Escritores Brasileiros Contemporâneos - n. 31 - edição especial (extra)

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ESCRITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS EDIÇÃO 31

Nº. 31

Edição especial: 468 anos de São Paulo

Janeiro/2022


EXPEDIENTE Revista pertencente à Editora Matarazzo. Email: versejandocomimagens@gmail.com

Telefone: (11) 3991-9506. CNPJ: 22.081.489/0001-06. Distribuição: São Paulo - SP. Diretora responsável: Thais Matarazzo - MTB 65.363/SP. Depto. Marketing: Ana Jalloul (11) 98025-7850 Depto. Jurídico: Tatiane Matarazzo C. Campos. Periodicidade: bimestral. Formato: digital.

Capa: Catedral da Sé e telhados vistos do prédio do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, Liberdade. Foto: Thais Matarazzo. Edição 31 - Nº 31 Ano IV - Janeiro/2021. A opinião e conceitos emitidos em matérias e colunas assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista Escritores Brasileiros Contemporâneos. Contatos www.editoramatarazzo.com.br Facebook: @editoramatarazzosp Instagram: @editoramatarazzo

Sarau e lançamento dos livros “Vamos de prosa, poesia e café?”, de Thais Matarazzo; antologia “Poesias Contemporâneas XIII”; “Logradouros do Brás”, de Eduardo Martellotta, na Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato, na Vila Buarque, 4/12/2021. Foto: Gilberto Cantero. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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S umário 5a. Sessão Solene Prêmio Colar Guilherme de Almeida, 5

Para sempre Imensidão, 22 Marcinha Costa

São Paulo 468 anos: Pátio do Colégio ajuda contar maior parte da história da cidade, 8 Geraldo Nunes

Poemas, 23 Cris Arantes

Visita à Biblioteca Alceu Amoroso Lima, 13

O Cenário do Amor!, 24 Mary Lourdes Inspiração, 25 Nazareth Ferrari

Atilio Ciraudo, 14 Ah! São Paulo, 15 Claudevalda Souza - Claudia O Retrovisor, 16 Regina Brito Da Exatidão da Ciência, 18 Newton Nazareth Poemas, 21 Luiz Negrão

Uma Poesia para cada dia, 26 Josiane Feliciano Cântico, 28 Glafira Menezes Corti Memórias Paulistanas: Hugo Giovanelli e a Vila Maria Zélia, 30 Poema, 41 Thais Matarazzo Dicas de passeios culturais em São Paulo: Sítio Morrinhos, 39


Poesias Contemporâneas XIV Organização Editora Matarazzo

Participe! Solicite o regulamento pelo e-mail: versejandocomimagens@gmail.com Previsão de lançamento: Abril/2022


Thais Matarazzo, Ana Meira, Ana Jalloul, Ricardo Cardoso e José D’Amico Bauab

Entrega do Prêmio Colar Guilherme de Almeida à Thais Matarazzo por José D’Amico Bauab


Prêmio

5a. S essão S olene C olar Guilherme de Almeida

O evento aconteceu na noite de 13 de dezembro último, no Plenário 1º de Maio da Câmara Municipal de São Paulo, no bairro da Bela Vista. O Colar Guilherme de Almeida homenageia pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que tenham prestado colaborações valiosas para a literatura, cinema, teatro, música, artes plásticas e outras formas artísticas que valorizem e preservem a história da cidade de São Paulo. Os homenageados são escolhidos por uma comissão anualmente composta por um ou dois representantes do Museu Casa Guilherme de Almeida, da Sociedade Veteranos de 32 – MMDC, da Academia Paulista de História, da Academia Paulista de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e do Centro de Memória Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Guilherme de Almeida foi um poeta paulista que se alistou, lutou e foi preso após a Revolução Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Constitucionalista de 1932. Eleito em 1930 para a Academia Brasileira de Letras foi, durante décadas, o mais popular poeta do Estado de São Paulo. Nesta edição foram contempladas oito personalidades, uma delas foi a escritora, poeta, jornalista e editora paulistana Thais Matarazzo. Ela nos conta. “Na hora do recebimento da comenda pelas mãos amigas do querido Dr. José D’Amico Bauab (para nós o querido Zezinho!!!) do CEMEL, passou um filme na minha memória de tudo (ou quase tudo) o que realizei nesta vida no mundo da literatura, dos livros, da poesia e demais atividades artísticas! Ufaaaaa... Valeu a pena todos os processos! Não fazemos nada sozinhos: dedico este prêmio a D›us, à minha família, aos meus amigos, aos meus colegas escritores e poetas independentes, a todos aqueles que fomentam com muita garra a educação e a literatura em nossa cidade! Agradeço a todos pelo carinho! Viva a Vida com Poesia... Sempre!”, Janeiro/2022

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Fotos: Gilberto Cantero


SÃO PAULO

de todos os tempos

Geraldo Nunes Jornalista, escritor e blogueiro, participa das publicações da Editora Matarazzo desde 2016.

S ão Paulo 468

anos :

Pátio

do

C olégio

ajuda

contar maior parte da história da cidade

Após a inauguração da primitiva igreja do Colégio de Piratininga pelos padres jesuítas, o primeiro nela a ser batizado foi o chefe indígena Tibiriçá, em 8 de fevereiro de 1554.

