significa discussão especial? Significa dizer que o plenário vai ou confirmar o parecer da CCJ ou rejeitá-lo. Por isso, é especial, não discute o mérito da matéria. A Assembleia e outras Câmaras municipais determinam o arquivamento, com a possibilidade de o autor do projeto recorrer da decisão da comissão. Isso depende de cada Câmara e do regimento interno de cada Município. Do ponto de vista forma, são três os itens de que precisamos examinar: a iniciativa, como falei para vocês; a espécie que está sendo processada a matéria – há muitos Municípios, por exemplo, que tratam como projeto de lei uma matéria que deve ser apreciada como projeto de lei complementar. Por exemplo, o Código Tributário do Município é elaborado por lei complementar. Então, o prefeito envia um projeto de lei para a Câmara, que é outra espécie. Aliás, é bom lembrar que há cinco espécies de leis no Estado do Rio Grande do Sul possíveis. A emenda da Constituição, que no Município é a emenda lei orgânica; lei complementar; lei ordinária, decreto legislativo e resolução. São espécies de leis admitidas no nosso sistema, aqui, no Rio Grande do Sul.

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O que acontece? O código tributário é por lei complementar. Portanto, para alterá-lo, a proposição tem que ser via projeto de lei complementar. Em muitos Municípios, o prefeito encaminha para a Câmara um projeto de lei. Nesse caso, ocorre um erro de espécie legislativa. Quem apura esse tipo de erro é a Comissão de Constituição e Justiça, e o erro de tramitação, se está tramitando corretamente, se foram observadas todas as formalidades adequadas para que o projeto possa, então, seguir o seu rumo para as demais matérias. Se, nesse estudo, surgir a identidade de um erro, dizemos então que o projeto contém uma inconstitucionalidade formal, independente do seu conteúdo. É uma inconstitucionalidade formal. Agora, também é função da Comissão de Constituição e Justiça trabalhar o âmbito local, que é o conteúdo da matéria. Para tanto, temos que fazer uma análise do art. 30 da Constituição Federal. Não posso deixar de falar para vocês em uma questão fundamental, qual seja, o conceito do art. 30 da Constituição Federal sobre o que seria um assunto de interesse local é um conceito aberto, não fechado. O que isso significa na prática? Que é diferente, por exemplo, da União. As matérias de competência de elaboração de lei da União estão previstas, taxativamente, nos arts. 21 e 22 da Constituição Federal. Então, não há dúvida: o assunto é da União, não se pode tratar essa matéria, em termos legislativo, no âmbito do Município, porque esse assunto pertence à União. Só que a Constituição da República, nesse ponto, é clara, o que compete à União está explicitamente definido no texto constitucional. Com relação ao Município, as hipóteses de matérias a serem legisladas no âmbito local estão exemplificadas no art.30, mas não são exaustivamente postas. Isso significa – é isso que quero trazer aqui para vocês como uma proposição – que temos de ser aguerridos na Comissão de Constituição e Justiça. Os Municípios já ganharam muito espaço nessa discussão. Por exemplo, logo que surgiu a lei obrigando as agências bancárias a colocarem porta com detector de metal nos bancos – estão lembrados? – essa lei acabou espalhando-se por vários Municípios. A Federação Brasileira de Bancos foi para o Judiciário questionar e entrou com ações diretas de inconstitucionalidade. Por quê? Porque essa federação entendia que a elaboração

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da lei para obrigar o banco a possuir porta com detector de metal na sua entrada não era de competência municipal. Os Municípios firmaram pé no entendimento de que era de sua competência. Foram ao Judiciário discutir a matéria e conseguiram a confirmação de que o assunto era de interesse local. Assim, por exemplo, o Município poderia exigir que os bancos tenham biombos, por exemplo, entre cada caixa eletrônica, para proteger a pessoa quando saca o dinheiro. O Município pode fazer uma lei para obrigar os bancos a ter câmeras de monitoramento; pode também exigir que atendam às pessoas em 20 minutos, para não deixá-las esperando um dia inteiro na fila; pode cobrar dos bancos que estabeleça um padrão de vidro a ser colocado, como um à prova de bala, não só em agências bancárias, mas em lotéricas que prestem serviço bancário, para proteger o cidadão. Isso diz respeito à sociedade local e, se assim for, é de âmbito local a matéria a ser legislada. Há um elemento de contradição. A tendência das Comissões de Constituição e Justiça é declarar o projeto inconstitucional. Na dúvida, tem que comprar essa briga. Entenderam? É claro que há situações que são – não existe esta palavra, peço perdão por usá-la – irresolvíveis. Não tenho como curá-las. Mas há situações que tenho como defender. Se tiver que ir ao Judiciário defender a lei, numa Adin, vamos fazer a defesa dessa lei, porque quem defende a lei numa ação direta de inconstitucionalidade é a Câmara. Para toda ação direta de inconstitucionalidade movida contra uma lei do Município no Tribunal de Justiça, o que diz o Tribunal o Justiça? Devolva-se à Câmara para que defenda essa lei, e dá prazo para que a Câmara faça a defesa dessa lei. É a Câmara que deve produzir essa defesa. A Comissão de Constituição e Justiça tem o papel fundamental de abrir, alargar esse espaço de interesse local. Ela precisa entrar num circuito mais propositivo, e não ficar só dizendo não. Existem Câmaras Municipais hoje onde, de cada 30 projetos, 29 são inconstitucionais, mas talvez alguns destes comportem uma discussão. O Brasil é muito jovem na experimentação legislativa a partir dos parlamentos, tanto que vivemos, até 1988, com leis produzidas pelo governo. Era o que se chamava na época decreto-lei, lembram? Decreto-lei é a lei decretada pelo governo. Agora, a lei é produzida pela sociedade. A Constituição de 1988 trouxe-nos uma informação extremamente relevante e que faz parte do que está acontecendo hoje, 2013: o poder emana do povo, está escrito na ConsAssembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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tituição. Se o poder emana do povo, o exercício desse poder reivindica a confirmação de direitos, e é na qualidade da produção da lei que confirmamos esses direitos – municipal, no âmbito da Câmara de Vereadores; estadual, na esfera de atuação da Assembleia Legislativa; e nacional, no âmbito do Congresso Nacional. Cada um faz a sua parte, mas todos contribuem para a confirmação desses direitos. Portanto, deputado, esses eram os elementos que eu tinha para trazer à reflexão e discussão. Para finalizar, gostaria de repetir o que tenho dito há muito tempo, e muitos aqui já ouviram até mais de uma vez. Vou continuar dizendo, enquanto isso não mudar. Todo Município do Brasil tem uma Câmara Municipal; nem todo Município do Brasil tem um Poder Legislativo. Porque é diferente. A Câmara Municipal não legisla, protocola projetos e formalmente faz com que eles caminhem. Existem Câmaras Municipais que têm ata dizendo que a comissão se reuniu na terça-feira às 16 horas, com tudo o que foi feito, projeto de lei analisado, parecer, assinatura de vereador, mas não aconteceu a reunião. No entanto, existe a ata. Então, isso é uma Câmara. Formalmente, está documentado. Poder Legislativo é diferente, é legislar com responsabilidade, é não abrir mão da sua prerrogativa, até porque o Poder Legislativo que abre mão da sua prerrogativa nega a representação que exerce na sociedade, e quem perde com isso é a sociedade, é o cidadão. Essa reflexão é importante. Em muitas Câmaras Municipais, as comissões não funcionam. Os vereadores pensam: Ah, pra que se reunir em comissão? Mais um dia que tem que ir na Câmara... Mas isso faz parte da produção de qualidade de vida da sociedade brasileira no âmbito local. Não posso não querer isso. Se eu não quero isso, não deveria ter feito juramento no dia 1º de janeiro, quando me comprometi a cumprir a Constituição Federal, a eticamente representar a sociedade. Tem alguma coisa errada nesse processo. O grande desafio que temos é este: construir-nos como um Poder Legislativo, porque, se não nos valorizarmos enquanto Poder Legislativo, não é a sociedade que vai, de uma hora para outra, nos valorizar. É um processo interno de afirmação e reafirmação do nosso papel junto à sociedade. Também há o site www.cidadaniaedemocracia.com.br, que é um site acadêmico, para troca de ideias, produção de conhecimento justamente nessa área que lido muito com os alunos, com as pessoas que estudam essa matéria. É uma espécie de plataforma para podermos fazer trocas. Há vários textos sobre legística, processo legislativo, responsabilidade 56

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parlamentar, administração pública. Tudo gratuito para compartilhar, para trocar ideia. Se curtirem a sua página pelo Facebook, receberão suas atualizações diretamente no seu perfil dessa rede social. Não há nenhum tipo de preocupação. O telefone do IGAM em Porto Alegre é 3211-1527 e o site é www.igam.com.br. Também fico à disposição dos senhores. Agradeço à Comissão de Constituição e Justiça pelo convite, por esta oportunidade. Desejo sucesso na continuidade do evento.

O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Muito obrigado, André, pela ajuda, pela discussão, pelas respostas, pela contribuição com o nosso seminário. Convido-lhe para permanecer conosco, à mesa. Agradeço-lhe por ter cumprido estritamente o horário. Convido para que faça parte da mesa o presidente do Tribunal de Contas, conselheiro Cezar Miola. Seja bem-vindo à Casa que o senhor já conhece há muito tempo e tão bem, pois tem circulado por aqui muitas vezes. Hoje tivemos a alegria de ouvir, há pouco, o Dr. André, e, na parte da manhã o Dr. Eduardo Carrion. Parabenizo, novamente, esses bravos e corajosos vereadores que transpuseram muitos obstáculos para chegarem até Porto Alegre, hoje, por questões das quais já temos conhecimento. Concedo a palavra ao Dr. Cezar Miola, a quem agradeço por acolher o nosso convite e comparecer a este evento.

