Batalhões Académicos de 1826 a 1834

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BATALHÕES ACADÉMICOS DE 1826 A 1834

JOÃO PEDRO SOARES LUNA C

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Nasceu em Elvas em 1792 e faleceu em Lisboa, a 19/8/1848. Seguiu a carreira militar, assentando praça em 1806, em Elvas, participando na Guerra Peninsular, ascendendo a 2.º tenente (1812), 1.º tenente (1819) e capitão (1820). Aderiu à Revolução Liberal do Porto de 1820. Foi mobilizado para integrar a força portuguesa enviada ao Brasil para sufocar a independência daquela então colónia (1821-1823). De regresso a Lisboa, foi promovido a major em 1825 e nomeado comandante da Guarnição da Ilha do Faial, resistindo à aclamação de D. Miguel como rei absoluto. Emigrou para Inglaterra. Acompanhou Saldanha na primeira tentativa (1829), frustrada pelos ingleses, de desembarcar na Ilha Terceira. Regressado a França, conseguiu em 1830 desembarcar em Angra, tendo, em outubro desse ano, sido nomeado Comandante do Batalhão Académico, que dirigiu na tomada da Ilha de S. Miguel, desembarque no Mindelo, cerco do Porto e expedição ao Algarve (1833). Aí interrompeu o comando do Corpo Académico por ter sido nomeado pelo Duque da Terceira para Governador Militar de Faro. A 24 de julho de 1834 foi promovido a Coronel de Artilharia e nomeado Comandante do Regimento de Artilharia n.º 2, ao tempo aquartelado em Belém, na cidade de Lisboa. Eleito Deputado para a legislatura de 1834-1836, integrando as listas da oposição. Em 1836 aderiu à Revolução de Setembro, mantendo-se sempre em oposição aos governos que visavam a restauração da Carta Constitucional, o que lhe valeria uma persistente perseguição política por parte dos cartistas. Da sua atividade como Comandante do Batalhão Académico deu conta nas suas Memórias para servirem à história dos factos de patriotismo e valor praticados pelo distinto e bravo Corpo Académico, que fez parte do Exército Libertador (Lisboa, 1837), agora reeditadas.

BATALHÕES ACADÉMICOS DE 1826 A 1834 Memórias de Francisco António Fernandes da Silva Ferrão José Vitorino Freire da Fonseca Cardoso João Pedro Soares Luna

FRANCISCO ANTÓNIO FERNANDES DA SILVA FERRÃO

www.sitiodolivro.pt

Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres

Nascido em Coimbra, a 3 de julho de 1798, e falecido em Lisboa, a 5 de março de 1874. Doutor (1819) e Opositor na Faculdade de Cânones, aderiu ao movimento liberal de 1820. Pertenceu à Sociedade Patriótica Portuense e à Maçonaria. Interrompido o regime liberal em 1823, foi alvo de investigações pela Junta Expurgatória da Universidade de Coimbra. Em 1826, alistou-se, com o posto de Furriel da 6.ª Companhia, no Batalhão de Voluntários Académicos, constituído em 16 de dezembro desse ano. Foi o autor da obra, publicada sob anonimato, Apologia dirigida à Nação Portuguesa, para plena justificação do Corpo dos Voluntários Académicos do ano de 1826, contra as falsas e caluniosas imputações forjadas ao mesmo Corpo pelos inimigos do Senhor Dom Pedro IV e da Carta Constitucional (Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827), reeditada na presente edição. No seguimento da revolta desencadeada no Porto em maio de 1828 contra o governo de D. Miguel, foi nomeado, pela Junta do Porto, Vice-Conservador da Universidade, tendo, após o insucesso dessa revolta, sido riscado da Universidade, e seguido o caminho do exílio. Alistou-se no Batalhão Académico reconstituído na Ilha Terceira (1830). Após a vitória liberal em 1834, desenvolveu importantes atividades na magistratura (Desembargador da Relação de Lisboa, Procurador-Geral da Fazenda, Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça), na administração financeira e na política (Deputado, Ministro, Par do Reino). Autor de diversas obras, com destaque para a monumental Teoria do Direito Penal (8 volumes).



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Memórias de

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FRANCISCO ANTÓNIO FERNANDES DA SILVA FERRÃO JOSÉ VITORINO FREIRE DA FONSECA CARDOSO JOÃO PEDRO SOARES LUNA

Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres


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título: Batalhões Académicos de 1826 a 1834

autores: F rancisco António Fernandes da Silva Ferrão, José Vitorino Freire da Fonseca Cardoso

e João Pedro Soares Luna

recolha de textos, introdução e notas: Mário Araújo Torres edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)

imagem de capa: Almeida Garrett, soldado voluntário n.º 72 do Batalhão Académico, de sen-

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tinela à porta do Convento dos Carmelitas Descalços (Convento dos Grilos) durante o cerco do Porto, desenho de Joaquim Vitorino Ribeiro (Arquivo Municipal do Porto) grafismo de capa: Ângela Espinha paginação: Paulo Resende 1.ª edição Lisboa, dezembro 2023

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isbn: 978­‑989-9028-92-0

depósito legal: 521281/23

© Mário Araújo Torres

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao seu autor, a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. publicação e comercialização:

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APOLOGIA DIRIGIDA À NAÇÃO PORTUGUESA, PARA PLENA JUSTIFICAÇÃO DO CORPO DOS VOLUNTÁRIOS ACADÉMICOS DO ANO DE 1826 CONTRA AS FALSAS E CALUNIOSAS IMPUTAÇÕES FORJADAS AO MESMO CORPO PELOS INIMIGOS DO SENHOR DOM PEDRO IV E DA CARTA CONSTITUCIONAL por FRANCISCO ANTÓNIO FERNANDES DA SILVA FERRÃO

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ADIÇÃO À APOLOGIA DOS VOLUNTÁRIOS ACADÉMICOS OU PENSAMENTOS SOBRE A CAMPANHA DO BATALHÃO DOS VOLUNTÁRIOS ACADÉMICOS NOS MESES DE DEZEMBRO DE 1826 E JANEIRO DE 1827 por JOSÉ VITORINO FREIRE DA FONSECA CARDOSO

MEMÓRIAS PARA SERVIREM À HISTÓRIA DOS FACTOS DE PATRIOTISMO E VALOR PRATICADOS PELO DISTINTO E BRAVO CORPO ACADÉMICO QUE FEZ PARTE DO EXÉRCITO LIBERTADOR por JOÃO PEDRO SOARES LUNA

Recolha de textos,

introdução e notas por

Mário Araújo Torres


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INTRODUÇÃO

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1. Ao longo dos séculos, os estudantes da Universidade de Coimbra organizaram-se em Batalhões Académicos, quer para a defesa da independência nacional, como foi o caso em 1644-1645, face à ameaça de invasão castelhana, no âmbito da Guerra da Restauração (1641-1668), e em 1808-1811, participando na resistência às três invasões francesas, no quadro da Guerra Peninsular (1807-1814), quer para a defesa da liberdade dos seus concidadãos contra ameaças de retrocesso do regime liberal, como aconteceu de 1826 a 1834, enfrentando o absolutismo miguelista; em 1837, detendo a Revolta dos Marechais; e em 1846-1847, rebelando-se contra o cabralismo (Revolução da Patuleia).

