Cabo Norte

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MARIA DO PILAR FIGUEIREDO nasceu em Cambeses, Barcelos e vive no Porto. É licenciada em Filologia Românica. Foi-lhe atribuído o Prémio Nacional Revelação em 1971, com o livro de contos “O Vento e as Raízes”, onde é abordada a temática da emigração na época. Sendo o primeiro de vários outros que posteriormente foram publicados.

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Mas quinze minutos, quando vividos nesta excitação, neste bulício, correm ligeiros e portanto, não tardou que esse mesmo estore subisse completamente, por entre aclamações de júbilo, ritual cumprido diariamente, fazendo com que todos os olhares se fixem na vidraça que separa a sala da varanda do Rei. É como se se ouvisse o brado histórico: “O rei morreu. Viva o Rei!

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Quinze minutos se cumpriram. Quinze minutos de ansiedade, desde que, no cumprimento de uma espécie de ritual, o estore desceu sobre o espectáculo real ou, dito de outro modo, caiu o pano sobre a cena, vedando-a ao olhar dos espectadores.

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FICHA TÉCNICA EDIÇÃO:

Maria do Pilar Figueiredo Cabo Norte – Meia Noite AUTOR: Maria do Pilar Figueiredo TÍTULO:

REVISÃO, PAGINAÇÃO E CAPA:

Paulo Silva Resende

1.ª EDIÇÃO Lisboa, Maio 2012 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: ISBN:

Publidisa

978-972-96828-4-1 342746/12

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© MARIA DO PILAR FIGUEIREDO PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

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MARIA DO PILAR FIGUEIREDO

. CABO ,

NORTE MEIA-NOITE



. CABO NORTE , MEIA-NOITE

Foi numa manhã de verão iluminada pelo azul lilás das exóticas flores de jacarandá que, sentados numa esplanada abrigada da aragem vinda do rio, tu me confidenciaste algo que sentias borbulhar em ti como um impreciso sonho. Tinhas assistido na véspera, a um espectáculo teatral. Uma peça da autoria de Ibsen, esse dramaturgo que foi obrigatório conhecer em estudos superiores de Literatura e que, algumas décadas antes, era aplaudido pelos espectadores devido à convulsão política que o país atravessava. Agora, passadas outras tantas décadas, já muitos esqueceram esse nome e poucos se empenharão em dá-lo a conhecer nos palcos. Não sei portanto que impulso te levou a ires assistir a uma peça desse dramaturgo muito em 7


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moda no nosso país nos tempos que se seguiram à revolução de Abril, porque se considerava uma peça muito próxima dos ideais que então se estavam a viver. Mas, segundo julgo, não teria sido o tema da peça, muito próximo do absurdo, o que despertou em ti, de forma directa, esse desejo de viajar até longe. Talvez tivesses sido seduzido pela prosa da norueguesa Sigrid Undset ou da sueca Selma Lagerlof, nomes que te deram a conhecer um pouco da literatura nórdica. Mas além destes nomes Nobelizados havia outros. E ainda havia Grieg. Julgo, aliás, que foi sobretudo a música de Grieg que te atraiu até essas paragens. Ou talvez não fosse nada disso. Talvez fosse simplesmente, esse anunciar de verão que nos desassossegava. De facto, toda a praça se recendia a rosas, a açucenas, a canteiros acabados de regar. E, para lá destes, sobressaía o alegre edifício da agência de viagens franqueando-nos as portas, pelo que foi para lá que, lado a lado, nos dirigimos e, num ápice, nos vimos perante uma tentadora oferta de itinerários diversos, um dos quais levava à parte mais setentrional da Noruega, itinerário que, sem hesitar, logo aceitaste e fizeste com que eu nele participasse. Ou talvez fosse, prosaicamente, a influência do professor Barreira, desde sempre um dos grandes entusiastas de viagens deste género e que a esse propósito, te tivesse falado. 8