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Dr. Cezar Miola

O SR. CEZAR MIOLA – Boa tarde. Inicialmente, cumprimento o presidente dos trabalhos, do evento e da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, deputado Heitor Schuch. Saúdo o Dr. André Leandro Barbi de Souza, ilustre publicista, diria, consultor de tão destacada atuação no ramo do direito público; o meu colega Valtuir Pereira Nunes, diretor-geral do Tribunal de Contas do Estado, que dividirá comigo a exposição acerca da relação do Tribunal de Contas com o legislativo municipal e com a sua estrutura de fiscalização e controle. É certo, deputado Heitor Schuch, que provavelmente a parte mais agradável e entusiasmante da palestra será a do nosso diretor-geral, porque além da sua grande capacidade de comunicação, vai dialogar de maneira muito concreta e objetiva acerca da relação dialógica que temos procurado estabelecer, cada vez com mais intensidade, entre o Tribunal de Contas e as Câmaras de vereadores do Estado do Rio Grande do Sul. Saúdo as autoridades aqui presentes; as senhoras e os senhores vereadores; os meus colegas, em última análise, do exercício da função pública.

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Quero, desde logo, me penitenciar, porque identifico que na plateia existem muitas autoridades no tema que estamos versando. Então, eles terão a compreensão de entender as limitações de quem fala e também do propósito que temos aqui, que é estabelecer um diálogo direto, tanto quanto possível informal porque me parece que a finalidade é termos a capacidade de informar e de ouvir acerca dos objetivos que aqui nos trazem hoje. Embora eu não tenha tido o privilégio de acompanhar as palestras apresentadas, pelo conteúdo da programação, certamente falou-se acerca das principais funções que a Constituição reserva ao Poder Legislativo no Estado Brasileiro. Costumamos classificá-las em dois grandes grupos: as típicas e as atípicas. As típicas, as clássicas que nos são ensinadas nas primeiras aulas de Teoria do Estado e de Direito Constitucional como sendo a de legislar e a de fiscalizar. As atípicas, que de alguma maneira permeiam também outras estruturas de Estado, a de administrar a função administrativa, porque todos os poderes e órgãos, para além das suas funções precípuas – que no caso do Legislativo são exatamente as tarefas legiferante e o controle –, todos nós temos, seja na Assembleia, seja no Tribunal de Contas, seja no Ministério Público, seja no Poder Judiciário, funções de administração no ambiente das nossas estruturas. Há também, no âmbito do Legislativo, uma função muito importante, não frequentemente manejada em pelo menos num dos aspectos, que é a função de julgar. O Legislativo tem tanto a responsabilidade de processar e julgar, por exemplo, o prefeito de um Município nos chamados crimes de responsabilidade, como também em relação a esses atos típicos praticados pelos próprios vereadores. Também tem uma função julgadora muito importante, que é a de decidir acerca das contas do chefe do Poder Executivo municipal, julgando – e esse é o termo que a Constituição emprega – as contas prestadas pelo prefeito, pelo chefe do Poder Executivo em relação as quais houve a emissão de um parecer prévio por parte do Tribunal de Contas. Esse parecer prévio, como costumava lembrar o conselheiro Hélio Mileski, nasce, no caso do Legislativo municipal, com uma certa força vinculante, porque só deixará de prevalecer, diz a Constituição, pela deliberação de dois terços dos membros da Casa – o que é uma peculiaridade, uma especificidade em relação às contas do presidente da República e do governador do Estado, onde não se exige esse quórum qualificado. Aqui, ao tocar nessa função julgadora do Poder Legislativo, já me remeto a uma tarefa importante que, por vezes, é, não diria negligenciada, mas não é suficientemente valorizada. Inclusive, por vezes, passam-se meses ou anos sem que a Câmara aprecie o parecer prévio encaminhado pelo Tribunal de Contas. Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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A decisão é do Legislativo. Aprovar ou não é uma decisão de natureza político-administrativa. Há o componente político implícito, evidentemente, à luz do parecer do Tribunal de Contas, mas a Câmara decidindo em face dos critérios que entenda deva adotar, preservado o devido processo legal. Ou seja, se é uma atividade de julgamento, com os efeitos graves que implica – porque daí poderá decorrer, por exemplo, a inelegibilidade, a inabilitação para o exercício da função pública – é imprescindível que esse julgamento se dê observando as garantias constitucionais do devido processo legal, ou seja, preservado o contraditório e a ampla defesa. Falava que muitas vezes as Câmaras se demoram, ou, quiçá, deixam de praticar, de exercer essa sua competência. O Tribunal tem acompanhado – e às vezes com alguma apreensão – o fato de que passam-se meses ou anos sem que o Poder Legislativo decida a respeito. Não interessa apenas ao Tribunal de Contas ver decidida essa matéria, mas interessa à sociedade ter conhecimento de como se pronuncia aquela Câmara de Vereadores acerca daquela prestação de contas. A Constituição Federal nos diz – aliás, as manifestações dos últimos dias, da últimas semanas estão evidenciando muito isso, ainda que por vias talvez pelas quais não se cogitasse em passado ressente: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Pois esse poder, em relação ao Município, se dá, no regime representativo, por meio da escolha dos mandatários e dos legisladores locais que têm, dentre as suas principais funções, a de legislar e a de fiscalizar. Vou me ocupar mais aqui do tema da fiscalização, pois foi por esse motivo que fui convidado, que o Tribunal de Contas foi convidado, porque temos, na verdade, entre nós, órgão de controle e Legislativo, uma relação umbilical que nos foi dada pela Constituição. Alguns chegam a afirmar que o Tribunal de Contas é um órgão auxiliar do Poder Legislativo. Não. Não é um órgão auxiliar do Poder Legislativo. É um órgão autônomo e independente. Mas a Constituição atribuiu ao Tribunal de Contas o dever, a responsabilidade de auxiliar o Poder Legislativo no exercício do controle externo da administração pública. Isso está lá no art. 31, § 1º, da Constituição: O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município (...). Repete-se aqui, na parte relativa aos Municípios, o que consta em relação ao Congresso Nacional na Constituição. Então, é assim que o Tribunal de Contas atua, em regime de verdadeira colabora60

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ção com o Poder Legislativo. No caso das contas dos prefeitos, oferecendo um subsídio fundamental para essa decisão, que é o parecer prévio. Como parecer que é, poderá ser ou não acolhido, porque a decisão, sabemos todos aqui, é autônoma, soberana, independente dos vereadores ao apreciarem a matéria. Digo isso várias vezes. O deputado Heitor Schuch lembrou que já estive outras vezes na Assembleia Legislativa. Venho aqui com frequência. Venho por várias razões, por questões de natureza institucional, mas fundamentalmente por respeito à instituição, pelo diálogo que precisamos estabelecer. Em todas as minhas intervenções, costumo destacar exatamente que nós, Tribunal de Contas e Poder Legislativo do Estado e dos Municípios, no que diz respeito ao Rio Grande do Sul particularmente, devemos, sim, caminhar de mãos dadas. Isso se o controle externo da Câmara Municipal for exercido com auxílio do Tribunal de Contas, como diz a Constituição, no art. 31, que é o caput: A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. Como é que podemos estabelecer essa cooperação? Este aqui é um exemplo. O Tribunal de Contas dialogando com os vereadores acerca dessa matéria. Temos feito, para ficar na área da orientação, na perspectiva pedagógica desse trabalho, inúmeras atividades de capacitação, proporcionando isso aos vereadores. Estamos em vias, agora, de organizar um evento em conjunto com a própria União dos Vereadores do Rio Grande do Sul. Temos percorrido o Estado. Em maio, encerramos um ciclo de encontro chamado Encontro Regional de Controle e Orientação, cujos destinatários são os chefes do Poder Executivo, os membros do Poder Legislativo, respectivas procuradorias, controladorias e assessorias. É uma forma de dialogarmos. Gostaria de convidá-los, vereadores, para participarem mais ativamente desse processo. Nos dois últimos ciclos que realizamos, em 2011 e 2013, apenas a metade das Câmaras de vereadores do Rio Grande do Sul se fizeram presente. A média foi praticamente a mesmas nesses dois anos. Em 2011, preparamos o encerramento da legislatura em 2012; em 2013, abordamos o primeiro ano da atual legislatura. Essas atividades são propiciadas pelo Tribunal de Contas gratuitamente, inclusive sem taxa de inscrição, e procuram elas debater, fortalecer, prestigiar a atuação do legislador, do fiscalizador local, no caso, o vereador. Temos muitas outras formas tipicamente institucionais para estabelecer essa relação. Envolvem elas as auditorias e inspeções realizadas pelo Tribunal de Contas, no próprio

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Legislativo inclusive. Essa é a razão pela qual, se faltassem outros argumentos, não se poderia sustentar que o Tribunal de Contas é um órgão auxiliar, mas, sim, que presta auxílio, porque ele, inclusive, julga as contas dos dirigentes do Poder Legislativo. E quando a Constituição, por outro lado, identifica como se dá a composição do Congresso Nacional, do Poder Legislativo, elenca a Câmara e o Senado, mas não elenca o Tribunal de Contas. Enfim, na auditoria e na inspeção, na apreciação das contas dos chefes do Poder Executivo e de todas aquelas entidades da administração indireta local, o Tribunal tem uma atuação de natureza técnica, cujo conteúdo é fonte importantíssima – diria até essencial – para que a Câmara de Vereadores possa cumprir a sua missão fiscalizadora. Então, as Sras. e os Srs. Vereadores têm, de um lado, a possibilidade de entender os elementos concretos à luz de informes e denúncias que perpassam lá no ambiente da comunidade, que vêm a público no clube, no futebol, no ambiente do espaço político da Câmara, de levar ao Tribunal de Contas solicitações para realizar inspeções e auditorias. Nós recebemos – não tantas, mas recebemos – solicitações do Legislativo nesse sentido e, via de regra, atendemos ou através de uma inspeção especial, de uma inspeção extraordinária, se são fatos que envolvem vários exercícios, ou inserindo a matéria respectiva na auditoria programada para aquela administração, para aquele órgão da administração indireta, se for o caso. É uma forma de o Tribunal participar ativamente do exercício do controle externo. Há outra, que quero aqui colocar à disposição. Em todas as intervenções que faço, falo nisso. Refiro-me à possibilidade do Poder Legislativo solicitar ao Tribunal de Contas relatórios das auditorias e inspeções realizadas ao longo dos anos naquele Executivo, naquela autarquia, naquele fundo, naquela empresa pública, naquele consórcio respectivo. O Tribunal pode e deve fornecer essas informações à Câmara de Vereadores. Mais recentemente, com o advento da chamada Lei de Acesso à Informação, estamos atendendo aos requerimentos do cidadãos nesse sentido. Quanto mais atenderíamos ao vereador das comissões da Câmara. Claro que, no caso de uma solicitação feita pelo cidadão, por alguém do povo, o Tribunal sempre fornece um relatório da auditoria depois de garantido o contraditório, ou seja, depois de ter permitido o exercício do direito de defesa. Se a solicitação vier através da Câmara ou de uma das comissões, o Tribunal fornece o relatório antes mesmo de prestar os esclarecimentos. O que quer com isso? Quer dar elementos para que o vereador exerça a sua função

