Entrevista a Siu Pham

Page 1

entrevista

Entrevista – Siu Pham, realizadora de «Nevoeiro no Cume... Borrasca na Terra» tatiana henriques 170 metropolis julho 2015

A realizadora vietnamita Siu Pham já conta no currículo com três filmes de ficção: «Here… or There?» (2011), «Ici ou… Là-bas» (2011) e «Homostratus» (2014). Num registo bastante diferente, Pham enveredou agora pelo documentário, resultando «Nevoeiro no Cume… Borrasca na Terra», que será exibido no FIKE – Festival Internacional de Curtas-Metragens. A METROPOLIS entrevistou a cineasta sobre as particularidades da obra.


Como começou a sua relação com o cinema? O meu pai era um grande fã de cinema. Algumas vezes, ele dizia que era o Gary Cooper de «O Comboio Apitou Três Vezes» (1952), de Fred Zinnemann. A minha mãe era definitivamente a nossa Greta Garbo… A minha filha, quando tinha 2 anos, viu «Margarida Gauthier» (1936), de Georges Cukor, e disse “Ela parece-se com a avó!”. Isto tudo para dizer que eu e a minha família sempre fomos ao cinema, independentemente do local ou da situação… Estudei Filosofia na Universidade de Saigão ao mesmo tempo que tinha aulas na Escola de Cinema. Depois trabalhei com Vo Doan Chau, que foi um professor dessa escola e um realizador renomado do Vietname do Sul. Atualmente, no Vietname, as empresas de produção estão dispostas a desenvolver o cinema vietnamita e podemos ter hipóteses se tivermos algumas boas ideias, porque o custo de fazer um filme no Vietname é ainda baixo o suficiente para que um realizador pobre e/ou jovem possa tentar a sua sorte… E esse era o meu caso! Como descreveria «Nevoeiro no Cume... Borrasca na Terra»? Uma construção de um parque de diversões com estilo ocidental no topo de uma montanha e uma inundação no sopé da montanha for-

necem uma visão especial do Vietname atual. Nesta confusão, há dois homens diferentes, um camponês vietnamita e um pintor europeu que vivem e trabalham, um ao lado do outro. Não tendo nada em comum e sem recorrer a palavras, eles partilham o seu sentido de amizade sobre a vida e a morte, com simplicidade e ternura. Como surgiu a ideia para a criação deste filme? Este documentário é baseado no trabalho de observação de quase dois anos na região de Hôi An. Primeiramente, percebi que um modo ocidental de entretenimento popular para as massas começou a integrar-se nesta terra longínqua da Ásia. Um parque de diversões num castelo de estilo medieval contou com rodas da sorte, montanha-russa, etc., no topo de uma montanha na qual o acesso à estrada foi cancelado e em que pagar bilhete de teleférico passou a ser o único meio de lá chegar. Ao mesmo tempo, no sopé dessa montanha, um artista ocidental pintava numa pequena casa em ruínas. Essa casa estava no meio do campo em que um camponês vietnamita cultivava a terra com as suas próprias mãos. Na natureza simples do campo, esses dois homens trabalhavam lado a lado. Uma amizade sensível foi criada, apesar de não perceberem a linguagem um do outro. O aspeto interessante para mim era ligar as observações do parque de diversões com a vida local sem entrar em conflito com estes dois mundos. Contudo, não sabia como fazê-lo. Todos os anos, ocorre, normalmente, uma inundação nesta área. A população de Hôi An prepara-se sempre para suportar os danos da forma mais natural possível. Filmei na oficina de Jean Luc Mello imagens das suas pinturas após a tempestade, depois vi o camponês a chegar com os seus sinais gestuais, contando ao pintor que o seu pai tinha falecido. Deixei a minha câmara a trabalhar, algo profundo da sua relação ganhou forma. Um documentário de observação sensível tornou-se verdade para mim. julho 2015 metropolis 171


O que mais a encantou em Hôi An? Hôi An tem a sua dimensão humana, a vida é tranquila e calma. De bicicleta, estás em 5 minutos na mais bela paisagem do campo, com rios, campos de arroz e, claro, o mar… Quais foram as suas maiores dificuldades na realização de «Nevoeiro no Cume... Borrasca na terra»? 172 metropolis julho 2015

Este tipo de filmagens leva algum tempo. Não sabia quando o tinha terminado ou quando tinha o material necessário para fazer um filme, algo que me fizesse dizer “pára!”. A história foca-se na amizade quase sem palavras de dois meses. Pensa que esta história poderia ser universal e ter lugar em qualquer

outro lugar do mundo? Sim, concordo totalmente consigo, esta amizade sem palavras poderia passar-se noutro lugar do mundo. Até penso que uma amizade deve ser mais fácil para as pessoas se elas não falarem muito. As palavras são sempre uma fonte para desentendimento.


CRÍTICA Siu Pham cria um documentário sensível, partindo de várias dicotomias, mas em que a principal diferença assenta sobretudo em aspetos culturais. Assim é «Nevoeiro no Cume… Borrasca na Terra», o resultado do trabalho de observação de quase dois anos (entre 2012 e 2014) na região de Da Nang, no Vietname. Recorrendo a planos demorados e pejados de significado, a realizadora vietnamita retrata uma montanha muito especial. Ora, no cimo da mesma, é possível ver um parque de diversões tipicamente ocidental, enquanto no sopé da montanha coexistem um camponês vietnamita, que trabalha na sua horta, e um artista ocidental, que pinta belas e vibrantes imagens de cores chamativas. Os dois não se percebem um ao outro mas respeitam-se. Um dia, o camponês conta ao pintor, por gestos, que o seu pai faleceu. E, em homenagem, o pintor usa a sua arte e cria uma pintura.

Que próximos projetos tem na calha? No próximo mês, terei uma exposição de pinturas em Bruxelas. Além disso, há o meu quarto filme de ficção, «On the Endless Road», gravado em março e abril de 2015, no norte do Vietname. Estamos na fase de edição e espero que tenha fundos suficientes para completar o trabalho no final deste ano…

Os dois diferentes fragmentos narrativos, o topo e o sopé da montanha, são retratados de forma sensível, recorrendo a uma transposição original entre os mesmos. Numa história que poderia passar-se noutro qualquer lugar do mundo, Pham representa o poder das relações humanas, que nem sempre precisam de palavras para evoluírem e para terem significado. «Nevoeiro no Cume… Borrasca na Terra» revela-se um documentário profundo sobre um local praticamente desconhecido mas não menos interessante. Contudo, a contextualização dada ao espetador durante a própria obra é algo escassa. Assim, também a própria obra consegue passar o seu significado apesar da falta de palavras, tal como a amizade que é retratada. T.H.

julho 2015 metropolis 173


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.