Di Menor - Antologia Literária

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EDITORIAL

Essa antologia é, antes de tudo, um grito cívico contra uma medida que vem sendo arbitrariamente imposta pelo Congresso com o silêncio, quando não apoio, da grande mídia hegemônica. A Redução da Maioridade Penal faz parte de um plano de encarceramento e marginalização da população pobre do Brasil, país que já tem o 4a maior população carcerária do mundo. Em um país que carece de estruturas básicas é triste ver setores da mídia claramente bradando “Mais Presídios e Menos Escolas”, quando sabemos que esse binômio já é amplamente praticado pelos governos, sem necessidade de pressão adicional. A falta de escolas, hospitais e perspectivas de crescimento leva cada vez mais jovens para o mundo do crime. Um país que não oferece o básico para uma população que carrega no lombo 5 séculos de opressão e desigualdades é uma fábrica de criminosos. No esteio desse projeto de criminalização da pobreza, a Redução da Maioridade Penal é mais uma falsa solução cujo único resultado final vai ser a ampliação da população carcerária e o engrossamento das fileiras do crime organizado. Os presídios no Brasil, mais do que espaços de ressocialização, são verdadeiras Escolas do Crime. Empurrando nossa juventude cada vez mais cedo para as altas instâncias da criminalidade, estaremos tornando a barbárie mais precoce, ao invés de lutar contra ela. Contra essa arbitrariedade que vai de encontro ao que se faz e pratica nos países mais civilizados se irrompem diversas vozes de autores, poetas e prosadores, que escreveram os textos que compõem essa antologia. Um mosaico de autores e pensamentos que une o centro e a periferia dos meios literários em uma só voz na luta contra a Redução da Maioridade Penal. Portanto mais do que uma mera antologia literária, essa reunião de textos é um gesto político em uma luta que diz respeito ao futuro que queremos para o nosso país. A união de forças consonantes que buscam, com a força de suas liras, desafinar o grande coro dos contentes orquestrado pela mídia para nos fazer engolir esse assalto a um dos direitos mais básicos do ser humano: a liberdade. Pedro Tostes e Victor H. Azevedo



no último passeio da escola, a gente cantou: paulo roubou na casa do joão e a polícia veio e levou o paulo que nunca mais cantou, viajou nem viveu

Regina Azevedo


sou perigoso cuidado ameaça à ordem pública já nasci fichado tenho nove meses e dez passagens dos tipos o pior em todo canto procurado quando sumo do berço todos têm medo não tenho dó gorfo na roupa babo no ombro mordo dedo sempre suspeito sempre enquadrado já apanhei na rua roubei chocalho chupeta e andador no carrinho sou descontrolado o mal dessa cidade o fim do seu sossego o seu terror ranco cabeça de boneca pelúcia de bichinho faço circo pegar fogo e palhaço fugir de mim ninguém duvida do meu corre ninguém pode com meu berro um pesadelo tiro seu sono três da madrugada e ninguém consegue dormir Victor Rodrigues


sou fralda suja sujeito homem malandragem tomo na mamadeira canção de ninar pra mim é sirene conheço bem chão de cela meu desenho animado é sol quadrado na janela não sei que colo me trouxe aqui mas não tiro o meu da reta já aprendi a contar doze quinze um três três se devo vou pagar com fé vou sair como eu tem mais de mil a gente nasce e morre igual vigiados desde sempre com leis que nos comprometem por crimes que vocês cometem como se fosse natural coisas que vocês aprontam pra depois se esconder atrás do código penal gozando ao me condenar só que já nasci chorando agora eu quero mamar

Victor Rodrigues


PEC 171/93 Pastores e delegados politizados em circos arrebanham-se nas tetas de um congresso estuporado. São homúnculos, menores (senadores, deputados) que os menores sitiados em corredores da morte (a própria sociedade). Virá a maioridade penal aos dezesseis anos de idade e viés. Menores, de rês em rês serão eleitos culpados, serão maiores em terra de seres apequenados.

Vinícius Gonçalves de Andrade


é mais fácil reduzir a maioridade penal que aumentar a consciência social reduz reduz reduz até entrar nas cabeças pequenas voto por uma sociedade plena de amor oportunidades e luz *** Endireita Brasil Cadeia é mais barato que escola, depois a gente privatiza as cadeia, bota os menino pra trabalhar, preso quase nem dá gasto, preso dá lucro, eles compra os celular dos guarda, os guarda são pai de família, o salário tá pouco, eles têm que se defender, num tem? já escola é livro é caneta é carteira é merenda da melhor qualidade, cadeia não tem nada disso, não, é barata, pra que a gente vai ficar comprando livro e caneta e carteira e merenda pra esses moleque? é tudo marginalzinho mesmo, só tamo adiando a entrada deles na cisterna penistenciária, prende logo, economiza, o Brasil tá em crise, recessão, o escambau, e depois, na escola tem que ter os professor, professor é caro, professor é folgado, professor faz greve, professor quer salário, olha, é por isso que defendo a ditadura, na ditadura professor não fazia greve, não, se não os militar mandava logo pro pau de arara, lugar de vagabundo é na cadeia, é ou não é? então, prende os menino, prende os professor também, tudo comunista os professor, e os menino tudo bandido mesmo! Escreve aí, o próximo passo é a pena de morte, por isso que eu votei no bispo, eu e tuda a minha família! agora esse brasilzão velho se endireita!

Paulo D’Auria


qualquer mãe em qualquer mangue qualquer morro qualquer canto dessa cidade tem no colo um filho morto qualquer quieta uma lágrima um grito qualquer qualquer dor desaparece neste mundo qualquer *** Acalanto menino caco de vidro na mão um boi essa cara preta zup some no morro rá tá tá leva esse menino que só vê careta

Ana Lucia Silva


MENORIDADE CULTURAL o que vai ser do meu menino? o meu menino envelheceu prenderam meu menino enjaularam meu menino mataram meu menino e o que será do seu? a educação que não demos o país que não criamos vão junto com os meninos pra cela dos meninos pra cova dos meninos pra degola dos meninos meu menino embruteceu > roda de angústias < gangorra do medo > bola da desilusão < peão do desencanto > pipas de fúria < ioiô do desamparo > < polícia-e-ladrão polícia e ladrão! olha aí, meu menino ... o que vai ser do meu menino? e o que será do seu?

Willian Delarte


Bola da vez Brasil, 31 de Março de 2015 (tá ai, mais uma vez o menor segurando os B.O da sociedade) Na quebrada, Chão de terra, futebolzinho rolava, Depois da escola alegria dos moleque, essa é a cara. Olho na bola, olho no gol, na mente sonhos... Ser Neymar ou Doutor daqueles que salva vidas, Tá ligado? Num descuido, numa bica, chute mal dado Bola voa pro outro lado, Feito foguete, moleque foi E voou. Sem saber, ele agora, a bola da vez. A viatura pelas ruas de terra Nas redondezas da favela. Atenção! atenção central! Individuo negro sem camisa, descalço Correndo próximo ao campinho Para, para, para! Corre, corre, corre! Meliante fugindo Cadê o flagrante? Correu por quê? Tá apavorado por quê? Sem chances de defesa. Apreendido. Na sala da delegacia... Cabeça baixa, Algemado, Aline Turim


Sem entender, Mas senhor que mal que fiz? eu só tava ali jogan... HA HA HA HA e ainda me pergunta, Seu mal foi nascer! Vai lá agora, pergunta pra sua mãe Aquela pátria, Brasil. Num foi ela quem te pariu? Sem gentilezas, sem brincadeiras Aqui agora é CA-DE-IA Ôh ôh ôh xiu, xiu! Não me falte com a educação O mal se corta pela raiz, Num te ensinaram não?!!! Sou autoridade Não ligo pra sua idade É ladrão! Pode levar. Ah moleque, quer conselho? Na próxima venha branco, rico, engravatado Lhe garanto a ‘’$orte’’ estará sempre ao seu lado. O Moleque na quebrada sumiu, A bola também. Ninguém viu, Ninguém vê Afinal justiça é cega. O apito nada amigo do juiz Pro moleque decretou O jogo acabou.

Aline Turim


EDUCAÇÃO NA CABEÇA No país da desigualdade, da hipocrisia, da divisão de classe, raça, cor, gênero, ando desanimado. Para quem leva os 3 pês nas andanças cotidianas, não consegue se locomover sem ver, sentir, por dentro, o quanto dói não pertencer a classe dominante, eufórica por prender nossas crianças em cárceres deprimentes ao invés de pô-las em escolas decentes. Para os 3 pês, é pontapé nas costas, rasteira, porrada nos peitos, falta de escola, transporte, hospital, respeito. Arma apontada pra cabeça, é o que sabem oferecer, quando antes, não é disparada pra averiguação, já com o cadáver se retorcendo no chão. “chumbo no couro do pobre, ouro no bolso do rico.” Já gritava o poeta popular que circulava pelo sertão , pintando as cenas de morte com sangue, e rimas oníricas lá pros idos do anos 30/40. Do sertão pra cidade, pra comunidade, foi um salto. Chegou depressa à violência patrocinada pelo aparato do Estado. Fazer a maioridade penal sair da cabeça do conservador, sem ser letra morta, é o que querem da lei. Com tristeza digo: a escola perdeu pra prisão, na meta da formação da criança, do jovem. A elite dominante, que sempre esteve por cima do corpo do pobre coitado, desde os tempos de Cabral, não quer andar do nosso lado imagine ficar por baixo, espremido pelo povo miserável.