O cacique, pai de Bartira, esposa de João Ramalho, foi também o primeiro a ser sepultado, em 1562, na igrejinha, cujos restos mortais seguiram séculos depois para a cripta da Catedral da Sé. Em 1588 se decidiu construir uma igreja matriz no largo onde hoje está a Praça da Sé. A inauguração aconteceu em 1612, não no lugar onde está a atual catedral, mas na altura de onde se encontra a saída da Estação Sé do Metrô. Mais abaixo, onde fica o atual prédio da Caixa Econômica Federal, ergueu-se uma igreja vizinha em devoção a São Pedro. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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O Marquês de Pombal, uma espécie de primeiro-ministro português, decidiu expulsar os jesuítas do Brasil, em 1759 e todos os bens da igreja foram entregues à coroa. Isto fez com o prédio do colégio passasse a servir de residência aos governadores e em frente ao mesmo se abriu um largo. Ao lado do Largo do Palácio se fez o Teatro da Ópera, o primeiro da cidade, cuja iluminação se dava por um lustre onde se colocava enorme quantidade de velas acesas. Aconteceu neste teatro uma recepção festiva a Dom Pedro, na noite do 7 de setembro de 1822, horas depois dele ter proclamado a Independência do Brasil, às margens do Ipiranga. Instituído o Império, se fazia necessária a instalação de um corpo militar do Exército Brasileiro, na Província de São Paulo. O povo, entretanto, demonstrava ter horror ao serviço militar e ninguém se apresentou como voluntário. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Houve então uma trama, a população foi convidada para uma festa no Largo do Palácio e a certa altura registrou-se um corre-corre, com rapazes em desabalada fuga. O capitão-general Martim Lopes mandara barrar as saídas do largo para assim agarrar a força os indivíduos que na marra, tiveram que ingressar no serviço militar.

Mais adiante no período republicano, em 1891, o edifício do Palácio do Governo serviu de sede para as reuniões da Assembleia Estadual Constituinte, a primeira da República, no Estado de São Paulo. Em 1896 se decidiu pela demolição completa do que ainda restava do antigo colégio jesuítico. Nas proximidades, o governo fez construir um prédio para a repartição de polícia, vizinho ao Solar da Marquesa de Santos, na então Rua do Carmo. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Depois, com projeto do arquiteto Ramos de Azevedo, foram feitos dois edifícios no lugar onde antes estava o Teatro da Ópera, um deles para a Secretaria da Justiça e outro para a Secretaria da Agricultura. Na mesma época, o Solar da Marquesa foi adquirido pela Companhia de Gás de São Paulo que ali manteve seu escritório por muitos anos.

Para as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, se construiu uma réplica da igreja dos jesuítas nos moldes da que fora desapropriada em 1759, se preservando duas paredes e o Pátio do Colégio voltou a ter um rosto quase original. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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A partir da década de 1970, as ruas do antigo centro se transformaram em calçadões. A princípio tudo deu certo e a região ficou mais aprazível, foi então que colecionadores de discos, livros, revistas e fotografias passaram a se reunir semanalmente. Essa prática se estendeu até meados da década de 2000 e contou com a participação da atual editora-chefe desta revista, Thaís Matarazzo. Ela conta que aprendeu muito nesses encontros, especialmente porque, depois das reuniões, todos seguiam para a Casa Lomuto, de Roberto Gambardella, a única loja do centro que ainda vendia discos em 78 rotações e lá se ouvia a música a vontade. Tudo isso é passado, a frente do Pátio do Colégio virou abrigo de moradores sem-teto, são famílias que merecem atenção das autoridades. O Pátio do Colégio, por sua vez, continuará sendo uma das mais ricas fontes da São Paulo de outrora e de todos os tempos. Livros Pesquisados: Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo - Ernani da Silva Bruno/ São Paulo de Outrora - Paulo Cursino Moura/ História de São Paulo Através de Suas Ruas – Antônio Rodrigues Porto Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Thais Matarazzo e Gilberto Cantero, representando a Editora Matarazzo, na manhã de 21 de janeiro, fizeram uma visita à Biblioteca Municipal Alceu Amoroso LIma, no bairro de Pinheiros. Realizaram a doação de exemplares de obras publicadas pela Matarazzo ao acervo da biblioteca, cuja temática é poesia.

O coordenador Marcos Triches os recepcionou e os convidou para conhecer o espaço, composto por três andares. Pelo caminho avistaram diversas estantes com exposição de livros, dentre eles estavam, para a surpresa de ambos, obras da editora. Thais e Gilberto ficaram muito contentes e agradecidos com a surpresa. É muito gratificante ver um trabalho, feito com muito esforço e amor, ser reconhecido e estar ao acesso de todos os leitores. Gratidão! Biblioteca Alceu Amoroso Lima Rua Henrique Schaumann, 777 - Pinheiros, São Paulo - SP bcsp.aalima@prefeitura.sp. gov.br

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Ah ! S ão Paulo C laudevalda S ouza - C laudia Ah! São Paulo que acolhe todos os brasileiros que chegam aqui dos mais variados cantos desse nosso Brasil. Ah! São Paulo. Terra da garoa: terra boa Não existe canto desse nosso Brasil de Norte a Sul: ‘do Oiapoque ao Chuí’ que um filho da terra não tenha respirado o ar de São Paulo - Brasil. Ainda que este oxigênio esteja carregado de fumaças nas chaminés das fábricas, ou da poeira dos escombros nas pequenas e grandes construções talvez visitar seu centro comercial quem no interior do País não quer vestir-se de São Paulo. Ah! São Paulo, cheia de encantos e também desencantos és viva, portanto justifica os encantos e os desencantos. Estás ainda na flor da idade és uma criança a engatinhar e com toda essa diversidade vinda de todo esse povo de todos os lugares desse País certamente, continuará crescendo e chegará à maturidade com um entendimento fenomenal que és sim a grande acolhedora construída por todos nós filhos e filhas de todo esse Brasil Ah! SÃO PAULO PARABÉNS. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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O R etrovisor R egina B rito Fixei olhar através do retrovisor e vi que você me seguia no seu luxuoso carro automático. Por quê? Há quanto tempo não nos víamos, lembra? Foram tantos desencontros, mentiras, ironias e muitos percalços pelo caminho. Nunca abri seus e-mails, achava bobagem... E do nada você me envia uma mensagem tão fora de propósito, palavras descombinatórias que não condizem com a sua personalidade. Homem objetivo, acostumado a mandar e nunca pedir. Estranho, não? Mesmo de longe, observei o quanto você estava abatido, envelhecido... “Continua bebendo, fumando e sei lá mais o quê... É melhor parar o carro, pode acontecer um acidente, está emparelhando com o Escritores Brasileiros Contemporâneos