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Fosse como fosse, sei que me surpreendeste com o inesperado do projecto, porque tu não gostas de viajar nestas circunstâncias, espartilhado entre horários rígidos. Horários que tacitamente aceitaste e terias de respeitar porque sabias que uma vez aceites era para serem cumpridos, tanto mais que aquela excursão poderia ser a grande oportunidade de, em segurança, admirares esse espectáculo único em todo o Mundo: o Sol da Meia-Noite, tanto mais que no programa apresentado pela agência, o Cabo Norte era para ti, segundo dizes, o aspecto mais intrigante. E assim, tu que apenas conhecias essa região norte através de crónicas e literaturas de turismo, logo te entusiasmaste com o extremo norte da península escandinava e cedo te maravilhaste e surpreendeste porque tudo era muito diferente de quanto pudeste imaginar. Pelo menos é o que deduzo quando abordas com entusiasmo alguns aspectos da geografia física e humana desse extremo norte da velha Europa. Terra de lendas e mistérios. De lutas, sofrimento, muita coragem e determinação. Lembro-me dessa tarde, do teu entusiasmo, e lembro-me, sobretudo de que, a partir daí, o tempo desatou numa correria desaustinada e, quando demos por ela, estávamos no aeroporto agrupados num obediente, expectante e heterogéneo rebanho. E ao lembrar-me dessa tarde, do teu entusiasmo, lembro-me sobretudo de estarmos sentados na sala 9


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de embarque rodeados por futuros companheiros de viagem. Na ocasional troca de impressões, todos pareciam, independentemente da idade, estar de acordo num ponto: o melhor de uma viagem, para além do sonho, são o entusiasmo e a ilusão. Mas há quem vá mais longe e defenda que, neste caso, não é apenas o momento da partida, mas sobretudo os dias que a antecedem. De facto, a expectativa, a curiosidade, o desejo de ver novos horizontes, conhecer outras pessoas, actua de tal modo que o desassossego domina todos os gestos e cada pensamentos. Foi o que sucedeu com os componentes do grupo, grande parte dos quais já se conhecia, pese embora o desnivelamento etário, como era visível entre o professor Barreira, mentor desta viagem, e o Rui Manuel, que foi seu aluno algumas décadas antes, e que laços matrimoniais haveriam de criar parentescos por afinidade, aproximando-os. Contrastavam assim com esses “turistas de pé-descalço”, aventureiros, porque a idade os tornava audazes tal como tu desejavas ter sido, segundo me confidenciaste. Não estranhei esta decisão de uma vez mais me tomares por tua confidente, porque era já um velho costume teu, considerar-me como tua conselheira, o modelo da companheira que em vão procuraste.

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Após longo tempo de espera, chegou a nossa vez de fazer o check-in do voo que nos levaria até Oslo, onde faríamos a mudança para um outro destinado a Trondheim, cidade que foi a primeira capital da Noruega e também aquela que nos recebeu com o jantar à nossa espera Quando chegámos ao hotel era ainda dia, porque o Sol se mantém visível até tarde, mas não tão tarde como acontecerá no mítico Cabo Norte, a meta principal da nossa viagem. Como sempre acontece em situações idênticas, ou seja, quando a ansiedade toma conta de nós, acordamos cedo. E nesse primeiro dia de viagem mais não fizemos do que tentar conhecer a cidade, andando por Tromdheim a observar as suas ruas e praças. Depois passámos as duas horas seguintes a vaguear de um museu para outro. Mas o que mais atraiu a nossa atenção foi a monumental catedral em estilo gótico inglês, cujo chão se apresentava liso, polido por muitos séculos do uso que lhe haviam dado os milhentos pés que por ali passaram. Disso são testemunho as pedras que sustêm essa imponente catedral que até à Idade Média pertenceu à Igreja Católica e mais tarde, após a Reforma, passou a ser luterana. Ultimamente, porém, a catedral tornou-se meta internacional de peregrinações, havendo colaboração ecuménica cristã, ou seja, entre as religiões católica, ortodoxa, copta e luterana. Para além de ser local de peregrinações, é aqui, sempre que as 11


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circunstâncias o exigem, que têm sido realizadas, com toda a pompa, as cerimónias da realeza. Perto da catedral ergue-se a estátua de Santo Olavo, numa mão a Cruz, noutra a espada com que lutou pela independência da Noruega. Estátua erguida numa ampla praça lajeada, mas não austera porque vasos de flores de várias tonalidades se espalham em redor do pedestal onde o rei medievo, que além de ser rei foi santo, parece olhar com atenção o mar. O seu olhar observa também uma ilhota onde no século XI foi construído um mosteiro dos Beneditinos,só visitável embarcando num ferry que entre Maio e Setembro faz carreiras regulares. O Palácio do Arcebispo, considerado como a construção secular mais antiga da Escandinávia, foi transformado em museu onde sobressai, entre outras, a secção de arqueologia. De notar o Palácio Real, um edifício de três pisos com as suas muitas e imponentes janelas, nesta cidade que foi urbe importante até à Idade Média. A Praça de Trovet é considerada o centro da cidade onde, timidamente, floresce algum comércio destinado ao turismo. À medida que nos vamos afastando do centro da cidade, predominam as casas pequenas de três ou quatro andares. Casas de tijolo. E perto dali os antigos armazéns junto ao rio, que fotografas com atenção. Aliás, fotografas tudo que atrai o teu interesse. 12