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2. Correspondendo a solicitações de D. João IV, feitas em meados de 1644 e reiteradas em outubro de 1645 ao Reitor da Universidade de Coimbra, D. Manuel de Saldanha, este organizou e pessoalmente comandou um Batalhão de 630 estudantes (do total de 906 alunos matriculados em outubro de 1645), enquadrados por alguns professores, que, em 12 de novembro de 1645, partiram de Coimbra para o Alentejo, chegando a Estremoz a 19 e entrando em Elvas a 26 desse mês, assegurando a defesa desta praça contra as ameaças de ocupação castelhana. Os elementos mais relevantes para o enquadramento histórico da constituição e atividade deste Batalhão foram publicados em O Batalhão Académico de 1645 − Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, por Augusto Mendes Simões de Castro, e documentos anexos (Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres, Lisboa, Edições Ex-Libris, Chancela Sítio do Livro, 2023). Para além da reprodução do estudo de Augusto Mendes Simões de Castro (inicialmente publicado em O Instituto, Coimbra, vol. 16.º, 1875, pp. 91-96, e ampliado na edição da Tipografia Progresso, Elvas, 1901), reorganizaram-se e complementaram-se as recolhas de documentos coevos (designadamente correspondência entre D. João IV e D. Manuel de Saldanha e relatos da jornada por participantes nela), feitas por Simões de Castro e prosseguidas por Manuel Lopes


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de Almeida (Notícias da Aclamação e de outros sucessos, Coimbra, Tipografia Atlântida, 1940) e por Lígia Cruz (Alguns contributos para a história da Restauração em Coimbra − Reinado de D. João IV, Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra, 1982), e reelaboraram-se os elementos relativos à organização e composição do Batalhão Académico. Inseriu-se ainda uma seleção da vasta produção poética que o evento suscitou, quer de natureza narrativa (poema de Simão Torresão Coelho), quer jocosa (poemas de João Sucarelo Claramonte e de Santos de Sousa).

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3. Entre 1808 e 1811, por três vezes se organizaram Batalhões Académicos para resistir às invasões francesas. O primeiro − integrado por 625 estudantes e 77 professores − foi organizado em junho de 1808, por iniciativa do Vice-Reitor Manuel Pais de Aragão Trigoso, que dirigia a Universidade na ausência forçada em França do Reitor Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, e que fora designado Governador da cidade. Este Batalhão, sob o comando do Lente Tristão Álvares da Costa Silveira, assegurou a defesa da cidade e participou na recuperação de Condeixa, Soure, Ega, Pombal, Leiria e Nazaré, após o que acompanhou a marcha vitoriosa sobre Lisboa, sendo dissolvido a 4 de setembro de 1808. Em 4 de janeiro de 1809, o mesmo Vice-Reitor de novo convocou a constituição do Batalhão Académico − desta feita integrado por 524 estudantes e 114 professores −, que, comandado pelo Lente Fernando Saraiva Fragoso de Vasconcelos e integrado no Exército liderado por Nicolas Trant, Governador Militar da cidade, partiu em 31 de março para operar na Linha do Vouga, donde avançou para a restauração do Porto, que consumou em 12 de maio de 1809, passando a assegurar a guarnição dessa cidade, e, depois, em 24 de julho, encetou marcha para a defesa das fronteiras, chegando a Penamacor a 9 de agosto. Cessando o perigo na raia, a 27 iniciaram o regresso a Coimbra e em 3 de setembro foi o Corpo dissolvido. Finalmente, em novembro de 1810, voltou a compor-se o Batalhão, desta vez em Lisboa, sob o comando do Lente José Bonifácio de Andrada e Silva, intervindo em diversas operações na Estremadura, até à sua dissolução em 15 de abril de 1811.


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No volume O Corpo Militar Académico de 1808 a 1811 (Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres, Lisboa, Edições Ex-Libris, Chancela Sítio do Livro, 2023) reproduziram-se as memórias dos participantes nas campanhas Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Fernando José Saraiva Fragoso de Vasconcelos, José Inácio da Rocha Peniz, Alexandre Tomás de Morais Sarmento e José Bonifácio de Andrada e Silva; inseriram-se as listagens da organização e composição dos diferentes Corpos elaboradas por Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins (Coimbra e a Guerra Peninsular, 2 volumes, Coimbra, Tipografia da Atlântida, 1944); e traçaram-se sucintas notas biográficas de alguns dos mais destacados membros dos Batalhões.

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4. Face à Revolta dos Marechais (Marechal Duque de Saldanha e Marechal Duque da Terceira), de julho de 1837, contra o Governo setembrista, pugnando pela restauração da Carta Constitucional de 1826, que a Revolução de Setembro de 1836 substituíra pela Constituição de 1822, Sá da Bandeira, comandante das forças governamentais, por Portaria de 11 de setembro desse ano, determinou que fosse organizado um Batalhão Académico, que, contudo, foi de curta duração, tendo-se praticamente limitado ao serviço de guarnição da cidade, dada a derrota dos revoltosos em Ruivães (18 de setembro) e assinatura da Convenção de Chaves (7 de outubro de 1837) 1.

Sobre a Revolta dos Marechais, ver: Luís da Silva Mousinho de Albuquerque, Breve exposição do esforço tentado em favor da Carta Constitucional em Portugal no ano de 1837 (Pontevedra, 1837), reproduzido em O Conimbricense, n.ºs 3356 a 3364, de 30 de setembro, e de 4, 7, 11, 14, 18, 21, 25 e 28 de outubro de 1879; Breve exposição sobre o cerco de Valença e factos que o precederam desde a vila da Barca, em julho, agosto e setembro de 1837 (Porto, Imprensa de Álvares Ribeiro, 1838), reproduzido em O Conimbricense, n.ºs 3365 a 3367, de 31 de outubro e 4 e 8 de novembro de 1879; A Revolta dos Marechais e o que se passou na Vila de Viana (Viana do Castelo, Notícias de Viana, 1953); e Alberto Pereira de Castro, Valença do Minho na Revolução dos Marechais: o Cerco à Praça Forte em 1837 (Valença, Câmara Municipal, 2006). Ver também diversa documentação sobre o tema publicada em O Conimbricense, 1879, n.ºs 3368-3371, 1


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5. A eclosão, em abril de 1846, da Revolta do Minho (Maria da Fonte), que rapidamente se espalhou pelo País, contra o Governo de Costa Cabral, teve pronto eco em Coimbra, com a instituição de uma Junta Governativa, presidida pelo Lente José Alexandre de Campos, que promoveu a organização de um Batalhão de Voluntários Académicos. Numa primeira fase, que decorreu até setembro desse ano, quando a pacificação do País parecia estar assegurada, graças à atuação conciliadora do Governo de Palmela, que em 20 de maio substituíra o de Costa Cabral, e convocara eleições para as Cortes, com poderes de revisão constitucional, o Batalhão Académico não chegou a entrar em combate, limitando-se a fazer marchas até Redinha e Pombal. Porém, por força do golpe palaciano da Emboscada de 6 de outubro, que afastou Palmela e instituiu um Governo chefiado por Saldanha, mas dominado pelos cabralistas, que desconvocou as eleições, suspendeu a Constituição e suprimiu a liberdade de imprensa, reacendeu-se, com mais intensidade, a revolta popular. Em Coimbra, o Governador Civil, Marquês (depois Duque) de Loulé, determinou, a 11 de outubro, a reorganização do Batalhão Académico. Desta feita, foi mais intensa a atividade do Batalhão, designadamente com integração na Divisão do chefe militar das forças populares, Conde das Antas, que marchou até Santarém. Após o desastre de Torres Vedras (22 de dezembro de 1846), o Batalhão assegurou a retirada ordenada até ao Porto. Parte do Batalhão acompanhou o Visconde de Sá da Bandeira, em fins de março de 1847, na expedição ao Sul, desembarcando em Lagos e marchando até Setúbal. Três dezenas de voluntários académicos participaram na ação do Alto do Viso (1 de maio de 1847), na sequência da qual quatro

3373-3380 e 3382; 1880, n.ºs 3383-3388, 3390 e 3392-3400; 1887, n.ºs 4181, 4184, 4186, 4187 e 4193; 1896, n.º 4997; e 1904, n.º 5916. Entre essa documentação, destacam-se proclamações de Manuel Joaquim Fernandes Tomás, Major Comandante do Batalhão Académico (n.ºs 3397 a 3399). Cf. ainda Manuel Augusto Rodrigues, Chronologia Historiæ Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, Arquivo da Universidade, 1998, p. 145; e Alberto Sousa Lamy, A Academia de Coimbra 1537-1990, Lisboa, Rei dos Livros, 1990, p. 79.


