Determinantes da Reincidência Prisional em Rio Branco - Acre

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Rubicleis Gomes da Silva Marisol de Paula Reis Brandt Francisco Raimundo Alves Neto

Determinantes da Reincidência Prisional em Rio Branco - Acre “A rejeição empurra de novo para o crime. […] tem um desprezo aí fora, uma desconfiança que trava, fecha todas as portas. Quer limpar um quintal, quer fazer um bico, tem aquilo lá no passado pegando, é uma mancha.”

Rio Branco 2018



Rubicleis Gomes da Silva Marisol de Paula Reis Brandt Francisco Raimundo Alves Neto

Determinantes da Reincidência Prisional em Rio Branco - Acre “A rejeição empurra de novo para o crime. […] tem um desprezo aí fora, uma desconfiança que trava, fecha todas as portas. Quer limpar um quintal, quer fazer um bico, tem aquilo lá no passado pegando, é uma mancha.”

Rio Branco 2018



Rubicleis Gomes da Silva Marisol de Paula Reis Brandt Francisco Raimundo Alves Neto

Determinantes da Reincidência Prisional em Rio Branco - Acre “A rejeição empurra de novo para o crime. […] tem um desprezo aí fora, uma desconfiança que trava, fecha todas as portas. Quer limpar um quintal, quer fazer um bico, tem aquilo lá no passado pegando, é uma mancha.”

Rio Branco 2018


Editor

Rubicleis Gomes da Silva

Design Editorial / Capa Rogério Correia

Imagens da Capa www.pixabay.com

Revisão

Fernanda da Silva Rodrigues Pereira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586d

Silva, Rubcleis Gomes da, 1974. Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre / Rubicleis Gomes da Silva, Marisol de Paula Reis Brandt, Francisco Raimundo Alves Neto. – Rio Branco: Editora do Próprio Autor, 2018. 103 p.: . col ISBN: 978-85-914733-4-2 1. Reincidência prisional. 2. Economia do crime. 3. Rio Branco e logit. I. Brandt, Marisol de Paula Reis. II. Alves Neto, Francisco Raimundo. III. Título. CDD: 343.2

Bibliotecária Nádia Batista Vieira – CRB 11/882


Agradecimentos

Ao Deputado Federal Alan Rick Miranda que por meio de Emenda Parlamentar proporcionou a implantação e funcionamento do Laboratório de Estudo e Pesquisa da Violência e da Criminalidade (LAPESC). Ao senhor Rennan Biths de Lima Lima no período da implantação do LAPESC, Diretor de Planejamento e Gestão Estratégica da SESP/AC, ao senhor Rafael Oliveira Diniz, atual Diretor de Planejamento e Gestão Estratégica da SESP/AC, a equipe do LAPESC, Sargento Elisandra Ferreira, Agente Penitenciário Maurício Ribeiro e Daniel Viana Melo Lima (Chefe da Divisão de Estudo e Pesquisa do Departamento de Planejamento e Gestão Estratégica - DEPLAGE). A Juíza da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas – VEPMA, Andréa da Silva Brito e toda sua equipe, ao Diretor Presidente do Instituto de Administração Penitenciária, Aberson Carvalho, ao Diretor de Planejamento do IAPEN, Andrias Sarkis pela colaboração estendida ao LAPESC durante a execução das pesquisas. A Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária no Acre – FUNDAPE, na execução das pesquisas junto à Secretaria de Estado de Segurança Pública do Acre. Aos bolsistas do Pet Economia – UFAC: João Vitor, Melquesedeque Sage, Patrícia Lorrany e Vitória Correia, pela participação ativa na aplicação dos questionários, etapa importante na realização da pesquisa.



Apresentação

Esta obra é um produto do Laboratório de Estudo e Pesquisa da Violência e da Criminalidade (LAPESC), criado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, em cooperação com o Ministério da Justiça e da Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária no Acre (FUNDAPE). Seu objetivo é fomentar a produção de conhecimento científico que contribua para uma melhor compreensão do fenômeno social da violência e da criminalidade e, consequentemente, subsidie a tomada de decisão dos gestores que coordenam a Política de Segurança Pública do Acre. A questão central abordada pela pesquisa apresentada neste livro é o fenômeno relativo à reiteração da prática de atos criminosos cometidos por indivíduos egressos do sistema prisional. Em tese, o sistema prisional possui uma dupla finalidade: efetivar a punição decorrente de decisão judicial e proporcionar condições adequadas à reintegração social dos indivíduos que praticam atos criminosos. Entretanto, há uma percepção geral da sociedade de que o sistema prisional não cumpre adequadamente sua função e que, em grande medida, o sentimento generalizado de insegurança da sociedade é resultado de crimes praticados por presos que saem da prisão e voltam a delinquir novamente. Esse tipo de senso comum coloca o problema da reincidência criminal no centro do debate público sobre a Segurança Pública, porém existe carência de trabalhos científicos que abordem essa questão. Nessa perspectiva, este trabalho apresenta um panorama da reincidência criminal em Rio Branco. Os dados utilizados neste estudo foram obtidos através de pesquisa de campo, cujo o público alvo foram os indivíduos que ingressaram na Unidade Prisional Francisco de Oliveira Conte no ano de 2015.


O primeiro aspecto importante abordado é a divergência conceitual sobre o emprego do termo reincidência criminal. Na literatura, não existe uma definição consensual quanto ao momento no qual a prática do novo delito configura a reincidência. Este trabalho ocupou-se da reincidência penitenciária, que se caracteriza quando ocorre a reentrada na prisão do mesmo indivíduo por uma nova prática criminosa. A análise realizada dos dados quantitativos obtidos na pesquisa apresenta respostas importantes para a compreensão da ineficiência do atual sistema de justiça criminal e do contexto de grave insegurança que caracteriza o cotidiano da população rio-branquense. Essas informações podem orientar a adoção de medidas de mitiguem as falhas no processo de reintegração dos presos à sociedade, de forma que reduza a propensão desses delinquentes em reiterar na prática criminosa. Por fim, cumpre ressaltar que este trabalho possui um caráter inovador, na medida em que constitui a primeira iniciativa de cunho científico que se propõe a estudar, de forma minuciosa, a reincidência criminal dos presos em Rio Branco.

