O Caminho da Paz

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O caminho para Deus Eu conheço o caminho. É íntegro e estreito. É afiado como uma lâmina. Alegro-me em caminhar por ele. Quando escorrego, choro. A palavra de Deus é: Aquele que perseverar nunca irá perecer. Tenho absoluta fé nessa promessa. E apesar de falhar mil vezes em decorrência de minha fraqueza, jamais perderei minha convicção. Gostaria de falar ao leitor diligente sobre meus escritos, e de dizer àqueles que se mostrem interessados em conhecê-los que não tenho nenhuma pretensão de parecer consistente. [...] O que importa para mim é estar pronto para obedecer ao chamado da verdade – do meu Deus – a cada instante. Assim, quando alguém encontrar alguma inconsistência entre dois textos que eu tenha escrito, sugiro a essa pessoa que, se ainda acreditar em minha sanidade mental, escolha o mais recente sobre o mesmo assunto. Parte Um Base Intelectual

Deus

parte da raça humana. Ele é onipresente. Ele vê mesmo sem possuir olhos e escuta mesmo sem possuir ouvidos. Ele não tem forma e é indivisível. Ele é autoexistente – não tem pai, mãe ou prole; ainda assim permite a si mesmo ser cultuado ao mesmo tempo como pai, mãe, esposa e filho. Ele permite inclusive ser venerado como animal ou pedra, embora não seja nenhuma dessas coisas. Ele é absolutamente elusivo. Ele é o que está mais próximo de nós, se apenas nos conscientizarmos de sua presença, mas também pode se manter extremamente longe quando nos negamos a perceber sua ubiquidade. Eu me oponho à afirmação de que os hindus acreditem em muitos deuses e sejam idólatras. De fato, eles dizem que existem muitos deuses, mas, ao mesmo tempo, declaram de maneira inequívoca que há um só Deus, o Deus dos deuses. Não é, portanto, adequado sugerir que os hindus acreditem em muitos deuses. Eles certamente creem em muitos mundos. Assim como existe um universo habitado por homens e outro por bestas, também há aquele habitado por criaturas superiores denominadas deuses. Embora não consigamos vê-las, sabemos que elas existem. Toda essa confusão se origina da tradução das palavras deva ou devata*, para as quais não se encontrou uma definição melhor que “deus”.

1- Deus é ÚNICO, NÃO HÁ OUTRO Deus é certamente único. Não há outro igual. Ele é imperscrutável, incógnito e incognoscível para a maior

habitantes dos reinos celestiais e invisíveis aos seres humanos. O termo

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* Em tradução literal: “aquele que brilha”. Referência às divindades também pode ser traduzido como “deus”. (N.T.)


No entanto, Deus é Ishwara, Devadhideva, Deus dos deuses. Percebe-se, portanto, que a palavra “deus” é usada para descrever diferentes entidades divinas e foi justamente isso o que fez surgir essa ambiguidade. Considero a mim mesmo um perfeito hindu, embora jamais tenha acreditado em muitos deuses. Nem na minha infância nunca abriguei essa crença, tampouco ninguém jamais me ensinou a fazê-lo.

2. Ele é onipresente, onisciente e onipotente Deus não é uma pessoa que reside fora de nós mesmos, tampouco se coloca distante do universo. Ele está presente em tudo e é, ao mesmo tempo, onisciente e onipotente. Ele não precisa de preces ou de súplicas. Sendo inerente a todos os seres, Ele ouve tudo e consegue decifrar nossos pensamentos mais íntimos. Ele sobrevive em nosso coração e está mais próximo de nós que as unhas em nossos dedos. Deus, portanto, não é um ser humano. Ele é um espírito todo-poderoso e universal. Qualquer um que O escute em seu coração terá acesso a uma força ou uma energia maravilhosa, comparável em resultado a forças físicas como o vapor ou a eletricidade, porém muito mais sutil.