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perdem a vida. Imposto um armistício pelas Potências estrangeiras, os sobreviventes regressaram ao Porto em 15 de junho. Entretanto, no Porto, outra parte do Batalhão Académico embarcou na Divisão Expedicionária comandada pelo Conde das Antas, que, a 31 de maio, foi apresada pela Esquadra inglesa ao sair da barra do Porto e conduzida para Lisboa, sendo os seus elementos encarcerados no Forte de S. Julião da Barra. Finalmente, após a assinatura da Convenção de Gramido (29 de junho), as forças da Junta do Porto foram desarmadas, e acabou por ser dissolvido o Batalhão Académico de 1846-1847. A este Batalhão foi dedicado o volume O Batalhão Académico de 1846-1847 (Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres, Lisboa, Edições Ex-Libris, Chancela Sítio do Livro, 2022), com reprodução da Relação dos Voluntários do Batalhão Académico de 1846-1847, num total de cerca de 200 alistados, com dados biográficos, organizada por António dos Santos Pereira Jardim, com aditamentos de António João Flores, ambos membros do Batalhão, e vária documentação conexa.

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6. No presente volume, último da série dedicada aos Batalhões Académicos, recolhem-se dados sobre as complexas vicissitudes dos corpos militares académicos organizados ao longo dos anos de 1826 até 1834, num período particularmente conturbado da vida nacional, iniciado com a Revolução de 24 de agosto de 1820 no Porto, que alastrou a Lisboa em 15 de setembro seguinte e depois se estendeu a todo o país. A divisão entre liberais e absolutistas fez-se naturalmente sentir em Coimbra e na sua Universidade, sucedendo-se as manifestações de uma e outra fação, de acordo com as vicissitudes políticas. Em 21 e 22 de novembro de 1820, realizou-se um outeiro (sarau poético) na Sala dos Capelos, com destacada intervenção de Almeida Garrett, para celebrar o triunfo da causa liberal Nesse ano de 1820 era D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho 2 que presidia à Universidade, no final do seu segundo Rei-

D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho (Marapicu / Rio de Janeiro, 5/4/1735 – Coimbra, 16/4/1822) foi Reitor da Universidade de 2


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torado, iniciado em 1799, e que terminaria em agosto de 1821, ano em que foi eleito Deputado às Cortes Constituintes, cargo de que pediu escusa por razões de saúde e de idade (86 anos). Foi substituído por D. Frei Francisco de S, Luís (Cardeal Saraiva) 3, liberal convicto, que cessaria funções em junho de 1823, na sequência da Vilafrancada, que interrompeu a vigência da Constituição aprovada em 23 de setembro de 1822, e restaurou os inauferíveis direitos do monarca absoluto. Perante o aparecimento de focos de rebelião ao governo constitucional, em janeiro de 1823, 261 estudantes da Universidade de Coimbra apresentaram às Cortes uma representação pedindo licença para se armarem “contra os inimigos da liberdade da Península”, o que foi indeferido por Portaria de 15 desse mês. Em 27 de junho de 1823 foi nomeado Reitor D. Diogo de Castro do Rio Furtado de Mendonça, que era Principal Diácono da Sé Patriarcal de Lisboa, ficando conhecido por Principal Mendonça. No seu Reitorado sucederam-se as perseguições aos liberais. Esse

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Coimbra de 1770 a 1779 e de 1799 a 1821. No primeiro período foi o principal executor da Reforma Pombalina, tendo sido afastado da Reitoria na sequência da morte de D. José (14/2/1777) e consequente queda em desgraça do Marquês de Pombal. Em 1799, quando o futuro D. João VI assumiu a Regência em nome de sua mãe, D. Maria I, nomeou novamente D. Francisco de Lemos para Reitor da Universidade, cargo em que foi mantido em 1820 pela Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, e que exerceria até 27 de agosto de 1821. 3 Frei Francisco de São Luís Saraiva (Ponte de Lima, 26/1/1766 Marvila, 7/5/1845), nascido Francisco Justiniano Saraiva, doutor em Teologia (1791), membro do Sinédrio e da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino (1820) e da Regência do Reino (1821). Mação, pertenceu à loja Razão, com o nome simbólico de Condorcet. Deputado às Cortes (1822). Desterrado no Mosteiro da Batalha (1823-1825) e em Ponte de Lima (1825-1826). Em 1826 foi novamente eleito Deputado e Presidente da Câmara dos Deputados. Preso em 1828, foi desterrado no Mosteiro da Serra de Ossa até 1834, ano em que foi de novo eleito Deputado e Presidente da Câmara dos Deputados. Ministro do Reino (1834). Par do Reino (1835). Cardeal Patriarca de Lisboa (1840). Autor de numerosos trabalhos literários e científicos.


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Reitorado terminou com a sua morte, em 13 de maio de 1827, iniciando-se um longo período (até 1841, em que foi nomeado Reitor o Conde de Terena) em que a Universidade foi dirigida por Vice-Reitores. Em 16 de julho de 1823, uma Deputação da Universidade, integrando os Lentes mais antigos de cada Faculdade, foi felicitar D. João VI pela recuperação dos seus direitos. Em 9 de outubro, Francisco Soares Franco, Diretor da Faculdade de Medicina, foi o primeiro da longa série de Lentes que foram afastados por perfilharem ideias liberais. Em 5 de dezembro de 1823 é criada a Junta Expurgatória, encarregada de identificar os professores e estudantes de ideias liberais, a fim de serem riscados 4. Em 23, 24 e 25 de fevereiro de 1824 celebraram-se festejos em glorificação da restauração da monarquia absoluta, no decurso dos quais se verificaram distúrbios, de que resultaram ferimentos no Conservador da Universidade, Manuel Homem de Figueiredo; instaurada devassa, viriam a ser expulsos vários estudantes liberais. Estas perseguições foram em parte atenuadas pela amnistia de 5 de junho de 1824, concedida após a ordem de saída do Reino de D. Miguel, determinada por D. João VI em 9 de maio de 1824, na sequência da Bempostada, e pela concessão de vários indultos ao longo de 1825. Com a morte de D. João VI em 10 de março de 1826, a Junta de Regência chefiada pela Infanta D. Isabel Maria, instituída no precedente dia 6, reconheceu como sucessor do Reino a D. Pedro, o qual, por Decreto de 26 de abril, investiu de novo a sua irmã D. Isabel Maria como Regente e em 29 de abril outorgou a Carta Constitucional, que foi jurada pela Infanta a 12 de julho e por D. Miguel, ainda

Cf. Joaquim Martins de Carvalho, Apontamentos para a História Contemporânea (Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres), Lisboa, Edições Ex-Libris (Chancela Sítio do Livro), 2021, pp. 112-118; Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrução pública portuguesa, tomo IV (1801 a 1872), Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, 1902, pp. 356 e seguintes; e Manuel Augusto Rodrigues, “A Universidade de Coimbra no Reitorado de Furtado de Mendonça: a Junta Expurgatória de 1823”, na Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXX, 1981, págs. 405-462. 4