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meu FUSQUINHA, que você tanto desdenha”. — foram as palavras e os pensamentos de Lindalva. Eles pararam os carros e resolveram conversar. Foi difícil iniciar um assunto, pois se olhavam, tentando descobrir o que mudara nas aparências de ambos. Ela pigarreou e iniciou o papo: — Como tem passado? — Só, muito só... E você mais bela do que antes. O TEMPO lhe lapidou. E comigo foi injusto. Concorda? Ela deu um sorriso e um olhar de soslaio, nem concordou, nem o contrariou. Não era preciso. Resolveram tomar uma garrafa de vinho, fazia uma noite fria, tal qual a indiferença de Lindalva. Ela apenas o fitava e passava o dedo Janeiro/2022

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ao redor da taça acariciando-a. — Você está indiferente, distante. — Disse ele com um olhar opaco, sem aquele brilho de outrora. — Mudamos, envelhecemos, amadurecemos... — Com certeza, mas o Fusquinha é o mesmo! — É verdade, ele sabe de muitas histórias, inclusive as nossas. — Linda, hoje eu seria seu carona. Aceita? Temos tantas coisas para conversar, mudei meu modo de ver a vida, me dá outra chance... Ela pensou, repensou e disse: — Só se cada um continuar em seu apartamento, como você sempre quis... — Não, minha linda. Vendi aquele, estou morando em um hotel. Comprei um outro e preciso de uma decoradora que queira dividir uma nova vida com um desvairado aposentado, mas que nunca, nunca Escritores Brasileiros Contemporâneos

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lhe esqueceu. Ele segurou os dedos dela com carinho e colocou um objeto na palma da mão e fechou-a. É seu, todo seu... E ele tem um par no bolso do meu paletó. De repente, ela ficou atônita, era a mesma aliança que ela devolvera há anos atrás. Fez-se uma grande pausa... Inquieto ele perguntou: — Não vai aceitar? — O tempo passou, tenho uma linda família, netos e um marido que me enche de alegria desde o raiar do sol, o luar da noite e nossos ais da madrugada. Seja feliz!

REGINA BRITO Carioca, é escritora e vem lançando suas obras pela Editora Matarazzo. Professora de Literaturas e Línguas Portuguesa e Espanhola, é graduada pela UFRJ e UERJ do Rio de Janeiro e pós-graduada pela UIMP de Santander, Espanha.

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D a E xatidão

da

C iência

N ewton N azareth É carioca, Pianista, Compositor e Escritor — Eleição não é questão de opinião. O slogan, enunciado ao final dos trinta segundos que lhe cabiam na propaganda eleitoral, deu ao Dr. Miranda uma enorme popularidade. Ele não se arrependeu quando direcionou as suas lives para a discussão político-sanitarista. Em época de pandemia, a ideia de lançar um candidato com tantos seguidores na Internet era por demais atraente e muitos partidos disputaram o passe do geriatra. Decidiu-se por um deles. Um mês depois, migrou para outro. E, finalmente, lançou a sua própria legenda, fundando o MCB – Movimento Científico Brasileiro. A adesão de virologistas, epidemiologistas e outros especialistas só aumentava a confiabilidade do partido perante o eleitorado. A candidatura do Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Dr. Miranda ao Senado “viralizava” — com licença da má palavra — na rede. A eleição aproximava-se com toda a sua carga de preocupações. Até que, em certa madrugada, Miranda não conseguia conciliar o sono. Não pensou duas vezes: medicou-se com um sonífero e apagou. Logo estava imerso em outra dimensão, mas seu cérebro vivenciava todas as emoções como se estas fizessem parte da realidade material. Em volta de uma ampla mesa redonda, os maiorais do governo levantaram-se para a entrada de Miranda na sala. Este se observava no sonho como se fosse outro, mas com sua habitual persona elegante. Ao sentar-se, foi acompanhado pelos seus pares e olhou em volta, com um largo sorriso de satisfação. A cena era bonita Janeiro/2022

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demais: a exemplo do seu líder, todos os colegas ali reunidos trajavam a “casaca branca” que os distinguia dos demais cidadãos. Aquela cúpula de governantes representava a ascensão do pensamento racional científico, legitimado nas urnas da última eleição. Última em todos os sentidos, pois dali em diante aquela legião ganhava o status de “classe de excelência” e tornava-se desnecessário convocar futuros pleitos. Quem melhor que aqueles doutos para zelar pelo bem estar do povo? O sonho de Miranda era real. A Medicina era agora reconhecida como uma Ciência Exata e nunca mais dependeria das decisões de políticos ignorantes: ela era o próprio Poder! E aquele não era um caso isolado. Nas nações mais representativas do mundo, o fenômeno se repetia: eram os primeiros “Estados Racionais Científicos” do planeta. Após a equilibrada fala de abertura, o dirigente passou a Escritores Brasileiros Contemporâneos

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palavra ao seu Ministro da Propaganda. Apesar dos números positivos, era preocupante que aquele relatório apontasse a sobrevivência de movimentos antivax. O Ministro da Segurança interrompeu o colega e pediu ao governante que autorizasse a criação de “campos de confinamento”, onde aqueles desajustados pudessem ter seu comportamento excêntrico devidamente estudado. Para isto, era necessário equipar melhor a Polícia Sanitária e atualizar os ultrapassados Códigos de Ética. Miranda prometeu uma resposta positiva, mas também questionou o Ministro da Saúde quanto aos números apresentados em seu relatório. — Meu caro, examinei o arquivo que me foi enviado nesta manhã... A planilha de óbitos não está satisfatória... — Mas, excelência, onde está o problema? Todos os números de “morte por viroses” decaíram, inclusive quanto às mais recentes pandemias. Nossos cidadãos tomaram, em média, sete dos dez coquetéis de Janeiro/2022