Rio Branco – Acre, 11 de novembro de 2018.

Rennan Biths de Lima Lima

Inspetor Especial de Polícia Civil Diretor de Planejamento e Gestão Estratégica da SESP/AC


Lista de Figuras

Figura 01 - Taxa de homicídio por 100.000 habitantes para Rio Branco, resto do Acre, Acre e Brasil no período de 2010 a 2015.......................... 73 Figura 02 - Efeitos marginais das variáveis do modelo logit para determinação da reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre em 2015................................................................................................................ 79 Figura 03 - Perfis com maior e menor probabilidade de reincidência penitenciária em Rio Branco - Acre, 2015................................................ 82



Lista de Tabelas

Tabela 01 - Entradas na Unidade Prisional “Francisco de Oliveira Conde” em Rio Branco – Acre no período de 2010 a 2015............................ 74 Tabela 02 - Modelo logit para determinação da reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre em 2015............................................................. 75 Tabela 03 - Teste de Andrews and Hosmer-Lemeshow para o modelo logit para determinação da reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre no de 2015............................................................................................. 76 Tabela 04 - Estatística de classificação do modelo logit de reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre em 2015 ........................................ 77 Tabela 05 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e emprego formal em Rio Branco – Acre........................................................... 80 Tabela 06 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e estado civil dos pais em Rio Branco – Acre, 2015....................................... 81 Tabela 07 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e estado civil na primeira entrada em Rio Branco – Acre, 2015.................. 81 Tabela 08 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e delitos na adolescência em Rio Branco – Acre, 2015.................................. 82



Sumário

1. Introdução......................................................................... 15 1.1. Considerações iniciais................................................................. 15 1.2. Breve caracterização do sistema penitenciário acreano............................................................................................................. 18

2. Fundamentos teóricos da reincidência criminal.... 24 2.1. Crime, criminalidade e reincidência: um fenômeno multifacetado....................................................................................................... 27 2.2. Interpretações na literatura sociológica........................... 30 2.3. Criminalidade, reincidência e modernização....................... 32 2.4. Análise da reincidência a partir do estudo das agências oficiais de controle e repressão ao crime.................................... 37 2.5. O cruzamento do individual com o social............................ 39 2.6. O fenômeno da reincidência: alguns problemas de natureza conceitual, análise jurídico-legal e recorte da pesquisa.................................................................................................... 43 2.7. Abordagem jurídico-legal da reincidência: relações e distinções...................................................................................................... 46 2.8. A reincidência na Legislação Penal Brasileira.................... 48 2.9. Efeitos da reincidência legal.................................................... 52 2.10. O recorte da pesquisa................................................................ 53

3. Metodologia...................................................................... 57 3.1. Contribuições da pesquisa qualitativa e quantitativa...... 57 3.2. A abordagem qualitativa: a técnica do Grupo focal......... 59 3.3. A abordagem quantitativa: o modelo logit .......................... 62


3.4. Fonte de Dados............................................................................... 68 3.4.1. Definição da amostra para estimação do modelo de reincidência prisional........................................................... 68 3.4.2. Definição do público elegível para a pesquisa qualitativa ......................................................................................... 69 3.4.3. Limites e potencialidades da pesquisa na prisão...... 70

4. Discussão e análise dos resultados.............................. 73 4.1. Determinantes da reincidência prisional.............................. 74 4.2. Propensão e perfis de vulnerabilidade a reincidência penitenciária.................................................................................................. 79 4.3. Fatores subjetivos: analisando o grupo focal..................... 83

5. Conclusões......................................................................... 98 Referências........................................................................... 101


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1. Introdução 1.1. Considerações iniciais A realidade prisional no Brasil vem passando por profundas mudanças nas últimas duas décadas, dado o incremento da criminalidade, que adquiriu novas facetas, novas táticas e novas formas de engrenagens. Para que serve a prisão? Goffman (1961) ensina que a primeira concepção ou razão de existir das prisões está na necessidade, por parte da sociedade, em lidar com indivíduos transgressores da norma social, retirando-os desse convívio e encaminhando-os ao sistema prisional, local onde serão vigiados por uma equipe dirigente, cada qual com sua atribuição específica, assegurando o cumprimento da pena sancionada. Acrescenta-se a isso que a segunda concepção da prisão é promover, junto ao preso, o trabalho, que recebeu convencionalmente o nome de ressocialização, para que, dessa forma, quando retornar ao convívio social, tenha compreendido a necessidade de viver sem infringir as regras impostas pela maioria, adaptando-se a uma vida nos moldes da sociedade contemporânea. A realidade, porém, é bem outra. A população carcerária do Brasil cresceu 83 vezes em setenta anos, de acordo com informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (IPEA). O total de presos condenados no sistema prisional passou de 3.866 pessoas em 1938 para 321.014 em 2009 (IPEA, 2015)1. Se forem consideradas informações mais recentes, a situação adquire contornos ainda mais dramáticos: o Brasil possuía, em 2012, 515.482 pessoas presas para apenas 303.741 vagas, constituindo um déficit de 211.741 vagas. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (INFOPEN, 2016), o Brasil já é o terceiro país que mais encarcera no mundo, atrás apenas dos EUA e China e, mesmo diante dessa constataFonte: IPEA. Mapeamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com apoio do IPEA, com base nos dados publicados no Anuário Estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 1