Zé Sarmento


Para os pais e responsáveis

Menor com menor se paga Não se apaga a pena Menor se apaga Pra não virar poema Menor com menor se apaga Barbariza pra não ter rosto Pra não ter pena nem poema Menor pra não ter desgosto Menor com menor se guarda Se apega se apaga Com lágrima no rosto Menor de maior pena (menor com menor sem lágrimas / pra pena virar poema)

Sérgio Mitre


Na surdina que o inimigo age Na calada Quando se descansa a espada A branquitude tenta Açoitar o escuro da noite À tempos os porões são moradas As margens nossa estada Jogada as traças nossa educação E com força total a burguesia vem pedir redução? Se grades é realidade desde a escravidão Nos prendiam pala capoeira Pelo samba Pelo candomblé Pela lei da vadiagem que permanece de pé Vai sempre nos restar cadeia e caixão? E a burguesia grita pedindo redução? Eu vou gritar Vou neGritar as páginas da memória Vou neGritar As pretas tão lutando pra mudar Essa história Por zumbi, por Luiza Mahin Não baixaremos a guarda Enquanto a branquitude comemora Nossa voz não se cala Exala e a fala é nossa Chega! Chega de enterrar os nossos Chega de grade Não abaixaremos as espadas e o sopro de Oyá vai nos ajudar Meu grito é pra que não tenha mais fundação casa Pra que não exista mais polícia Grito por mais faculdade menos prisão Mais diversão menos camburão É tanto rombo histórico velados pela democrácia racial Raquel Almeida


E a burguesia vem falar de maioridade penal? Só quero o povo preto Com mais auto estima Rumo a emancipação Por isso sou contra as grades Sou contra a redução!

Raquel Almeida


o garoto que agora prende a bola ainda vai sair daqui correndo negro craque da pelota nas peladas do presídio ou da europa não sabe das chances desiguais e que no bolso do juiz só há cartões vermelhos ainda vai acreditar que constrói o seu destino que pode mais o seu suor e a força dos seus ossos mas alguém, um faro fino usa o jogo pra se arrumar (adeus, gramado; olá, masmorra) e de um modo ou de outro sua falta não ameaça a meta nasceu condenado a servir a interesses que nunca são os seus aliás, os gols que faz não alteram em nada o placar

Sérgio Fantini


Maurício, Kratos e J.S.M. O dia do Maurício não foi bom. A vaca da diretora da porra da escola teve o topete de enfrentar o pai dele e só não assinou a expulsão porque o bundão do pai aceitou a advertência e a suspensão e ainda prometeu botá-lo de castigo. - Dona Stela, sejamos sensatos... o menino tem 13 anos... fez no impulso... ele já está aqui na escola há dois anos... criou laços afetivos... uma expulsão não é exagero? Ele vai se traumatizar... veja com o coração... o histórico dele é difícil, ele já foi convidado a se retirar de outras duas escolas... mais uma e ele se desestrutura... um compromisso de não voltar a fazer isso não seria suficiente? Pra vaca não era. Que merda. Por que o bosta do pai dele não colocou o pau na mesa? Que cacete. Mano, suspensão bem na semana dos jogos interclasses, a única coisa que presta naquela joça daquela escola! - Porra, pai, o moleque não é preto mesmo? A mãe dele não limpa mesmo o mijo que eu deixo pingar pra fora da privada? Ele não tá lá estudando com bolsa à custa do seu trabalho, pai? Meu, vou ficar enfurnado nesse quarto por falar a verdade?

suava, o pescoço ficava duro. Quando ele era o foco da injustiça, então... só uma coisa o relaxava: matar. E o dia foi foda, muito foda. Maurício precisava matar muito. Fechou-se no quarto e acordou Kratos, seu amigo que, assim como ele, tinha sido injustiçado e estava em busca de vingança. Nenhum neguinho iria sobrar pra contar a história depois de conhecer as Lâminas do Caos do Fantasma de Esparta. Enquanto Maurício começava a pagar seu castigo trancado no quarto jogando God of War no PS4 que ganhou da avó, o pai dele, inconformado com a turminha dos direitos humanos e sem se lembrar de que J.S.M., apesar de ter a idade de seu filho, não tinha videogame, assistia ao Jornal Nacional e se inteirava de que dito delinquente tinha matado com um tiro na nuca um comerciante do bairro que teria lhe dito que lá ele não poderia vender nada. - Esse paisinho só vai dar certo quando essa frescurada de estatuto da criança e do adolescente acabar: se com 13 anos o bandido não se endireitou, não se endireita mais.

Se tinha uma coisa que tirava Maurício do sério, essa coisa era a injustiça. O coração disparava, o corpo inteiro Antonio Ramos da Silva


Lixeiros as crianças corriam atrás do caminhão de lixo gritos de criança perguntando aos gritos se havia brinquedo tem brinquedo dá brinquedo e não havia e não havia os brinquedos do lixeiro vinham do lixo dos ricos um lixo com brinquedos o saco rasgava antes de cair na prensa e pulavam brinquedos e brinquedos não havia prensa ainda o mundo era grande cabia muito lixo nada precisava ser pequeno nada se apertava para ser o lixeiro jogava os sacos no baú e só cheirando lixo em dia de semana e em fim de semana jogando bola de sapatão mas corriam e perguntavam ao lixeiro pediam ao lixeiro dá brinquedo tem brinquedo Heyk Pimenta


eu olhava até corria mas não gritava não acreditava nos brinquedos um dia na casa do preto havia uma trilha de dominó presa sobre trilhos para fazer fixo o efeito dominó mas faltava dominó e não fazia efeito era brinquedo do lixeiro o lixeiro achou finalmente brinquedo no lixo dos ricos ou procurou até achar pelos gritos de menina do preto ou teria reunido porcarias brinquedo quebrado do seu próprio filho de lixeiro para dar ao preto com a cozinha fedendo esgoto a irmã grávida a mãe vestida de canavieiro suja e brava via cheirando esgoto os cavaleiros do zodíaco era triste e choroso colorido na TV na manchete tinha que ir à casa do preto para ver a irmã grávida o desenho na manchete não tinha manchete na minha TV Heyk Pimenta


e tinha o preto com um pau grande de criança que não sabe ler e o caminhão avisava com o motor dos brinquedos e saíamos atrás gritando mas era mentira não havia brinquedo havia o johnny apanhando do padrastro com chutes na bunda e fio de rádio o johnny correndo de casa esperando a cachaça dormir a cachorra que só comia comida azeda magra e grávida como a irmã do preto meu minigame enchendo a varanda de casa o único da rua 16 jogos iguais e campeonato de minigame e eu brincando com o preto sentado em sua barriga fazendo cócegas o preto foi meu primeiro namorado

Heyk Pimenta


Desesperante canção Juram defender a vida desde sua concepção, pois a vida não nascida merece toda atenção. Porém, depois de parida seu valor varia, então: se vem de mulher da vida ou se seu pai é barão, tudo isso é medida de sua valoração. Espalham canções de medo e alardeiam o terror. A grita começa cedo deixando a mente em pavor, espalhando um gosto azedo num dia desolador. Seguem neste desenredo semeando desamor: – De menor não é brinquedo! Impunes, espalham dor. Porque direitos humanos entravam em demasia o banquete dos decanos na arte da tirania. Meninos são desumanos quando a cor os denuncia. Não importa há quantos anos labutem sem garantia: processos kafkanianos são a paga de seus dias. Nosso tempo nos convida a jogar numa prisão todos aqueles que em vida Teofilo Tostes Daniel


conhecem só exclusão. Assim é desenvolvida desesperante canção: os que julgam que é saída aumentar a detenção juram defender a vida desde sua concepção.

Teofilo Tostes Daniel


- Bala perdida? - Não. Bala achada mesmo. Era uma vez um garoto. Seu nome era Francisco. Francisco Bento. Mas todo mundo na bocada só o conhecia por Chico. Ele era famoso por bater carteiras no Centro. Também tinha um fraco por relógios e pulseiras. Até que um dia, por descuido, se deixou encurralar por uma pequena multidão. Chico apanhou muito antes que a polícia chegasse para levá-lo. - Idade? - Tô com 17. - Tem vergonha na cara não, moleque? - Tenho não, sinhô. Tenho fome. *** Era uma vez uma garota. Seu nome era Mafalda. Após assaltar uma farmácia em Nova Parnamirim, ela, que fugia a pé, foi logo alcançada pelos policiais. Quando viu as armas apontadas em sua direção, nem pensou em puxar o 38 que trazia consigo. - Idade? - 14. - E isso aqui no seu ombro, é uma cicatriz? - É, sim, senhor. - Foi o quê? - É marca de bala, senhor.

*** Era uma vez três garotos. Huguinho, Zezinho e Luizinho tocavam o terror na Ocidental de Baixo. O primeiro tinha 15 anos, os outros, 14. Só andavam juntos e pareciam até ser da mesma família. Naquele quarteirão, ninguém podia vender bagulho. Só eles. Quando a polícia estourou a boca, Luizinho levou um tirambaço na cara e por ali mesmo ficou. Os outros dois foram algemados na mala do camburão. - Eu te disse que crack era coisa de otário, num disse? - É, mas eu curto. - Senhor, diz pra ele: crack não é coisa de otário? - É sim, moleque. - Tá vendo? Eu disse a tu: o negócio é cheirar pó, mané.