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de fiscalização. Claro, conforme o estágio, a fase do processo, ele será informado. Se o processo não foi decidido, o que está apontado, no relatório da auditoria, não é a posição oficial ou institucional do Tribunal e poderá vir a não ser na hora da decisão. Mas é um informe técnico a ser manejado, a ser utilizado pela Câmara de Vereadores à luz da sua variação, com responsabilidade política e institucional que se tem. Ao falar em responsabilidade política, lembro-me de que quando comecei a trabalhar no serviço público – lá se vão há mais de 30 anos; de fato, eu era bastante jovem mesmo – fui assessor, que era uma espécie de oficial de gabinete do secretário da Administração do Município, que era a unidade administrativa, que fazia a interlocução política com o Legislativo. Hoje, vejo pequenos Municípios que, às vezes, possuem oito ou 10 secretarias municipais, departamentos, unidades, as mais variadas assessorias. Na minha época, havia quatro secretarias e tudo se concentrava ali. Então, era a responsabilidade dessa unidade, como disse, o diálogo com a Câmara de Vereadores. Eu, ainda muito jovem, fui aprendendo a conhecer as coisas do Poder Legislativo, enquanto frequentava o curso de Direito. Convivi com pessoas, que estão na minha memória, que eram vereadores. A maioria deles com pouca, com escassa formação escolar, mas de grande espírito cívico, de grande compromisso com a comunidade. Não raras vezes, eu era escalado pelo prefeito justamente para fazer uma espécie de acompanhamento das sessões da Câmara de Vereadores, para ouvir o que era dito, ser uma espécie de escuta e, ao mesmo tempo, aprender com o que ocorria ali. Fazendo uma breve digressão, fico pensando que alguns desses acontecimentos desses dias talvez estejam ligados, um pouco também, a como temos lidado com as questões da política neste País, mas não da política partidária necessariamente. Assim como todas as instituições têm se colocado frente às expectativas, aos anseios, ou como tem gerenciado as suas responsabilidades institucionais, talvez possamos entender, então, um pouco do que vem ocorrendo, abstraídas as situações de violência, de agressão pessoal e patrimonial, porque ninguém em sã consciência pode concordar com isso. É fato que talvez esteja se expressando ali, e quem fala aqui não conhece a ciência política. Não sou estudioso dessa área, talvez esteja até me atrevendo a opinar em seara alheia. Para mim, parece muito claro que está dada a oportunidade para uma reflexão, para uma ponderação, que tudo tem limite, tem um ponto de esgarçamento ou de estrangulamento, a chamada gota que faz o copo de água transbordar. Quem sabe possamos nos valer deste momento para uma reflexão acerca de como

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todas as instituições – repito todas, porque acho que nenhum de nós pode pretender se apartar – estão lidando com a chamada coisa pública, com a gestão dos interesses coletivos, cada um na nossa esfera de competência. Ainda falando sobre a função fiscalizadora de controle reservado ao Poder Legislativo, gostaria de mencionar o tema das leis orçamentárias da apreciação e da votação dos projetos de lei, dos chamados planos plurianuais, das Leis de Diretrizes Orçamentárias e das leis de meios – como chamávamos antigamente ou não tão antigamente assim, os orçamentos. Se são – e é verdade, são – projetos de iniciativa do Poder Executivo, não cabe ao Legislativo única e tão somente chancelar e dizer sim ou eventualmente não à proposta. Há espaço técnico jurídico para discussão, para emenda e para que essas leis, essas normas, sejam utilizadas efetivamente como instrumentos de planejamento da administração pública, o que são por excelência ainda que o orçamento seja uma norma financeira, como sempre procuramos referir, são instrumentos de planejamento. Nada acontece na administração pública ou pelo menos nada deveria acontecer em termos de receita e de despesa fora da moldura das leis orçamentárias. E não são raras as vezes em que no Tribunal de Contas isso tem diminuído, mas ainda existe. Encontramos, por exemplo, leis de diretrizes orçamentárias idênticas em vários Municípios. Eu fico me perguntando como isso seria possível. Evidentemente que as demandas lá do meu São João da Urtiga são muito diferentes de Passo do Sobrado, de Capão do Leão, de Capão do Cipó e assim por diante. Então, precisamos nos devotar ao exame dessa legislação, porque a partir daí depois se vai ter um instrumento maior de fiscalização. Fala-se muito na importância da função legislativa. Obviamente, que ninguém a despreza, ela é intrínseca, inerente ao legislador, no caso ao vereador. Mas nem sempre se dá a exata dimensão da função fiscalizadora. Às vezes por falta de compreensão, às vezes por conta dos arranjos políticos das chamadas cláusulas de governabilidade que acabam ofuscando um pouco o exercício desse papel fiscalizador. Mas como fiscalizar senão a partir sobretudo das leis orçamentárias do orçamento anual? Lembrava agora que, no Rio Grande do Sul, temos mais de 100 Municípios que não têm oferta de vagas em creches. Nem uma vaga. É bem verdade que quase todos eles são, na maciça maioria, Municípios de pequeno porte, com menos de 10 mil habitantes. No Rio Grande do Sul, temos mais de 160 Municípios com menos de 10 mil habitantes.

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Eu não sei se em determinadas situações pode não haver demanda. Então não é a priori a opinião do Tribunal de Contas ou do seu presidente que vai ditar que o Município deva ter ou não uma creche. Mas não posso acreditar que em todos esses mais de 100 Municípios não haja demanda por atendimento em creche, porque nós já passamos o tempo de identificar creche como um sinônimo – perdoem-me a expressão um pouco vulgar – de depósito de crianças. Isso faz parte de um passado que não deve voltar. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação inseriu o atendimento em creche na pré-escola no sistema regulado na seara educacional. Faz parte do processo educacional o atendimento em creche na pré-escola, que por sinal, por força da emenda nº 59, se não me equivoco, os Municípios têm até 2016 para universalizar o atendimento na pré-escola, que começa mais cedo, porque tudo está começando mais cedo. A precocidade chegou aí também. Dentro da função fiscalizadora, se eu estou lá em um desses Municípios que não tem nem uma vaga em creche e sabidamente existe demanda, então está na hora de eu exercer a função fiscalizadora verificando porque não está se contemplando recurso para a construção, para a compra de mobiliário, para recrutamento de pessoal, ou para atendimento dessas crianças. Eu devo lhes dizer, muitas vezes ouço o argumento – o Dr. André que atua na advocacia nessa área talvez ouça muito, ou eventualmente use esse argumento na sua atuação, e não quero dizer que ele não tenha consistência e proceda muitas vezes, mas às vezes ele não procede – de que existem Municípios pequenos, com pequenas estruturas que não têm condições de terem bons assessores, bons técnicos, não conseguem então recrutar bons profissionais na área do direito por exemplo, da procuradoria, do controle interno, ou serviços médicos. Para determinados profissionais de nível superior que no mercado comumente recebem remuneração em torno de 5 mil reais até 8 mil reais, tem planos de carreira que oferecem em torno de 1 mil e 500 reais de remuneração. Até me dizem: presidente fiz vários concursos e não tem jeito. E, estranhamente, quando o contrato oferece três ou quatro vezes mais ele consegue contratar o profissional. É claro que ninguém vai procurar se a ofertar for naqueles parâmetros. Precisamos ter estruturas profissionalizadas, mínimas, compatíveis com a realidade de cada Município. Costumo dizer, vou tomar sempre o exemplo do meu São João da Urtiga, que é mais fácil, e vou ilustrar com Passo Fundo, do Dr. André. São Municípios totalmente diferentes. Em tudo, em dimensão econômica, em desenvolvimento, em índices e tudo mais. Então a estrutura da carreira jurídica em um e em outro Município será totalmente diferente. Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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Quiçá lá no meu Município nem carreira se precise falar, mas alguém deverá cumprir esse papel de consultoria, ou procuradoria jurídica, ou procurador do Município, ou assessor jurídico, ou seja lá o que for. E isso vale para as demais funções. Mas isso faz parte, tem tudo a ver com a função fiscalizadora. Como está se desincumbindo a administração ao legislar acerca desse tema e depois ao prover, ao recrutar a força de trabalho da qual necessita. Isso vale para o controle interno. Aliás, eu acho que na mesma linha de importância que tem a relação do Tribunal de Contas com o Poder Legislativo e a Câmara de Vereadores está o controle interno da administração. Mas a consistência e a qualidade da atuação do controle interno passa, primeiramente, pelo Poder Legislativo ao aprovar a legislação que cria e institui a unidade central de controle interno, o departamento. Enfim, essa é uma questão de forma e nomenclatura, que, no âmbito da autonomia de cada Município, vai se definir. Então eu pergunto como estão os sistemas de controle interno nos nossos Municípios, as unidades responsáveis pelo controle interno? Elas já foram aprovadas? Sim. Nós sabemos que em praticamente todos os Municípios do Rio Grande do Sul têm unidades de controle interno. Mas como elas estão funcionado? O Município dotou de condições operacionais suficientes? Quem são os agentes do controle interno? São cargos em comissão, indicados e escolhidos pelo chefe do Poder Executivo e que por mais eficientes e competentes e íntegros que sejam terão a sua atuação afetada por conta dessa relação de confiança que os une, servidor e administração, ou mais que isso, servidor administrador? Então, precisamos também falar aqui sobre uma estrutura de controle profissionalizada com servidores investidos por concurso público. Mas por que é tão importante? Não é o Tribunal de Contas que está referindo, isso está no art. nº 74 da Constituição e, no art. nº 31, especificamente para os Municípios. A Constituição previu para o controle interno que se avalie o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos. Muitas vezes as Câmaras de Vereadores não têm uma estrutura de assessoramento mais aparelhada. E até se justifica isso, porque são estruturas pequenas, às vezes com uma reunião semanal ou quinzenal. Dentro do princípio da economicidade e da eficiência, as Câmaras se estruturam com um mínimo necessário.