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ção, convive com taxas de criminalidade muito elevadas, de acordo com o Atlas da Violência 2018, tendo por base dados do Ministério da Saúde. Em relação ao Acre, em agosto de 2018, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), havia 602.217 pessoas cadastradas no sistema como privadas de liberdade, incluídas as prisões civis e internações como medidas de segurança. Segundo a mesma fonte, o total de pessoas abrigadas no sistema prisional do Acre totalizava 6.915. Há quatro anos, havia pouco mais de 5000 presos. Além disso, o Acre registra a segunda maior taxa de encarceramento, totalizando 832,89 presos por 100 mil habitantes, atrás apenas do Mato Grosso do Sul com 834,60 presos por 100 mil habitantes. Este cenário coloca o estado, proporcionalmente, como uma das maiores populações carcerárias do país, em situação de constante superlotação, conflito e insegurança intramuros. Frente a tal realidade, os dados impõem a necessidade de estudos aprofundados sobre a função (ou não) ressocializadora das prisões, em particular, o fenômeno da reincidência e seus fatores determinantes, bem como sobre a eficácia de instrumentos alternativos como meios de reduzir a crise no sistema prisional acreano. A expansão acentuada das reentradas no sistema penitenciário indica que o reeducando, por algum motivo, não conseguiu se dissociar das atividades criminais. Neste contexto, emerge o seguinte problema: quais os determinantes da reentrada penitenciária no município de Rio Branco Acre para o ano de 2015? Este trabalho, de forma geral, busca identificar os principais fatores que influenciam a reentrada no sistema penitenciário em Rio Branco – Acre. Especificamente, objetiva-se: a. elaborar uma revisão bibliográfica sobre reincidência penal e penitenciária; b. traçar um perfil socioeconômico dos reeducandos ingressos no sistema penitenciário acriano no ano de 2015; e c. determinar as variáveis que possuem maior relevância na reincidência penitenciária.

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No Brasil, diversos trabalhos se destacam na análise dos fatores que influenciam a reincidência penitenciária. Entre eles, pode-se destacar Shikida et al. (2014). Neste trabalho, foram analisados os determinantes da reincidência penal por meio de um estudo empírico no Complexo de Penitenciárias de Piraquara (Paraná), a partir de dados primários obtidos com réus já julgados e condenados por crimes econômicos. Os autores concluíram que para os criminosos reincidentes, o crime compensa mais do que o trabalho lícito, com tendência para o furto, tráfico de drogas e roubo, nesta sequência. O estudo permitiu inferir que o criminoso reincidente direciona esforços e parcela do seu tempo numa atividade ilícita visando o sucesso pecuniário de sua ação, mas caso haja expectativa de baixo retorno não reincidem. O estudo de Sapori, Santos e Maas (2017) realizou uma pesquisa em Minas Gerais no biênio 2014-2015. Possuía como objetivos diagnosticar a reincidência criminal no sistema prisional do estado mineiro e identificar o perfil dos presos reincidentes, em comparação com o dos não reincidentes, demonstrando possíveis fatores individuais explicativos da reincidência. O estudo concluiu que “a chance de reincidência criminal aumenta à medida que o egresso do sistema prisional manifeste uma trajetória criminal mais extensa anteriormente ao cumprimento da pena, à medida que comece a cometer crimes cada vez mais jovens e à medida que se dedique principalmente aos crimes contra o patrimônio, em especial os furtos” (SAPORI; SANTOS; MAAS, 2017, p. 15). Muito embora variáveis observáveis influenciem diretamente a propensão à reincidência penitenciária, não se pode negligenciar que aspectos da trajetória de vida do indivíduo e de caraterísticas socioeconômico familiar exerçam impactos indiretos sobre a propensão na reincidência. Por exemplo, a escolaridade do reincidente é fortemente influenciada pela escolaridade dos pais. Logo, indiretamente a escolaridade dos pais influencia a propensão à reincidência. Este trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: na próxima seção é elaborada uma revisão bibliográfica sobre o conceito de 17


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reincidência adotado. Posteriormente, as metodologias e a fonte de dados são apresentadas. Os resultados e discussões do trabalho são expostos em consonância com os objetivos propostos e, finalmente, as conclusões do trabalho são tecidas. 1.2. Breve caracterização do sistema penitenciário acreano A história do sistema penitenciário acreano2 tem contornos concretos em meados da década de 1950, quando o militar Jose Guiomard Santos tomou posse como governador do território federal acreano. Durante sua gestão, estruturou as cidades, especialmente Rio Branco, com obras públicas, sendo que um dos seus atos foi a retirada da antiga cadeia Ministro Vicente Rao (inaugurada em 1935) do centro da cidade, localizada em frente à Praça Central que, recentemente, é sede do prédio da prefeitura de Rio Branco. No ano de 1949, foi inaugurado um novo espaço para abrigar os presos, nomeado como Cadeia Central Evaristo de Moraes. Formado por um conjunto de casas idênticas com salas, quartos, cozinha e sanitário, este presídio era destinado aos presos considerados de menor potencial de periculosidade. Para os apenados reconhecidos como “indisciplinados”, eram aplicadas sanções penais mais duras pelas autoridades policiais da época. Desde a fundação da Colônia Penal Evaristo de Moraes, diversas irregularidades foram registradas, como, por exemplo, a falta de um local adequado para custodiar os presos com algum tipo de transtorno mental, sendo este um dos inúmeros problemas descritos por autoridades judiciárias da época, bem como a situação de menores internados em celas para presos comuns. Na década de 1980, o sistema penitenciário acreano entra em grave decadência, situação esta reconhecida pelas autoridades judiciárias. Destacando-se que um dos principais motivos para essa crise era a vioOs parágrafos seguintes deste item estão amplamente apoiados em matéria da revista “Retrato Penal – A história do sistema penitenciário do Acre (2007)” e, da pesquisa de Cabanelas (2013). 2