*** Era uma vez um garoto. Era uma vez uma garota. Era uma vez. Era uma vez. Era uma vez.

Alex de Souza


eram tempos de ódio e ferrugem antiga de muito grito e pouca voz tempos de ritalina amnésia e aspirina eram tempos de roleta russa e guerra fria requentada como se miami fosse terra prometida e cuba, a praga infestada eram tempos repetidos história como farsa história como força história como falsa história como forca estouro com foice e faca e continua nessa jornada enquanto falar não seja denúncia nem triunfo da barbárie entenda: sua panela de tefon não conhece a fome seu milagre faz crescer o bolo mas não multiplica os pães de que adianta ir pra rua, se você não sai de casa? que venham os touros furiosos continuarei erguendo minha bandeira vermelha porque meu sangue é rubro e não azul (muito menos amarelo) Luiza Romão


se pinta sua cara de verde na mão, carrego martelo mais que tomar partido é tomar coragem de enfrentar a cruz e a bala da sua bancada milionária se for preciso teremos guerra ressuscitaremos marighella mas sua ditadura não aceitamos como remédio

Luiza Romão


[OBITUÁRIO]

Não deixa filhos

Eduardo Sterzi


Sim, ele já batia na altura da minha cinta, podia ver a arma. Claro, no coldre. Claro, guardada. Sim, ele já batia na altura da minha arma, ele já estava na medida certa, já na idade. Tava na cara que era um trombadinha, um meliante, um marginal sem mais futuro. Como? Nunca teve futuro antes? Balela. Sim, eu lembro do furo que a bala fez. Sim, foi bem na frente da mãe, bem na sala. Sim, os vizinhos acudiram. Não, não deram um pio. Seria desacato, delegado, seria levantar contra a autoridade. Ninguém se levanta. Não, senhor. Não. O menino não levantou. Eu mesmo me assegurei disso. Sim, senhor. Obrigado. Até amanhã.

Leandro Durazzo


RAP DA INJUSTIÇA. (assim age a autoridade). Rapaz pacato Sem saber de nada. Entrou para um assalto. Ninguém teve piedade. Não tem essa de primário. E julgado como otário. Não querem ajudar. Só querem complicar. Para o poder ganhar. Assim age a autoridade. Se for culpado ou inocente. Tudo fica pendente. Homens fortemente armados Quebram os dentes. Depois que se vai. Torna-se indigente. Era um rapaz inteligente. Na sua mocidade, e de pouca idade. Jovem e adolescente. Sem ajuda do sistema. Não foi o último E nem o primeiro. Para o poder é inimigo alheio. Assim age a autoridade. Não com a popularidade De quem tem a força da grana. Que levanta a moral, dos bacanas. Tudo é maldade. Nada de oportunidade. Na cela trancada. Aprender a malandragem Usar tatuagem. O tempo é bobagem. Aprender o que? Germano Gonçalves


Regenerar é farsa da tirania. Assim age a autoridade. Acabou a maioridade. O rapaz perdeu a liberdade. A vida marcada. Não é mais asseado. Vive humilhado. Quando criança Não teve o direito De ser inspirado. Assim agiu a autoridade.

Germano Gonçalves


Maleducados “Crianças? Há muito deixaram de ser! Quem mandou não estudar? Não sabem nem escrever mas já aprenderam a roubar! E nego ainda defende! Esses moleques tão formados, têm que apodrecer, enjaulado, quem sabe assim aprende. E não adianta dizer que não havia outro caminho o filho do meu vizinho, coitado, foi abandonado, sofreu de um tudo, mesmo assim não caiu no mundo.” É amigo. Engolimos um discurso pronto, no telejornal batido, servido em busca de pontos, e, pensado em nossos umbigos, saímos reproduzindo arrotadores de opinião sem sequer refletir sobre a situação. Nós criamos esse inimigo negando-lhes passado, presente e futuro digno. Demos o mínimo do mínimo quando muito, pão e abrigo, e ao invés de reparação, pensamos em mais um castigo? É evidente que uma lei Thiago Peixoto


para redução da idade penal não é para o filho rei, você sabe e eu também sei, eles têm imunidade legal. Convenhamos, conhecemos a arapuca, nos negligenciamos para repassar toda a culpa. Os abandonamos e vamos lhes condenar por não conseguirem escapar do destino que nós mesmos traçamos. Jovens talentos, roendo ossos, sedentos, entram cedo no esquema por desenvolverem por dentro uma disfunção tema de cinema: nenhuma gota de medo do tão temido sistema. A falsa política, a farsa midiática e a força elitista covarde os querem na estatística, até que não mais exista distinção de maioridade. Nessa insensatez, temendo ser a bola vez, pedem grades aos dezesseis. Amanhã com doze, com dez, quem sabe até na gravidez, talvez. Defendo esse conceito ciente de que estou sujeito Thiago Peixoto


a uma bala escaldante no peito. Me renderia um dilema e outra manchete pro Datena. Contudo, assumo esse risco, não serei mais um omisso a repassar o problema. Recicle suas verdades e clame as prioridades. O homem já pisou na lua e crianças ainda moram na rua. Essa a realidade. O sol atravessa a peneira, porque insistir que não? O que vai acabar com a sujeira um tapete ou o esfregão? E quando não couber na lixeira faremos o que então?

Thiago Peixoto


Onde vivo define meu carĂĄter Minhas idĂŠias? Nem ousam saber. Minha cara fica a tapa Por um homem de farda, que diz ter poder.

Fernanda Vilela


n(ã)o calo não vejo ninguém bradando por menos menino na rua, que tem de teto a lua e em solidão vive vagando. não há notas sobre o filho da dona ana o adolescente que mora na favela do canão acorda cedo pra ir trabalhar no capão e paga caro para estudar na vila mariana. todo dia ao ligar a tevê ouço o grito camuflado do engravatado que diz querer meu futuro enjaulado afirmando que isso é melhor pra mim, e pra você. não pense que não quero responsabilização pelo contrário quero igualdade direitos sendo exercidos em qualquer idade mas sejamos sinceros isso não virá com a redução. ditos cristãos tem mais forças para se vingar do que lembrar o que outrora já foi dito: “amar o próximo”, assim disse cristo e como criança pensarás. e é desta que deveria advir seu pensamento que chamo sua atenção menos fundação e mais educação já pensou nisso em algum momento? quanto as medidas socioeducativas e o eca que vivem a questionar você já leu ou foi visitar antes de soltar tolas afirmativas? Lu’z Ribeiro


sua infância teve cores, afeto e bola, geometria diversa e quintal pra correr? com 14 anos alguém já não vê o sol nascer e quadrados lhe são cedidos como esmola. hoje ele roubou seu carro de 150 mil mas já lhe roubaram, educação, saúde lazer, emprego tudo que podiam amiúde sem anestesia e de modo hostil. reduzir a maioridade penal para os dezesseis é empurrar o problema pra debaixo do tapete fingir que a situação está boa e receber confetes e o não visto não incomoda, assim mudam-se as leis. sou poeta e vivo na contramão do mundo e que digam que o escrito é absurdo mas não me farei de cega e surda eu já me fiz flor, não sou mais muda.

Lu’z Ribeiro


O outro lado Quando eu nasci, Eu não fui pra casa, fui pro viaduto. Eu não fui pro parque, fui pro farol. Eu não fui pro colo, eu fui pra cinta. Não fui ter uma casa, fui ter um barraco Não fui ter uma cama, fui ter um papelão Não fui ter amigo, fui ter aliado Não fui ter amor, fui ser mal tratado Não fui ver papai Noel, fui ver a fome Não fui aprender a ler, fui aprender a me virar Não fui saber quem é meu pai, fui saber o que é o abandono Não fui conhecer o mar, fui conhecer o cheiro do esgoto Não fui visitar a vó, não fui pra doceria, não fui pra escola Fui para a biqueira, fui para o crime fui cheirar cola. Não fui brincar de carrinho, fui pegar toca-fitas Não fui ganhar dinheiro, fui roubar Não fui ter brinquedo, fui ter revólver Não fui ter pena, não fui ter medo, não fui ter limite. Fui ter gana, fui ter ódio, fui ter maldade. Não fui pensar antes de agir, não fui tomar cuidado pra não ferir. Não fui ligar pro que estava a fazer Não fui tentar me esconder, não fui temer o que podia me acontecer

Carolina Peixoto


Fui querer o relógio, fui e pedi: “Passa, logo” Fui gritar mais alto, fui dizer que seria rápido, fui mandar que não reagisse, fui tentar só assustar. Fui mostrar que estava armado, fui lutar no momento errado, fui ficar apavorado, fui apertar o gatilho, fui disparar cinco tiros. Fui julgado, fui condenado. Mas ainda querem uma lei, pra continuarem me jogando pro lado errado.

