Amor Proibido

Page 1



AMOR PROIBIDO


FICHA TÉCNICA Edição: Vírgula Título: Amor Proibido Autor: José Guerra Paginação: Paulo Silva Resende Capa: Patrícia Andrade Imagem da capa: José Guerra 1.ª edição Lisboa, Outubro 2012 Impressão e Acabamento: Publidisa ISBN: 978-989-8413-72-7 Depósito Legal: 349031/12 © JOSÉ GUERRA Publicação e Comercialização Sítio do Livro, Lda. Av. de Roma, n.º 11 - 1.º Dto -1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt


“ Amor quando é amor não definha E até ao final das eras há-de aumentar. Mas se o que eu digo for erro E o meu engano for provado Então eu nunca terei escrito Ou nunca ninguém terá amado “ William Shakespeare



Prefácio O amor é um sentimento profundo, que cria raízes. O amor é um todo, sendo maior que a soma das partes e quando assim é conseguimos distanciar-nos e minorar o sofrimento de ter sem perder, de se dar sem ter que receber. Todavia se basearmos apenas os nossos sentimentos na paixão, estes correm o risco de serem dilacerados pelas emoções que os corroem sem apelo nem agravo, quando a distância separa o desejo incomensurável de se ter o improvável. É neste cenário que vamos encontrar uma mulher que experimentou


a dualidade destes sentimentos. A paixão avassaladora deu espaço a um amor incomum. Desse amor efémero esperanças vãs vieram fazer crer, que a dor do abandono jamais iria fechar uma ferida, cujo coração ainda que se tenha resignado ao desapego, jamais cicatrizou. O autor José Guerra


Amor Proibido

Uma História que fez História O Início Corria o ano de 1640 em pleno Séc. XVII. Época conturbada pelas guerras e pelas mudanças profundas na sociedade. Este ano havia de ficar célebre pela Restauração da Independência, revolta perpetrada a 1 de Dezembro contra a tentativa frustrada por parte da Dinastia Filipina em instaurar o poder em Portugal. Nos anos que se precederam, intensificou-se o descontentamento por parte dos membros da classe

9


10

José Guerra

aristocrática, dos eclesiásticos e dos comerciantes em relação ao regime Espanhol. A má administração do governo Filipino constituía uma grande causa de insatisfação dos Portugueses em relação à união com Castela. Dessa má administração provinha o agravamento dos impostos. A 6 de julho de 1628 era expedida a carta régia que, sem o voto das Cortes, mandava levantar, por meio de empréstimo forçado, as quantias necessárias para a defesa, durante seis anos, de todos os lugares dos domínios portugueses ameaçados pelos estrangeiros. A população mostrou logo a sua má vontade. A tensão agravou-se quando o clero (cujos privilégios o isentavam de tais imposições) se viu também incluído na colecta geral. Também além-mar surgiram protestos. Em 1635 era estendido a todo o reino o imposto do real de água, bem como o aumento das sisas. Em 1640, a conspiração oculta ao regime ga-


Amor Proibido

nhava força e a 1 de Dezembro desse ano, Filipe IV de Espanha capitulava, dando origem à instauração da casa de Bragança na figura de D. João IV, pondo fim aos sessenta anos de domínio Filipino, dando à monarquia um novo rumo e uma nova esperança. Cerca de sete meses antes, nesse mesmo ano, nascia a 2 de Abril, em Beja, no baixo Alentejo, a nossa personagem principal, de seu nome Mariana Mendes da Costa Alcoforado, mais conhecida por Sóror (Irmã) Mariana Alcoforado, por ter sido essa a sua vida e a sua missão. Em meados do séc. XVII, Beja era uma cidade com pouco mais de 5000 habitantes. A peste e as guerras tinham tido um efeito notório na demografia, assistindo-se mesmo a um período de estagnação. Fortes influências do estilo românico, mudéjar (hispânico – muçulmano) e gótico, marcavam o traçado toponímico e arquitectónico na região, assim como