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lência e os crimes cometidos por policiais militares contra os detentos, buscou-se introduzir um serviço penitenciário mais humanizador, com a seleção de pessoal capacitado para promover a segurança da colônia penal, orientado pelos princípios da competência, integridade e humanidade, colocando em debate o papel da ressocialização como eixo-guia do serviço penitenciário e a tentativa de extinguir os castigos e punições. Na tentativa de renovar o serviço penitenciário, o governador da época, Joaquim Macedo, aprovou um projeto de lei que previa a reestruturação física do estabelecimento prisional, a fim de atender aos princípios da Lei nº 6.416 de 24 de maio de 1977, que definia e separava as prisões em regimes fechado, semiaberto e aberto. Essa lei também regulamentava a permissão para que familiares visitassem os presos, bem como a reforma do conselho penitenciário e a criação de um fundo de trabalho penitenciário para promover o trabalho na prisão. Ainda, no ano de 1980, a Secretaria de Interior e Justiça atribuiu o aumento da criminalidade e a lotação nos presídios a fatores de natureza socioeconômica, tais como o êxodo rural, a baixa renda de parte da população, o subemprego, a pobreza, o tráfico e uso de drogas e, ainda, a falta de atividade religiosa na vida do povo. Em 1983, o sistema penitenciário acreano ganha novo fôlego, tendo em vista que durante os seus primeiros 30 anos, ele funcionava com formato de colônia penal, o que facilitava constantes fugas por conta das precárias condições de segurança. O novo estabelecimento prisional passou a se chamar complexo penitenciário Dr. Francisco de Oliveira Conde, em homenagem a um jurista cearense que prestou serviços nessa região. Naquele momento, o governo do estado anunciou que o estabelecimento prisional havia sido construído respeitando os padrões mais modernos das unidades prisionais do país, oferecendo segurança, conforto e higiene aos presos. No entanto, logo nos primeiros anos de funcionamento já se constatavam irregularidades dentro da unidade.

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A primeira transferência ocorrida para as novas instalações penais foram de sessenta e cinco homens provenientes da colônia penal Evaristo de Morais, sendo esses distribuídos em três dos nove pavilhões destinados a sentenciados, não sentenciados e mulheres. Também foram entregues nessa inauguração pavilhões da administração, segurança e refeitórios para abrigar os responsáveis pela vigilância e pelo serviço burocrático da penitenciária. No início da década de 1990, a colônia penal Evaristo de Morais passa a se chamar Unidade de Regime Social Dr. Francisco de Oliveira Conde, momento em que os presos passaram a ser tratados como “reeducandos” por profissionais da área dos direitos humanos orientados pelo que preconiza a Lei de Execuções Penais (LEP) quanto ao tratamento adequado da pessoa presa, tendo, assim, como objetivo a ressocialização de infratores. “Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (BRASIL, 1984). A Unidade prisional está localizada fora do perímetro urbano, com uma extensa área construída, formando um complexo de 15 pavilhões, recebendo sentenciados para cumprimento de pena privativa de liberdade de Rio Branco e demais municípios do interior, onde não há penitenciária. No ano de 1996, o estabelecimento recebeu visita do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), que ao se deparar com o difícil acesso à unidade e as péssimas condições de estrutura física, redigiu um relatório no qual afirmava que o presídio de Rio Branco era o pior do Brasil. No documento, o diretor narra as tentativas de fuga do presídio que constantemente eram impedidas pelo uso de armas de fogo por parte da Polícia Militar. Em razão disso, em caráter de urgência, solicita ao DEPEN providências quanto à liberação de verbas para que novas edificações de segurança máxima fossem construídas. Vale ressaltar que, naquele ano, a penitenciária contava com 378 presos, o que excedia sua capacidade máxima que era de 160 vagas. 20


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Diante disso, frente aos inúmeros problemas de estrutura e segurança no presídio, foi anunciada a liberação de mais de dois milhões de reais para ser investido em obras de melhorias da prisão. Esse foi o primeiro passo para a inovação de padrões de segurança no presídio. Em 1999, foi iniciada a construção de uma muralha que rodeava os pavilhões onde ficam alojados os presos sentenciados até os dias de hoje. Vale, portanto, registrar que da década de 1990 para cá, mínimas foram as iniciativas voltadas para a ressocialização dos presos. Isso se explica, em parte, porque na década de 1990 a custódia dos apenados ficava sob a responsabilidade da Polícia Militar, fato este que dificultava o trabalho cujo propósito seria a ressocialização dos apenados. Dada sua natureza institucional, à Polícia Militar não compete o papel de agente ressocializador, mas de segurança das unidades e de todas as ações de caráter ostensivo. No mesmo sentido, em 1998 foram dados os primeiros passos para a admissão de pessoal preparado para a vigilância em presídios. O governo daquela época promoveu concurso público para capacitar cinquenta agentes penitenciários formados em uma academia de Brasília. No entanto, apesar de investimentos por parte do governo, os servidores trabalharam por pouco tempo no presídio, tendo em vista que tiveram suas funções desviadas para o quadro da polícia civil. Já no ano de 2000, com aumento da população presa na capital, as ocorrências também aumentaram no interior do presídio, em parte, em virtude da desorganização na distribuição de quase seiscentos presos nos nove pavilhões ativados. Nas matérias jornalísticas, além do crime da motosserra, que repercutiu nacionalmente, diariamente tinha-se notícias de fugas, rebeliões e assassinatos. Entre 1999 e 2002, os constantes episódios que assolavam a unidade prisional e geravam críticas ao governo local foram dividindo espaços com tentativas de implementação de políticas de ressocialização à pessoa presa, aplicadas com maior intensidade. Neste período, houve melhorias nos programas de investimentos em equipamentos para 21