Carolina Peixoto


Moleque Assaltante Fumante Vagabundo Hoje um moleque me assaltou Chegou sorrateiro, pedindo um cigarro E num momento de descuido meu Já apontou a faca ordenando Passa, passa Perdeu, playboy, perdeu Levou meu celular, minha carteira com duas notas de vinte, meu cartão Meu anel, e ainda na hora de correr riscou a faca na minha mão Fiquei indignado Menos pelo assalto e mais pelo machucado Num surto de raiva gritei “Aí desgraçado! Eu te dei tudo que eu tinha e você ainda me deixa sangrando?” E logo depois pensei meu Deus, com quem que eu to falando? Pro meu espanto ele voltou com ar revoltado e disse “Você acha que me deu alguma coisa? Eu só tomei o que era pra ser meu Essa escola que seu pai te deu Nem eu, nem nenhum dos meus irmãos recebeu Esse seu tenizinho bonito eu não tenho nem vontade de pegar E vai ter que durar um mês a comida que eu vou comprar Com a grana que eu vou tirar vendendo esse teu celular Pra ajudar, meu irmão mais velho é avião Meu pai trampa na construção e minha mãe vende sacolé Agora você, playboy, sua mãe e seu pai dão tudo o que você quer Enquanto eu e a minha família, pra sobreviver nesse mundo cão Onde ninguém tem nada na mão, só mesmo assim Então não vem dar lição de moral pra mim

Igor Almeida


E esse corte aí foi sem querer, mas serve pra te lembrar De quantas mãos, mesmo sem querer, o teu tênis made in china fez sangrar Da costura à cola de sapateiro, uma criança como eu trabalha o dia inteiro Pra nem um saco de arroz conseguir comprar” Fiquei chocado, Ta aí um negócio engraçado Eu, que sempre me achei tão “civilizado” Levando lição de moral de um bandido letrado O menino já ia sumindo, quando lembrei de supetão E gritei pra ele de longe “Aê irmão!” Ele parou e eu fui chegando perto e ele ficou me estranhando Depois de tudo que ele me disse, e eu ainda continuava incomodando? Puxei do bolso do casaco um maço quase inteiro Com a mão cortada, ofereci pra ele um dos meus E lhe lembrei “Você já ia esquecendo teu cigarro Vai precisar de isqueiro?”

Igor Almeida


Degraus de um menino que n茫o conseguiu ser her贸i Era uma vez Era uma vez um menino Era uma vez um menino pobre Era uma vez um menino pobre e preto Era uma vez um menino pobre e preto com uma realidade Era uma vez um menino pobre e preto com uma realidade e preso Era uma vez um menino pobre e preto com uma realidade e preso em nosso [foda-se

Barbara Leite


1!8 Maioridade 1!8 maior IDADE

1!8 Antonio Miotto


Aos meus mestres, com carinho “Aula de hoje: MATEMÁTICA Abram os cadernos e anotem: Redução do número de salas de aulas + Redução das oficinas culturais + Redução da verba para cultura + Redução da maioridade penal = A redução da criminalidade na sociedade. Podem fechar os cadernos. Aula de amanhã: HISTÓRIA Favor estudar.” *Os professores convidados para essa semana são: O Governo do Estado de São Paulo, a Câmara dos Deputados e a Mídia brasileira. Beto Bellinati


Causas e Consequências Quando se quer realmente curar uma doença É necessário atacar as causas e não apenas as conseqüências Em 54, ou seja, todos os países onde a maioridade penal foi reduzida A criminalidade não diminuiu, o que prova a ineficiência dessa medida Na TV e no cinema, vários criminosos foram e ainda são glamurizados Fazem até filmes quando acontece um grande assalto É muito difícil evoluir economicamente, só através do estudo e do trabalho Muitos da periferia seguem esse caminho, embora nem o professor seja [valorizado Em diversos filmes de ação o herói é rebelde e anda sempre bem armado Ele mata dezenas de pessoas porque foi injustiçado Em outros filmes o policial que resolve mesmo a parada Não obedece a regras que pela sua corporação foram determinadas Quem acha que por esses filmes o criminoso não é influenciado Vá até um presídio de adultos e outro de menores e faça um questionário Depois verifique quais são os heróis de filmes, que por eles são admirados Boa parte dos que estão presos, por serem pobres, também já foram [injustiçados Carência e descrença na infância e na adolescência São terríveis violências com gravíssimas conseqüências Tem pessoa que passa por isso e se torna submissa e/ou depressiva Outras praticam maldades ou até não tem o menor amor a vida Nenhuma pessoa é igual à outra em nenhum lugar Até irmãos ficam diferentes, mesmo educados em um mesmo lar Por isso ninguém pode afirmar que carência e descrença Não podem levar uma pessoa para o mundo da violência

Almerio Barbosa


Existem crianças que antes ou depois das aulas na escola Ficam andando pelas ruas, às vezes até pedindo esmolas Porque não tem ninguém para cuidar delas, os pais trabalham fora Políticos corruptos, dificilmente fazem algo para elas nessa hora O mais terrível entre os crimes hediondos é a corrupção política Se alguma TV mostrasse, em horário nobre, o quanto e como ela causa [injustiças A maioria do povo brasileiro, incluindo os donos de revistas, TVs, rádios e [jornal Lutariam para aprovar o fim do financiamento de empresas para campanha [eleitoral Somos contra essa redução também pelo seguinte motivo: Desde a era anterior a Jesus Cristo Que prendem, torturam e até matam bandidos Mas até hoje, o problema da violência, sequer foi diminuído Não somos contra que o infrator seja punido Mas ele precisa ser reeducado, pois voltará ao nosso convívio Violência e penas mais duras nunca deram bom resultado Nos Estados Unidos tem pena de morte, mas é o país com mais encarcerados

Almerio


Molotov Desde criança, institucionalizado Pais, ignorados Não alfabetizado Pele negra, seu legado Foi criado e educado Por aquela que não lhe FE(Z)BEM Treinado para matar e morrer Aprendeu muito bem Se graduou na escória E escreveu sua história Em documentos oficiais Ocorrências, processos, relatórios sociais Estatísticas, manchetes, mídia Páginas policiais Que bom desempenho! Vai longe esse rapaz! E agora... A Formatura! 18 anos! Quanta emoção! Molotov finalmente foi para a detenção! Lá acendeu o pavio Que desde o nascimento colocaram em suas mãos.

Débora Garcia


A menina e o caderno quando eu menina vi um caderno tinha capa de bailarina rodei, rodei entre lápis coloridos e as borrachas perfumadas bailei por lá e na saída tendo desejo maior que eu ninguém viu, nem eu ... Eu de menor era... o desejo do caderno foi tanto eu me olhando nele mirava-me bailarina senti medo e vergonha de devolver o caderno eu ‘’di’’ menor era a menina bailarina. e se eu tivesse sido punida, presa, onde estaria agora? teria ido pra onde se a lei fosse rigorosa? aos 16 anos minha vida valeria um caderno?

Luciana dos Santos Cerqueira


Fato Consumado Volto a sonhar com as crianças É um pesadelo, me assombra O que será das crianças que não tem onde encostar? Encostar seus sonhos Suas cabeças em um ombro Daquele que eu tive pra sonhar E aí eu queria o flautista E aí eu queria o flautista Aquele que levava todas embora pra algum lugar Onde os adultos Não terão aquém culpar

Jane Arruda de Siqueira


a corriqueira e triste história de gugudádá e seu país desalmado gugudádá tem tataravô chegado cá com pé preso gugudádá não tem creche mas tem classe definida gugudádá tá na música do brown perseguido já nasci, demorô gugudádá não sabe da fraude da fralda um sete um gugudádá ganhará fama de mau será perseguido pelo auau estatal e se tornará destaque no telejornal gugudádá será mais um gugudádá comum colarinho branco o que está fazendo? Thiago Cervan


- articulando um movimento pra te ferrar, pra te matar t么 congresso pra amordar莽ar

Thiago Cervan


empresídio e cia ilimitada ao menor descuido ao menor deslize ao menor cadeia ao menos televisão não tarja, conde, nação ao menor sinal ao menor senão ao menor sina ao menos sonho não sono pisado chão ao menor delito ao menor defeito ao menor grade ao menos curricular não escola de tensão ao menor juízo ao menor arbítrio ao menor juiz ao menos esporte não correr do chavão ao menor rua ao menor função ao menor causa ao menos lar não casa fundação ao menos ouça do peito o canto ao menos reduza essa chaga não a da redução antes educação não tem cara o que temo então temos que te chamar coisa não são grandes homens os de bens não são grandes coisa Daniel Minchoni


vamos apagar as crianças pobres e as negras e as mestiças vamos apagar esses meninos e as meninas com borracha branca e casta vamos apagar esses rapazes delinquentes sempre à margem vamos apagar essas moças roupas curtas bocas sujas vamos apagar as suas asas não tão claras sempre pardas vamos apagar as suas falas e os seus olhos tão abertos vamos apagar todos os rastros o futuro é sempre incerto vamos apagar esses seus dedos sempre prontos no gatilho vamos apagar os seus sorrisos já no berço insensatos vamos apagar as suas vidas dessa nossa narrativa e o que sobra risco certo é o que a gente trancafia.