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3. Ele é uma força misteriosa Há uma força misteriosa e indefinível que permeia todas as coisas. Embora não seja possível vê-la, pode-se senti-la. É essa força invisível que se faz presente e, ainda assim, desafia quaisquer provas, pois é extremamente diferente de tudo o que percebo por intermédio dos meus sentidos – ela os transcende. Vejo isso de maneira tênue enquanto tudo ao meu redor se transforma e perece. Sob todas essas mudanças prevalece uma força viva que não se altera; que mantém tudo unido; que cria, dissolve e recria. Essa força ou espírito difuso é Deus. A verdade é que Deus é a própria força. Ele é a essência da vida, a consciência mais pura e imaculada. Ele é eterno e, ainda assim, estranhamente, nem todos são capazes de extrair privilégios dessa presença viva e penetrante, tampouco abrigo dentro dela. A eletricidade é uma força poderosa, mas nem todos se beneficiam dela. Ela somente pode ser produzida se leis específicas forem seguidas. Trata-se de uma força sem vida. O homem poderá utilizá-la desde que consiga trabalhar com suficiente afinco para adquirir o conhecimento de suas leis. De modo similar, a força viva à qual chamamos de Deus também poderá ser perseguida se conhecermos e obedecermos a seus preceitos, o que levará à descoberta dEle dentro de nós. Deus é uma força que não vemos, mas que reside dentro de nós. De fato, há muitas forças que ficam escondidas em nosso íntimo. Nós

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as descobrimos por meio de luta constante. Mesmo assim, se fizermos uma busca diligente com a determinação fixa de encontrá-la poderemos, sim, encontrar essa força suprema. O meu Deus não reside no céu. Ele tem de habitar a Terra. Ele está aqui, dentro de você e dentro de mim. Ele é onipotente e onipresente. Não é preciso, portanto, pensar no mundo que está além, pois, se pudermos fazer nossas tarefas aqui, o além cuidará de si mesmo.

sem vida. [...] O mesmo ocorre com todos os padrões de conduta. Se eles devem habitar nosso interior, precisam ser considerados e cultivados em sua relação com Deus. Tentamos nos tornar bons, pois queremos alcançar e realizar Deus. Contudo, todas as éticas materiais do mundo se tornam pó, uma vez que fora de Deus elas não têm vida. Vindo de Deus elas celebram a vida. Elas se transformam em parte de nós e nos tornam nobres.

4. O Deus supremo Essa força é benevolente ou malevolente? Vejo-a como puramente benevolente. Pois posso perceber que em meio à morte, a vida persiste; em meio à inverdade, a verdade persevera; em meio à escuridão, a luz impera. Desse modo, entendo que Deus seja a vida, a verdade e a luz. Ele é o amor. Ele é o bem supremo. Deus é totalmente bom. Não há mal dentro dele. Deus fez o homem à própria imagem. Infelizmente para nós, o homem se amoldou a partir de si mesmo. E essa arrogância levou a humanidade a um mar de problemas. Deus é o perfeito alquimista. Em sua presença todo o ferro e todo o lixo se transformam em ouro puro. Similarmente, todo o mal se transfigura no bem. Mais uma vez, Deus vive, mas não como nós. Suas criaturas só existem para morrer. Deus é vida, portanto, a bondade e tudo o que ela significa não é um atributo. A bondade é Deus. A bondade expressa fora de Deus é algo

5. Deus é verdade e amor Deus é a verdade absoluta, o princípio eterno. De fato, há inúmeras definições de Deus, pois suas manifestações são inumeráveis. Elas me deixam ao mesmo tempo maravilhado e estupefato e, por um momento, elas chegam a me abalar. Todavia, louvo a Deus somente como verdade. Para mim, Deus é veracidade e amor. Deus representa ética e moralidade; Deus significa destemor. Deus é a fonte da luz e da vida, mas, ainda assim, Ele está acima e além de tudo isso. Deus é consciência. Ele é até mesmo o ateísmo do ateu, pois, em seu amor sem limites, Deus permite que o ateu viva. Ele nos conhece e observa a nós e aos nosso coração, conhecendo-nos melhor que nós mesmos. [...] Ele é um Deus íntimo para aqueles que precisam de sua presença pessoal. Ele se corporaliza para aqueles que necessitam do seu toque. Ele é a essência mais pura. Para aqueles que têm fé, Ele simplesmente é. Ele é tudo para todos os homens.

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6. Deus é Sat-Chit-Ananda A palavra satya, verdade, deriva de sat, cujo significado é “ser.” Nada realmente é ou existe exceto a verdade. É por isso que o nome sat seja talvez o mais importante aplicado a Deus. De fato, seria mais correto dizer que a verdade é Deus, que o inverso. E onde houver verdade também existirá conhecimento – que também é verdade. Ou seja, onde não existir verdade, não poderá haver conhecimento verdadeiro. É por isso que a palavra chit, ou conhecimento, também é associada ao nome de Deus. Por sua vez, onde existir conhecimento real sempre haverá felicidade, ananda. A tristeza não tem espaço ali. E se a verdade é eterna, o mesmo se aplica à felicidade que dela deriva. É por isso que conhecemos Deus como Sat-Chit-Ananda, pois Ele combina em si mesmo a verdade, o conhecimento e a felicidade.