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a atividade agrícola, bem como cursos profissionalizantes e atividades recreativas direcionadas aos presos, com o propósito de reduzir a ociosidade que gerava vários problemas, desde conflitos internos até casos de fugas. Todavia, havia ainda a ausência de autonomia administrativa, o que impedia a alocação de recursos necessários para implementar ações de melhorias nas unidades. Somente a partir de 2003, por conta da transformação do sistema penitenciário em autarquia, denominado Departamento de Administração Penitenciária do Acre – DAP/AC, a instituição adquiriu prerrogativas específicas, tais como a execução, fiscalização e coordenação das penas privativas de liberdade, além de se tornar o departamento responsável pelas demais unidades do estado, através da Lei nº 1.473 de 10 de janeiro de 2003. Durante o ano de 2007, com a aprovação da Lei nº 1.908 pela Assembleia Legislativa do Acre, a administração dos presídios passa a ser gerenciada por uma autarquia, momento em que é criado o Instituto de Administração Penitenciária (IAPEN), que assume autonomia financeira, administrativa e patrimonial, criado especificamente para a administração dos presídios, subordinado à Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos. Com a criação do IAPEN, também foram criadas oitocentos e oitenta vagas destinadas ao cargo de agente penitenciário (AGPEN), sendo este o profissional responsável pela segurança dos presídios. Vale registrar que o eixo norteador dessa autarquia está apoiado nos princípios de humanização da pessoa presa, respaldada pela Lei de Execuções Penais (BRASIL, 1984). O servidor do estado possui uma jornada de trabalho de quarenta horas semanais no regime de escala de plantão, isto é, o AGPEN exerce suas funções durante vinte e quatro horas dentro da unidade penitenciária, alternado por setenta e duas horas de descanso, além de possuir duas folgas mensais de doze horas. Desse modo, o convívio com o preso se torna constante na rotina prisional. 22


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Recentemente, a unidade FOC sintetiza o quadro atual do sistema penitenciário do estado, marcado pela superlotação e disputado por facções criminosas. O aumento vertiginoso da criminalidade no estado nos últimos quatro anos, com inúmeros episódios de assassinatos repercutiu no crescimento constante da população prisional, cujas unidades prisionais são marcadas por disputas internas e pelo controle do tráfico de drogas.

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2. Fundamentos teóricos da reincidência criminal Uma das dificuldades impostas a uma pesquisa dessa natureza consiste em demarcar o conceito de reincidência a ser trabalhado. O termo reincidência criminal com frequência é empregado de maneira indiscriminada, não poucas vezes servindo para descrever fenômenos bastante distintos e genéricos. Refere-se, usualmente, ao fenômeno da reiteração em atos criminosos e da construção de carreiras criminosas, culminando em pena de prisão. Tal acepção mais ampla e pouco rigorosa, poderá ser empregada em alguns contextos desta pesquisa. No entanto, existem diferentes perspectivas em relação a essa temática, preocupação frequente da sociedade e dos gestores no campo da justiça criminal, de modo que a construção de um recorte adequado de pesquisa exige maior rigor conceitual, sem o qual não seria possível sua delimitação como objeto de estudo. Conforme classificação apresentada por Julião (2009), recomenda-se diferenciar quatro tipos de reincidência: I) reincidência genérica, que ocorre quando há mais de um ato criminal, independentemente de condenação anterior, ou mesmo autuação, em ambos os casos; II) reincidência legal, que, segundo a nossa legislação, é a condenação judicial por novo crime até cinco anos após a extinção da pena anterior; III) reincidência penitenciária, quando um egresso retorna ao sistema penitenciário após uma pena ou por medida de segurança; e IV) reincidência criminal, quando há mais de uma condenação, independentemente do prazo legal. Desse modo, a tentativa de mensurar a reincidência ganha diferentes contornos metodológicos, dependendo do tipo de conceito que se assume. O que representa fazer um estudo buscando determinar o coeficiente de reincidência, segundo cada um desses conceitos? Significa, em princípio, reconhecer o caráter multifacetado do conceito de reincidência como ponto central das limitações, sobretudo, pelo fato de expressar

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fenômenos múltiplos, o que torna difícil uma análise estatística dotada de precisão. Estudo produzido pelo IPEA (2015), sobre a Reincidência Criminal no Brasil, chama a atenção para os números, sempre elevados, registrados nas estatísticas sobre as taxas de reincidência no Brasil, bem como os desdobramentos dessa interpretação: Esse grave problema tem levado o poder público e a sociedade a refletirem sobre a atual política de execução penal, fazendo emergir o reconhecimento da necessidade de repensar essa política, que, na prática, privilegia o encarceramento maciço, a construção de novos presídios e a criação de mais vagas em detrimento de outras políticas (IPEA, 2015, p. 12).