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vacinas trimestrais... Bem, as baixas por outras causa mortis como “enfarto” e “suicídio” são inevitáveis, o senhor sabe... — Sim, mera coincidência. Ademais, o Ministério do Confinamento precisa destes óbitos para revertê-los em aumento de intensidade de suas políticas sociais. Não é a isto que me refiro. — Miranda, nervoso, passava as páginas do extenso relatório na tela de seu tablet. Até que deparou-se com o que buscava. — Aqui está: “morte por susto”. O que significa isto? Quem é o “psicólogo” que está sabotando o meu governo? — Senhor, eu posso lhe garantir que seguimos rigidamente os protocolos administrativos mundiais. Estes antigos profissionais não atuam em seus Ministérios, pois não podem atender aos requisitos da Ciência Exata. Irei verificar... — E verifique também, o Sr. Ministro da Cultura, a existência de editoras clandestinas que fazem circular de mão em mão, como em um passado disEscritores Brasileiros Contemporâneos

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tante de um atraso indesejável, exemplares impressos de obras nefastas que subvertem a nossa Literatura! — Desculpe, não estou entendendo. Vossa Excelência está se referindo à existência de obras da banida “ficção científica”? Miranda perdeu a elegância de vez, com um murro na mesa alva: — Não pronuncie este nome em minha presença! A Ciência não é ficção! A Ciência é... é... O pesadelo acabou. Miranda levantou-se, foi ao banheiro e procurou o espelho. Refletiu bem. Pegou o celular e, com um clique, renunciou à sua candidatura. Arrumou-se, dirigiu-se ao hospital e retomou o antigo trabalho junto aos seus pacientes que, antes aflitos com sua ausência, o saudaram emocionados. Mais uma vez, Hipócrates sorriu satisfeito.

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P oemas L uiz N egrão EDUCAÇÃO PARA O MUNDO Não é só o lápis, borracha e a caneta na mão nem celular, tablet e computador, a palavra e o exemplo do pai e do irmão. Ensinar não é criar imitador. Educar torna alguém capaz de combater inúmeras violências, buscar das pessoas a essência e construir uma cultura de Paz.

em suas idas e lidas, com o percorrer das palavras que a página lavra e replanta exuberante floresta, e o vento sopra bela seresta.

SUBIR DO ABISMO Coração a palpitar, sem bem-estar, o chão a desmoronar e nenhum lugar para emocionar, um ou todos apagam o sol da pessoa. À toa vagam sós as dores, as sombras e o frio de alguém sem brio. Mão puxa o corpo inerte para que se conserte, ilumine ou ensine. Adiante segue a vida juntos, reanima o em vida defunto, desperta com harpa e alaúde e caminha com saúde.

CRIAMOS A HISTÓRIA Ao abrir a porta, quem escreve lega ao universo suas obras. Quem lê recria, não cobra. Não importa se boas ou não, no computador ou papel diverso, com alegria ou dor. Uma se torna infinitas histórias aleatórias

Luiz Negrão Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD), publicou os textos históricos: “125 do Café Jardim”, “Homenagem do Dia do Patrono do Fórum de Artur Nogueira e “A atuação do Ministério Público no Caso Emeric Levai”. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Para

sempre I mensidão M arcinha C osta

Sinto fortes ondas Sinto meu corpo vibrar Sinto um turbilhão de energias Eu sou as águas do mar Sou o movimento da maré Sou aquela que vem e vai mas não se perde no fundo do mar Eu sei mergulhar Minha alma é um oceano de infinitas emoções Minha mente é calmaria e agitação Eu sou para sempre imensidão Marcinha Costa

Professora da Ed. Básica do Município de Feira de Santana, atriz e mestra em Estudos literários com ênfase em literatura africana de língua portuguesa (UEFS). marcianeide@gmail.com Instagram: @marcinha1407 Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Poemas Cris Arantes @crisarantesvaraldepoesias O meu primeiro amor

Elza Soares

Venho aqui declarar o meu amor por São Paulo. Terra mãe, que recebe a todos de braços abertos. Sou suspeita porque aqui nasci. Meu coração bate acelerado quando aqui chego. Passeio por outros amores outras cidades. Mas é aqui que ele mora e que vai ser enterrado.

A melhor cantora do Milênio Sua vida foi uma luta Do começo ao fim Casou cedo foi mãe, se revelou Cuidou dos filhos como uma leoa Para se firmar como cantora demorou O coração se apaixonou Por quem não deveria Mané Garrincha, seu grande amor, a decepcionou A voz do século é imortal Passou a vida cantando Sua voz sem igual

Cris Arantes: pedagoga, poeta, musicista, compositora, artista popular. Participou de mais de vinte Antologias nacionais, leva seus poemas a vários Saraus Literários, escreve para revistas e posta áudios e vídeos de poemas nas suas redes sociais, possui um CD com poemas musicados, possui um Canal no YouTube: CRIS ARANTES VARAL DE POESIAS. Pertence à Academia Contemporânea de Letras, ACL.

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O Cenário do Amor! Mary Lourdes Instagram @MariaLourdes9348 Facebook @MariaLourdes Sob a luz do luar, éramos apenas eu e você! E a imensidão do nosso amor a invadir os nossos corpos. O véu da noite a nos embalar, fez de nós eternos amantes! Nada mais parecia existir ali, além de nós dois. Palavras apenas, não foram o suficiente para expressar tamanho sentimento. Diante dos desejos que haviam em nós! Era tanto amor, que aquele cenário ficou pequeno. E igual a todos os casais que se amam, nos perdemos no tempo e fomos além! E quando percebemos, o dia havia raiado e nos fez companhia. E lá, estávamos nós! Envolvidos por amor e desejos.. Ainda insaciáveis por amor e em nos amarmos mais e mais. Então nos permitimos entregarmo-nos um ao outro até que saciássemos a nossa sede de amar... E foi lindo! Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Nazareth Ferrari Natural de Taubaté, SP. É pintora, escultora, escritora, professora, Pós-Graduada em História da Arte, Engenheira Civil e Membro Titular da Academia Valeparaibana de Letras e Artes. Conquistou inúmeros prêmios em literatura e artes visuais, possuindo obras na Alemanha e na França. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Uma Poesia para cada dia