Micheliny Verunschk


poema di menor no fim, nada vai mudar agora eles podem prender mas ainda preferem matar

Caio Cezar Mayer


O nascimento da Lua I – Buraco negro – Então você não gosta de polícia? Aqui vai aprender a gostar. – segurou-lhe o rosto com força e ela sentiu um estalo no maxilar. Evitava encarar as três criaturas postadas ao seu redor para não sucumbir ao pânico. A sala era um cubículo, fria e fracamente iluminada por uma lâmpada amarela. O homem que a segurava pelo queixo era gordo, coberto de pelos por todo o corpo: nas mãos, no rosto uma barba farta e malfeita e, no peito, era possível entrever um tufão que escapava pela camisa mal abotoada. Ela estava no centro, mãos algemadas e corpo trêmulo. O gordo peludo puxava-lhe o queixo com força tal que quase a suspendia. Os outros dois estavam de pé, braços cruzados e semblante de poucos amigos. Num rompante, o gordo soltou-lhe o rosto. Depois, ordenou a um dos comparsas: –Tire a roupa dela, Maranhão. – Bola, ela disse que é de menor. – Porra! Tá com medo de mulher? Era o que faltava. A vagabunda desmoraliza a corporação e você vem com essa de que ela é “de menor”! Pela cara de puta, não tem nada de “de menor” aí. Falei que não queria cuzão trabalhando comigo! Tira logo! Maranhão, o que estava à esquerda, mais próximo à porta, puxou a menina pelos braços, não sem uma certa relutância. “Até que dá um caldo”, pensou. Suspendeu-lhe a blusa do uniforme de escola e levantou-lhe o sutiã. Então, pôde ver os seios de menina, firmes e intumescidos. “Está excitada, a vagabunda”, pensou. Como estava algemada, encostou-a na parede, rasgou sua blusa e segurou seus seios com fúria. Ela deu um grito. Então, ele a jogou no chão, de costas, e esfregou o rosto da menina no cimento frio. Nisso, Bola interrompeu: – Eu primeiro. Rosto colado no chão, a menina sentiu o peso do corpo de Bola sobre o seu e tentava não pensar em nada. Não pensar em nada não pensar em nada isso vai passar isso não está acontecendo quando foi que tudo começou meu deus e se eu não tivesse ido maldita hora maldito mauro por quê mas agora não adianta melhor não pensar em nada ai está doendo muito eu não vou gritar eu não posso gritar agora não adianta agora não adianta esse porco está me sufocando meu deus me tira daqui ainda tem os outros dois alguém poderia chegar mas quem iria me achar aqui o filho da puta do mauro deve Betzaida Tavares


estar bem seguro na casa dele e eu nem sei onde estou melhor não pensar em nada puta que pariu está doendo pra caralho esse gordo é nojento e ainda faltam dois puta que pariu e o que vão fazer comigo depois meu deus eu tô com medo. O gordo saiu de cima da moça. Ainda faltavam dois. Capivara foi o segundo. Por último, Maranhão. Depois, levaram-na para uma sala onde uma mulher troncuda e de cara amarrada a recebeu. –Veste – e entregou-lhe o uniforme alaranjado. A menina se vestiu. A mulher juntou seus cabelos numa tocha e, sem nenhum ritual, cortou-os fora com uma tesoura. Uma cabeleira cacheada que demorara anos para crescer naquele momento se esparramava pelo chão imundo. Luiza olhou para baixo e sentiu um nó na garganta. Mas não chorou. A mulher troncuda segurou com força em seu braço e a levou até a cela. Lá dentro, já havia outra pessoa. Uma senhora de cerca de cinquenta anos.Possivelmente também deveria ser manifestante. A moça se encolheu num canto. Chorava e gemia. – Está doendo?– a voz rouca e falha parecia de uma senhora bem mais velha do que ela aparentava ser. – Muito. – Onde? Ela não respondeu. Nem conhecia aquela mulher!Estava com raiva, com medo, com frio e não queria conversa. – Qual seu nome? – a senhora insistiu. – Luiza. – Se precisar de mim, me chame. Meu nome é Rebeca. “Não vou precisar!” Agora, além da dor e do frio, havia certo constrangimento de estar ali perto daquela senhora – que afinal poderia ser sua mãe – depois de tudo o que passara. Ficou um longo tempo encolhida no canto da cela, imóvel e em silêncio. Já não chorava nem gemia. “Precisar dela? E o que essa coitada pode fazer?” O que Luiza precisava mesmo era voltar atrás, retroceder o tempo um instante antes que tudo tivesse acontecido. Mas isso era impossível. Tampouco era capaz de imaginar o que viria depois. Naquele momento, só dispunha do tempo presente. E o tempo presente era aquilo: um cubículo mobiliado com um colchão precário, já ocupado pela solícita companheira de cela, uma garrafa d´água e um vaso sanitário. Fora isso, as dores, o frio e a fome. E também a desconhecida que se chamava Rebeca e que depois de um tempo – que tanto pode ter sido quarenta minutos como duas horas, na cadeia perde-se esta noção – resolveu novamente se dirigir à menina. – Pode se deitar aqui no colchão. Não é nenhum resort, mas também não precisa piorar as coisas, né? Esse chão duro é o fim... Ela olhou desconfiada. Rebeca prosseguiu: – Tá com medo de quê? Estamos no mesmo barco, menina! Betzaida Tavares


Aproximou-se e se sentou no colchão, com o corpo apoiado na parede. – Puta que pariu, como dói. – falou com um fio de voz. – Bateram em você? Luiza fez sinal afirmativo com a cabeça. – Eles me bateram também. Muito. Mas não fui estuprada. Devem ter me achado velha. – Quando a gente vai sair daqui? – Não faço ideia. Como foi que te pegaram?

II – Big bang – ou o depoimento que Luiza não deu A aula de Geografia estava meio cansativa. Para falar a verdade, estava um saco. Eu adoro as aulas do Mauro, mas naquele dia estava chata demais. Ele explicava alguma coisa sobre as pradarias da América do Norte e me deu vontade de cochilar. Mas não cochilei, porque ele é tão gato que, mesmo a aula estando um porre, ainda havia aqueles olhos verdes que são um atrativo e tanto. Se fosse aula da dona Glória, já estaria num sono profundo. De repente, seu Olavo entrou em sala todo esbaforido. Nem pediu licença pro professor e começou a falar. Manifestantes tinham fechado a avenida e a gente deveria ficar na escola até o fim do dia, ou até que tudo se resolvesse, porque a polícia já estava lá e a confusão tinha começado. Mauro largou o giz, jogou a mochila nas costas e disse: “Fui! Quem quiser que me acompanhe, este é um momento histórico”. Então, eu o achei lindo como nunca, os olhos verdes brilhando, o corpo atlético, a expressão séria de quem está pronto para ir à luta. Claro que eu iria acompanhá-lo! Nunca tinha ido a uma manifestação. Minha mãe participou do Fora Collor e eu sempre senti inveja dela. Queria fazer parte da história. Mas a verdade é que a gente nunca acreditou que pudesse fazer alguma coisa. E tem tanta coisa errada! Esse negócio de alistamento obrigatório, por exemplo. Eu sei o que é isso, meu irmão serviu o Exército e sofreu horrores. Eu ouvia meu irmão contar o que passou, sentia uma dor do peito, mas depois pensava: “e vou fazer o quê? Nada. Não se pode fazer nada”. Então, quando o professor falou “fui”, eu pensei: “é agora”. Helena e Gilberto também pensaram a mesma coisa, porque nos levantamos os três, quase ao mesmo tempo. Nas outras salas, mais gente vinha se juntar. A diretora pedia calma e falava que ninguém iria poder sair da escola, mas ela já tinha perdido o controle. Seu Olavo tentou fechar o portão e impedir a gente de sair. Inútil. Alguns colegas pegaram tinta e cartolina na sala de Artes para fazer cartazes. Tinha todo tipo de frase: “Passe livre Já”, “Contra a PEC 37”, “Socialismo e Liberdade”, “Sem partido”, “Legalize o aborto”, “Vamos explodir o Congresso”, “Contra a Polícia Militar”, “Intervenção Militar Já”, “Galo Betzaida Tavares


doido”. Achei aquilo meio confuso, mas fiz um cartaz para mim também, com letras bem grandes: “PELO FIM DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO”. Eu só pensava no meu irmão, coitado, que por azar pegou o Exército. Ele era obrigado a correr pelado no sereno e depois jogavam água fria nele. Chegou a pegar uma pneumonia. E não tinha escolha. Isso é o que me doía mais. Porque se a escola é ruim, a gente pode matar aula, fingir que está doente, trocar de escola. Até um emprego, se for ruim a gente pode largar, que seja para virar mendigo, mas a gente tem essa escolha. O Exército não, eles não têm escolha. Só por isso saí com aquele cartaz.Não imaginei que pudesse me trazer tanto problema. Quando deixei o portão da escola, tomei um susto. Nunca em minha vida tinha visto tanta polícia: polícia com cachorro, montada em cavalo, a pé, sobrevoando de helicóptero... Eu me senti num campo de guerra. Helena e Gilberto pareciam estar eufóricos. Gritavam palavras de ordem, vibravam, cantavam o hino nacional. Junto com eles, fui lá para frente, cada um segurando seu cartaz, cara a cara com o cordão de isolamento da PM. Depois... uma bomba. Fumaça, muita fumaça. Meus olhos ardiam. Helena segurou a minha mão. “Cadê o Gilberto?”, ela gritava. Eu não sabia. De repente todo mundo corria, eu não conseguia enxergar direito, Helena se soltou de mim. Quando a fumaça baixou e consegui enxergar alguma coisa, não havia mais nenhum manifestante no meio da avenida. Só eu.E a polícia, claro. Eles eram muitos. Comecei a recuar, pedi pelo amor de Deus para não me matarem. Eu não tinha ideia do que eles poderiam fazer comigo. Eu gritava que era menor de idade, mas eles pouco se importavam. Meus olhos ardiam, eu estava meio tonta. Depois, caí no chão, ou me jogaram, sei lá. Prenderam meus braços numa algema e me carregaram feito um bicho. Um deles, ainda me disse: “Eu vi o seu cartaz. Valente, você, hein? Um cartaz daquele bem na frente da polícia. Vai ser valente na delegacia agora”.