Uma pesquisa sobre a reincidência genérica, isto é, aquela referente à repetição, por um mesmo indivíduo, de atos definidos como crimes no Código Penal, com ou sem a autuação por autoridade policial ou pelo Poder Judiciário e independente da pena de prisão, abrangeria uma população superdimensionada, não considerada relevante para os propósitos deste estudo. Além de muito difícil de ser realizada, com a necessidade de elevado investimentos em recursos materiais e humanos, questiona-se, também, sobre utilidade de um recorte dessa natureza para a abordagem da política criminal. A manutenção de regulamentos que preveem punição para determinados atos que ferem aos valores de uma coletividade é condição sine qua non de existência da ordem social, e qualquer pessoa está sujeita a infringi-los, mesmo que raramente. Portanto, o cometimento eventual de algum tipo de crime é estruturante da ordem social e, desde que não seja exacerbado, se traduz em condição de normalidade em diferentes contextos sociais. Já, em sua concepção estritamente legal - conforme a classificação apresentada por Julião (2009) - a reincidência é aplicável aos casos em que há condenações de um indivíduo em diferentes ações penais, ocasionadas por situações diversas, desde que a diferença entre o cumpri-

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mento de uma pena e a determinação de uma nova sentença transitada em julgado seja inferior a cinco anos. Do ponto de vista legal, presume-se que ninguém pode ser considerado culpado de qualquer delito, sem que tenha ocorrido processo criminal e, após o julgamento, seja sentenciada a culpa, devidamente comprovada. Diante disso, a presente pesquisa é realizada tendo como recorte de análise a reincidência penitenciária (reentrada), tomando como base casos em que, no universo de sentenças emitidas pelo Judiciário, houve pena de prisão, sendo construída com a contagem daqueles que retornam aos estabelecimentos penais após uma primeira entrada. A reincidência penitenciária supõe-se vínculo reiterado com o sistema de justiça criminal, o circuito polícia-justiça-prisão. Objetiva-se, com isso, identificar os fatores que explicam a reentrada no sistema prisional de Rio Branco, capital do Acre. Goffman (1961) chama a atenção para os efeitos do “vínculo institucional” em indivíduos que residem em instituição total, bem como para a importância desse “vínculo” na construção de identidades sociais. É no vínculo reiterado com a instituição prisional que, acredita-se, serão constituídas definições identitárias a respeito de si, do outro e das relações sociais. Sob essa argumentação, Goffman (1961, p. 149) lembra que se todo vínculo supõe uma concepção ampla da pessoa ligada por ele, devemos ir adiante e perguntar como o indivíduo enfrenta essa definição de si mesmo.” Abordando esse “vínculo institucional” e a definição identitária de seus participantes, esse mesmo autor lembra que [...] a atividade esperada na organização supõe uma concepção do ator e que, portanto, uma organização pode ser vista como um local para criar suposições a respeito da identidade [...] um lugar onde sistematicamente surgem suposições a respeito do eu [...] e que prescrever uma atividade é prescrever um mundo; eludir uma prescrição pode ser eludir uma identidade. (GOFFMAN, 1961, p. 158).

Trazer à tona essa questão é de fundamental importância para a compreensão dos efeitos produzidos pelas instituições sociais sobre as ações sociais dos sujeitos. É na relação entre sujeito e instituição que, 26


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acredita-se, vão se modificar as identidades e analisá-las permite uma melhor compreensão de seus efeitos. Tal perspectiva de abordagem da reincidência penitenciária se faz relevante, sobretudo, em razão da tentativa de trazer para o debate a eficácia da execução penal e das políticas públicas voltadas ao egresso do sistema, no que tange à sua adequada reinserção social e uma trajetória de vida futura longe do mundo do crime e da atividade criminosa. A demarché conceitual deste fenômeno será apresentada mais adiante, em item específico deste estudo. Uma vez definidos os parâmetros da pesquisa quantitativa, optou-se também por conduzir um trabalho de campo qualitativo, voltado para o aprofundamento da temática dos fatores que levam determinados indivíduos a possuírem maior ou menor propensão à reincidência, estruturado no cruzamento do social com o individual. Como os apenados percebem a reincidência? Até que ponto a prisão tem efeitos sobre a conduta reincidente? Quais são as estratégias de ação adotadas pelo Estado para a prevenção deste fenômeno? Sendo assim, além de dimensionar o fenômeno da reincidência penitenciária como resultante da ação do sistema de justiça criminal (polícia, justiça, prisão), propôs-se, também, aprofundar o conhecimento da temática da reinserção social, entendida como grande desafio para o Estado frente a essa problemática. Essas são as questões que a abordagem qualitativa se propõe a apresentar em torno da análise do fenômeno da reincidência. 2.1. Crime, criminalidade e reincidência: um fenômeno multifacetado As preocupações com a questão social do crime, da criminalidade e do funcionamento dos presídios na sociedade brasileira não são recentes. Segundo Adorno e Bordini (1986) na cidade de São Paulo, desde a primeira metade do século XIX, já se manifestavam as autoridades encarregadas da preservação da ordem pública a favor da racionalização

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dos estabelecimentos penitenciários e da recuperação da pessoa presa com vistas à diminuição da reincidência. O nascimento da população fabril urbana, no último quartel daquele século, acentuou estas preocupações, sobretudo com o aperfeiçoamento dos mecanismos e estratégias de controle social. A instauração da república inaugurou amplos debates no âmbito dos tribunais e das instâncias judiciárias sobre o delito, o delinquente e a delinquência que culminaram com a edição do Código Penal de 1940 e em sucessivas alterações na legislação criminal (ADORNO; BORDINI, 1986, p. 87).