Capa: Camila Giudice

Chamo-me Josiane Feliciano Steck Caitano, de pseudônimo Ane Cfick. Resido na cidade de Campo Limpo Paulista, SP, sou casada mãe de três filhos. Um ser humano em construção com formação em Técnico em Nutrição, Pedagogia, Artes Visuais e Produção Cultural. Em 2021 conquistei a publicação do meu primeiro livro pela Editora Matarazzo: Uma Poesia para Cada Dia. É uma imensa satisfação, não tenho palavras para expressar. Foi um aprendizado, pois livro é uma construção que envolve acontecimentos e sentimentos. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Para a Editora Matarazzo minha gratidão, pois no processo de um livro sempre existe outras pessoas envolvidas que incentivam e motivam, nessa ocasião não tenho como citar todas mas elas não esquecerei foram muito importantes. A capa é ilustrada por Camila Giudice, de maneira delicada retrata que existe uma chave que abre o caminho da Poesia, talvez ela esteja jogada e desapercebida, mas quando a poesia entra ela passa a ter brilho de estrela. E ainda para completar a obra com chave de ouro o prefácio é de Thais Matarazzo. Quero contar aqui de maneira resumida um pouco da minha história com a Poesia: comecei a escrever aos doze anos, e nessa trajetória de vida até os quarenta e quatro anos, foram acontecendo fatos que contribuíram para a publicação. No início de 2019 recebi um convite para participar de uma Antologia Poética através de uma de minhas redes sociais, fiquei surpresa porque eu escrevia desde meus doze anos, histórias, poesias, textos e nunca havia publicado nada e nem mostrava para ninguém. Fiquei muito feliz em participar e poder ver meu poema publicado e fiz um poema em especial chamado A arte está presente na vida. DesJaneiro/2022

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de de então comecei a participar de Saraus, Antologias e concursos literários onde fui selecionada. Logo comecei a escrever em sites Recanto das Letras e Instituto Pró-Diversidade, o que também foi me motivando ao ver a leitura dos meus poemas aumentando. Também no final do ano de 2019 participei do Sarau Cai na Roda, no Museu da Santa Casa de São Paulo, onde recebi um certificado por ter ganhado o concurso Paquetá em Prosa & Verso, foi nessa ocasião que conheci a Editora Matarazzo. No ano passado fui convidada a participar de um projeto em minha cidade com o nome de Cultura e Turismo Vive, o objetivo desse projeto foi apoiar e divulgar os escritores e demais artistas da cidade. Nele pude contar um pouco da minha história com a escrita. Participei de uma entrevista e pude contar um dos fatos que mais impactou e que impulsionou a continuar a escrever e fazer da escrita um propósito de vida. No mesmo ano em que comecei a publicar meus poemas, meu pai, um senhor de 85 anos, muito ativo cheio de vida adoeceu repentinamente. Nos dias em que passei com ele no hospital, lia poemas autorais para ele e presenciei sua melhora e alegria dia a dia quando ouvia poemas. Dentro do hospital iniciei um Projeto espalhando Poesias. Certo dia Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Josiane Feliciano

entreguei um de meus poemas para a médica que estava cuidando dele e ela me perguntou se eu iria escrever um livro e como se chamaria eu sem pensar respondi: Uma Poesia para Cada Dia. Hoje meu pai está com 87 anos e com a saúde recuperada, a fé a esperança, as orações, as boas palavras poéticas e o amor pela vida fizeram parte dessa história. Detalhe: ele já está lendo o livro com muito brilho no olhar. Gratidão, amor e esperança de dias melhores com mais harmonia e que neles encontremos espaço para a poesia. Janeiro/2022

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Cântico Glafira Menezes Corti @ glafiramenezescorti Do alto, sobre as pedras escaldantes e acompanhado pelo barulho do mar daquele lugar eu podia ouvir um monólogo gritado, acelerado como se o tempo com pressa fosse voar como um redemoinho, avançando do oceano rumo à terra e espalhasse as palavras antes de serem completamente pronunciadas. Em trajes encharcados e colados ao corpo levantava os braços e gesticulava girando suas mãos como se intercedesse por alguém. Era um belo rapaz, cabelos longos ao vento, robusto e extremamente concentrado no horizonte, como se inspirando-se na linha imaginária que a sua intuição manobrava através de suas mãos, mimicando como se fosse o final de tudo; a terra acabando-se e dando passagem ao nada. Soçobrava uma linha arredondada matizada em tons avermelhados, incessível e desejada. Seguiu-se em tom gutural: Escritores Brasileiros Contemporâneos

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“’Céu, essa estrela que você ganhou hoje é a maioral! “’Meu grande avô, uma pessoa ética, justa, maravilhosa, que mereceu tudo o que existe de melhor na Terra. Um homem batalhador que lutou desde a conquista do seu primeiro emprego até atingir seus maiores objetivos profissionais, seus inúmeros sonhos, de forma otimista e incansável; dentre eles o de sustentar a família emocional e materialmente como um ponto de partida para desfrutarem de uma vida simples, mas com apoio total. “’Como se já não bastasse ter três filhos para criar, ele e minha avó acolheram a mim e minha mãe como neto e filha. Sempre fez tudo por mim, seu primeiro neto de coração, me amou intensamente. “’Um homem simples que me ensinou valores éticos imprescindíveis à uma vida cristã e sadia, a nunca desistir dos meus objetivos Janeiro/2022

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e a enfrentar os obstáculos como forças propulsoras ao fortalecimento da conquista pretendida. Nunca deixar a indolência nem o desânimo permearem a vontade de fazer o que se desejar. “’Meu avô, um otimista incansável! Lutou, durante os últimos três anos, com todas as forças até o último dia de vida contra um câncer, contrariando por duas vezes o diagnóstico dos médicos conseguiu sair da UTI (Unidade de Terapia Intensiva), deixando os médicos perplexos.

“’Na terceira internação foi sugado por fios extremamente finos, invisíveis, que o envolveram e o carregaram para outro espaço, nesse espaço onde encontram-se os maiorais. “’Está descansando em paz, com Deus, sem dor, sem sofrimento, feliz por ter realizado seus sonhos. Sei que daí onde você está com seu brilho continuará a cuidar de todos nós. “’Ele foi e será meu herói, eternamente!

