Revista Raízes Jurídicas

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Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Ainda não se está, aqui, no interior de uma análise do alcance das tecnologias sobre o corpo e para o campo do imprevisível que elas podem portar. Antes mesmo destas importantes reflexões, os próprios direitos da personalidade, tal como positivados no código civil, revelam muito acerca de como se interpreta o homem como um todo. Uma superficial leitura do art. 13 aponta para os limites da autonomia da vontade no que se refere à disposição do corpo. Os direitos da personalidade sinalizam, em sua proteção à saúde e ao corpo, uma forma de não concebê-lo (corpo) como coisa, como propriedade, o que permitiria falar de direitos que dimensionam o homem em sua unidade. Não se trata, neste caso, do corpo como res. Mas, por outro lado, no tratamento específico dispensado no artigo em questão, parece haver um retorno a uma leitura corrente do pensamento moderno que fraciona o homem (corpo e mente). Isto porque se trata de estabelecer os limites de intervenção no corpo, dentro dos quais a decisão racional e a autonomia da vontade podem se exercer. Assim, a vantagem da concretude do corpo nas formas precisas de sua preservação e defesa superaria a clássica autonomia e auto-gestão do homem? Ou, de modo oposto, estaria abrindo-se nesta limitação do uso do corpo, uma compulsória costura entre mente e corpo? Costura ou junção esta porque o homem, nos limites do uso do corpo, é forçado a conceber sua corporeidade, refletir acerca de suas funções e até aonde pode-se sobre ele intervir e agir sem desfigurá-lo. Dizendo de outro modo, a realidade do corpo, na consideração de suas regras e funcionamento, obrigaria o pensamento a descobrir (ou buscar descobrir) seus limites biológicos típicos além dos quais se estaria entrando num campo de artificialidade. Neste campo, o próprio homem, tal qual se concebe (ainda que por trás de uma máscara) perderia seus contornos conhecidos (tornando-se necessária uma nova máscara). Curiosamente a via do corpo (e isto seria ainda mais patente diante da consideração da multiplicação incessante de técnicas sobre o corpo) coloca o homem a refletir sobre si mesmo, a definir-se. Assim, a distinção entre res extensa e res pensante perde seus limites claros. A res pensante é chamada pelo corpo e o corpo “natural” que a mente concebe é o corpo ‘para aquela mente’. Afinal, ultrapassando os limites naturais e propriamente humanos do corpo, não seria possível supor que a própria racionalidade é obrigada a expandir-se para outras vias? Se o corpo transmuta-se, a razão que o concebe 122 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011


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