Recente, porém, é o modo pelo qual vem sendo abordada a temática em pauta. Desde os anos de 1970, nos grandes centros urbanos onde a violência e a criminalidade se constituíram com maior intensidade, inúmeras foram as discussões que buscavam solucioná-las, em uma abordagem que transversava segmentos distintos da sociedade: associações comunitárias, grupos profissionais, instituições religiosas. Entretanto, ao que parece, essa linha de raciocínio permaneceu distante das autoridades policiais e/ou prisionais, justamente as que estavam comprometidas diretamente com as administrações penitenciária e judiciária, tendo em vista a frequência com que os meios de comunicação veiculavam propostas e políticas públicas visando a superar a situação social problemática (ADORNO; BORDINI, 1986). Extrapolando a esfera do debate público, a abordagem em torno da criminalidade e da violência no Brasil avançou do restrito campo jurídico para se situar no terreno das ciências humanas e sociais. Desde a década de 1970, frutificaram-se os estudos em torno dessa questão, ancorados em interpretações da criminalidade e da violência como dimensões sociais geradas pelo curso do desenvolvimento capitalista que se instituiu nesta sociedade agroindustrial. Em relação ao período mais recente da realidade brasileira, observa-se que as discussões e os debates a respeito do problema do crime e da reincidência mantêm relações diretas com o sistema penitenciário. O ponto de partida nesse debate é de que o sistema prisional, tal 28


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como existe, não atende minimamente às finalidades para as quais se destina, isto é, a efetiva recuperação social do sentenciado pela justiça penal, em condições de reingresso ao convívio social. A dificuldade para o exercício de um controle social eficaz, a apresentação de obstáculos na aplicação da justiça penal, as incongruências dos códigos e das leis que disciplinam as sanções penais, além de conflitos dentro do sistema penitenciário e o crescente poder de organização e mando das facções criminosas inviabilizam quase completamente o tratamento adequado ao ingresso e, consequentemente, não promove a redução do comportamento criminoso. Vale, também, registrar que, depois de ser recolhida na prisão, o ingresso abdica parte de sua cidadania, fratura sua identidade social, interiorizando condicionamentos da massa e/ou ambiente carcerário, assimilando hábitos e valores presentes na cultura prisional. Nesse sentido, estaria o presídio se constituindo em uma comunidade de pessoas frustradas, dessocializadas e persistentes em condutas criminosas (RAMALHO, 1983; PAIXÃO, 1991; COELHO, 2005; ADORNO, 1998, 2002; ADORNO; BORDINI, 1986; 1989; COSTA, 1999; LEMGRUBER, 1989; GARLAND, 1999; 2001), em decorrência da difícil relação que se estabelece entre o egresso da prisão e as instituições da sociedade, e vice-versa. Nessa perspectiva, explica Garland: “The prison is used today as a kind of reservation, a quarantine zone in wich purportedly dangerous individuals are segregated in the name of public safety” (GARLAND, 2001, p.178). Diante do exposto, generaliza-se um ponto de vista de que é preciso conhecer o fenômeno, sua intensidade, sua natureza, suas causas e suas formas de expressão. A presente pesquisa insere-se neste horizonte de preocupação. Apoiado em um recorte jurídico-legal e social, buscar-se-á tematizar o fenômeno da reincidência (reincidir ao crime), colocando em evidência a dinâmica das relações sociais, no interior dos múltiplos antagonismos e práticas sociais envolvidos.

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2.2. Interpretações na literatura sociológica Inicia-se essa discussão exteriorizando um sentimento particular, porém, acreditando-se que o mesmo possa estar presente, senão em todos, pelo menos, na maior parte do imaginário do cidadão comum, pais, mães, amigos, vizinhos, educadores: que bom seria se em uma sociedade não existissem o crime, o criminoso, o sistema penitenciário, a pena, a justiça criminal! A realidade, porém, é bem outra. Criminalidade e violência são partes constituintes da vida social e, sendo assim, encontram-se presentes (em graus e natureza diferenciados) em todas as sociedades, nas relações que indivíduos e/ou grupos estabelecem entre si. Criminalidade e a violência constituem, atualmente, uma das preocupações centrais na agenda dos cidadãos comuns, bem como nas agências oficiais de controle e repressão ao crime. O sentimento coletivo de medo e insegurança faz parte da rotina das pessoas, como também, a estranha sensação de que os crimes estão se tornando cada vez mais banais e violentos. Esse sentimento coletivo não é infundado; ao contrário, estão respaldados no contexto social e refletem a realidade cotidiana. Cada um em particular tem uma história a ser contada. Já foi vítima de uma ofensa criminal, já testemunhou acontecimentos desta espécie ou conhece pessoas de seu círculo de relações e de amizade que viveram o crime de perto. Há, em razão disso, um esforço contínuo por parte das instituições jurídicas para estabelecer o controle sobre os comportamentos sociais, especificamente, os ditos “criminosos, delinquentes ou desviantes” (BECKER, 2001; GARLAND, 1999, 2001). Este mecanismo chamado de ‘controle social’ (BERGER, 1991), serve como força coatora para ‘inibir’ condutas sociais que ferem as normas ou padrões sociais vigentes em uma sociedade. De acordo com Berger (1991), há vários mecanismos de controle social que vão desde os mais corriqueiros, tais como a calúnia, a difamação, a ridicularização e a injúria até a violência física, procedimento oficial e legítimo adotado pelo estado, geralmente empregado quando 30


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todos os outros instrumentos de coerção falharam. Sendo assim, diferentes instituições da sociedade exercem o controle social na trajetória de vida dos indivíduos (família, igreja, escola, etc.), bem como o aparato de justiça criminal como a polícia, a justiça e a prisão. Criminalidade e violência são, dentre outros aspectos, manifestações de comportamentos tidos como criminosos. Como fenômeno histórico e social, acompanha toda a experiência da sociedade. Mas, cabe aqui uma distinção importante. Nem todo ato/ação de violência se caracteriza como conduta criminosa. A luta de boxe, por exemplo, é uma prática esportiva considerada violenta, em razão do risco real e ou potencial de causar um dano físico ao adversário. No entanto, não é uma ação criminosa. Em sentido oposto, a criminalidade é tudo o que diz respeito ao crime e ao criminoso. É um fenômeno social e jurídico, cujo desdobramento requer uma sanção penal. Com esse entendimento, pode-se afirmar que a violência independe da criminalidade para existir; já a criminalidade é uma manifestação da violência. Em outro sentido, mesmo com todas as advertências e cautela que cercam as estatísticas oficiais de criminalidade, estudos são unânimes em reconhecer fortes tendências ao aumento de crimes contra o patrimônio (INFOPEN, 2009; CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), 2013; HUMAN RIGHTS WATCH, 1998; CENTRO DE JUSTIÇA GLOBAL, 1997; 2003), em especial aqueles que envolvem o recurso à violência, observáveis, com maior e menor intensidade, na América e, também, na Europa Ocidental. Por outro lado, elevaram-se nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, desde meados dos anos 1950 e, de modo mais intenso, a partir dos anos 1960, as taxas de homicídios (ADORNO, 1995), sendo que, nas grandes metrópoles da América Latina, os jovens são, cada vez mais, as principais vítimas de crimes violentos (PINHEIRO, 1997). Mais recentemente, estudo realizado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública traçam o perfil das vítimas de crimes violentos no Brasil: jovens, homens, negros e de baixa escolaridade (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2017).