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em Viena de Áustria, a 4 de outubro. Resolveu ainda D. Pedro abdicar do trono de Portugal em sua filha D. Maria da Glória, então com 7 anos de idade, que, chegando â idade nupcial, casaria com o tio D. Miguel, que sucedeu na Regência à Infanta D. Isabel Maria em 22 de fevereiro de 1828. A Regência da Infanta D. Isabel Maria foi um período de indefinição política, com significativa resistência ao ideal liberal plasmado na Carta, tendo surgido focos de rebelião absolutista em vários locais da Beira e de Trás-os-Montes. Em 21 de outubro de 1826, uma Deputação da Academia de Coimbra ofereceu-se à Regente para se armar na defesa da Carta, o que viria a concretizar-se em 19 de dezembro, com a constituição do Batalhão Académico, que atuou na Beira, e viria a dissolver-se, eliminada a ameaça dos rebeldes absolutistas, em fevereiro de 1827. A recusa das Congregações das diversas Faculdades, compostas por Lentes maioritariamente adversos à causa da Liberdade, de abonar as faltas dos estudantes que integraram o Batalhão Académico, suscitou viva polémica, que subiu às Cortes (sessão de 16 de março de 1827). A detalhada descrição destas ocorrências consta dos textos de Silva Ferrão e Fonseca Cardoso publicados nesta edição. D. Miguel regressou a Portugal em 22 de fevereiro de 1828 e em 26 seguinte confirmou, perante as Câmaras, o seu juramento de fidelidade à Carta. Mas logo quebrou o juramento, tendo em 13 de março dissolvido as Câmaras e em 3 de maio convocado as Cortes segundo as regras do Antigo Regime. O regresso de D. Miguel foi celebrado com diversas festividades na Universidade de Coimbra (então dirigida pelo Vice-Reitor António Pinheiro de Oliveira e Silva), ao longo de diversos dias, desde 25 de fevereiro, tendo, em 3 de março, decidido, em Claustro Pleno, enviar uma Deputação a Lisboa, para o saudar 5.

Ver Relação da Festa com que os Estudantes Realistas da Universidade de Coimbra renderam graças ao Todo Poderoso no feliz dia 25 de abril de 1828 pelo suspirado regresso do imortal Restaurador da Monarquia Portuguesa, o Senhor D. Miguel a este Reino, e de alguns acontecimentos 5


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Essa Deputação foi alvo, em 16 de março, de uma emboscada, no lugar do Cartaxinho, perto de Condeixa, por um grupo de 13 estudantes liberais, membros da sociedade secreta dos Divodignos 6, do que resultou a morte dos Lentes Jerónimo Joaquim de Figueiredo e Mateus de Sousa Coutinho. Nove dos estudantes foram de imediato capturados, condenados à morte e enforcados no Cais do Tojo (Lisboa) em 20 de junho de 1828. Um décimo, António Maria das Neves Carneiro, fugiu para Espanha, onde veio a ser preso, trazido para Lisboa e enforcado em 9 de julho de 1828. Em 16 de maio de 1828 irrompeu no Porto a revolução contra o governo de D. Miguel, que rapidamente se estendeu a Coimbra, onde se voltou a formar o Batalhão Académico, desta vez comandado pelos Lentes Manuel Pedro de Melo e Joaquim António de Aguiar. Esse Batalhão interveio no combate da Cruz de Mouroços em 24 de junho de 1828 7, no fim do qual os chefes militares

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que precederam e seguiram a mesma Festa, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1828. 6 Sobre os Divodignos, ver: Frei Cláudio da Conceição, Memória do que aconteceu na Cadeia do Limoeiro de Lisboa com os nove estudantes de Coimbra, que no dia 20 de junho de 1828 padeceram o suplício, em que um deles, Manuel Inocêncio Araújo Mansilha, foi batizado, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1828; Frei Fortunato de S. Boaventura, Contra-memória sobre o chamado batismo do réu Manuel Inocêncio de Araújo Mansilha, executado a 20 de junho de 1828, Lisboa, Impressão Régia, 1828; Joaquim Martins de Carvalho, Apontamentos para a História Contemporânea, citado, pp. 125-160; Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, citado, pp. 398-405; Sousa Costa, O episódio académico dos «Divodignos» em 1828, Coimbra, Coimbra Editora, 1945; Mário Tavares, Ama a Liberdade! − Francisco Sedano, o último dos Divodignos − Aporte para uma biografia de Francisco Sedano Bento de Melo (1810‑1843), Caldas da Rainha, 2015; e Luís Reis Torgal, O Caso dos «Divodignos» e as lutas entre liberais e absolutistas: história, memória e ideologia, Condeixa, Câmara Municipal de Condeixa, 2016. O episódio foi evocado nas novelas de Camilo Castelo Branco, O Retrato de Ricardina e A Viúva do Enforcado, e no romance Mário, de Silva Gaio. 7 Ver Belisário Pimenta, “O Combate de 24 de Junho de 1828 na Cruz dos Morouços”, na Revista Militar, 1913, pp. 679-692, 759-775, 837-845


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decidiram recuar para Coimbra e depois para o Porto, onde se consumou a sua derrota, com a fuga dos generais liberais no navio Belfast, abandonando as tropas, que iniciaram a via-sacra do exílio para a Galiza, donde se espalharam por França, Bélgica e Inglaterra 8. Nos anos de 1828 e 1829 recrudesceu a repressão dos liberais, que culminou com o suplício dos Mártires da Liberdade, em 7 de maio de 1829, na Praça Nova (Porto), e a expulsão de numerosos professores e estudantes liberais da Universidade de Coimbra, incluindo todos os alistados no Batalhão Académico. Foram 457 os estudantes riscados por ordens de 29 de abril e 23 de julho de 1828 e de 28 de março de 1829 9. A partir de 1829, os exilados liberais começaram a concentrar-se na Ilha Terceira 10, única parcela do território português que se mantivera fiel à causa liberal. É aí que, sob o comando de João Pedro Soares Luna, iniciado em outubro de 1830, se reorganiza o Batalhão Académico, que, após a recuperação da Ilha de S. Miguel (agosto de 1831), conhece apreciável incremento com a chegada, a 3 de março de 1832, da expedição de exilados provenientes de Belle-Isle, pessoalmente comandados por D. Pedro, os quais, apesar de muitos formados há vários anos, optaram por alistar-se no Batalhão Académico, como Garrett, Joaquim António de Aguiar, Silva Ferrão, José Silvestre Ribeiro, Júlio Gomes da Silva Sanches, Luz Soriano, e o mais idoso, o magistrado Joaquim José de Queirós, nascido em 1774, formado em Leis em 1804, avô de Eça de Queirós.

e 922-931; 1917, pp. 766-772 e 844-846; e 1918, pp. 45-48, 160-169, 232‑235 e 296-305. 8 Cf. Joaquim José da Silva Maia, Memórias históricas, políticas e filosóficas da Revolução do Porto em maio de 1828 e dos emigrados portugueses pela Espanha, Inglaterra, França e Bélgica (Rio de Janeiro, 1841); e Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal (17 volumes, Lisboa, 1866-1890). 9 A lista dos 457 estudantes riscados da Universidade consta de O Conimbricense, n.ºs 2554 e 2555, de 16 e 20 de janeiro de 1872. 10 Ver O Marechal Duque de Saldanha e a metralha inglesa nas águas da Ilha Terceira − Recordação histórica, Lisboa, Tipografia Rua do Arco, 1867.


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O Batalhão Académico participou depois em todas as jornadas relevantes da luta liberal, desembarcando no Mindelo, suportando o cerco do Porto 11, participando na expedição ao Sul 12, entrando em Lisboa 13, atacando pelo Norte 14, libertando Coimbra 15, vencendo em Asseiceira 16, até à Concessão de Évora-Monte.