Glafira Menezes Corti Palhaça Pitanga, nascida e criada em Sampa, avó de sete netos, contadora de história, oficineira de escrita e leitura. Membro do Coletivo São Paulo de Literatura se da Academia Contemporânea de Letras. Tem quatro livros publicados: “Tamborilando com Letras”, “Pra Você”, “Versos Verdes” e o infantil “Eu fizio porque quizio”. Gosta de brincar com as letras, que formam palavras dançantes, como passos diferentes de uma dança.

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A Vila Maria Zélia na década de 1920. Foto: reprodução

Hugo Giovanelli em frente à casa onde nasceu e viveu até se casar, em 1947. Foto: Thais Matarazzo, 2007


Memórias Paulistanas Hugo Giovanelli e a Vila Maria Zélia (2015) Instagram@matarazzothais Esta crônica é dedicada a uma vila encravada no coração do bairro do Belenzinho, zona leste de São Paulo, e a um filho ilustre do local, o artista plástico Hugo Giovanelli. Conheci o sr. Hugo em 2002, nas reuniões dos colecionadores de discos do Pátio do Colégio, no centro da cidade. Dentre todos aqueles amigos, o sr. Hugo foi com quem encerrei mais afinidade, talvez por sua sensibilidade de artista e sua gentileza, algo raro nos dias de hoje. Ele foi o maior fã que conheci da cantora e atriz Carmen Miranda. Também era apaixonado pela cidade do Rio de Janeiro. Em sua casa, na Rua Catumbi, 791, além do seu ateliê, quase todos os ambientes eram decorados com seus quadros, vasos, porcelanas, e também de retratos da “Pequena Notável”. Como eu sou fã da cantora Aurora Miranda, irmã de Carmen, conversávamos muito sobre o tema. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Um homem ligado às artes, amante do cinema e da boa música, tornou-se notável como pintor, tendo realizado inúmeras exposições em São Paulo, Rio e Minas Gerais. Seu acervo pessoal sobre Carmen Miranda era fora de série. Costumava se corresponder com colecionadores da Inglaterra, Estados Unidos e Austrália para troca de informações e materiais. Um dia, ele me convidou para conhecer a Vila Maria Zélia, que eu só conhecia de nome. Idealizada pelo industrial Jorge Street e projetada pelo arquiteto francês Pedaurrieux, a Vila foi inspirada nas cidades europeias do século XX. A construção decorreu de 1911 a 1916. Foi à primeira vila operária da Pauliceia. O batismo é um tributo a jovem Maria Zélia, filha de Street que faleceu aos 16 anos, vítima da tuberculose. Com dificuldades financeiras, Street vendeu a Vila para a família Scarpa, que a renomeou como Vila Scarpa. Em 1929, passou para as mãos da família Guinle, que passou Janeiro/2022

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a denominá-la com o nome antigo. Em 1969, passou a ser administrada pelo INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), atual INSS, e as casas foram vendidas aos trabalhadores e antigos residentes. Tudo isso, o sr. Hugo me contou no pequeno percurso da sua casa na Rua Catumbi até a entrada da Vila, nas esquinas das ruas Cachoeira e Prazeres. “Essa Vila é uma sombra do que já foi!”, advertiu o sr. Hugo. Mas para mim foi uma surpresa descobrir aquele recanto – que mais parece uma cidade do interior. Logo, ao passar a cancela de entrada, que restringe o acesso de veículos, vêse um jardim com grandes figueiras bravas e vários bancos de madeira. No centro está a capela de São José, ladeada por dois grandes armazéns: o da direita em total ruína e o da esquerda em melhores condições. Em seguida, tem quatro ruas com as antigas casas dos operários da Companhia de Tecidos Juta. A Vila funcionava como uma extensão da fábrica: havia um rígido controle e normas disciplinares impostas pela direção. Tudo era autossuficiente. Mesmo vendo toda aquela decadência da Vila, percebi que alguma beleza pairava no ar. Quis saber do sr. Hugo como a Escritores Brasileiros Contemporâneos

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família dele foi morar na Vila? Ele disse que a notoriedade do local era enorme. Não demorou muito para essa fama ecoasse pelas cidades do interior de São Paulo, como em Amparo, onde residia o seu pai, o italiano Hugo Giovanelli (1869 – 1956), sapateiro de profissão, seus sete filhos e muitos outros parentes. Hugo ficara viúvo cedo, sua esposa Getulia Baleze morreu no parto do sétimo filho. Viúvo e com tantas crianças para criar, Hugo não demorou e contraiu matrimônio com Olga Franco (1888 – 1960)[2]. Em Amparo nasceram os três primeiros filhos do casal, Hugo (1912 – 1995), Maria Getulina (1914 – 1999) e Zulmira (1917 - ?). Como a situação financeira da família não era das melhores, Hugo decidiu rumar para a capital paulista. Provavelmente recebeu a proposta de algum parente que já estava em São Paulo. A família Giovanelli deve ter chegado à Vila por volta de 1918 ou 1919. O patriarca trabalhava como sapateiro, em casa. Vários dos seus filhos, ainda pequenos, foram trabalhar na Fábrica da Juta. Ali nasceram os últimos dois filhos do casal: Hugo (19/3/1922) e Rute (1924). Janeiro/2022

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Os irmãos Rute e Hugo, 1933

Hugo e dois amigos, 1945

Hugo (com o rosto circulado) na formatura do curso primário, Escola de Meninos da Vila Maria Zélia, em 1935. Fotos: acervo Hugo Giovanelli