Eu realmente creio que exista ordem no universo; que prevaleça uma lei inalterável que governe tudo e todos que vivem e se movimentam. Não se trata de uma lei cega, pois nenhuma lei cega é capaz de reger a conduta dos seres vivos. [...] A lei e o legislador são um só. Não posso negar nem a lei nem o legislador, pois conheço pouco sobre ela ou a respeito dEle. Do mesmo modo como minha negação ou ignorância sobre a existência de uma força terrena de nada me beneficiará, tampouco minha negativa em relação a Deus e à sua lei me libertará de sua ação; assim como a aceitação calada e humilde da autoridade divina torna a jornada de vida mais fácil, o acolhimento das leis terrenas também facilita a vida na Terra.

7. Ele é a Lei Eterna Deus é uma ideia; Ele é uma Lei em si mesmo. [...] Ele e sua lei habitam todos os lugares e governam a tudo. Portanto, embora eu não pense que Ele responda em cada detalhe a todos os pedidos que lhE fazemos, não há dúvidas de que Ele governe nossas ações. Eu literalmente acredito que nem uma única folha de grama cresça ou se mova sem a vontade dEle.

8. Sua misericórdia infinita Deus existe, mesmo que todo o mundo negue sua existência. Deus abraça não apenas esse globo em que vivemos, mas milhões e bilhões de outros. De que maneira nós – criaturas rastejantes tão indefesas criadas justamente por Ele – poderíamos avaliar sua grandeza, seu amor sem limites e sua misericórdia infinita? De fato, seu amor e sua piedade são tão imensuráveis que Ele permite que os homens O neguem de maneira insolente; que discordem dEle e até mesmo que cortem a garganta dos próprios pares. Como podemos medir a grandeza de Deus, que é tão clemente e tão divino? Ele nos dá a liberdade, mas, ao mesmo tempo, sua

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compaixão prega a obediência em relação aos seus desejos, “Que assim seja. Meu sol não brilhará menos por ti. Minhas nuvens não derramarão mais chuva por ti. Não preciso forçar-te a aceitar meu poder”. De tal Deus, deixe que o ignorante dispute a existência. Sou um dos milhões de homens sábios que acreditam nEle e nunca me canso de me dobrar diante dEle e de cantar sua glória. Deus é o chefe mais exigente que já conheci em todo o mundo. Ele o testa e então o testa novamente. E quando sua fé começa a faltar, quando o seu corpo começa a falhar e você percebe que está afundando, de algum modo Ele vem em seu auxílio e lhe mostra que você não deve perder sua fé, pois Ele estará sempre pronto para ajudá-lo – desde que de acordo com as condições dEle. Foi isso o que descobri. Não consigo me lembrar de um único caso em que, no momento derradeiro Ele tivesse me abandonado. 9. Ele tem muitos nomes Só existe um Deus onipotente e onipresente. Todavia, Ele recebe diferentes nomes e sempre nos lembramos dEle pela denominação que nos é mais familiar. Cada um escolhe o que lhe atrai mais: Ishwara, Alá, Khuda*, Deus – todos têm o mesmo significado. De fato, Deus tem mil nomes, ou, se preferir, Ele não tem nome nenhum. Podemos louvá-lo e rezar para Ele utilizando qualquer chamamento que

nos pareça adequado. Todos nós demonstramos nossa devoção pelo mesmo espírito, porém, do mesmo modo que nem todos os alimentos apetecem a todos, nem todos os nomes encantam todas as pessoas. Cada um escolhe um nome segundo as próprias associações e, sendo um habitante de nosso coração, todo-poderoso e onisciente,

Ele conhece nossos sentimentos mais profundos e nos responde de acordo com nosso mérito individual. Em minha opinião, Rama, Rahaman, Ahurmazda, Deus ou Krishna, são apenas tentativas por parte do homem de atribuir um nome a essa força invisível. [...] O ser humano só consegue conceber Deus dentro das limitações da própria mente. O que importa então se um homem louva a Deus como pessoa e outro como força e poder? Cada indivíduo age certo dentro do próprio nível de esclarecimento. Um só precisa se lembrar de que Deus é a força vital, o espírito, entre todas as forças materiais; Ele em tudo permeia, a tudo abraça e, portanto, está além da compreensão humana. Daridranarayan é um dos milhões de nomes pelos quais a humanidade conhece Deus, aquele que não pode ser nomeado e é imperscrutável ao entendimento humano. Todavia, o significado dessa palavra é “Deus dos pobres”, ou seja, Deus habitando os corações dos pobres.