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7. Nesta edição, reproduzem-se, relativamente ao Batalhão de 1826-1827, duas memórias de dois dos seus membros, que então foram publicados anónimas: a Apologia dirigida à Nação Portuguesa, para plena justificação do Corpo dos Voluntários Académicos do ano de 1826, contra as falsas e caluniosas imputações forjadas ao mesmo Corpo pelos inimigos do Senhor Dom Pedro IV e da Carta Constitucional (Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827) e a Adição à Apologia dos Voluntários Académicos ou Pensamentos sobre a Campanha do Batalhão dos Voluntários Académicos nos meses de dezembro de 1826 a janeiro de 1827, por um Soldado (Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827). Autor da primeira foi Francisco António Fernandes da Silva Ferrão

Ver Simão José da Luz Soriano, História do Cerco do Porto (2 tomos, Lisboa, 1846-1849). 12 Ver Breve Notícia da Expedição do Marechal do Exército Duque da Terceira sobre o Reino do Algarve em 1833, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851. 13 Ver Parte Oficial das Operações da Divisão Expedicionária do Comando do Invicto Marechal Duque da Terceira desde o seu desembarque em Cacela, no Algarve, até à entrada em Lisboa no memorável dia 24 de Julho de 1833, Lisboa, Tipografia de Cristóvão Augusto Rodrigues, 1878. 14 Ver Operações do Exército do Norte comandado pelo Marechal Duque da Terceira, Lisboa, Imprensa Nacional, 1834. 15 Ver Plácido José Teixeira, Ao aniversário da entrada do Exército Libertador em Coimbra no dia 8 de Maio de 1834, Coimbra, 1856. 16 Ver F. Sá Chaves, A Batalha da Asseiceira (26 de Maio de 1834): memória histórico-descritiva, Lisboa, Tipografia Belenense, 1907. 11


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, Furriel da 6.ª Companhia desse Batalhão, ao tempo Opositor da Faculdade de Cânones, e da segunda José Vitorino Freire da Fonseca Cardoso 18, Sargento da 4.ª Companhia do mesmo Batalhão e à época aluno do 5.º ano de Leis. Para a campanha do Batalhão Académico de 1830 a 1834, reproduziram-se as Memórias para servirem à história dos factos de patriotismo e valor praticados pelo distinto e bravo Corpo Académico que fez parte do Exército Libertador do seu comandante João Pedro Soares Luna.

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8. Francisco António Fernandes da Silva Ferrão nasceu em Coimbra, a 3 de julho de 1798, sendo filho de António Fernandes da Silva e de Antónia Maria, e morreu em Lisboa, a 5 de março de 1874 19. Matriculado no 1.º ano jurídico em 4 de outubro de 1814, realizou ato de formatura em Cânones a 24 de maio de 1819. Dispensado Neste sentido: Inocêncio Francisco da Silva, Dicionário Bibliográfico Português, Tomo IX, Lisboa, Imprensa Nacional, 1870, p. 254, e Francisco Augusto Martins de Carvalho, Dicionário Bibliográfico Militar Português, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, pp. 105/106, e O Conimbricense, 51.º ano, n.º 5236, de 11/11/1898. 18 Neste sentido: Francisco Augusto Martins de Carvalho, Dicionário citado, p. 16. 19 Ver: António Lopo Correia de Castro, Apontamentos biográficos do Excelentíssimo Senhor Francisco António Fernandes da Silva Ferrão, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1854; Inocêncio Francisco da Silva, Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Nacional, Tomo II, 1859, pp. 338-339, e Tomo IX, 1870, pp. 254-255; Joaquim Martins de Carvalho, “Francisco António Fernandes da Silva Ferrão”, O Conimbricense, n.º 2777, de 7/3/1874, e “Ainda o Sr. Conselheiro Ferrão”, O Conimbricense, n.º 2779, de 14/3/1874; Luís Bigotte Chorão e Luís Dória, “Francisco António Fernandes da Silva Ferrão”, em Maria Filomena Mónica (coordenação), Dicionário Biográfico Parlamentar, vol. II, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa / Assembleia da República, 2005, pp. 115-119; e António Henriques Gaspar, “Francisco da Silva Ferrão; juiz do STJ construtor da modernidade do direito penal português”, em A Revista, Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, n.º 1, janeiro a junho de 2022, pp. 135-153.

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do ato de repetição por graça concedida por Carta Régia de 3 de maio de 1819, licenciou-se a 1 de abril de 1820 e recebeu as insígnias doutorais a 4 de junho desse ano, tendo sido designado como Opositor na Faculdade de Cânones. De convicções liberais, aderiu ao movimento regenerador de 1820. Pertenceu à Sociedade Patriótica Portuense. Foi iniciado mação em Coimbra, pertencendo à mesma loja de que fazia parte Joaquim António de Aguiar. Posteriormente foi membro do Supremo Conselho do Grau (1840-1867) e exerceu funções de Grande-Conservador-Geral do Grande Oriente de Portugal (1851-1854). Interrompido o regime liberal em 1823, foi alvo de investigações pela Junta Expurgatória da Universidade de Coimbra, criada em 5 de dezembro desse ano, para propor a exclusão dos professores, empregados e alunos que tivessem praticado factos denunciadores de falta de religião, de adesão ao proscrito regime constitucional ou insuficiência literária. Na sessão de 10 de maio de 1824, foi deliberado que Silva Ferrão ficasse “esperado para diferentes indagações sobre vários factos e notícias que chegaram à Junta”, e na sessão de 14 de maio foi decidida, por maioria de votos, a sua absolvição 20. Em 1826, sendo Opositor da Faculdade de Cânones, alistou-se, com o posto de Furriel da 6.ª Companhia, no Batalhão de Voluntários Académicos, constituído em 16 de dezembro desse ano. No seguimento da revolta desencadeada no Porto em maio de 1828 contra o governo de D. Miguel, foi nomeado, pela Junta do Porto, Vice-Conservador da Universidade, tendo, após o insucesso dessa revolta, sido riscado da Universidade 21, e seguido o caminho do exílio. Após a vitória liberal em 1834, Silva Ferrão desenvolveu importantes atividades na magistratura, na administração financeira e na política, a par da autoria de diversas obras e colaboração em publicações periódicas.

Ver pp. 433 e 435 de “A Universidade de Coimbra no Reitorado de Furtado de Mendonça: a Junta Expurgatória de 1823”, citado na nota 4. 21 O Conimbricense, n.º 2554, de 16 de janeiro de 1872. 20


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Fundador da Sociedade Jurídica de Lisboa (1835), foi redator dos seus Anais (25 números, 1835-1837), primeira revista jurídica portuguesa. Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa em 1835, Procurador-geral da Fazenda (1836 a 1847) e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça em 10 de março de 1847. Ainda em 1835 foi nomeado pelo Governo membro da comissão encarregada da reforma judicial. Membro honorário do Tribunal do Tesouro Público (31 de março de 1847). Vogal da direção do Fundo Especial de Amortizações (1847). Nomeado vogal e depois presidente da Comissão incumbida de examinar as transações efetuadas entre o Tesouro Público e a Casa de Bragança. Ministro da Justiça (1847) e dos Negócios da Fazenda (1851) em Governos do Duque de Saldanha, tendo-se demitido do último cargo em 21 de agosto de 1851, para se poder defender das acusações de irregularidades que lhe foram dirigidas pelo jornal cabralista Estandarte. Ministro de Estado ordinário. Eleito Deputado por várias vezes. Par do Reino. Sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa (1862). Grã-cruz da Ordem de S. Tiago da Espada (3 de maio de 1851), Comendador da Ordem de Cristo. Publicou: Repertório comentado sobre forais e doações régias (2 tomos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1848). [cópia digital na Biblioteca Digital da FDUNL] O Cadastro e a propriedade predial ou sobre a questão: se a organização do Cadastro pode ter lugar em forma que não só fique sendo o tombo da propriedade predial, mas fique servindo de seu título, para demonstração e prova do domínio e posse, e forneça base segura a um bom regime hipotecário (Lisboa, Imprensa Nacional, 1849). Observações analíticas sobre as principais disposições da reforma da Administração da Fazenda Pública, estabelecida pelo Decreto de 10 de novembro de 1849 (Lisboa, Tipografia do Panorama, 1849).