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E até é de se louvar isso, não é? Ter o básico para que possa bem cumprir a sua missão sem demasia, sem excesso, sem empreguismo, sem clientelismo. Mas quem é que vai ajudar a Câmara de Vereadores em tantas missões relevantes que ela tem? O Tribunal de Contas, da forma como antes mencionei, e por uma outra, o lado bom da palestra, que o Valtuir vai explicar. A verdadeira fonte que está depositada no nosso sistema de informações à disposição dos vereadores para cumprir a sua missão. Mas, segundo a Constituição, além do Tribunal de Contas, o controle interno deve avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, e a execução dos programas de governo. Ou seja, fazer uma análise profundamente técnica para que o Legislativo possa, sim, incidir, requerer, representar, solicitar informações, enfim, tudo que é inerente à função de fiscalização. E comprovar a legalidade, ou seja, a aplicação do princípio da legalidade, e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado. Por exemplo, subvenções, transferências a organizações não governamentais como associações, fundações, etc. Deixo fora o terceiro item, porque achei não ser mais relevante e vou ao inciso IV, do art. nº 74: Apoiar o controle externo no exercício da sua missão institucional. Ou seja, o controle interno, subsidiando o Tribunal de Contas ao levar denúncias e representações. Inclusive, conforme reza na Constituição, sob pena de responsabilidade. O Tribunal de Contas não tem só a faculdade, o direito de fazer, tem também o dever, sob pena de incidir em omissão, que, em tese, pode até configurar ato de improbidade administrativa. Esses três, dos quatro incisos do art. nº 74, são notáveis para o controle da administração pública, por meio do controle interno, que é um instrumento de atuação a serviço também do Poder Legislativo. Então cabe verificar como está exatamente a situação do controle interno em cada um dos nossos Municípios, se estão conseguindo cumprir, se têm condições efetivas de desempenharem a missão constitucional a eles reservada. Poderia falar aqui sobre a articulação com os conselhos, que é importante e que também tem sido objeto de atenção do Tribunal de Contas. Nós temos a previsão de conselhos que decorre da própria Constituição, na área da saúde, da assistência social e da educação, como, por exemplo, o Conselho de Fiscalização dos recursos do Fundeb. O Tribunal de Contas tem procurado capacitar os conselheiros municipais com atiAssembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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vidades de treinamento por meio do sistema de educação a distância, para que eles possam também participar ativamente desse processo de controle de fiscalização da administração pública. É uma interlocução importante no exercício da atividade parlamentar. Mas também fiscalizando as condições daqueles conselhos que têm o papel transcendente em relação a determinadas políticas públicas, que são obrigatórias, por exemplo, os conselhos dos direitos da criança e do adolescente e os conselheiros tutelares. Nós vemos que, na maciça maioria dos Municípios, estão criados esses conselhos. Temos, inclusive, dados estatísticos. Temos conselhos tutelares, inclusive, com remuneração para os respectivos conselheiros. Mas, quando vamos mergulhar na sua atuação ou no porquê da falta de atuação, identificamos falta de condições operacionais, de equipamentos, de instalações, e, então, o cumprimento dessa missão relevante, por exemplo, em relação às políticas da criança e do adolescente, se vê afetado. Onde é que tudo isso estará contemplado? A partir das leis orçamentárias, sobretudo na lei orçamentária anual, evidentemente. Há também um outro aspecto em relação ao qual talvez todos nós sejamos devedores, quanto à plena efetividade na fiscalização, que diz respeito à receita pública, à arrecadação. Nós, lá no tribunal, usamos muito, fazendo uma autocrítica, a expressão de que somos bastante eficientes em relação ao controle do gasto público, mas ainda não somos o suficiente em relação à área da receita, da arrecadação. E obviamente que toda e qualquer ação, qualquer despesa, qualquer investimento, qualquer projeto passa pela respectiva fonte de financiamento. E esse financiamento se dá com a arrecadação. Em muitos casos, financiada essa arrecadação ou estruturada a partir das transferências do fundo de participação dos Municípios e da quarta parte do ICMS dá quase para fazer uma correlação assim: quanto menor o Município, salvo exceções, maior é a participação do FPM na receita total. Embora não seja uma regra absoluta, preponderantemente ocorre isso. Mas, e o que estamos fazendo com relação aos tributos locais, aqueles que a Constituição atribuiu para que o Município os instituísse, lançasse e cobrasse: o IPTU, o ISS, o imposto de transmissão, a contribuição de melhoria, as taxas, enfim, esse conjunto que nós denominamos tributos. É verdade que no ano passado, e neste ano possivelmente esteja ocorrendo o mesmo fenômeno, embora eu pessoalmente não tenha visto nenhum estudo, nós já confirmamos lá no tribunal os efeitos da queda de arrecadação gerados pela redução do FPM, que se viu

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afetado pelos incentivos fiscais, incentivos concedidos a determinados produtos, como os automóveis, a chamada linha branca, em que se diminuiu o IPI. O IPI é uma das fontes que formam o fundo de participação dos Estados e dos Municípios, e a arrecadação diminuiu, é verdade. E o tribunal, inclusive, está olhando caso a caso, mesmo que os Municípios não tenham arguido isso na sua prestação de contas, estamos olhando de ofício, para fazer justiça. Ou seja, se ficar demonstrado que o Município teve uma situação de desequilíbrio financeiro que decorreu de uma queda de arrecadação do FPM, o tribunal vai considerar isso na instrução técnica, e o conselho certamente irá fazê-lo quando decidir. Mas é importante que essa queda tenha sido real, porque também nós já nos deparamos com a situação em que os órgãos oficiais estimavam para determinado Município uma transferência hipotética de 10 milhões de reais. Essa era a base técnica a luz dos critérios da lei 4.320, da LRF, para se estimar a receita do Fundo de Participação do Município naquele ano, em 2012. Por alguma razão, para se fechar a conta, por qualquer que seja o motivo, porque era ano de eleição ou seja lá o que for, essa estimativa foi a 12 milhões. Bom, então, se arrecadou 9 milhões, não houve uma perda de 3 milhões, mas uma perda de 1 milhão, porque esses 12 milhões, na verdade, não eram 12, eram 10 milhões. Então, nós estamos trabalhando em bases objetivas, mas toda a vez que se identificar isso – esse é um aspecto importante, falando aqui para o Poder que tem a responsabilidade precípua também do controle – já estará sendo anotado. Isso em relação ao FPM. Mas eu dizia: E o que temos feito no âmbito dos nossos Municípios com a receita própria? Qual é o tratamento que temos dado aos tributos próprios? Aqui vale a mesma observação anterior: tratar os iguais e os desiguais na medida das suas respectivas situações. Então, temos muitos Municípios pequenos cuja base de arrecadação, cuja base de receita é efetivamente pequena, ficando de novo nos nossos exemplos. Olhem a diferença de potencial de arrecadação de Passo Fundo e São João da Urtiga no IPTU, no ISS, em todos os tributos. Consta para os Municípios, inclusive, seria até dispensado que constasse, mas consta expressamente da Lei de Responsabilidade Fiscal, lá no art. 11, que: Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Esses tributos, cabe olhar, estão criados nos nossos Municípios, estão sendo lançados, estão sendo cobrados? Porque, às vezes, se lança e depois se abandona, não se cobra, deixa-se esses valores serem atingidos pela prescrição, ou se faz uma cobrança de faz-de-

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-conta, ou às vezes até se ajuíza uma ação de execução e se abandona a execução. Todas essas situações nós já conhecemos. Então, no tribunal nós temos chamado a atenção para isso, temos orientado os Municípios, inclusive estamos promovendo cursos durante esse ciclo que mencionei anteriormente. Levamos um técnico, um auditor do tribunal, que, por sinal, está cedido aqui para a Assembleia Legislativa há algum tempo, para orientar os Municípios, para ajudar sobretudo em relação ao ISS, o Imposto Sobre Serviços, que tem um potencial de arrecadação muito grande à luz da legislação federal e que não vem sendo utilizado. Há verdadeiras perdas significativas de receitas por conta das mais variadas questões. Essa é uma função de fiscalização. Aí se começa talvez a enfrentar também alguma dificuldade. Não é muito simpático cobrar tributos. Imaginem ainda o vereador estimulando o prefeito a cobrar tributos. Certamente ele vai dizer: Deixe-me longe disso. Não é algo que soe como amável, mas isto faz parte do processo de maturidade política e do exercício da função fiscalizadora: arrecadar-se efetivamente todos os tributos na medida das possibilidades daquela situação, daquela realidade local. Falarei rapidamente sobre algo que será a sequência da intervenção do nosso diretor-geral Valtuir Nunes acerca da informação pública, particularmente da lei complementar nº 131 e da chamada Lei de Acesso à Informação. O presidente Barack Obama, quando assumiu o primeiro mandato – não sei se ele esqueceu disso agora – disse assim: O mundo mudou, e nós precisamos mudar com ele. Agora parece que ele recuperou algumas práticas antigas, mas também tem a ver com acesso à informação, embora talvez por formas com as quais não concordamos. O mundo mudou efetivamente por n razões. E se o mundo mudou, a relação da administração pública com a sociedade, queiramos ou não, mudou, está mudando e precisa continuar mudando. Aquela figura do Estado lato sensu, do poder público, da União, dos Estados, dos Municípios, aquele ente imperial com os cidadãos não exatamente colocados na condição de cidadãos – quiçá até usando uma palavra um tanto surrada e forte, súditos –, essa relação não se admite mais. A relação do Estado com a sociedade deve ser uma relação dialógica, de comunicação. O direito administrativo não tem que ser um direito de império e sim um conjunto de normas, de princípios, de regulação desse relacionamento entre o Estado e a sociedade, a cidadania. Nesse processo, a participação do cidadão no controle do que acontece no ambiente 70