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Mostraste desejo de ir visitar o Museu Nacional da Música, na certeza de que ele te falaria de Grieg, esse compositor norueguês que tanto gostas de ouvir, mas como este fica distante do percurso estabelecido, outra solução não encontraste a não ser desistir da visita. “São os inconvenientes de se viajar em grupo…”, murmuras, ligeiramente agastado. Sei que não gostas deste modo de viajar, mas tu já não tens vinte anos… Não sabes fazer amigos de ocasião e és parco em palavras. E, para cúmulo, dominas mal o inglês. Além disso, tu, com a idade, estás a tornar-te desconfiado embora o negues, dizendo-te apenas “prudente”. Seja como for, és um solitário. Portanto, será mais seguro para ti aceitares a viagem em grupo. Foi o que secretamente consideraste e, por tudo isso, não te mostras contrariado se acaso o programa não se apresentou como desejarias. A propósito, perguntaste-me porque razão prefiro viajar acompanhada por gente que mal conheço. “Não haverá uma razão apenas, mas várias”, respondi-te. E uma delas é sentir a presença mais ou menos calorosa dos seres humanos que fazem parte do mesmo grupo e se sentem unidos por um pequeno ideal: o de viajar.

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As horas passam rapidamente e não tarda encaminhamo-nos para o nosso autocarro. A fim de sairmos da cidade temos de contornar o Fiorde Tromdheim e o lago Snasa, e prosseguir em direcção a Mo I Rana, onde está previsto pernoitarmos. Após termos deixado a cidade de Tromdheim, é o campo verdejante que nos espera. Grandes pastagens pontilhadas por bonitas casas de madeira de dois pisos e mirante, formando, no seu conjunto, pequenos povoados onde sobressai quase sempre uma igreja de formato octogonal de alta e pontiaguda torre. O nosso olhar curioso detém-se nas bonitas casas de madeira, algumas isoladas, outras fazendo parte de pequenas povoações com pinheiros (abetos) ao longe. E mais perto, flores, muitas flores selvagens, sobre cuja origem os botânicos têm diversas opiniões. Mas seja como for, calcula-se que chegaram aqui voando nas asas do vento. Pousaram em terra, gostaram deste chão e expandiram-se livremente cobrindo as bermas dos caminhos num manto vivamente colorido. É disso vivo exemplo a flor rosada do epilóbio, essa espécie espontânea que nos últimos séculos proliferou de tal modo que até na tundra sobrevive. E em condições climatéricas suficientemente amenas cresce em altura e em folhagem densa, por entre a qual os pequenos cálices, brotando da haste central, ostentam uma cor rosa viva. 14


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Mas a maior beleza desta flor bravia está no conjunto com outras da mesma espécie, formando, no seu todo, um extenso tapete púrpura, sobretudo se o solo tem os nutrientes necessários para fazer avivar a sua cor rosada, uma tonalidade especial, difícil de reproduzir na tela. Trata-se de um tom rosa fortemente colorido que alguns pintores chamam de “rosa magenta”. Sem que a mão do homem se detenha a cuidar dessa florida planta, ela viceja, ornamenta, resplandece por si própria em qualquer lugar. O mesmo não acontece com os pequenos crisântemos cultivados em vasos, ao abrigo do frio e das intempéries, com a intenção de embelezarem portas e janelas nas singelas casas de madeira, antigas casas de pescadores adaptadas agora a casas de férias. É como se estivéssemos em “plena primavera”, dizes, embevecido, ao deparares com extensos mantos coloridos que se estendem pelas encostas. Mas não são só esses mantos de flores selvagens que te impressionam. Por isso, a competir com essa exuberância com que a Natureza presenteou alguns espaços, há também pela cidade uma grande profusão de verdura e flores que brotam não do chão mas das floreiras colocadas em pontos estratégicos de modo a embelezar as ruas e as casas. Ao longo da estrada, proliferam os parques de estacionamento, bem como os parques de merendas e, colorindo a paisagem, de novo grandes manchas 15