III - O grande impacto

– Como foi que me pegaram? Está tudo tão confuso que nem sei dizer. Engraçado, parece que faz tanto tempo... Foi hoje, não foi? – Acho que sim. Acho que ainda não mudou o dia. Se bem que a gente aqui perde a noção. – E você, como te pegaram? – Também não sei explicar. – Você é professora, Rebeca? – Fui professora da rede estadual. Depois, não aguentei mais a sala de aula. Depressão, sinusite, calo nas cordas vocais... Daí, eles me remanejaram para a Betzaida Tavares


biblioteca da escola. – E dava aulas de quê? – Ciências. Mas como descobriu? – Sei lá, você tem cara de professora. – E olha que nem estou com os óculos. Tomaram de mim quando me prenderam. Foi a primeira coisa que me tiraram. Curioso isso, né? Os brincos e a pulseira só me mandaram tirar quando eu já estava aqui. Mas os óculos eles me arrancaram antes de eu ser jogada no camburão. – Ai! – O que foi? – Tá doendo! Doendo demais! Nunca pensei que fosse passar por isso. – ela se encolhe no colchão. – Aaaaaaai! Eu quero sair daqui! Quero um médico, tá doendo, doendo muito! Cadê minha mãe? Por que ninguém veio me buscar? Me tira daqui! Pelo amor de Deus, eu preciso ir pro hospital, eu estou machucada! Me tira daqui!!! – Luiza se levantou e sacodiu violentamente a companheira de cela. Rebeca tentou contê-la. – Meu cabelo. Cadê o meu cabelo? Viu o que fizeram comigo? Cortaram meu cabelo! Ele era comprido, sabia? Lindo! Lindo de verdade! Por que eu não fiquei na escola? Por que eu quis sair? A culpa é do Mauro! Filho da puta, a culpa é toda dele. Aposto que ele nem estava lá. Eu não devia ter ido, eu não devia ter ido. Então, desabou num choro convulsivo. Rebeca tentou contê-la num abraço, mas a menina se esquivou com um safanão. Num ataque, arranhou o próprio rosto e pôs-sea gritar impropérios. A companheira de cela tentou manter a calma e o controle da situação. Inútil. Por fim, perdeu as estribeiras. – Chega! Cale a boca, menina! – assustada, Luiza estancou. Rebeca, então, passou-lhe a garrafa d´água. – Bebe! Seu cabelo vai crescer de novo. Não precisa chorar, porque o cabelo sempre cresce. A menina tomou um gole. – Obrigada. – a voz débil demonstrava, não que havia finalmente se acalmado, mas que estava exausta de tanto se debater. – Agora me diga: quem é Mauro? – Meu professor de Geografia. – Por causa dele, você quis ir à passeata. – Acho que sim. Ele sempre diz que nossa geração é um bando de coxinha. Eu custei para entender o que é coxinha. Mas, mesmo sem saber, eu não queria ser chamada assim. Queria ser guerreira, combativa. – Ele é bonito? – Lindo. Betzaida Tavares


– E você é apaixonada por ele. – Agora é a minha vez de perguntar: como percebeu? – Ah, é fácil saber. Eu também já fui jovem, tive professores atraentes. Fazia de tudo para conseguir a aprovação deles. Uma vez, um seminarista veio nos dar aulas de Filosofia. Virei uma verdadeira carola. Ia à missa todos os domingos, participava das obras de caridade, até catequista eu cheguei a ser. Tudo para que ele me notasse. – Algum aluno já se apaixonou por você? – Já, já. Mas isso foi noutro tempo. Luiza, ele não teve culpa. – Quem? – O Mauro, esse seu professor. Não foi culpa dele. Professor começa a trabalhar muito jovem e é sempre movido por um sonho. Ninguém escolhe ser professor se não tiver um grande sonho, ou uma grande frustração o que dá no mesmo. Nos primeiros anos, achamos que vamos conseguir libertar o mundo com as nossas aulas e que nossos alunos farão tudo o que não fizemos. Aí, entramos numa sala com, por exemplo, quarenta alunos, ainda mais jovens e ingênuos que nós. Então os anos vão se passando, nós ali, acompanhando as gerações, os sonhos ficando meio envelhecidos. Um dia, fatalmente chega esse dia na vida do professor, as palavras, antes proferidas com um desejo que vinha do fundo da alma, tornam-se de repente mecânicas, vazias. Uma ladainha sem sentido. E não há nada mais triste para um professor que descobrir na própria fala uma ladainha sem sentido. – Ah, isso não aconteceu com o Mauro. – Isso ainda não aconteceu com ele. – Mas... você falava muito nas suas aulas? – No começo sim. Meu entusiasmo era fora do comum. As aulas eram verdadeiras palestras. Falava sobre Saúde Pública, Educação Sexual, o Evolucionismo de Darwin, o Big Bang. Mas depois... Já não tinha mais ânimo para falar. – E como você dava aulas sem falar? Não responde, já sei! Você fazia igual minha professora de português: passava a matéria no quadro, pedia para um aluno ler uma página no livro-texto, depois mandava fazer os exercícios do livro, daí, corrigia os exercícios pedindo para os alunos lerem as respostas. No fim, a aula acabava e você não tinha falado quase nada. Acertei? – Logo que comecei a ficar desanimada com o magistério, eu fazia isso sim. Era bom porque eu economizava minha voz, que já não andava bem. Depois, começou a ficar tão cansativo que nem eu mesma suportava minhas aulas. Outra coisa triste: o professor se sentir entediado com a própria aula. Então mudei de estratégia. Comecei a passar filmes. A cada aula, um filme. Cheguei a decorar longos trechos dos documentários da National Geographic. – Está doendo de novo! Ai! Puta que pariu! Rebeca sentiu que era preciso evitar a todo custo que a menina tivesse outro Betzaida Tavares


ataque. Não bastassem as dores, os anos de frustração, a humilhação diante dos policiais e, agora, a cela minúscula e suja. Se a menina começasse a gritar enlouquecida mais uma vez, ela seria capaz de matá-la. – Chega Luiza! Se você não sabe por que foi àquela maldita manifestação, eu sei menos ainda. Nem acreditava mais nessas coisas de manifestar para mudar o mundo. Mas fui! E agora estou aqui, exatamente como você! Se o seu corpo dói, eu também sinto dor. E se começar a gritar, eu sei gritar ainda mais alto! Luiza se calou, assustada. Rebeca prosseguiu. – Preste atenção. A gente estava conversando. A melhor coisa que a gente pode fazer agora é conversar. Então me escute. – Eu não quero escutar! A professora, acostumada a falar para quem não quer ouvi-la, ignorou. –Eu te contava sobre os documentários da National Geographic. Sabe, eles eram interessantes. A sala escura, os alunos em silêncio, uns cochilavam, outros assistiam o vídeo. Eu não me importava com aqueles que dormiam. Só queria que fizessem silêncio. Mesmo agora, que já deixei de lecionar, ainda faço os alunos assistirem a esses vídeos. Sabe, é muito comum professores mandarem os mais insolentes para a biblioteca. Imagine só, eu saí da sala de aula porque não dava mais conta dos meninos e agora selecionam os piores alunos e mandam para a biblioteca, para que eu dê conta deles. Tem cabimento uma coisa dessa? Então, quando me aparece um aluno que o professor pôs para fora de sala, eu pego logo um documentário qualquer e mando para sala de audiovisual. Eles assistem, ou dormem sei lá, e eu não tenho trabalho. Luiza, encolhida no colchão, cabeça baixa, parecia alheia àquele falatório da professora. Queria apenas fechar os olhos, não ouvir nada e esquecer onde estava. Rebeca não se alterou. Não fala para que a menina a escutasse, mas sim para que permanecesse calada. – A verdade é que aprendi muita coisa que não sabia com esses documentários. Engraçado, eu, professora de Ciências, que vivia falando sobre a origem do universo, nunca tinha ouvido falar sobre o nascimento da Lua. – O nascimento da Lua? E a Lua nasceu?– Luiza ergueu a cabeça num sobressalto como se acabasse de acordar. – Pois é. Eu também não sabia. Cursei uma faculdade, ensinei durante vários anos, mas foi só quando comecei a enrolar as aulas com exibições de vídeos que fui saber que a Lua, assim como a Terra, o Sol, os astros, eu e você, teve uma data de nascimento. – Estranho pensar isso. Eu consigo pensar num tempo em que a Terra não existia, mas a Lua... Engraçado, parece que ela sempre esteve lá. E pensar que já existiu Terra sem Lua? Não, impossível. – Mas existiu. Eu vou te contar com foi. Vou te contar do jeitinho que está no Betzaida Tavares


no filme.Eu decorei tudo, sabia? “Há quatro bilhões de anos, a Terra era uma bola de magma, tão quente e tão tóxica que seria capaz de incinerar qualquer coisa que se aproximasse dela. Tudo aqui era um oceano de lava. Então, Thea, um jovem planeta que seguia errante pelo universo, entrou em rota de colisão com a Terra. No impacto entre os dois planetas, trilhões de toneladas de detritos foram lançadas ao espaço. Essa poeira, atraída pela gravidade, formou um anel que passou a circular a Terra.” – Então nosso planeta teve um anel, igual Saturno? – Sim, igual Saturno. Mas, com a força da gravidade a poeira concentrada nesse anel se aglutinou e deu origem a uma esfera. Uma bola imensa e opaca. – Mas no céu ela é tão brilhante! – É o sol que faz com que ela brilhe. IV - Eclipse – Tu é um imbecil, Bola! Imbecil! Porra, a menina é menor, todo mundo está atrás dela e a gente faz o quê? – Ela não parecia ser menor. – Mas é! Caralho! A imprensa não para de me procurar. Defensoria pública, Direitos Humanos, Conselho Tutelar... o escambau! E eu o que faço? Mando todo mundo tomar no cu? O que vocês pensaram que fosse acontecer? Se fizeram barulho até por causa daquele zedendágua do Amarildo, imagine uma estudante, menor de idade e bonitinha? O diretor-geral da penitenciária era um sujeito pálido, calvo e com uns óculos de aros grossos. Acabara de voltar de uma coletiva com a imprensa. Estava acostumado a dar entrevistas, sabia demonstrar serenidade, simpatia e, principalmente, a segurança de quem tem a situação sob controle. Contudo, daquela vez fora com imenso custo que conseguira esboçar um mínimo de tranquilidade na presença dos jornalistas. Estava exausto e decidido a pedir a cabeça do Bola quando tudo acabasse. Isso poderia significar tanto um afastamento do cargo, quanto, numa situação extrema, a cabeça propriamente dita. Mas só quando tudo acabasse, porque o diretor não iria se livrar dele antes que consertasse a merda que havia feito. – Entra aí no facebook ou no twitter, liga a televisão que você vai ver. Só falam nisso. “Onde está a Luiza?” Até Ana Maria Braga falou nessa merda dessa menina. E o que a gente faz com ela? – Eu dou um jeito, pode deixar. – ele parecia estar com medo. –A gente leva a moça praqueles de cantos do Aterro e fica livre disso. – Praqueles cantos do Aterro? Onde já desovaram uns quinze? Burro! Eles não vão esquecer, daqui a pouco vão investigar, vão querer saber. E se encontrarem a carcaça dela lá? Ai vai ser merda de verdade. Vai começar a aparecer ossada de um, de Betzaida Tavares