“A Vila era uma maravilha! Tínhamos tudo lá dentro: açougue, mercearia, salão de baile, escola primária, coreto, farmácia, restaurante, posto de saúde, campo de futebol e muitas outras coisas. Era proibido fazer qualquer reforma nas casas, até para trocar uma lâmpada era preciso pedir autorização para o sr. João, uma espécie de fiscal da Vila. Minha mãe foi uma heroína criou doze filhos e meu pai ‘bateu muita sola’ para criar todos nós”, afirmou o sr. Hugo – “Eu nasci em 19 de março de 1922 aqui na Vila. Minha mãe contava que eram três da tarde quando a procissão passou na porta da nossa casa e eu nasci. Por isso, sou devoto de São José e adoro o horário das três da tarde. Fui batizado na capela da Vila. Eu sou o caçula dos homens e a minha irmã Rute, dois anos mais nova do que eu, a caçula das mulheres”. Hugo cresceu brincando com os meninos da vizinhança. Teve uma vida humilde no seio de uma família trabalhadora. Nos fundos da Vila corria o rio Tietê – hoje com o leito retificado –, onde a criançada costumava tomar banho nos dias de verão. Estudou no “Grupo Escolar Maria Zélia” para meninos, na Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Rua 3. As classes eram separadas, o prédio que abrigava a escola das meninas ficava em frente a dos garotos. Foi sua professora d. Lucília de Carvalho. Hugo era sempre escolhido para cantar nas festas escolares. Sua família não tinha rádio e nem vitrola, o menino ficava escutando da janela de um vizinho os discos de Carmen Miranda, de quem se tornou fã ainda na infância. Não foi trabalhar na fábrica como seus irmãos: na parte da manhã estudava e a tarde entregava as encomendas de sapatos para a freguesia do pai. Havia seis tipos de casas na Vila, que variavam de acordo com os tamanhos dos terrenos, de 75 a 110 m². As famílias costumavam sentar à noite nas portas e conversavam sem receio de violência. As crianças brincavam na rua sem o menor problema. Os inconvenientes eram as traquinagens da molecada. Muitos imigrantes moravam por ali: italianos, portugueses, espanhóis e outras etnias. “Com o tempo a Vila foi modificando de ambiente. Depois que a Fábrica de Pneus Goodyear comprou uma das partes da Vila, as ruas 1 e 2, o campo de futebol, a creche e o jardim de infância foJaneiro/2022

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ram demolidos e começou o desencanto da minha amada Vila Maria Zélia. Muitos moradores foram embora e outros morreram de tristeza. Em seguida, a Prefeitura mudou os nomes das ruas e ninguém se lembrou de homenagear meu pai, que foi o sapateiro oficial da Vila. A casa que nós moramos está toda reformada. Aliás, depois que as casas deixaram de pertencer a fábrica e foram vendidas para os moradores, todos fizeram reformas nos imóveis. Poucas foram as que restaram intactas. A Vila perdeu a beleza de outrora. O Mazzaropi filmou aqui, em 1966, o filme ‘O Corintiano’. Foi um sucesso! Naquela época, a Vila estava conservada. Nos anos 1980, os dois grupos escolares já estavam desativados e hoje resta isso que você vê: as ruínas e a tristeza da decadência”, recordou o artista. Em 1931, a fábrica foi desativada e o edifício tornou-se um presídio político do Estado Novo. Em 1938, a Vila e a fábrica foram vendidas para a Goodyear. Devido ao avanço de degradação de alguns prédios históricos, o CONDEPHAAT e CONPRESP optaram pelo tombamento do local em 1992, em três níveis, abarcando o traçado urbano, o conjunto de 117 casas e Escritores Brasileiros Contemporâneos

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vegetação de porte arbóreo. Em maio de 1947, aos 25 anos, casou-se com Dalila Medici, moradora do Belenzinho. A família Medici tinha uma olaria muito famosa no bairro. Depois do enlace, o sr. Hugo deixou a Vila e passou a morar na Rua Catumbi. Trabalhou como técnico têxtil em várias fábricas de tecelagem. Depois, ingressou no Departamento de Obras Públicas do Estado de São Paulo, onde esteve até se aposentar como chefe de seção da administração geral. Lá conheceu o arquiteto Antônio Garcia, que se tornou um grande amigo e muito auxiliou no trabalho. Muitas de suas vivências, Giovanelli registrou no livro Memórias, hoje, amanhã e sempre: Hugo de A a Z, publicado em 1989, pela editora Ateniense. A capa da obra traz uma foto da capela de São José, padroeiro da Vila. Estive várias vezes na Vila, sempre em companhia do sr. Hugo. Gostava muito de visitá-lo, das nossas conversas, meu amigo parecia uma “enciclopédia”. Sua esposa, d. Dalila sempre me recebia com o maior carinho e nunca ia embora sem saborear um chá com bolo.

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Dalila Medici no dia do seu casamento com Hugo Giovanelli, maio/1947

Joana Campanella, Dalila Medici, Hugo e a filha Sandra, em 1957. Ao fundo, vemos, o rio Tietê que passava no fundo da Vila Maria Zélia

Hugo no jardim da Vila, em 1957

Hugo na década de 1970


Afonsina Medici [3] era tia de d. Dalila, irmã do seu pai. Tornouse tia por afinidade do sr. Hugo, ele a adorava. Era uma pessoa muito alegre e independente, nascida no Belenzinho em 1896, contava que quando criança brincava nos túmulos do cemitério do bairro, que existia onde hoje está o Largo São José. A família Medici era formada por imigrantes italianos, no final do século 19 moraram na região da Consolação. Depois transferiram-se para o Belezinho. Foram proprietários de uma olaria, famosa na região, que localizava-se num grande terreno entre as ruas Catumbi e Marcos Arruda, abrangendo parte da atual Praça General Humberto de Souza Mello. Essa área do Belenzinho era conhecida no final do século 19, como Várzea do Catumbi, rica em argila retirada das margens do rio Tietê, aliás, do Belenzinho até à Penha existiram inúmeras olarias, geralmente, de propriedade de italianos e portugueses imigrantes. A maior parte do escoamento da produção de tijolos e telhas era feita pela via fluvial. Após décadas o negócio cessou e o terreno foi retalhado entre os herdeiros. Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Afonsina chegou a se casar com um italiano, conforme desejo da família, mas ficou viúva logo. Foi trabalhar numa fábrica de vidros e cristais. Um dia foi mandada embora, com o dinheiro ajuntado, mudou-se para o Rio de Janeiro e lá viveu durante décadas. Morou em uma casinha de porta e janela para a rua na lendária Praça Onze. Em seguida, foi admitida como funcionária na Escola de Enfermeiras d. Anna Nery, na Cidade Nova. Morava no alojamento do colégio. Era uma funcionária querida pelas alunas e procurava ajudá-las como possível. Hugo visitava a tia Afonsina duas vezes por ano, ela muito a auxiliou. Já idosa, mudou-se para São Paulo e foi residir com o sr. Hugo e d. Dalila, falecendo aos 81 anos, em 1978. O ateliê de pintura do sr. Hugo foi batizado com o nome da sua saudosa tia. Entre os anos de 2008 e 2009, a Associação Cultural Vila Maria Zélia procurou o sr. Hugo para organizar uma exposição sobre a Carmen Miranda e também prestar uma homenagem ao “artista da Vila”, como o chamavam. A exposição ficou muito bonita e foi o último trabalho de Giovanelli. Juntamente com alguns Janeiro/2022