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da administração pública passa por um pressuposto básico, que é o conhecimento. Há um jargão que usamos muito: ninguém controla o que não conhece. A sociedade não pode controlar a administração pública se não tem acesso à informação. Aliás, nem os vereadores conseguem controlar. Quantas vezes surgem dúvidas, surgem até severas dúvidas acerca da conduta do administrador. O parlamentar vai em busca de informações, o acesso lhe é negado, a informação é truncada, é incompleta. Pois eu lhes digo que muitas vezes a informação que é sonegada, às vezes, ao vereador, poderá não estar disponível a ele, mas poderá estar no portal do Tribunal de Contas, como verão, daqui a pouco, na intervenção do Valtuir. Mas isso não basta. Não basta que alguém demande, reclame e seja atendido ou que dependa, eventualmente, da boa vontade ou então de uma medida coercitiva do Poder Judiciário determinando que se forneça aquela informação. A relação de comunicação tem que ser aberta, permanente, e esse princípio da transparência do qual tanto se fala hoje, embora queiram distingui-lo do que seja publicidade – publicidade é uma coisa, transparência é outra –, na verdade, é o seguinte, aqui entre nós, bem no coloquial, no popular: a transparência é a efetivação do princípio da publicidade, que se fazia, até passado recente, que se aceitava como atendida, até passado recente, com a publicação na lei no Diário Oficial. No caso dos Municípios menores, lá no quadro de avisos, numa tirinha do extrato do edital de licitações, do edital de concurso, até porque isso custava muito caro. Qualquer publicação na imprensa oficial ou nos nossos jornais era e continua sendo muito cara. Então, nós convivíamos com a publicidade formal. O mínimo do mínimo do mínimo, e a vida seguia desse jeito. Hoje, perdemos o argumento, aqueles que queriam usá-lo. A tecnologia está aí, barata, acessível, massificada através da Internet. Então, salvo exceção – e aqui a exceção é exceção mesmo –, não há matéria sob sigilo no âmbito da administração pública, sobretudo do Estado e dos Municípios. Poderá haver questões da intimidade, da vida privada. Existem pontualmente. No caso do Estado, é óbvio não ser razoável que se faça um anúncio público de que haverá uma operação policial, uma investigação policial. Mas de uma maneira geral as informações sobre a receita e a despesa são públicas, devem ser tornadas públicas de ofício, independentemente de pedido. Por isso nós todos devemos nos unir no sentido de instar a administração a colocar as suas informações em

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público – as do Poder Executivo e as do Poder Legislativo também –, o que arrecada e o que gasta com obras, serviços e diárias. Vamos disponibilizar na Internet todas as vindas das senhoras e dos senhores para este encontro. Se receberam diárias, e muito corretamente, vamos tornar público isso. No Tribunal de Contas, quando viajamos, publicamos na Internet. A Assembleia Legislativa também faz isso. Se consultarem no portal do Tribunal de Contas – e o Valtuir depois pode inclusive usar o meu caso como exemplo –, verão que estão lá todas as diárias que recebi neste ano, onde eu fui, quanto recebi e o que fui fazer. É transparente. A sociedade tem o direito de saber. Com isso, acabamos nos controlando todos. Porque sabemos que a informação vai ser pública, nos vigiamos. Quem é o meu fiscal? Pode ser o deputado Heitor Schuch, o vereador, o auditor interno do Tribunal de Contas ou um gaúcho que está morando em Tóquio e quer saber da minha vida. E pode saber, não há problema nenhum. Nós ainda temos um déficit de transparência no conjunto da administração pública. Mas precisamos reconhecer – e esse é o lado positivo da conclusão da minha intervenção – que estamos melhorando muito. A lei não muda nada, a lei não muda cultura, mas a lei pode ser um agente propulsor da transformação. A Lei de Acesso à Informação já está fazendo isso. No tribunal atendemos muita demanda de vereadores, de parlamentares, de jornalistas, de bisbilhoteiros, de pesquisadores, de todo mundo. Se a informação é pública, será fornecida. Por quê? Porque interessa a todos. Acabamos estabelecendo aquilo que é um pouco da concepção da tripartição dos poderes, das funções de estado: o poder controlando o poder. Aqui é a sociedade controlando o poder diretamente e de maneira muito efetiva. Concluo, agradecendo o convite que recebi da Assembleia Legislativa, particularmente da Comissão de Constituição e Justiça. Coloco, mais uma vez, o Tribunal de Contas à disposição de todos, não só da CCJ e da Assembleia, com quem temos um diálogo permanente, mas das Câmaras de Vereadores e dos seus dirigentes. Certamente há aqui presidentes de Câmaras de Vereadores, que têm responsabilidade administrativa e terão suas contas apreciadas pelo tribunal. Procurem o Tribunal de Contas, pois temos uma consultoria técnica. Costumo dizer que é um call

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center que funciona todos os dias da semana exclusivamente para atender demandas de agentes públicos, seja do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e do próprio Tribunal de Contas, porque esse órgão atende a todos. Se pudermos ser úteis, será muito bom saber, porque o Tribunal de Contas, para além da sua função fiscalizadora, está cumprindo cada vez mais com o papel que assumiu de orientação e de prevenção. Vem para o Tribunal de Contas, em seguida, o processo eletrônico. Vamos mudar, Dr. André, essa processualística no Tribunal de Contas. Em agosto, entra em operação o primeiro módulo. As aposentadorias dos servidores públicos municipais vinculados a regime próprio, chamado RPPS, serão encaminhadas ao tribunal e objeto de exame até a decisão em ambiente virtual, sem uma folha de papel. Já está em andamento o segundo módulo, para as contas propriamente ditas, tanto do Executivo quanto do Legislativo, que, nos meses subsequentes, também deverão ser implantadas. Num futuro muito próximo, todo o nosso canal de comunicação, do ponto de vista processual, será travado através do processo eletrônico. Ganharemos em tempo, em qualidade e na melhor utilização dos recursos humanos, tudo ficará facilitado. Concluo essa parte agradecendo também a todos a atenção e renovando o agradecimento pelo convite. Parabenizo a Assembleia por esta iniciativa. Gostaria que o meu colega Valtuir Nunes prosseguisse, sendo muito rigoroso na observância do tempo, a fim de apresentar o nosso portal a todos. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Agradeço a participação ao conselheiro Cezar Miola, presidente do Tribunal de Contas. Registro, presidente Cezar Miola, que não puxei seu paletó porque não estamos em um comício e, também, porque súdito não pode puxar paletó de majestade. Concedo a palavra ao Sr. Valtuir Pereira Nunes, diretor geral do Tribunal de Contas, para sua manifestação sobre a função controladora do Legislativo municipal e sua relação com o Tribunal de Contas.

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O SR. VALTUIR PEREIRA NUNES – Cumprimento o presidente, a quem agradeço pelo convite; o Dr. André Barbi; o presidente do Tribunal de Contas. Rapidamente, vou falar sobre o portal do Tribunal de Contas. Antes, a fim de dar uma ilustrada no que disse também o presidente e para chegar exatamente na dimensão que quero explorar sobre o conteúdo do portal do Tribunal de Contas, quero expor algumas funções de controle. Controle interno: faz monitoramento e programas de avaliação prévia no âmbito da União – CGU –, no âmbito do Estado – CAGE – e no âmbito dos Municípios, unidades de controle interno em cada Município. Controle externo: exercido pelos Tribunais de Contas e pelos parlamentares, fazendo auditoria, julgamento de contas, avaliação concomitante ou a posteriori Controle judicial: feito pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário, pelos órgãos de segurança, através de ações de improbidade, em matéria criminal. Controle fiscal e econômico: feito pelo Banco Central, Receita Federal, fiscos estaduais, INNS, juntas comerciais. Por fim, o tão decantado controle social: feito pelos próprios cidadãos, partidos políticos, sindicatos, associações e imprensa, algo que estamos vendo agora, nos últimos dias, de forma muito mais intensa, quando a sociedade toma a si a capacidade de reclamar contra as coisas das quais entende que precisam ser mudadas. Olhando por esse prisma de um controle numa visão sistêmica, vemos que não há lugar para corrupção neste País. Se olharmos assim, tudo funciona bem. Alguém vai enxergar o problema, porque o controle interno enxerga, ou mesmo o controle externo, ou o controle judicial, ou o fiscal e econômico, ou o cidadão. Alguém descobre o problema. Portanto, se fôssemos explicar isso para um estrangeiro, ele pensaria serem impossíveis, neste País, atos de corrupção, porque esses órgãos funcionam de forma sistêmica. Mas, na vida real, infelizmente, não é assim. Estão lá os órgãos de controle: o controle interno, o controle externo, o controle judicial, o controle fiscal e econômico, o controle social, cada um no seu castelo, cada um na sua caixinha, ou no seu quadrado, como dizem os jovens no dia de hoje, e entre nós existem cerquinhas elétricas: Não se aproxime. Essa informação é minha. Então, o vereador precisa de uma informação do Executivo, precisa requisitá-la. O