11


12

José Guerra

toda a cultura que caracterizava a época. A fundação de Beja atribui-se provavelmente aos Celtas, 400 anos antes de Cristo. Diz-se que esteve sob o domínio dos Cartagineses, mas o que não oferece dúvidas é que os romanos a dominaram durante muitos anos, sendo então Beja uma cidade importantíssima. Chamava-se “Pax Julia” e foi assim denominada para comemorar a pacificação da Lusitânia. Com a queda do império romano, passou Beja para o poder dos Suevos e depois para os Godos, que nela instituíram uma sede episcopal, sendo o seu primeiro bispo Santo Aprigío. Do séc. VIII ao séc. XII Beja foi palco de uma agitada história. Conquistada pelos Mouros em 715, foi tomada por Afonso I, rei de Leão e das Astúrias, e três anos depois por Fruela I, rei de Oviedo, que teve de a ceder a Abd-el-Raman em 760. Ficou depois em poder dos Sarracenos durante século e meio. Ordonho II reconquistou-a por volta de 914, mas em


Amor Proibido

985 Almansor tomou-a novamente. Em 1037, Fernando, “o Magno”, de Leão, deteve esta cidade por algum tempo e em 1155 foi tomada por D. Afonso Henriques, que a perdeu novamente, vindo a cair definitivamente em poder dos cristãos no ano de 1162, conquistada por um grupo de burgueses capitaneados por Fernão Gonçalves. Em 1179 tentaram os Mouros ainda recuperar a povoação mas foram repelidos por Sancho I, num combate em que perdeu a vida Gonçalo Mendes da Maia, “O Lidador”. Não admira que depois de tantas lutas e combates que pela sua posse se realizaram, Beja, chegasse ao séc. XIII completamente arrasada e destruída. D. Afonso III repovoou a vila e dotou-a com obras de defesa cuja construção se prolongou pelos reinados seguintes. Em 1253 o rei Afonso III reconstruiu a vila e no ano seguinte concede o Foral, recuperando assim a

13


14

José Guerra

sua importância económica como uma das principais vilas do reino. Em finais do século, D. Dinis ordena que se construa o Castelo, cuja Torre de Menagem é o monumento mais importante da cidade. O século XV representa uma das épocas de maior dinamismo e é no século XVI, mais especificamente no ano de 1521 que o rei D. Manuel I lhe concede o título de cidade. Conta a lenda que quando Beja era uma pequena localidade de cabanas rodeada de um compacto matagal, uma serpente assassina era o maior problema da população. A solução para este dilema passou por assassinar a serpente, feito alcançado deixando um touro envenenado na floresta onde habitava a serpente. É devido a esta lenda, que existe um touro representado no brasão da cidade.


Amor Proibido

Mariana Alcoforado Infância e adolescência Mariana Mendes da Costa Alcoforado era a terceira filha de Dom Francisco da Costa Alcoforado, o Dom Possimando, (alcunha pela qual era conhecido em virtude do seu temperamento rude, autoritário e colérico) e de Leonor Mendes Alcoforado. Tinha três irmãos: Ana Maria, quatro anos mais velha que ela, Baltazar, seis anos mais novo e Maria Peregrina a mais nova dos irmãos, fruto de um segundo matrimónio.

15


16

José Guerra

Dom Francisco da Costa Alcoforado, o Dom Possimando era o poderosíssimo chefe da família, que inspirava em Mariana mais temor do que afecto. Era um homem gigantesco, de olhos azuis e bigodes alourados de inspiração celta, com sangue guerreiro de muitas gerações a correrem-lhe nas veias, um nortenho de gema, avarento e irascível. De famílias ricas, viera de Cortiças, sua terra natal, nomeado pelo Rei Executor do Almoxarifado de Beja e da respectiva comarca, tendo-se casado com Dona Leonor Mendes, filha e herdeira de ricos negociantes, que, até à data já lhe tinha dado a alegria de um herdeiro varão, Baltazar, e duas raparigas a quem Dom Francisco mal prestava atenção. Todo o seu amor, toda a sua ambição, todas as suas esperanças concentravam-se no filho, que haveria de ser, por vontade de Deus e por sua própria, o mais belo, o mais rico, o mais cobiçado fidalgo, o herdeiro e continuador do único objectivo