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amigos colecionadores do Pátio do Colégio, organizamos um grupo para animar a exposição. Realizamos vários saraus. Foi um período feliz. Posteriormente, o sr. Hugo se retirou de qualquer atividade artística, já não saia de casa: estava com 88 anos e sua saúde estava fragilizada. Em 8 de março de 2011, alguns dias antes do seu natalício, o sr. Hugo veio a falecer. Soube da notícia pela sua filha Sueli. Foi muito triste. Ele pediu para ser cremado, a família atendeu o pedido. As cinzas foram jogadas em uma cerimônia entre as figueiras do jardim da Vila Maria Zélia. Infelizmente, não consegui comparecer. Na ocasião, não consegui folga no trabalho. Dois anos depois, faleceu d. Dalila. Do grande acervo do sr. Hugo, ganhei das filhas, algumas peças e livros, diversos itens foram divididos pelos familiares e amigos colecionadores. Voltei a Vila Maria Zélia recentemente para uma festa do Jornal do Brás em 2015. Impossível foi não conter a emoção e não se lembrar destes saudosos amigos.

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Notas

[1] Anteriormente publicada na antologia Vamos falar do Belenzinho? (2017), Editora Matarazzo. [2] Olga era imigrante italiana. Filha de Francesco e Maria Franco, estabelecidos em Amparo, SP. O casal também veio residir na Vila Maria Zélia. O sr. Hugo sempre contava que a nonna Maria Franco havia ficado cega quando velhinha. Costumava usar um avental com vários bolsos. Aos domingos dava um tostão para os netos comprarem um doce. Quando percebia que a criança retirava uma moeda de outro bolso, pedia para colocar na sua mão e se fosse uma moeda maior e mais valiosa, Maria mesma trocava por um tostão. [3] Afonsina Medici (São Paulo, SP, 3/8/1896 – São Paulo, SP, 21/5/1978). Filha de Paulo Medici e Filomena Bulana (ou Buffana). Foi enterrada no jazido da família no Cemitério da Quarta Parada, no Belenzinho.

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S ítio Morrinhos Localizado na Rua Santo Anselmo, no Jardim São Bento, o Sítio Morrinhos é um conjunto arquitetônico composto pela casa sede, construída no início do século 18, por diversas construções anexas datadas da segunda metade do século 19 e outras do início do século 20. Todo o conjunto está implantado no centro de uma extensa área verde, formada por árvores frutíferas e ornamentais. Na verga da porta principal da casa sede encontra-se a inscrição “1702”, provavelmente a data de sua construção. Originalmente, foi uma residência rural servindo como sede de sítio, propriedade da família Baruel. Em 1902, toda a área foi levada a leilão e arrematada pela Associação Pedagógica Escritores Brasileiros Contemporâneos

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Paulista, como representante do Mosteiro de São Bento. A partir de então, o conjunto arquitetônico foi utilizado como chácara de descanso de seus membros nos finais de semana. Em 1952, o Mosteiro de São Bento faz um acordo com a firma Camargo Correa S.A. para a realização do loteamento da região que deu origem ao atual bairro Jardim São Bento. A partir desse acordo, Sebastião Ferraz de Camargo passou a ser o proprietário do lote onde se encontra esse conjunto e, em 1952, doou o imóvel para a Prefeitura do Município de São Paulo. A casa sede, a porção mais antiga do conjunto, apresenta tipologia construtiva com as características da chamada arquitetura bandeirista, sendo construída com a técnica de taipa de pilão. Apresenta no Janeiro/2022

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em 2008 com a exposição “Escavando o Passado”. Abriga o Centro de Arqueologia de São Paulo, vinculado ao Departamento do Patrimônio Histórico, Secretaria Municipal de Cultura. Informações retidadas do site: www.museudacidade.prefeitura.sp. gov.br/sobre-mcsp/sitio-morrinhos/

Serviço Museu da Cidade de São Paulo / Sítio Morrinhos Rua Santo Anselmo, 102 – Jd. São Bento – São Paulo – SP Entrada gratuita Estacionamento gratuito Horário Segunda: Todas as unidades estão fechadas Terça a domingo: Aberto das 10h às 16h

Fotos: Thais Matarazzo

pavimento térreo cinco cômodos e um alpendre, no pavimento superior a camarinha construída pelos beneditinos no início do século 20. As construções anexas, antigamente utilizadas como senzala, abrigo para animais e oficinas, são de alvenaria de tijolos do século 19. O Sítio Morrinhos nunca fora aberto à visitação pública devido ao seu precário estado de conservação. Em 1984, foram executadas obras de consolidação e reforço estrutural. Em 2000, teve início a restauração e conservação de todo o conjunto. Seu projeto arquitetônico foi elaborado a partir de pesquisas históricas e prospecções arqueológicas, envolvendo a execução de serviços de preservação de elementos antigos e princípios arquitetônicos com características contemporâneas como pisos, jiraus e todo o sistema de iluminação museológica. Reabriu ao público

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As vezes a vida passa devagar parece que temos tanto tempo e ele parece nos enrolar ou é o nosso pensamento que corre veloz, incessante, quente, poderoso, trepidante, exigindo ligeireza nas ações que o tempo aplaca e diz: “Agora não!” Chega o momento da contemplação, de olhar pela janela aberta: respirar fundo e sentir como a tarde está tão linda!



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