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O uso e o abuso da Imprensa, ou considerações sobre a proposta de lei regulamentar do § 3.º do artigo 145.º da Carta Constitucional (Lisboa, Tipografia do Panorama, 1850). Análise crítica e jurídica, demonstrativa da improcedência dos argumentos com que na Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa foi sustentada a proposta de lei regulamentar do § 3.º do artigo 145.º da Carta Constitucional da Monarquia (Lisboa, Tipografia do Panorama, 1850). Breves reflexões sobre o projeto de lei apresentado na Câmara dos Dignos Pares do Reino pela sua Comissão especial, com o parecer n.º 213, datado de 24 de maio do corrente ano (Lisboa, Tipografia da Revista Universal Lisbonense, 1850). O discurso do Ex.mo Sr. Presidente do Conselho de Ministros, proferido sobre a questão da Imprensa, na Câmara dos Dignos Pares, em sessão de 11 de junho, refutado na parte que respeita à análise crítica e jurídica (Lisboa, Tipografia da Revista Universal Lisbonense, 1850). A questão acerca do Fundo Especial de Amortização (Lisboa, Tipografia do Panorama, 1850). Observações acerca dos arrendamentos de longo prazo, feitos pela Vedoria da Casa Real aos Srs. Duque de Saldanha e Conde de Tomar (Lisboa, Tipografia da Revista Universal Lisbonense, 1851). A justificação do Conselheiro F. A. F. da Silva Ferrão (Lisboa, Tipografia da Rua dos Calafates, 1851). Tratado sobre direitos e encargos da Sereníssima Casa de Bragança (Lisboa, Imprensa de J. J. Andrade e Silva, 1852). [cópia digital em Hathitrust] / 2.ª edição: Coimbra, Imprensa Académica, 1898. Código Penal para os Estados da Prússia, acompanhado de um discurso histórico e crítico (Lisboa, Imprensa Nacional, 1855). Projeto de lei para um empréstimo nacional para os caminhos de ferro, estradas, pontes, docas e outras obras públicas do Reino e Ilhas Adjacentes (Lisboa, Imprensa Nacional, 1857). Teoria do Direito Penal, aplicada ao Código Penal português, comparado com o Código do Brasil (3 volumes, Lisboa, Tipografia Universal, 1856).


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Teoria do Direito Penal, aplicada ao Código Penal português, comparado com o Código do Brasil, leis pátrias, Códigos e leis criminais dos povos antigos e modernos (8 tomos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1857) 22 [cópia digital na Biblioteca Nacional Digital]. Projeto de Código regulamentar apresentado na Câmara dos Dignos Pares do Reino em sessão de 12 de julho (Lisboa, Imprensa Nacional, 1858). Code réglementaire du Crédit Foncier présenté à la Chambre des Pairs de Portugal dans la séance du 12 juillet 1858 par F. A. F. da Silva Ferrão, traduit par M. C. G., avec une introduction et des notes de M. Martou (Bruxelas, Typ. J. Nys, 1858). Relatório dirigido ao Ministério dos Negócios da Justiça, em 7 de maio de 1859, voltando da sua viagem a França e à Bélgica (Lisboa, Imprensa Nacional, 1859). Refutação da querela dada perante a Câmara dos Dignos Pares do Reino pelo Procurador-Geral da Coroa contra o Digno Par Francisco António Fernandes da Silva Ferrão, feita por ele mesmo (Lisboa, Tipografia Universal, 1860). Memória sobre o projeto de Código regulamentar de Crédito Predial (Lisboa, Imprensa Nacional, 1860). Code reglementaire du crédit foncier en Portugal (Paris, Auguste Durand, 1860). Segundo Guilherme Braga da Cruz (“O movimento abolicionista e a abolição da pena de morte em Portugal (Resenha histórica)”, em Pena de Morte − Colóquio Internacional Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena de Morte em Portugal − II: Comunicações, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1967, p. 505: “É nessa obra, em comentário ao artigo 29.º do Código - onde a pena de morte figura à cabeça da lista hierárquica das penas aplicáveis -, que Silva Ferrão disserta largamente sobre o tema da pena capital, tomando contra ela posição intransigente e implacável. As 37 páginas que consagra ao tema constituem, sem favor, a dissertação mais completa e mais séria que até então se publicara em Portugal a respeito da pena última, onde todos os argumentos de ordem filosófica e criminalística acerca da pena de morte são passados em revista, para se concluir firmemente que tal pena não se justifica nem é já necessária”. 22


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Projeto de Código regulamentar de Crédito Predial português apresentado à Câmara dos Dignos Pares do Reino em 1861 e renovada a iniciativa em 1860 e 1861 [versão francesa, seguida de Memória encomiástica, crítica e jurídica, pelo Dr. Sagot-Lesage, extraída da Revista de Legislação Nacional e Estrangeira, julho de 1860, e acompanhada de algumas anotações pelo autor do projeto] (Lisboa, Imprensa Nacional, 1861) [cópia digital em Google Books] Parecer do Excelentíssimo Conselheiro Francisco António Fernandes da Silva Ferrão, Par do Reino antigo membro do Supremo Tribunal de Justiça e advogado em Lisboa, sobre o pleito intentado por D. Luís de Noronha contra a Excelentíssima Condessa de Penafiel (Lisboa, Imprensa Nacional, 1864). Parecer sobre o merecimento da causa de falência requerida e promovida pelo Banco de Portugal contra o comerciante da praça de Lisboa, Sr. Tomás Maria Bessone, dado em presença do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 7 de março do corrente ano (Lisboa, Tipografia do Futuro, 1865). Embargos e sua sustentação na causa de revista em que é recorrida D. Emília Correia Leite de Almada (Lisboa, Tipografia Universal, 1865). Dicionário elementar remissivo do Código Civil português, com anotações e indicações jurídicas (2 volumes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1869). Relatório dirigido ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda a que se refere a Portaria do mesmo Ministério de 30 de março de 1859 (Lisboa, Imprensa Nacional, 1869).

9. São escassas as menções biográficas sobre José Vitorino Freire da Fonseca Cardoso (que por vezes é referido como José Vitorino Freire Cardoso da Fonseca). Dos dados constantes da página Archeevo do Arquivo da Universidade de Coimbra e dos volumes anuais da Relação dos Estudantes Matriculados na Universidade de Coimbra resulta que era natural de Moimenta da Beira, filho de João da Fonseca Cardoso, e que teve o seguinte percurso académico: 1819/1820: matriculado em 9/11/1819 no 1.º ano jurídico, sendo morador na Rua dos Militares,


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n.º 42; 1820/1821: frequência do 2.º ano jurídico, sendo morador na Rua Larga, n.º 77; 1821/1822: frequência do 3.º ano de Leis, sendo aprovado nemine discrepante em 20/7/1822, e morador na Couraça dos Apóstolos, n.º 42; 1822/1823: frequência do 4.º ano de Leis, sendo aprovado nemine discrepante e atribuído o grau de bacharel em 14/7/1823, residindo no Colégio da Trindade; não consta das Relações de 1823/1824, 1824/1825 e 1825/1826, por ter sido riscado da Universidade; finalmente, em 1826/1827, residindo na Rua de Quebra-Costas, n.º 19, frequenta o 5.º ano de Leis e conclui a formatura nemine discrepante em 13/7/1827. Foi Sargento da 5.ª Companhia do Batalhão de Voluntários Académicos de 1826/1827. Não consta das listagens dos participantes nos Batalhões de 1828 a 1834. Distinguiu-se como poeta, tendo duas poesias suas − As Flores de Dóris 23 e O Lírio 24 − sido publicadas por António Feliciano de

Do seguinte teor: “AS FLORES DE DÓRIS: Mimo da natureza / Quanto vos amo, ó flores! / Num prisma de mil cores, / Vosso jardim tornais. // Se vos contempla e rega / Dóris, a vossa Flora, / Como ela ao ver-me cora, / O brilho redobrais // Porém, se por vós passa, / Sem dar-vos frescas águas, / Cheias de pena e mágoas / O espírito perdeis. // E se vos colhe, ó flores, / Para adornar seu peito / Naquele doce leito / A morte bendizeis. // Ah! Quando mais absorta / Olhar vossa beleza, / Filhas da natureza, / Lembrai-lhe o meu amor. // Que as feiticeiras graças, / Que o juvenil encanto, / Apenas duram tanto / Ou menos que uma flor. − José Vitorino Freire Cardoso Fonseca.” 24 Do seguinte teor: “O LÍRIO: Ó lírio, quanto me agradas! / Ó simples modesta flor! / Emblema da mocidade, / Coroa do amável pudor! / És digno de embelezar-te / No peito do meu amor. // Quando favónios e sombra / Vêm as plantas reanimar, / O teu cálice perfumado / Deixa-se logo enrolar: / À noite sonhas teus mimos, / Contigo os quero gozar. // Enquanto não volve a aurora, / Não ousas teu seio abrir, / Contrais orvalho e substâncias, / Que doces te vêm nutrir: / Pouco e pouco vem raiando / Casta flor o teu sorrir. // Mas eis se tinge o oriente / De áureos e rubros festões; / Saúdam a nova aurora / Os teus mimosos botões, / Que derramam com a frescura / Suaves emanações. // Como tu, banhado em pranto / Na erma noite, velei: / Ai de mim, com as duras trevas / Meus tormentos não findei; / Tu acordas para a vida, / Eu para a dor acordei. − J. V. F. C. da Fonseca.”