outro, até osso de cachorro vão querer pôr na nossa conta. O diretor acendeu um cigarro, foi até a janela, abriu a porta e conferiu se não havia ninguém nas imediações de sua sala. – Vocês vão sair agora com a menina. Vão passear com ela perto da Lagoa. – Da Lagoa? Mas lá não é deserto não. – Essa hora só tem uns moleques bebendo cachaça. Um tiro, só um, mas tem de ser no alvo. Depois a gente faz uma investigação e diz foram os vândalos que sequestraram a moça. Os Black Bloc. Isso. Ela estava envolvida com os Black Bloc e foi sequestrada por eles. – Vou mandar pegar a viatura. – Viatura, Bola, viatura? Vai querer colocar o escudo da PM na menina também? Cadê aquele Uno que pegaram outro dia no desmanche? V Ilusão lunar

– Pensa, Ricardo, só pensa. Sem acumulação ninguém precisa se matar de trabalhar. E todo mundo vai ter tempo para pescar de manhã, caçar à tarde, depois discutir política, depois dormir. – E se eu não quiser caçar? Eu se eu for vegetariano? – É modo de falar Ricardo, modo de falar. Você vai poder fazer o que quiser. – Hahahaha faça o que tu queres, pois é tudo da lei... Há de ser tudo da lei, viva a sociedade alternativa! – Cala a boca, Ameba. Tô levando um papo sério com a Fernanda. Coisa séria entende? Anarquismo, essas coisas. – Deixa para lá, Ricardo. Ameba já bebeu demais. – “Ameba bebeu demais, Ameba bebeu demais...” Todo mundo bebeu pra cacete. E eu só te falo uma coisa. Esse lugar hoje tá sinistro. – Porra Ameba, já falou isso cinquenta vezes! Sinistro o caralho! Deixa a mina explicar as teorias! Continua Fê. –Então, eu tava te falando, com o fim da sociedade privada... – Sociedade privada? – Propiedade... Não! Pro...priedade. Isso! O fim da propriedade privada. É só assim que a gente pode ser livre. Entende? – Hahaha Depois eu que bebi demais. Fernandinha já tá até tropeçando nas letras. – Para, véi! Deixa a menina. – Deixo, Ricardo, deixo. Mas que essa lagoa hoje tá sinistra... Caraca! Mano, caraca! Olha, olha! Betzaida Tavares


– Olha o quê, Ameba, o que foi? – A Lua, olha o tamanho dela. Caraca, puta que pariu, ela vai cair na lagoa! – Velho, é mesmo, olha Fê, tá pertinho da gente. – Lua! Bem-vinda Lua! – Viva a Lua, viva a revolução! – Aê Lua, chega mais! Numa alegria que só é possível aos adolescentes, em especial aos adolescentes bêbados, os três garotos dançam para saudar a Lua que, imensa e brilhante, parece se aproximar mais e mais da Terra. No entanto, ela não se move.

Betzaida Tavares


Zanga

Eles vêm ladainha, quizumbando nosso sério. O que a tv diz é o que a tv diz é o que a tv diz. Se não cuidar, já vai lá a gente achando lugar de pobre é na cadeia, pobre bom é pobre morto, já vai lá a gente lugar sempre pedindo licença. Ou arrancando. Aí dá brava nos hômi, assusta sinhozinho, sinhá. Pega bater. Mas a gente é bicho cresce. E eles vão querendo menos a gente. Pega prender. Mas a gente é bicho luta. Eles vão raivando. Manda matar. Mas a gente tem Partido. Eles vão barata tonta. Tem que punir. Eles estão zangando. Então cata os pequenos. Já não queriam 18, agora não querem desde já 16. Manda espremer. Pouco importa se está arrancando ou licençando, a gente tem que sumir essa sujeira quinhentos anos deles. A gente limpa. Eduardo e Cláudia, sem escolha, a gente paga. Tranca presídio sem volta esses princípios Zumbis. Eles nos querem nada. Mas essa terra tem nossa sanha, não nos vão quietar tão simples. A gente ri.

Luiza Borba


“Se tens hombridade e teme pelos seus pecados, nunca olhe no espelho. Pois o preço pago será tal qual foi o seu desatino. E serás julgado por um Juiz e dele não há como fugir ou se esconder. Nem hoje, amanhã ou nunca. Pois ele se encontra escondido dentro do seu escuro e negro ser”. Hombridade - Sidney Leal

“As Faces da Moeda”

Quando o despertador tocou avisando que era cinco horas da manhã, Carlos Au-

gusto Macedo o olhou pensativo, fazia pouco mais de uma hora que já estava acordado. Estava sentado em sua cama olhando o brilho de seu revolver na mesinha do quarto. Levantou–se enquanto guardava cuidadosamente sua farda na bolsa, olhando para a tarjeta que o identificara e onde se lia “Sargento Macedo”. Colocou sua arma por dentro da calça, vestiu um jaleco comprido, beijou sua esposa e sua filhinha que ainda dormiam e saiu. Já na lotação seguia se acotovelando com os demais passageiros, arrumando um lugar para poder ficar em pé. Seu carro estava no mecânico, o Kadet gsi 94 bebia muito! E com a gasolina no preço que está não dava para trabalhar todo o dia com ele, e agora quebrado então... Levantou a cabeça e notou uma pequena televisão sintonizando o jornal da manhã, falando da final do campeonato de futebol nacional, dos gols e da truculência da polícia. Depois se escutava muito baixo um conselheiro dos direitos humanos que mostrava as estáticas da violência policial. – Moralistazinho de merda! Pensou alto Macedo, sem temer que os demais o escutassem, pois todos ali tinham suas vidas, seus problemas e ali espremidos seguiam um ritmo automático e triste de sua rotina diária de trabalho. Ainda nervoso refletia sobre sua carreira, o cara da TV não sabia nada de sua vida, de seu trabalho. Os doze anos como policial militar, no salário de dois mil e duzentos reais, nos tiros que já recebeu, nos bandidos que matou. Ninguém falou nada quando num tiroteio perdeu o amigo de trabalho, e ficou oito meses se recuperando de um tiro que levara. Pensava no salário, nos descontos em folha, nos bicos que fazia, os “cafezinhos” que recebia para fazer “vista grossa” em alguns episódios. Nada grave, mas neste momento pensou em sua família, na sua filha de poucos anos de vida. Enquanto na TV seguia o debate com poeta e agitador cultural da periferia de São Paulo que afirmava que para certos assuntos na vida a soma de 1 com 1 nem sempre é 2. - Bandido bom é bandido morto! Pensou decidido enquanto olhava a janela embaçada da lotação, alheio aos comentários da TV. ***

Cleber Ferreira de Souza estava acordado, passou mais uma noite suando frio Sidney Leal


na sua crise de abstinência de cocaína, olhou seu celular, cinco horas da manhã. Pensava que ainda restavam sessenta e oito dias e sete horas para se vir livre da prisão. Lavou mais uma vez seu rosto no gotejar tímido de uma torneira velha da cela. Estava cansado daquilo, do vicio, das perseguições, do cheiro fétido de sua cela, que dividia com mais cinco pessoas. – Fala Caveirinha! Que tá pegando velho? Saudou Ratoeira um ‘irmão’ de detenção ainda sonolento. – O barato tá louco velho! – Se apoiou – Tá foda, mas to quase livre desta poha! Em seu rosto Caveirinha carregava as marcas de sua vida como usuário de drogas, da pobreza de sua família, da fome. Em suas crises de abstinência tinha pesadelos terríveis. Em um deles se lembrava da cara de seu Pai, quando ele apareceu com um par de tênis novos, apanhou muito aquele dia. Mas dali em diante sabia exatamente onde encontrar o dinheiro que precisava para sobreviver. Momentos depois olhou o céu através das grades de arame que cobriam o pátio, e vinha a mente outro sonho, um sonho bom, um sonho maravilhoso. Pois era uma das aves que por sobre o presídio passavam em voo livre, sentindo o vento no rosto e vendo o sol no horizonte, mas sempre olhava para baixo e via a cadeia, se desesperava e começava a cair lentamente. Acordava suado gritando. - Isso tudo vai acabar! Falta pouco! Quando dali saísse iria tentar se enquadrar na sociedade, foram oito anos de prisão por latrocínio. Não foi sua culpa aquela mulher se mexer... Ele ainda moleque... Assustado atirou... Matando–a instantaneamente... Sim era sua culpa! Sentiu o coração apertado, pensando em sua Mãe chorando... Nunca quis matar ninguém só queria comprar suas coisas com dinheiro. Naquele tempo era tão fácil se perder, como hoje ainda é! Pensou triste. Quem oferece presentes e dinheiro para um jovem pobre, pode facilmente o corromper para o crime ou até pior... Com ele começara aí o vício pelas drogas, cada vez mais fortes, mais e mais destruidoras. Olhou então os braços cheios de marcas de picada de agulha, mexeu no seu nariz macilento mesmo deformado, ainda lhe restara alguma cartilagem o que lhe dava uma aparência assustadora, por isso do apelido caveirinha. Subiu os degraus do seu pavimento, e via nos corredores marcas de sangue, pichações, orações, palavrões. Chegando à sua cela foi direto ao pequeno pedaço de espelho preso na parede, onde ajeitava seus cabelos com uma escovinha, afinal hoje é dia especial, final do campeonato de futebol nacional e dia de visitas! Pegou os livros que tinha lido nas últimas semanas, emprestados da biblioteca do presídio. Lembrava–se que apanhara muito por causa deles, os outros detentos não aceitavam sua mudança de vida anos atrás, só teve paz quando finalmente pagou suas dividas de droga e nunca mais se meteu com os ‘foda’ do lugar. Colocou os livros com carinho na prateleira improvisada na parede. Eles eram um marco de mudança em sua vida, descobriu com eles que não era necessário tanto dinheiro para viajar, para descobrir novos mundos, ria, chorava, através deles tinha enfim a paz. Um destes volumes lhe chamou a Sidney Leal


