Revista Raízes Jurídicas

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em razão de ser justo o ato de enterrar todos os mortos, inclusive Polinices. Seus apelos são ignorados e Hémon suicida-se. Diante desses acontecimentos e após o suicídio da esposa, Creonte se arrepende de seu posicionamento e percebe que desrespeitou as leis divinas ao crer que o Estado seria a única fonte de direito, com o poder de interferir em todas as esferas humanas. SÓFOCLES foi apelidado pelos antigos de “abelha”, pois tal como verte sobre os espectadores o doce mel das palavras, usa-as qual ferrão, crava fundo em nossas almas o terror do castigo, para instigar-nos à virtude. É sob esta dicotomia que deve ser sentida a tragédia grega, se por um lado encanta com a sublimidade de seus temas e versos, fere-nos com a brutalidade imposta pelo Destino às personagens, sofrimento que parece injusto, mas tem a função de demonstrar o alcance do castigo divino, instigando a platéia à obediência e à justiça. Antígona sofre as penas impostas pelo Estado, e sofre-as resignada, pois são, independentemente do critério de justiça, válidas; Creonte sofre também, mas por impor intransigentemente obediência a lei. Ao condenar Antígona, mesmo que apenas para manter a ordem e cumprir seu dever como soberano ante Tebas, desobedece às leis divinas, sendo merecedor do castigo das Fúrias. A imagem que nos evoca a peça é da luta entre as tradições e a lei, ou Direito Positivo versus Direito Natural – como diríamos hoje. Mas, tal qual não poderia deixar de ser nos áureos anos de Atenas, em que vicejava a tragédia moralista e onde Sócrates já caminhava pelas ruas questionando os 3 cidadãos , o texto aponta para a superioridade daquele direito existente previamente aos homens. É importante lembrar que no governo de Péricles, Atenas viveu o auge de sua democracia, sendo natural que a obra de Sófocles encerre uma crítica a tirania, submetendo o direito potestativo a uma visão de injustiça e inferioridade as normas ditadas pela moral tradicional e religiosa. Observa-se ainda que o Coro demonstra um posicionamento subjetivo favorável à Antígona, mas por medo posta-se a favor de Creonte, essa atitude valoriza a democracia, pois sendo nesta expressa a vontade dos cidadãos, a vontade do Coro prevaleceria à de Creonte e conformar-se-ia a lei positiva à lei moral. 4 O debate de Creonte e Antígona ilustra, para HEGEL , a oposição entre poder público e consciência privada, a ordem vinda do poder e o indivíduo defensor do imperativo de seu próprio dever ético. Esse debate jusfilosófico é importante, pois não se trata apenas de traçar uma pesquisa de ordem

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Sófocles viveu em Atenas durante o governo de Péricles, período de grande expansão econômica e efervescência cultural, em sua vida adulta conviveu com Sócrates (469-399 a.C.), e foi nesse período que escreveu Antígona. 4 BAVARESCO, Agemir; CHRISTINO, S. B. Eticidade e direito na Fenomenologia do espírito de Hegel. Revista eletrônica de estudos hegelianos, ano 4, n.7, dezembro-2007; p.49-72. Disponível em: <http://www.hegelbrasil.org/agemir-sergio.pdf> p.62-63.

234 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011


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