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Castilho (1800-1875) na Revista Universal Lisbonense, de que era diretor, precedidas da seguinte Advertência 25:

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“O autor dos dois trechos seguintes tinha nascido para a poesia: cultivou-a com amor e fortuna em sua mocidade, e foi um dos felizes das Festas da Primavera e de Maio, como sabem os que leram esse nosso livrinho da história delas 26. A política e os enfados da vida real o roubaram às musas: tristes mudanças do tempo!, de tantos que a elas nos ajuramentámos, lá à beira do Mondego, na Lapa dos Esteios, só o redator desta folha o mínimo, um único, lhe permaneceu fiel até este dia! Os versos, que se vão ler, são pois de um passado − bem passado já e bem remoto − e foram dos últimos que a tão esperançosa lira se escutaram. Seu autor já os não lerá: uma enfermidade cruel o tem irrevogavelmente privado do espírito, de um dos mais graciosos espíritos que Deus havia feito para delícias da sociedade. Os que o chegaram a conhecer deixarão cair algumas lágrimas sobre estas suas flores.” Ignora-se a data e local do seu falecimento.

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10. João Pedro Soares Luna nasceu em Elvas em 1792 e faleceu em Lisboa a 19 de agosto de 1848. No apontamento autobiográfico que precede a sua publicação Documentos segundo a ordem cronológica em que se acham datados e que atestam os serviços militares praticados por João Pedro Soares Luna, Coronel do 1.º Regimento de Artilharia (Lisboa, Tipografia Lisbonense, 1838), refere:

Revista Universal Lisbonense, n.º 43, 15/5/1845, págs. 516 e 517. António Feliciano de Castilho, A Primavera: coleção de poemetos, Lisboa, Tip. de M. P. de Lacerda, 1822. 25 26


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“Dedicado desde a minha menor idade à honrosa carreira das armas e a bem servir a minha Pátria, comecei aquela emigrando (no dia 6 de julho de 1808) para o Reino de Espanha, donde vim, com as armas na mão, à restauração do Reino, então agrilhoado pelo intruso Governo francês. Servi durante toda a Guerra Peninsular, assistindo a quatro ataques de Praças fortificadas e ao assalto da de Badajoz, para o que me ofereci. Tenho a glória de haver obtido o primeiro posto de Oficial no campo da honra e, como tal, a de ser compreendido na Lista dos Oficiais distintos em combate. Terminada a Guerra Peninsular, pedi licença para frequentar os estudos próprios da minha Arma e, concluídos estes, destaquei para o Rio de Janeiro, comandando uma Bateria de Artilharia Ligeira. Em consequência da separação do Brasil da Mãe-Pátria e eu não aceitar os convites que se me fizeram para ficar ao serviço brasileiro, regressei para Portugal e tornei imediatamente a embarcar para o Brasil, com destino à cidade da Baía, aonde servi defendendo os direitos de Portugal, como o podem atestar os Generais Visconde de Bobeda, Barão de Vilar Torpim, Brigadeiro Moura Furtado, Coronel José Feliciano da Silva Costa, e mais oficiais que ali nos achávamos. Por segunda vez regressei ao Reino; passei depois a ir servir nas Ilhas dos Açores, de onde emigrei no dia 2 de setembro de 1828, indo para Inglaterra. Tendo tido a ventura de ser um daqueles que fazia parte do número de emigrados portugueses, à testa dos quais se achava o Conde de Saldanha, e que, havendo largado das praias de Plymouth com destino à heroica Ilha Terceira, partilho com tão nobres companheiros o atentado contra nós cometido, nas águas da dita Ilha e já próximos à Vila da Praia da mesma, pelos nossos ‒ antiquíssimos aliados ingleses !!! ‒ metralhando-nos com tiros de canhão, do que resultou matarem-nos um Soldado do Regimento de Infantaria N.º 18, e ferirem dois outros emigrados, achando-nos desarmados e a bordo de navios mercantes igualmente desarmados, façanha que pertence ao Comandante Walpole, o qual, depois do arriscado combate em que só ele e os seus fizeram uso das armas, expondo o peito contra os seus inermes e imaginários adversários, ufano nos fez emproar para a Europa, facto que se passou no dia


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16 de janeiro de 1829, do qual são testemunhas todos aqueles que assim fomos tratados, os que nos esperavam e de terra presenciaram o mais atroz dos atentados, e os mossos aguerridos vencedores, pois não é de presumir que neguem a glória que adquiriram naquele feito de armas, porque é necessário declarar que ‒ foram tropas inglesas que, de bordo dos navios de guerra ingleses, fizeram de nós boa presa e como tal nos escoltaram até que, entrados no Canal de Inglaterra, o nosso generoso vencedor Walpole houve por bem deixar-nos seguir viagem para onde quiséssemos, não deixando (quando nos abandonou) de passar junto às nossas frágeis embarcações, levando a artilharia do seu navio corrida fora das portinholas!!! Tive, pois, a ventura de ir desembarcar nas hospitaleiras praias da filantrópica França, e só em agosto de 1830 é que pude realizar os ardentes desejos que me animavam, reunindo-me aos meus irmãos de armas na heroica Ilha Terceira, da qual, como deixo dito, tinha sido afastado ‒ a tiros de canhão inglês!!! ‒ Ao que ali pratiquei, e de então para cá, devo o estar hoje elevado ao posto de Coronel; condecorado com diferentes Ordens; agraciado com uma medalha popular que me foi oferecida pelos nobres habitantes da importante cidade de Faro; e pela mesma eleito Deputado da Nação (em 1834); e hoje novamente eleito Deputado às Cortes Gerais e Constituintes da Nação pelas cidades de Lisboa e Beja, e Deputado substituto às mesmas pela cidade da Horta, Ilha do Faial. Qual o meu procedimento na minha longa carreira militar e crises por que tenho passado é o que ofereço ao exame e consideração dos meus amigos, apresentando-lhes os Documentos adiante transcritos, os quais não fiz imprimir por fatuidade, mas sim para mostrar que o posto e condecorações de que gozo são o resultado dos meus serviços praticados no campo da honra; declaro mais que assentei dar publicidade aos ditos Documentos para responder ao autor do artigo transcrito no Nacional, N.º 627, de 15 de setembro do ano passado, artigo que o seu autor parece ter mandado inserir para ofuscar meus serviços, e isto quando eu então tinha a maior das honras militares, a de estar governando a invicta cidade do Porto, em tal época, por um tal motivo, e tendo-me sido confiado aquele honroso governo pelo bravo dos bravos portugueses, o valente Visconde de