atenção, era “O Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas, a história de vingança do marinheiro Edmond Dantès o fascinava, de modo que ele pensava como seria a sua vingança pessoal... Fui bandido roubei, matei, ponto! Mas a policia teve sua participação em minha vida assim como em de vários detentos aqui, agressões gratuitas, preconceito pela sua cor, pelo fato de ser mais um menino pobre. Lembrou-se de um artigo de um poeta e agitador cultural da periferia de São Paulo, não lembrava o nome. O cara afirmava que para certos assuntos na vida a soma de 1 com 1 nem sempre é 2. E é verdade, ele mesmo já brincara de policia e ladrão e quando criança até pensara em ser... Foi interrompido em seus pensamentos por um barulho nos corredores, a gritaria crescente lhe chamou a atenção. – Vamo tacá fogo! Vamo tacá fogo! Caveirinha não acreditava naquilo, era dia de visitas e o que se via era o começo de uma rebelião! Olhando pela janela de grades pôde ver a polícia entrando com tudo! ***

Aquele 02 de Outubro amanhecera conturbado, final do campeonato nacional de

futebol, e todas as TVs da cidade sintonizavam a rebelião daquele complexo presidiário, a visão era aterradora, colchões queimados atirados do alto dos prédios, homens com os rostos cobertos por camisetas, empunhando canivetes improvisados. Fora do presídio na porta de entrada se via a formação de um batalhão de soldados da policia prontos para invadir. A cena vislumbrada pelo helicóptero de uma emissora de TV era uma cena de guerra. Os programas sensacionalistas já especulavam a quantidade de mortos resultante deste confronto, resumindo tudo num show bizarro televisionado, enquanto no presídio algumas janelas explodiam em chamas.

*** Sargento Macedo reunia–se a sua tropa, pois acabava de chegar da base de comando onde havia recebido as orientações para a invasão do presídio, recebida do alto comando da policia militar, aqueles velhos de quepes com grandes estrelas douradas que brilhavam ao sol e que estavam posicionados em frente às câmeras de TV. Ao seu lado via em formação vários agrupamentos de policias. Seu regimento não passava de trinta homens. Com o grito de sentido! Todos estavam posicionados, após uma breve inspeção viu na face daqueles homens a determinação que ele mesmo perdera com o passar dos anos de serviço, anos de decepção; Passou as ordens aos soldados em voz alta, se colocou frente à tropa aguardando o comando de seu capitão. Fazia uns trinta graus, e ainda não passava das dez da manhã. Enquanto Macedo olhava as emanações de calor que o asfalto deixava escapar, pensava no que resultaria daquela invasão, sentiu um leve e estranho temor lhe percorrer a espinha. Após vinte minutos exposto ao sol, viu que na viseira de Sidney Leal


seu capacete se formavam gotículas de suor. Quando de repente num grito: – Avançar! Começaram a entrar no presídio! O som de centenas de coturnos marchando, os sons dos cassetetes batendo contra os escudos, geravam um som de ordem em uníssono, enquanto se posicionavam próximo a entrada. E então um silêncio longo começou, criando deste modo um clima de tensão. Sargento Macedo aguardava suas ordens por rádio. O cheiro de colchões e roupas queimadas invadiam as narinas dos soldados, nas janelas do prédio se via dezenas de mãos jogando objetos, fazendo gestos obscenos aos policias. Quando num chiado baixo do rádio, Macedo girando umas das mãos ordenou a formação de dois grupos. – Apresentar armas! Todos os soldados erguiam novamente seus escudos, batendo os cassetetes, numa exaltação de gritos militares, como cães assassinos babando contidos pela coleira, ficaram assim até a liberação das tropas por seu sargento. – Avançar! E com um aríete derrubaram a porta de entrada retirando destroços do caminho, enquanto nos corredores começavam a luta corpo–a–corpo com alguns detentos mais exaltados. Os policiais retiravam a força aqueles que se escondiam dentro das celas, os vencidos eram espancados e agrupados numa das celas vazias. Tomaram deste modo ao longo das horas o primeiro, e o segundo andar. Mas nas escadas que ligavam ao terceiro encontraram uma barricada de colchões em chamas, aturdidos pela fumaça e os pedaços de pedra e de madeira arremessados, os policias recuaram. *** Todas as emissoras mostravam a intervenção no presídio, todos os feridos, policias e detentos eram retirados e levados para fora. A intervenção já durava horas, e todos sentiam que aquilo não teria fim. Quando se viu chegar caminhões e mais caminhões das forças armadas, soldados do exercito se colocavam em formação, já dentro do pátio da detenção colocaram mascaras de gás, e sem esperar ou aparentemente receber autorização de ninguém entraram nos prédios. O que se ouviu então foi uma mistura de fumaça e gritos humanos e muitos tiros. *** Caveirinha se escondia em sua cela no terceiro andar, tremia de medo, com crises de falta de ar devido a fumaça. Em desespero desmontou rapidamente sua cama fazendo deste modo uma improvisada barricada em sua porta. O barulho era alto, muitos tiros, explosões e gritos. E ele se perguntava o porquê do seu azar, faltava tão pouco e agora isso. O falatório o assustava, temia que seus companheiros o atacassem ou que a polícia o matasse! E se encolhia no canto temendo por sua vida. Mas restava ainda uma esperança, talvez se ele escondido esperasse tudo terminar, a polícia veria que ele não participou Sidney Leal


de tudo aquilo e ainda poderia prosseguir sua vida – Um leve sorriso triste descrente se formou em seu rosto suado -, uma esperança muito pequena, mas era apenas o lhe que restava. *** Uma explosão no primeiro andar chamou a atenção de Macedo, muitos tiros, uma gatilhada, ou melhor, as repetições de tiros de fuzil “fal 762” de uso militar era inconfundível. – Governador safado! Queria limpar sua barra usando a força, mas aquela ação poderia... Foi interrompido por gritos de homens morrendo, e pela fumaça das bombas de lacrimogêneo que tomavam conta da escadaria. Ainda tentou gritar ao ver o avanço dos militares, mas foi em vão os tiros não cessaram, e quando um de seus homens desesperado diante da morte iminente atirou. Fez–se então um misterioso silêncio, cessaram os tiros, mas para o experiente Sargento Macedo aquilo era apenas o silêncio que predizia o fim! E então um ‘apocalipse’ de tiros de ponto 70, que explodiam nos corredores destruindo tudo! Concreto, ferro das portas e homens! Macedo não acreditava naquilo tudo, usar este tipo de arma neste ambiente fechado era desumano! Até para os bandidos. E num ato de desespero conseguiu atravessar a barricada de tranqueiras que o impedia de avançar para o terceiro andar, com leves escoriações e queimaduras, seguiu correndo. Entrou na primeira cela que viu a sua frente, a cela que possuía uma frágil barreira de colchão de uma cama velha, dando de cara então com Caveirinha. Quando caveirinha viu o policial pulando ao seu lado, gritou desesperado. – Não me mate! Não me mate! – Cala a boca vagabundo! Se não nós dois vamos morrer! Caveirinha a principio não entendeu bem o que ali ocorria, mas quando viu um militar parado na porta da cela, com um fuzil com a boca incandescente, de tanto atirar, compreendeu. – Para certos assuntos na vida a soma de 1 com 1 nem sempre é 2.! Cochichou Caveirinha nos ouvidos do Sargento Macedo que se encolhia ao seu lado. Ainda parado a porta da cela, o soldado do exército irreconhecível, atrás de sua mascara de gás, estranhou a cena a sua frente. Na mesma cela um bandido e um policial lhe imploravam pela vida, um de cada lado, mas os dois no mesmo lugar dividindo a mesma cela. Pestanejou por instantes, mas depois lembrando de suas ordens descarregou a arma nos dois! Todos morriam em gritos horríveis de morte, incendiados pelo barulho ensurdecedor das armas militares, enquanto os macacos de gravata gargalhavam em Brasília, saudados pelos ignorantes de todo o país, que gritavam: Gol!!

Sidney Leal






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