*Palavra persa para Deus. (N.T.)

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10. As encarnações dEle Deus não é uma pessoa. Sendo assim, afirmar que de vez em quando Ele assume a forma humana e desce à terra não é uma verdade completa. Isso meramente significa que o indivíduo em questão vive próximo de Deus. De fato, considerando que Deus é onipresente, Ele vive em cada pessoa e, portanto, todos podem ser considerados como encarnação dEle. Isso, porém, não nos leva a lugar nenhum. Rama, Krishna etc. são chamadas encarnações de Deus porque atribuímos a eles qualidades divinas. O fato de eles terem vivido, ou não, afeta sua imagem na mente humana.

Alma 1. Centelha da divindade Talvez não sejamos Deus, mas sem dúvida pertencemos a Ele, mesmo representando somente uma gota de água em pleno oceano. Imagine essa gotícula retirada da imensidão e levada a milhões de quilômetros de distância. Ela se tornaria indefesa, dilacerada e isolada de seu habitat. Ela já não conseguiria sentir a força nem a majestade do oceano. Se, porém, alguém pudesse lhe dizer que de fato ela o representa, sua fé reviveria; ela dançaria de felicidade e toda a força e a majestade do mar se refletiriam imediatamente.

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2. O homem é a imagem de Deus Somente o homem é feito à imagem de Deus. Não faz diferença se algumas pessoas não reconhecem esse status. De fato, muitas vezes não reparamos nas vantagens dessa condição. O mesmo ocorre quando um leão é colocado na companhia de ovelhas e não percebe sua posição diferenciada em relação a elas e, assim, não goza dos benefícios intrínsecos à sua condição. Todavia, esse status lhe pertence e, portanto, no momento em que descobrir quem é, ele passará a exercer seu domínio sobre as ovelhas. Em contrapartida, nenhuma ovelha que tente se passar por um leão jamais alcançará o status leonino. E para provar a ideia de que todo homem é feito à imagem de Deus é desnecessário demonstrar que cada um deles reconhecidamente exiba tal semelhança em seu ser. De fato, já é suficiente mostrar que pelo menos um homem já o fez. Seria possível negar que todos os grandes mentores religiosos da humanidade tenham exibido em si mesmos a imagem de Deus?

3. A vida é meramente uma bolha Nossa existência como seres encarnados é puramente momentânea. Afinal, o que representaria uma centena de anos perante a eternidade? Contudo, se quebrarmos as correntes do egoísmo e nos derretermos no oceano da humanidade, compartilharemos sua dignidade. Sentir que somos especiais significa erguer uma barreira entre Deus

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e nós mesmos. Em contrapartida, parar de pensar que somos especiais é nos tornarmos um em Deus. Embora não saiba disso, uma gota no oceano partilha a grandeza de seu pai. No entanto, essa gota seca assim que entra em uma existência independente do mar. Não exageramos, portanto, ao dizer que a vida é uma bolha.

mais verdadeira amiga. Ela nos liberta da agonia; defende-nos de nós mesmos. Ela nos dá novas chances e novas esperanças. Ela é como o sono – um doce restaurador. Mesmo assim nos acostumamos a chorar quando um amigo morre. Esse hábito não se aplica quando se trata da morte de um mártir.

4. A vida é a morte Para mim parece tão claro como a luz do dia que a vida e a morte são apenas fases de um mesmo todo; o verso e o reverso da mesma moeda. De fato, tribulação e morte parecem representar uma fase mais rica que felicidade e vida. De que serve a vida sem experiências e tribulações, que são justamente os temperos da vida? [...] Quero, portanto, que você valorize a morte e o sofrimento mais que a própria vida, e que aprecie seu caráter antisséptico e purificador. O corpo deve sofrer por seus atos ruins. Morremos para viver novamente, e mesmo quando vivemos, finalmente morremos. A vida, portanto, não é uma ocasião para sermos felizes, nem a morte é um ensejo para tristezas. Uma coisa, entretanto, é obrigatória: devemos realizar nossa tarefa na vida e continuar nos ocupando dela até morrermos. A qualquer tempo a morte é abençoada, mas será duplamente glorificada em um guerreiro que perece por sua causa, ou seja, a verdade. A morte não é o mal, mas a

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Este material não tem valor comercial. Distribuição gratuita


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