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Sá da Bandeira; começando o dito artigo por declarar que as bases para a promoção estão na Ordem do Dia, que a anunciou, e foram restrita antiguidade, etc., etc. ‒ o patriota autor do artigo ‒ passa depois a mencionar os distintos serviços dos Srs. Conde da Bemposta e Coronel Pádua, declarando que aquele digno oficial arriscou muitas e muitas vezes a sua vida no cerco do Porto, aonde recebeu honrosas feridas; que o Coronel Pádua esteve sempre no sítio do Porto, etc., etc., parece pois que o autor quer negar a minha estada (naquela época) na Cidade Eterna; digo quer porque o autor sabe perfeitamente que eu ali estive igualmente; sabe que então tinha a honra de ser Comandante do bravo e distinto Corpo Académico, à testa do qual desembarquei nas praias do Mindelo; sabe os serviços por mim praticados no dia 23 de julho de 1832, os que executei em 30 de agosto do dito ano na Vila do Conde; os que continuei a praticar durante o cerco, até que tive a honra de fazer parte da Expedição Libertadora que desembarcou no Algarve; em suma, sabe que não sou oficial especulador e que, apreciando os bons serviços do Conde da Bemposta e do Coronel Pádua, não hesito em apresentar ao público os Documentos seguintes, à vista dos quais se conhecerá se os serviços começados no Porto, comparados com os de 30 anos, em que constantemente tenho sido útil à minha Pátria, merecem dizer-se, como o autor do mencionado artigo continua a dizer: o Sr. Luna quanto bons serviços tenha prestado; concluindo a final que tenho ainda mais doze ou quatorze Coronéis mais antigos, o que eu não ignoro; mas para que os nossos serviços sejam conhecidos e para que o Decreto de 28 de abril de 1791 e Alvará de 27 de fevereiro de 1801 não sejam desprezados, quando a justiça mandar que se tenham em vista, espero que os oficiais que se me preferem apresentem uma exposição dos seus serviços, único meio de se conhecer quem constantemente tem, ou não, bem servido a sua Pátria.”

Teve participação política, sendo eleito deputado pela oposição (1834-1836), aderido à revolução de Setembro (1836) e devido à sua perseverança à frente do seu Regimento é que se salvou a revolta do contragolpe da «Belenzada». Em Novembro de 1836 foi eleito constituinte (1837-1838) e quando da Revolta dos Marechais, fiel a Sá


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da Bandeira, foi Governador Militar do Porto. Fez sempre oposição aos governos que prepararam a restauração da Carta Constitucional o que lhe valeu a perseguição política com repercussões graves na sua carreira. Publicou: Descrição da formosa caldeira da ilha do Faial (Lisboa, Tip. de Eugénio Augusto, 1837); Memórias para servirem à história dos factos de patriotismo e valor praticados pelo distinto e bravo Corpo Académico, que fez parte do Exército Libertador (Lisboa, Tip. Lisbonense, 1838); As reformas forçadas, ou o escandaloso abuso com que se invocou a legislação vigente no decreto de 16 de junho de 1841, referendado pelo então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, o barão da Ponte da Barca (Lisboa, 1848); Documentos segundo a ordem cronológica em que se acham datados, e que atestam os serviços militares praticados por João Pedro Soares Luna (Lisboa, 1838). Almeida Garrett dedicou-lhe o seu romance O Arco de Sant’Ana − Crónica Portuense − Manuscrito achado no Convento dos Grilos do Porto por um soldado do Corpo Académico, escrito quando aquartelado, como membro do Batalhão Académico, sob o comando de Soares Luna, no Convento dos Grilos no Porto:

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“Ao Il.mo Sr. Coronel J. P. S. Luna, Comandante do Corpo Académico durante o cerco do Porto, etc., etc., etc. Meu Comandante! Faça V. S. ideia que, do fundo desta província de onde lhe escrevo, me perfilo devidamente e faço a continência militar, de que ainda me não esqueci, apesar de que as Ordens do Dia de hoje mandam esquecer todo o serviço daquele nosso tempo. Deixá-los! Eu cá não sou ingrato; e viva o meu Comandante, que sempre nos tratou tão bem e foi, e é, e há de ser, um honrado soldado da Liberdade. Ânimo, meu Comandante! As preterições a quem desonram é a quem as faz por injustiça e parcialidade. Diz que, em certa promoção de Roma, sendo Ministro da Guerra ou não sei que autoridade grande um tal Calígula, saiu Cônsul um cavalo do dito Ministro. Cônsul, quer-me parecer que não seria mais, nem teria mais estrelas


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MÁRIO ARAÚJO TORRES

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nas dragonas, do que Brigadeiro, ou Marechal-de-campo, quando muito. Mas, fosse como fosse, quem é que foi o preterido deveras naquele acinte sem vergonha? Está claro que o autor da promoção. Pois eu, meu Comandante, a esses Cônsules que aí andam aos coices por esta nossa terra de Portugal, que V. S. e os outros bravos libertaram, para viver escravos nela, e senhores os tais meliantes que nada fizeram senão forragear quanto puderam enquanto os mais se batiam ‒ a esses não quero eu, nem quis nunca, por maiores que eles sejam, ou em tais se tenham, oferecer coisa minha ... e o mais, outro galo me cantara se o fizera. Por isso, dedico esta obra ao meu Comandante, e a minha pena é que ela não seja tal que eternize o seu nome e fique recordando a sua despremiada honra e modesta lealdade a todas as gerações que hão de vir, para perpétuo labéu destes espertalhões que nos comeram a isca, etc. ... Eu já não sou tropa viva ‒ nem morta, sequer; tenho aqui umas couves galegas que vou depenando para o caldo de todos os dias, com que Deus ainda acode à gente. Na décima mo levando ,,,, a décima, e o quinto, e o subsídio literário (oh, meu Comandante, subsídio literário para esta gente que aborrece e persegue as letras!), e a Câmara Municipal, e o Administrador do Concelho, e os enjeitados, e a côngrua do pároco, e o cruzado para as estradas ..., paciência, morrerei aqui a um canto, mas não lhe hei de pedir nada a eles; hei de seguir o nobre exemplo do meu Comandante. Digo eu que já não sou tropa nem nada. E não sou; vivo aqui nesta aldeia do nosso Minho que V. S. sabe, e é milagre quando por cá aparece um periódico. Mas ouço dizer ao barbeiro da terra, homem curioso de novidades e que as rapa e escanhoa muito melhor ‒ novidades e barbas ‒ do que o barbeiro dos Pobres do Porto, ouço-lhe contar que essa paisanada que tudo lo manda lá por Lisboa, diz que é que salvou a Carta, e que eles é que são os defensores da Carta, e que a Carta para aqui e a Carta para ali ... Ainda bem que eu lá não estou para tal ouvir, meu Comandante, que me deitava a perder decerto ... Leva rumor, e à primeira forma! Assim, que aqui está o livro, meu Comandante. Escrevi-o estando às ordens de V. S., que tantas


INTRODUÇÃO

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vezes me dispensou do serviço da peça e do fuzil para me deixar rabiscar com a pena. Dizia V. S. que não era menos útil o serviço que eu fazia... Creio que se enganou por bondade sua. Os que nem deste nem de outros serviços nunca fizeram, ou o fizeram como os seus narizes, ou se pagaram logo dele por suas mãos, aí andam fartos e honrados ... e eu com as minhas berças. Pois o livro, não o oferecia a nenhum Conde, nem Duque, nem Secretário de Estado ... Eu sim! Muito mais alto que isso me quiseram fazer pendurar uma dedicatória ... E eu, nada; meia volta à direita, e marcha para o caldo de unto da santa independência. Ofereço-lhe, meu Comandante, porque sou De V. S. Camarada e amigo, Um fraco mas Fiel soldado da Pátria. O N.º 72.”

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11. Complementam a presente edição as composições dos Batalhões Académicos de 1826-1827, de 1828 e de 1830-1834, e notas biográficas dos seus mais notáveis alistados. Mário Araújo Torres


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[INSERIR IMAGEM DA CAPA DA APOLOGIA DIRIGIDA À NAÇÃO PORTUGUESA]


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