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de flores de cor rosa-magenta, cujo nome científico é Epilobium Angus Bifolium, essa flor selvagem que muitos consideram já como a flor nacional norueguesa. Na verdade, ela surge por todos os lados – nas orlas dos bosques, junto aos lagos, na margem das estradas, umas vezes sozinhas, sem misturas, outras, salpicadas de pequenas corolas amarelo claro. E outras, ainda, de um azul intenso, igualmente florescendo ao longo de uma haste fina e cujo nome popular é “boca de lobo”. Ao longe, montanhas pouco altas. E para lá delas, outras montanhas com pequenas manchas de neve nos cumes. Curiosamente, e apesar de ser alta manhã, não se vê ninguém junto às casas. Possivelmente dormem ainda. Aqui perto há um parque natural. Consequentemente deixamos a estrada para, a pé, visitarmos um lugar onde foram descobertas gravuras rupestres e cedo deparamos com um rochedo sobranceiro ao Rio Bola onde, em tempos antigos, foi gravada na rocha a figura de uma rena, em tamanho natural, cujo desenho se tornou mundialmente conhecido. Por essa razão fotografaste. E a figura da rena ficou para sempre guardada na objectiva, uma gravura vinda de um tempo que se conta por milénios. Não podíamos portanto deixar de considerar este momento como significativo, tanto mais que se trata de um local de grande beleza, dominado pelas gravuras rupestres situadas na margem do rio. 16


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Perto do rochedo da rena, um rio de águas muito cristalinas, despenha-se ruidosamente, logo seguindo o seu curso até ao mar. Um rio chamado Bola, que veio a dar o nome a esse monumento pré-histórico mundialmente conhecido por “A Bola de Rena”. Este é na verdade um local de grande beleza. Aliás, todo o recinto classificado como parque natural é belo e bem cuidado. Daí que, ao longo do caminho que tivemos de palmilhar, haja de vez em quando um painel com informações quanto à fauna deste parque, com o seu habitat na densa floresta de coníferas. Uma fauna variada que vai desde aves palmípedes até às de rapina. E quanto aos mamíferos, há-os de diversas espécies, desde a rena ao coelho ou à raposa, os quais encontram aqui, igualmente, o seu habitat. Após uma breve paragem no centro de apoio aos turistas, onde se vende de tudo um pouco, retomámos o autocarro que logo se pôs a rolar através da mesma paisagem de casas pequenas de madeira, a maior parte sem cerca que as proteja. São casas, no geral, de rés-do-chão, quase sempre pintadas na cor tradicional. Casas simples e, ao mesmo tempo, ostentando uma certa garridice, mercê dos vasos de flores nas janelas enfeitadas de cortinas que apenas encobrem uma parte da vidraça. Ou antes, são uma espécie 17


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de moldura rendada para o vaso florido colocado no parapeito. És dos últimos a abandonar este lugar histórico, e não desistes de fotografar. Conversas animadamente com o professor Barreira que, como tu, é um apaixonado pela Natureza. Mas então a tua atenção é atraída pela voz do guia apontando para um edifício algo diferente das pequenas casas de madeira que temos vindo a observar. Trata-se de uma escola onde as Ciências, em especial a botânica experimental, têm o seu lugar especial, onde se estudam e se “criam” espécies florais, como as orquídeas, da qual se conhecem quinze espécies. Esta escola foi criada pelo Bispo de Trondheim.

A Parámos para almoçar num dos muitos parques de merendas, um recinto espaçoso, suficientemente afastado da estrada para que o movimento de carros não perturbasse a nossa necessidade de recuperar forças. Era um recinto igual a tantos, muito limpo, com mesas de madeira e bancos apropriados, contentores para o lixo e instalações sanitárias, “como as que havia no Alaska…”, recordaste, rudimentares mas higiénicas dentro do possível, nesta paisagem de montanha povoada de pinheiros, 18