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Tribunal de Contas precisa entrar com um ofício requisitando informações de um banco para ver a conta corrente pública. Aí, fala-se no sigilo fiscal, sigilo econômico, as proteções, as reservas que temos entre todos nós. Só que somos filiais de um mesmo dono. Todas as nossas instituições e entidades públicas, seja câmara de vereadores, seja prefeitura, seja Tribunal de Contas, esta Casa, a Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Corag, Corsan, são filiais de um mesmo dono: a sociedade gaúcha e brasileira, que, com seus impostos, paga pela existência dessas instituições e, portanto, financia cada um desses órgãos. Assim, temos que romper essas barreiras para que as instituições então possam atuar. E qual é a origem dos problemas? O problema é a má conduta? O problema é a supressão de controle? Os problemas são as particularidades da atividade estatal ou a insuficiência de controle? Por que ocorrem deficiências na administração pública, de uma maneira geral? Má conduta representa apenas 7% dos problemas. Sabemos, por ciência própria, por auditoria ao longo de décadas, que o problema não é a intenção de fraudar. São justamente problemas de estruturação que verificamos, problema de capacitação ou de distribuição de recursos nos órgãos públicos. Supressão de controle vai a 13%, às vezes intencionalmente, propiciando então a ocorrência de desvios. Particularidades da atividade estatal, por exemplo, a rotação do poder a cada quatro anos. Trocamos as chefias, as direções máximas dos órgãos e entidades todos os anos. Isso impacta nos problemas. Trocamos as chefias das companhias de energia, da Secretaria de Educação, do órgão de estradas. A cada quatro anos, rotacionamos as chefias em função do processo democrático eleitoral – e é natural que isso ocorra, mas isso impacta nos projetos em andamento. Insuficiência de controle interno é o que causa a maior parte dos problemas, ou seja, 63% dos problemas ocorrem por insuficiência de controle interno no âmbito dos Municípios. Como se descobrem as fraudes dos problemas? Auditoria externa é um método muito eficaz, mas verificamos apenas 4% dos problemas. Apenas 4%. Sim, mas vamos uma vez por ano aos seus Municípios. Quando chegamos lá, em abril, auditamos, o ano passado, de janeiro a abril. Aconteceu um problema lá em maio, junho, julho, o Tribunal de Contas não sabe, mas os senhores sabem, porque moram nas cidades. Os senhores são fiscalizadores, tanto quanto nós. O controle interno sabe, porque mora na cidade. O cidadão da cidade sabe, porque mora na cidade. Às vezes, dizem-nos: Mas o Tribunal de Contas não viu? Não pode ver, somos Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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500 auditores, 250 técnicos, em auditoria de campo, para 1.250 órgãos. Não podemos ver mesmo. Precisamos do auxílio dos controladores dos demais sistemas de controle. Aí que se encaixam o controle interno e a parceria que pretendemos estabelecer, já de longa data, com o Parlamento, para a devida fiscalização. Denúncias anônimas é um bom método de descobrir problemas. Cinco por cento das vezes são denúncias que nos chegam na ouvidoria. Informações de terceiros: 14%, às vezes, o licitante perdedor da licitação, não o ganhador. O perdedor diz que é uma fraude, porque não ganhou. Agora, quando ganha, acha um espetáculo a licitação. Vinte e seis por cento dos problemas ocorrem porque são feitas auditorias internas nas instituições. Controles internos funcionando são 51%. Então, se um prefeito dúvida se deve ou não instituir um controle interno que funcione, basta ele somar controles internos funcionando, com auditoria interna e terá 77% de chance de descobrir os problemas e corrigi-los antes que o Tribunal de Contas chegue. O que nos importa é que os problemas sejam resolvidos. Não queremos, necessariamente, achar o problema para punir o prefeito, para sancionar. Pelo contrário, o sonho dourado da auditoria é não precisar constatar falhas. Talvez não tenhamos emprego no dia em que isso acontecer. Talvez iremos nos dedicar a uma outra atividade. Que bom se o mundo ficasse assim. Justamente porque o ser humano é imperfeito e as instituições são imperfeitas, por terem a formação de como conduzimos as nossas coisas, há a necessidade de controle. Sem controle as coisas não funcionam. É necessária a existência do Sorria, você está sendo filmado para que os comportamentos mudem. Foi necessário aumentar o valor das multas no Código de Trânsito Brasileiro para que colocássemos cinto de segurança, senão ninguém colocaria. Então, é necessária, sim, a atividade de controle. E os planos para a diminuição, por hipótese, seriam: intensificar a auditoria externa – dobrar o quadro do Tribunal de Contas –, daria para fazer isso, mas não é o mais eficaz, vai a 11%; aumentar os recursos nas áreas afetadas, investir em tecnologia da informação e elaborar sistemas, melhora 12%; treinar e capacitar pessoas, 16%; instituir um código de ética profissional no âmbito da administração pública com punição no caso de desvios, melhora também. Mas melhorar o controle interno vai a 44%. Então, o investimento em capacitação e estrutura é eficaz e produz resultados. Mas,

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para isso, para que o controle funcione, é preciso que a informação esteja disponível às pessoas. E as informações estão aí no mundo hoje em dia. Aqui, só neste eslaide, temos locais de informações sobre muitas coisas na Internet. Por exemplo: o portal transparência da União: www.portaltransparencia.gov.br. Rapidamente vou clicar aqui e entrar na Internet. Aqui temos o portal da transparência. Muito bem, vemos aqui: exercício 2013 e vamos entrar em Recursos Transferidos da União para os Municípios. Coloquei Estados e Municípios e consultei os recursos que a União encaminhou em 2013: 75 bilhões de reais. Esses dados são acessíveis a qualquer pessoa que entrar na Internet. Vamos ver o Rio Grande do Sul, na próxima página, e escolher o Município de Alvorada, que fica perto de Porto Alegre. Aqui estão os recursos federais carreados para este Município na Internet, onde podemos ver: Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica e Dinheiro Direto da Escola para Educação Básica, as mesadas, os convênios e os repasses financeiros de onde Municípios podem buscar recurso da União. Mas vamos ver o Bolsa Família. Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condição de Pobreza e Extrema Pobreza, em Alvorada: foram destinados 24 milhões de reais, sendo 3 milhões de reais para o Bolsa Família. Quem são as pessoas de Alvorada que receberam o Bolsa Família? Aqui estão os nomes das pessoas. Mas a CGU não sabe quem são essas pessoas, o TCU não sabe, o TCE não sabe, mas os moradores da cidade sabem, eventualmente. Escolho, por exemplo, o cidadão Adair, que não sei quem é, que ganhou 366 reais em janeiro, fevereiro, março de 2013. Mas o vizinho do Adair sabe que ele é dono de armazém, que não tem carência e recebe o Bolsa Família. Há pouco saiu na imprensa: Fraude no Bolsa Família. Eram pessoas que não deveriam receber o benefício, mas recebiam. Os amigos da pessoa que está ganhando indevidamente sabem, mas não contam para ninguém, porque acham que esse dinheiro caiu do céu. Há uma fraude, mas não se sentem responsáveis, pensam que os órgãos de controle vão enxergar isso. Mas os órgãos de controle não vão enxergar isso se o cidadão que sabe não contar para alguém. Portanto, a responsabilidade do controle é muito mais do que as instituições. Está nas mãos das pessoas. Mas, para isso, elas têm que acessar a informação. Fechamos o portal da transparência da União. Também há outros locais. Vamos direto para o portal do Tribunal de Contas, no site www.tc.rs.gov.br.

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Se olharmos no portal do Tribunal de Contas na Internet, veremos que há várias informações sobre esse tribunal e sobre a Lei de Acesso à Informação. Sugiro que, na hora do chimarrão, os senhores acessem esse site e vasculhem as informações que estão aqui. Quero lhes mostrar a área do Estado do Rio Grande do Sul no quesito Controle Social, no qual colocamos as receitas e despesas de todos os Municípios dos últimos 15 anos para todo mundo acessar. Sugiram um Município, por favor. Estância Velha. Quem gritou primeiro levou. Vamos verificar como está a arrecadação de Estância Velha em 2013? Cliquei em Receita. Pois bem, aqui está 2013 e os dados acumulados até o segundo bimestre, 31 de maio, às 10h58min, no Tribunal de Contas. Podemos ver como foi a arrecadação de Estância Velha em janeiro, fevereiro, março e abril e que as transferências correntes, foram 59%; a receita tributária, 23%; o IPTU, e assim por diante. Aqui estão as contas. Mas quero saber quanto Estância Velha arrecadou em IPTU. Então eu vou em Receita Tributária, Impostos, Imposto sobre Patrimônio e Renda e IPTU. Está lá, o Município previu arrecadar 6 milhões de reais e até agora arrecadou 4 milhões 496 mil reais. Esta informação o vereador pode conseguir acessando o portal do Tribunal de Contas, não precisa requisitá-la ao prefeito nem ao secretário da Fazenda, porque ela está aqui. Quanto Estância Velha recebeu de transferências da União? Se estiver faltando remédio na farmácia popular e o argumento é porque a União não mandou dinheiro, então a pessoa olha em Transferências Correntes, Transferências Intergovernamentais, Transferências da União, Participação do Município na Receita da União e vê que Estância Velha recebeu 5 milhões e 800 mil reais. Está lá o FPM, a manutenção em ensino, o gasto em saúde e assim por diante. Está tudo disponível. Mas não quero olhar a receita, quero olhar a despesa de Estância Velha. Clico neste botão e vou acessar a despesa de 2013. Isso é fantástico, senhores. O que acontece? Eu posso ver quanto Estância Velha está gastando por órgão, por unidade orçamentária, em 2013, até o momento: quanto gastou o gabinete do prefeito, a procuradoria do Município, as Secretarias da Administração, da Fazenda e da Cultura, em obras, e assim por diante. Qual é a dotação autorizada pelos senhores no momento de aprovarem a lei orçamentária anual? O que foi empenhado até o momento, o que foi liquidado, o que foi pago?