Amor Proibido

que movia Dom Possimando: “A sua Casa”, associada ao seu bom nome prestígio de que gozava na região. Por conseguinte, para o patriarca, Mariana tornara-se um peso, um fardo e um estorvo de que urgia libertar-se o quanto antes. O casamento, já combinado, da filha mais velha, lisonjeara-o, mas não enchera o fidalgo de alegria, havia a questão do dote, do bragal e da cerimónia. Uma pequena fortuna que, ao sair das suas arcas, iria “emagrecer” o espólio que o fidalgo amealhava para o seu morgado. E embora a jovem fosse contrair matrimónio com o descendente de uma das mais gloriosas casas alentejanas, Rui de Melo Lobo Freire, o que era uma honra, não deixava de ser uma facada, por muito pequena que fosse, no seu património. Mas se Ana Maria, aos quinze anos de idade, era bela, Mariana viria a sê-lo muito mais. O fidalgo fez contas à vida. Um outro casamento poderia pôr em

17


18

José Guerra

risco os seus planos. Além disso, Mariana enervavao, lia demais para o seu gosto, e parecia prestar pouca atenção às tarefas rotineiras e minuciosas que ocupavam, quase por inteiro, a vida das mulheres no seu principesco palácio. Mariana era rebelde, odiava bordar, apenas o fazia por obrigação. Nesses instantes deixava o olhar perder-se na imensidão das planícies alentejanas, e em certas alturas parecia sonhar acordada, não ouvia nem via nada do que estava à sua volta. Imaginava histórias de príncipes encantados enquanto ia cantarolando ao sabor dos seus sonhos de menina. Muitas vezes Mariana era repreendida por deixar a meio as tarefas que lhe eram incumbidas. Não terão sido poucas as vezes em que era chamada a atenção pela sua mãe. Uma das vezes em que tal aconteceu, vendo a filha distraída, Leonor ter-lhe-á dito: - Mariana, não acabais o bordado na saia por-


Amor Proibido

quê? Estais na lua? –

Estou a pensar como seria ir assim vestida, e

encontrar um príncipe! – disse Mariana. –

Acordai catraia, senão o vosso pai ainda vos

castigai – disse Leonor, sua mãe. –

Gostava de ter asas e ver a nossa terra minha

mãe! Os milheirais, as oliveiras e as gentes que trabalham a lavoura! – disse Mariana. –

Acabai antes o trabalho, que o vosso pai não

tardai para a janta – disse Leonor apressada. Leonor era uma mulher bonita, de estatura média, pele fina e aveludada de cabelos alourados, lisos, apanhados e travados na nuca, mantendo um estilo clássico e sóbrio, próprio de uma mulher oriunda de uma família abastada e respeitada. Fora educada de uma forma rígida sem veleidades, por isso o casamento não lhe trouxera mudança de hábitos cuja imagem de outrora desejava preservar. Leonor tinha

19


20

José Guerra

uns olhos castanhos claros expressivos, mas cuja luz se tinha desvanecido no tempo e, um sorriso cujo brilho fora em tempos dos mais bonitos de Beja. Vestia de escuro, de onde apenas sobressaiam uns pingentes em ouro e um colar de pérolas. Leonor nunca ousara vestir de tons claros ou soltar o cabelo. Para além de não ser seu apanágio, Dom Possimando nunca iria tolerar. Para ele, era como se lhe estivessem a faltar ao respeito e qualquer olhar para a sua esposa, mesmo de soslaio que não fosse o dele, seria uma ameaça e uma afronta. Aos quarenta anos, Leonor ainda mostrava algum do seu charme de outrora, resplandecente, mas apagado pela sombra do tempo e pelas agruras do matrimónio. Filha única que ao chegar à adolescência, fora prometida a Dom Francisco Alcoforado, dez anos mais velho que ela. Naqueles tempos o destino dos filhos era praticamente traçado à nascença.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.