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vidoeiros e largas manchas coloridas de flores selvagens amarelas, rosa ou brancas. Foi quase com pena que, após o almoço, abandonámos este recanto paradisíaco, espaço destinado ao convívio que as merendas proporcionam, para logo continuarmos a viagem de autocarro atravessando pequenas florestas de vidoeiros, intercaladas de pastagens onde pachorrentamente pastavam vacas turinas e um cavalo ou outro. Pela borda das pastagens, rolos de feno embrulhados em plástico branco ou verde davam um toque de excentricidade à paisagem estritamente rural. Noutros locais porém, perto das casas que se presume serem de lavoura, havia braçados de feno a secar em arames esticados a partir de estacas na própria terra do prado. Cenários silenciosos e quase bucólicos, estes de casas menos bem pintadas mas mais convincentes da presença humana tão rara por estes lados. Assim, no terreiro em frente da casa, para além das máquinas agrícolas, havia lenha cortada e abrigada, tendo em conta o Inverno que se aproxima. Mais sinais da tão rara presença de seres humanos. No entanto, só raramente se vê gente adulta e crianças ainda menos, o que não será de estranhar se levarmos em conta que a população da Noruega é escassa. O nível de vida, esse, é elevado, segundo as estatísticas, dado que possuem recursos tais como petróleo e gás natural, para além do peixe que exportam em abundância. 19


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Embora continuando em direcção ao Norte parámos junto ao rio Laksfossen. Uma larga cascata oferece ao turista o espectáculo único de centenas de salmões lutando contra as águas violentas que lhes dificultam a subida na procura da nascente do rio para aí desovarem. Neste lugar despovoado onde nos apeamos, parece só existir uma espécie de estação de serviço onde apenas se ouve a voz do rio e se vê a impetuosa determinação dos salmões tentando vencer a força das águas. Adiante mais alguns quilómetros deparamo-nos com algumas pequenas povoações, e logo outra um pouco mais extensa plantada em redor da sua igreja octogonal, como tantas outras desta zona do pais.

A A estrada que nos conduz a Mo I Rana é estreita, embora seja uma das melhores da Noruega. Ao longo da estrada, o tempo parece divertir-se porque ora chuvisca ora de vez em quando surge ao longe uma réstia de sol a espreitar por entre nuvens, acima das montanhas agrestes. Próximo da estrada mais casas pequenas, de férias. O carro à porta é o único sinal de presença humana. 20


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Ao longo da estrada, o tempo continua incerto, e o sol só vez por outra faz a sua discreta aparição. Mas seja como for, a estrada, embora não se aproxime das grandes auto-estradas do resto da Europa, conduz-nos sem dificuldade até à cidade do nosso destino, a discreta cidade de Mo I Rana. O hotel, sem nada de especial que o distinga de outras construções do género, perece-nos simpático e acolhedor, talvez porque não obedeça ao estilo vulgar de outros edifícios congéneres com que noutras latitudes temos vindo a deparar. Depois de nos termos reunido no hall, logo nos preparamos para dar um passeio pelo exterior, mas tu não mostras desejo de nos acompanhar. Pareces cada vez mais empenhado na leitura do livro de Sigrid Undset que trazes contigo. Não sei se é pelo prazer da leitura desta escritora norueguesa distinguida com o prémio Nobel se para evitar as solicitações de um convívio arriscado, porque desconhecido, que esta viagem tem para te oferecer. Como tu, há vários turistas, sobretudo homens de idade madura, que ali se deixam ficar sossegadamente, sabendo-se assim defendidos de imaginários perigos. São aqueles que habitualmente viajam em grupo. Talvez alguns deles, décadas antes, ter-se-iam deslocado transportando consigo apenas o essencial, porque a idade os tornava aventureiros e audazes.

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A Foi, afinal, uma curta digressão porque, de súbito, o tempo desatou numa correria e a hora do jantar obrigou-nos a regressar. Depois, apesar de ser ainda dia claro, cada um recolheu ao seu quarto ciente de que a cidade de Mo I Rana pouco mais teria para oferecer de interessante para além do que os olhos abrangeram nos passos dados antes do jantar. De facto, a sua principal atracção está no Glaciar Svartissen, considerado o segundo maior da Noruega, “com uma superfície de 375 Km2”, dizes, como sempre bem informado acerca de tudo o que visitas ou te preparas para visitar. No entanto, embora diste escassos quilómetros da cidade, o seu acesso é dos mais difíceis que imaginar se pode, sobretudo para quem nunca foi montanhista nem está em condições físicas suficientemente robustas, pernas musculadas, um coração forte e, sobretudo, que não sofra de falta de equilíbrio. A primeira parte do percurso é feita de barco, por um extenso lago espelhante de sol e rodeado de verdura e flores. Um lago que se percorre sonhadoramente por entre margens arborizadas, até que ao fim de quase vinte minutos se desembarca num pequeno cais de madeira. 22


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