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Se eu clicar aqui terei todos os empenhos, um por um, que, somados, darão um valor, e eu saberei quanto foi gasto em cada um dos órgãos. Mas não quero olhar por órgão, não é uma informação boa. Quero saber quais são os credores da cidade, quem recebeu recursos de Estância Velha, em 2013, se pessoa física ou jurídica. Então vou clicar em Credor. Cliquei em Credor, os dados estão sendo acessados neste momento nos computadores do Tribunal de Contas, porque este é um acesso on-line, e aí aparecem os credores de Estância Velha, em 2013, por ordem alfabética, que são 724 pessoas físicas e jurídicas. Mas ainda posso consultar pelo nome, porque moro na cidade e sei que a empresa é Eletromaq. Colocarei maq. Então, o computador seleciona Autogeradora, Comércio de Máquinas. Onde tiver a expressão maq, ele seleciona. Então, quero verificar porque foi pago à empresa Silmaq 13 mil reais. Clico no empenho para saber. Aparece na tela: remoção, instalação de equipamentos, recicladora, terminal de resíduos, material para manutenção da esteira de triagem, alongar a esteira em três metros. Deve ser alguma coisa de reciclagem de lixo na cidade. Posso ver empenho por empenho da empresa. Mas agora não quero olhar a Silmaq, quero saber, de novo, as despesas, os credores e indexar. Quero selecionar do maior ao menor credor. Não quero saber mais sobre uma determinada empresa, quero saber quem recebeu o maior valor do Município em 2013. Vou indexar, quero uma lista, um ranking dos credores para depois poder me dedicar a olhar quem são os maiores e por que receberam esses valores. Aqui estão os credores da cidade em 2013, vou retirar o maq, porque quero todos eles. Removo o filtro e vou colocar por ordem de valores. Chego no valor empenhado e coloco em ordem decrescente, o que qualquer um dos internautas poderá fazer nas suas casas. Cliquei no empenhado, indexou os valores, que não são mais em ordem alfabética, e vai aparecer o maior credor, que normalmente é a folha de pagamento. Então aqui podemos ver que, no Município de Estância Velha, é a folha de pagamento, realmente, o Banrisul, o fundo de aposentadoria e pensões, DJR Construções Ltda. Selecionei uma empresa construtora, que tem um empenho global de 2 milhões de reais e até o momento recebeu 495 mil reais. Por que ela recebeu 495 mil reais? Clico no empenho e vou saber: reforma e ampliação da Escola Municipal Germano, Bairro Encosta

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do Sol, Município de Estância Velha, quarto termo aditivo. Aqui estão os valores, são 51 movimentos, empenho, liquidação e pagamento. Agora imaginem um morador da cidade de Estância Velha que, por coincidência, mora na frente da escola municipal que está com as obras paradas há seis meses. Ele entra no site e verifica que os pagamentos estão sendo feitos, rigorosamente, em dia. Então esse cidadão pega o seu celular, que hoje em dia todos têm, bate uma foto da obra e manda um e-mail para o Tribunal de Contas, via Internet. Está feita a denúncia. É assim que está funcionado agora. Isso é controle social, quando as pessoas enxergam. Não adianta colocar na Internet o relatório resumido da execução orçamentária da LRF ou o balanço geral do Município. Ninguém entende isso. Isso é bobagem. Não adianta colocar, como diz a LRF, à disposição do cidadão a prestação de contas, que o Tribunal encaminha e que é um processo de três volumes, no balcão da prefeitura para que o cidadão possa folhar e impugnar algum aspecto. O cidadão não conhece isso. Os especialistas, quando conhecem, enfrentam dificuldade. Imaginem o que acontece com o cidadão comum. Essa informação aqui o cidadão conhece, maneja, entende. Isso é transparência, é isto que temos que fazer: colocar a informação na mão do cidadão não para ele mandar a denúncia para o Tribunal, mas para ele reclamar para o vereador, para o secretário municipal de Educação, se a educação está ruim. Se a merenda escolar está ruim, ele tem que reclamar para a merendeira da escola, para o círculo de pais e mestres, para a diretora da escola, para o prefeito, para o vereador e, se não der certo, para o Tribunal de Contas. Antes que façamos a auditoria, nós, cidadãos, temos que buscar produtos públicos de qualidade, não queimando contêineres, não quebrando vidraças – como está acontecendo –, mas exercendo a cidadania, porque afinal isso não cai do céu. As pessoas pagam por isso e têm o direito de receber o serviço público de qualidade. Por exemplo, em Estância Velha, quero olhar por rubricas de despesas e não por credor mais. Rubrica, para quem não sabe, é a classificação da despesa. Então, aqui aparece toda a despesa de Estância Velha, quanto se gastou com pessoal civil, com remuneração das pessoas, com adicional. As pessoas gostam muito de olhar – o Grizotti gosta muito de olhar isto – as diárias. Vamos mostrar aqui: Estância Velha gastou 18 mil reais em diárias até agora. Quem viajou? Clica ali e aparece: José Valdir – que não sei quem é –, diárias fora do Estado. Para onde é que ele foi? Participar do Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas em 2012, nos dias 28 a 31 de janeiro, em Brasília. Algum problema quanto a isso? Não necessariamente. Há problema se ele recebeu e não viajou. Não sabemos isso, mas o vizinho dele pode saber. Talvez ele seja prefeito ou um secretário municipal, não importa 80

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quem seja, não vem ao caso aqui. Se ele recebeu diária e não viajou, tem que devolver o dinheiro. Colegas dos senhores que receberam diárias para vir ao evento de hoje e não vieram têm que devolver a diária. Não parece razoável isso? Podem ficar com a diária? Não podem. O cidadão, ao enxergar isso, pode e deve cobrar, porque faz parte da fiscalização. Mostrarei mais uma coisa que é possível fazer nesse portal. Sugiro aos senhores que vasculhem e elejam o seu Município ou qualquer Município e olhem os dados que estão disponíveis aqui, que é a contabilidade dos seus Municípios, que está na Internet. Se quiserem olhar o gasto por função, cliquem na função, e vão saber quanto está se gastando com educação, saúde, urbanismo, administração. Ainda é gerado um gráfico. Dá para fazer até uma palestra. É só copiar, colocar num powerpoint, e está feita a palestra sobre o desempenho dos gastos por função. Há outro aspecto importante. Gostei do relatório de credores, em que estão todos os credores da cidade. Gostei tanto que quero copiar isso para o meu pendrive e quero mandar por e-mail para os meus amigos. Essa informação é sua. Basta ir ao item Ações, filtrar, fazer outros filtros se quiser, fazer um download e baixar essa informação. Quando clicar em download, o Tribunal ainda irá perguntar se quer receber em formato de Excel, HTML para postar no Facebook ou quer em e-mail para mandar para os amigos. Para publicizar essa informação no Facebook, basta clicar em HTML, e logo a informação já estará lá. Aqui tenho a informação desde o maior credor, que foi a folha de pagamento, até o menor credor, que foi o Fundo Nacional de Saúde, que deve ser uma taxa, de 13 reais. Aqui estão todos os empenhos, e essa informação é sua. Poderá também pesquisar aqui. Por exemplo, se quiser encontrar o João, basta colocar o nome para encontrar. Rapidamente toda a informação está disponível. Não é preciso digitar código. É só clicar, navegar, e a informação é sua. Sempre foi sua, porque foi produzida com recurso público, só que antes ficava nos escaninhos, nos arquivos, nos computadores, sei lá onde. O Tribunal disponibiliza isso desde 2011 para todos. o. Em vez de 250 auditores, queremos ter 10 milhões de auditores do Tribunal de Contas, que são 10 milhões de gaúchos fiscalizando não para o Tribunal de Contas, mas para si próprio, porque cada um tem o maior interesse em que tudo corra com correção. No portal do Tribunal, dá para olhar as obras da cidade, por exemplo. Vamos pegar agora a cidade de Esteio. Quero ver todas as obras no período de 2008 a 2013. Cliquei aqui, e apareceram as obras da cidade, que foram informadas: quantas foram recebidas definitivamente, quantas em execução, quantas foram recebidas provisoriamente, quantas são em saneamento, edificações, vias municipais, o valor que foi gasto por ano nas obras.

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Vejam que, em 2010, houve um montante expressivo de valores em obras. Constam as obras desde 2008. Aqui tenho a ficha desta obra: foi feita por dispensa de licitação, 12 mil reais, elaboração de projetos imobiliários de complementação da lógica elétrica, qual a empresa contratada. Tenho a ficha da obra, a parte física da obra, e lá, no aspecto financeiro, tenho a informação financeira da obra. Posso ver a gestão fiscal, as decisões do órgão. Há muita informação no portal. Sugiro a todos que vasculhem essas informações nesse nível de informação que referi. Muitos secretários municipais estão me relatando que às vezes é mais rápido fazer essa consulta. Se ele vai participar de uma reunião com prefeito sobre as finanças do seu Município, é mais rápido ele entrar no portal do Tribunal e gerar um relatório sobre a arrecadação do que se for pedir para os seus assessores prepararem um relatório gerencial. Se estiverem faltando informações nesse portal, peçam, que iremos melhorá-lo. Iremos colocar mais informações. Isso aqui é uma interpretação que o Tribunal fez do que imagina que os senhores gostariam de ver na Internet, mas poderemos colocar mais do que isso. Temos muito mais dados. Estamos à disposição para melhorar. Queremos melhorar, mas os senhores têm que pedir, reclamar, cobrar inclusive do Tribunal se isso ainda não está bom. Lei de Acesso à Informação. Consultar informações disponíveis no portal do Tribunal. Nesse link, é possível olhar competência, organização, receitas e despesas do Tribunal. Aqui aparecem as diárias do Tribunal, os nomes. Por exemplo, diárias do presidente César Miola: viajou no dia 22 de maio para Santa Maria, a fim de participar do Encontro Regional de Controle e Orientação. Ganhou uma diária e meia, 478 reais. Se quiserem todas as diárias de Cezar Miola, é só clicar no nome que aparecerão todas elas. Começamos a lançá-las a partir de março de 2008. Temos registradas todas as viagens, informando para onde elas foram, por que motivo, quando ocorreram e quanto o servidor recebeu. Qual é o problema? Nenhum problema! Isso é a transparência. Com referência às diárias, ainda podemos olhar, no Portal da Transparência do Tribunal, outras informações. Por exemplo, posso olhar as auditorias em execução, onde o Tribunal está fazendo auditorias neste instante. No dia de hoje estamos realizando auditorias em nove locais: na Assembleia Legislativa – que está sofrendo auditorias neste momento –, na Ascar, no BRDE, na Ceasa, na CEEE, na Secretaria da Educação e assim por diante. Também podemos olhar a consulta aos processos. Por exemplo, se quero consultar o andamento dos processos do Tribunal de Contas, olho pelo número ou pela consulta

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avançada. O que é consulta avançada? Quero olhar o processo do Município de Cruz Alta, por exemplo, e para isso vou em prefeitura, onde estão registrados processos desde 1988 a 2013. Para não ficar muito pesado, passamos de 2008 a 2013. Qualquer processo, consultar, e aqui aparecem os processos de Cruz Alta: contas de gestão, contas de pensão, quem é o relator, qual o exercício. Vamos pegar um processo um pouco mais antigo, de 2010: Contas Executivas de 2009. Cliquei aqui e tenho a ficha do processo. Rapidamente vemos a ficha do processo, que é um processo de contas. Aqui tenho todos os seus andamentos do processo, toda a história dele, além do resultado da decisão. Eu quero ler a decisão, ler o relatório e o voto do conselheiro. É só clicar aqui, e a informação está baixando; posso abrir o relatório do conselheiro, que deu o parecer desfavorável, multa e glosa. Aparecem todas as falhas, é público isso aqui! Está lá a informação, o voto e qual foi a imposição de multa: de 1 mil e 500 reais, para Vilson Roberto Bastos dos Santos, com uma fixação de débito de 16 mil reais. E ali estarão as razões, a intimação e assim por diante. O conselheiro que deu o parecer desfavorável, neste caso, foi Victor Faccioni. Neste caso também há um recurso em andamento, um recurso de embargos. É só clicar aqui e terei a ficha do recurso que está debatendo esse processo. O processo está aguardando instrução, então ainda não há uma decisão sobre ele. Por isso os documentos não estão disponibilizados para uma consulta pública. Entretanto, eu posso me cadastrar aqui gratuitamente. Coloco o meu e-mail e, a partir do momento em que me cadastrei passo a receber, por e-mail, o andamento do processo no qual tenho interesse. Qualquer um dos senhores pode fazer isto: acompanhar os processos do seu Município, por e-mail, gratuitamente. Se for gestor, receberá um SMS no seu celular. Se tiver um smartphone, poderá clicar ler as peças do processo pelo celular. Essas são algumas das informações que estão disponíveis no portal. Sugiro a todos que o vasculhem, pois existem muitas informações do Tribunal de Contas sobre vários temas. E ainda é importante mostrar um aspecto muito interessante: as sessões do Pleno das Câmara são transmitidas pela Internet, ao vivo, no canal TSE. Se eu clicar agora, não aparecerá nada porque não tem sessão. Depois de gravados, todos esses vídeos são decupados em vídeos menores e colo-

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cados em cada processo. Então, o gestor que desejar assistir o julgamento do seu processo, poderá acessar como se fosse no You Tube. Vamos testar: Município de Cruz Alta. Quero as decisões de Cruz Alta. Clicar no botão Decisões. Vou ver no Processos Decididos. Vamos ver se tem algum vídeo que esteja no portal – isso começou a partir do ano passado. Quero decisões de Cruz Alta de 2009 a 2013. Vamos ver se eu tenho alguma aqui. Interessa-me pegar apenas o vídeo. Aqui estão os processos decididos, mas há um prazo de decupagem. Quando há o ícone do lado é porque tem vídeo. Eu consigo ler a decisão do tribunal, baixá-la, copiá-la no pen drive, mandá-la para os amigos – a decisão está no ar, e posso tanto fazer isso quanto assistir ao vídeo. Neste último caso, eu clico aqui e consigo assistir ao vídeo da sessão em que este processo foi analisado. Aqui está o vídeo com a votação do processo específico. Ele está gravado e pode ser copiado, baixado, como se fosse no You Tube. Portanto, dá para os senhores assistirem às sessões ao vivo ou depois buscarem dessa forma as decisões de cada um dos processos que foram analisados. Enfim, senhores, há muita informação disponível no portal. Sugiro novamente que o vasculhem, especialmente na área relativa ao controle social. Não raras vezes informações que os senhores, como vereadores, requisitam aos prefeitos e não obtêm retorno já estão disponíveis no portal. Basta que o acessem. O controle se dá quando temos acesso à informação. E o efetivo controle social se processa com a adoção de três medidas. A primeira dessas medidas é atuar de modo preventivo à ocorrência dos problemas. Não adianta fixarmos uma glosa e esperarmos que esse dinheiro retorne depois, pois demora para vir ou talvez nem venha. O ideal é atuarmos preventivamente. Devemos cobrar, dos agentes responsáveis pela execução, a correção dos desvios. Se há problema nas rodovias, vamos reclamar de quem tem que corrigi-las. Se há problema na merenda escolar, devemos reclamar para a merendeira, para quem administra isso. Ou seja, a cobrança deve ser feita ao agente responsável pela execução da ação de governo. Se não der certo, devemos dar ciência aos órgãos de controle, para que eles, então, atuem. Esses órgãos podem ser o Ministério Público, com ação de improbidade, os tribunais de contas, as CPIs. Devemos instalar uma CPI quando não der para resolver antes o assunto;

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ela é o último recurso. Não vamos usar o instrumento nobre que é a CPI para não virar arroz de festa, não banalizar um procedimento que é relevante, útil e eficaz, mas que tem de ser manejado, assim como a atuação nos órgãos de controle, com prudência, porque isso custa recurso público também. Ou seja, multiplicar os braços da fiscalização estatal, simulando o olhar do cidadão no seu papel propulsor do controle social do Estado. Por fim, a mudança cultural. Todos nós temos de mudar esse estado de coisas a partir de uma visão que combata a corrupção. Por exemplo, em uma sapataria, quando há sapatos de outros clientes na frente, a pessoa fala que sabe que tem outros, mas se o dela for feito antes dará uma cervejinha. É muito comum acontecer isto, oferecerem uma cervejinha, um dinheirinho para furar a fila. É assim que nasce. Tem muita gente fazendo passeata hoje na cidade, combatendo a corrupção e faz gato na Net. Tem muita gente dizendo que não se pode roubar e está depredando e saqueando loja. Estão em congruência. Reclamamos da corrupção em Brasília, mas toleramos. Então, somos responsáveis pelo que está acontecendo neste País. Não adianta só embandeirar e depois voltar para casa e continuar fazendo pequenos delitos – tolerados, porque são pequenos delitos – achando que se pode furar a fila, sonegar impostos, ou não cumprir com as nossas obrigações. Então, contribuímos para esse estado de coisas. Temos de fazer uma autocrítica também como sociedade. Não adianta quebrar as vidraças em protesto e depois voltar a ser corruptos também. Temos de fazer uma limpeza ética também nas nossas ações. Isso serve para um balanço geral sobre as nossas atuações, enquanto cidadãos. As coisas vão mudar na medida em que nós nos apercebermos que as sociedades mais organizadas, as que têm menor índice de corrupção, são justamente aquelas em que a sociedade é mais vigilante ou mais atenta, mas colabora, não apenas cobra, para que essas instituições funcionem. Queremos parceiros, todos nós. Os senhores também, os que são controladores, devem querer parceiros. Portanto, contem conosco no Tribunal de Contas, como parceiros, para o bem, para corrigir e para melhorar as instituições públicas das nossas cidades, do nosso Estado e do nosso País. Muito obrigado pela atenção.

O SR. PRESIDENTE (Heitor Schuch) – Muito obrigado, Valtuir Pereira Nunes.

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Agradeço a participação e o comparecimento de todos, a assessoria da Casa, como também a TV Assembleia, pela transmissão deste seminário. Quando se chega ao final de uma reunião dessas, podemos afirmar que a CCJ tem a sua função no processo, deveras importante e extremamente meritório, mesmo que fique nessa alçada da constitucionalidade, legitimidade, legalidade e do aspecto jurídico. Aliás, sua atividade não se restringe somente à distribuição de projetos, exarar pareceres, conceder pedido de vista, diligência e votar projetos de leis para abastecer a ordem do dia, mas está íntima e intrinsecamente ligada a todo o processo. Precisamos trabalhar para, quem sabe, num futuro próximo, chegar a um momento em que o cidadão possa conhecer na política 10% do sabe sobre o time por que torce. Assim, o Brasil, com certeza, será muito melhor, mais humano e justo. Com essas últimas observações, dou por encerrado o presente seminário. Muito obrigado pela presença de todos. Tenham um ótimo final de semana.

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EXPEDIENTE

Coordenadoria: Vanderlan Vasconselos Nilo José Pinheiro Júnior

Secretária: Rejane Silva

Assessoria: Luciana Zart Jorge Grecellé

Estagiárias: Clarice Giacomini Tainara Spies

Capa e Diagramação: Endrigo Valadão

Fotos: Agência de Fotos - AL/RS - Marcelo Bertani

Transcrições: Departamento de Taquigrafia - AL/RS




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