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Soma-se a isso, uma generalização do crime organizado, com o empoderamento das facções criminosas, ancorado, sobretudo, em torno do narcotráfico, em bases empresariais e internacionais, o que vem se constituindo em uma tendência mundial que se manifesta em diferentes países e sociedades. A fim de atingir estratégias diversas, grupos criminosos conquistam a lealdade de membros da população, e os utiliza para atingir os mais variados objetivos, tal como a perpetuação da criminalidade organizada no interior das prisões, e fora delas. A natureza dos atos criminosos pode variar de indivíduo para indivíduo, como também, podem variar o sentido e as explicações que a própria pessoa - vítima ou agressor, o senso comum ou a ciência atribuem à conduta criminosa. Na literatura sociológica, encontramos abordagens mais gerais que buscam explicar o comportamento criminal, levando-se em conta, por exemplo, as condições materiais a que estão submetidos contingentes significativos da população de baixa renda. Há outras explicações que buscam identificar no funcionamento dos órgãos de repressão e de controle do crime a base teórica para essa questão. Como se tratam de duas modalidades de interpretação historicamente relevantes em torno da questão da criminalidade no Brasil, elas serão apresentadas para se pensar o fenômeno da reincidência no campo jurídico e social. No entanto, não há a tentativa de aprofundar a discussão em cada uma dessas modalidades, mas trazer algumas características mais gerais da demarché conceitual, sobretudo, considerando que é a partir dessas duas vertentes que será possível estabelecer e recortar a definição de reincidência ora proposto para pesquisa. O intuito é promover uma adequada compreensão das reflexões que já foram iniciadas. 2.3. Criminalidade, reincidência e modernização A vertente teórica que associa criminalidade à modernização interpreta o fenômeno da criminalidade e seus desdobramentos a par-

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tir de concepções teóricas macroestruturais concentradas, sobretudo, pela dimensão econômica. Apoiada em interpretações marxistas sobre o fenômeno, vê a atividade criminosa como resultante das relações de poder e de interesses de sociedades que apresentam elevadas desigualdades, acentuadas entre as classes sociais. Nessa linha de raciocínio, explica Santos que: A ligação da teoria criminológica com questões de valor e conflito de interesse [...] só pode ser explicada ao nível concreto das relações sociais materiais, que nas sociedades divididas, são relações de classes (e, portanto, a teoria criminológica está ligada às relações de poder material e político das sociedades de classes) (SANTOS, 1979, p. 5).

Essa interpretação encontrou um forte apoio nos estudos sociológicos convencionais sobre a criminalidade no Brasil (nesse ponto, destaca-se o relatório de cientistas sociais, encaminhado ao ministro Petrônio Portela em 1980). Apoiando-se em conceitos de “urbanização” e “industrialização”, o documento privilegia o fator econômico como estruturante do fenômeno da criminalidade, conferindo ênfase às análises das “desigualdades” e dos “desequilíbrios sociais”, facilitadores de criminalidade nas grandes cidades (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), que estariam expostas às rápidas mudanças sociais, tornando-se um ambiente propício para a sua expansão e recrudescimento da violência e criminalidade. Conforme se vê abaixo, O aumento da densidade da população, as migrações do campo para a cidade, a pobreza, a deficiência de serviços educacionais, de saúde e alimentação, a falta de atividades adequadas de lazer, favelização etc. exercem impactos sobre os índices criminais e são, em certa medida, criminógenos (ELIAS et al., 1980, p. 17).

Contrariamente a essa perspectiva, Linebauch (1983) destaca o equívoco da interpretação que identifica as reações criminosas como resultantes de fatores econômicos pré-determinados, em uma relação perigosa de causa e efeito. Para o autor, as limitações dessa abordagem residem em seu esforço teórico para reconhecer o comportamento criminal como resultante das condições adversas de existência, atribuin-

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do à delinquência a expressão de embates políticos-ideológicos entre classes dominantes e dominadas. Em consequência disso, argumenta Paixão (1983, p.25-26) Os estudos orientados pelas teorias de modernização interpretam o desenvolvimento de carreiras criminosas como uma “estratégia de sobrevivência dos setores das classes subalternas mais bombardeados pelas contradições da grande cidade”. Nesse sentido, o crime é a atividade de “subculturas periféricas” as “classes perigosas” que, de modo implícito, são distintas e separadas da “classe trabalhadora”.

Desdobramentos dessa lógica são vistos, também, nos estudos que apontam os efeitos marginalizadores do mercado de trabalho como causa fundante da delinquência e da reincidência. A lógica desse argumento é que o processo rápido de desenvolvimento urbano, associado à deterioração da qualidade de vida, em decorrência do desemprego e do subemprego, exerce força de influência sobre o comportamento criminoso. Essa corrente de interpretação enfoca o crime em relação com as estruturas do mercado de trabalho nas quais as partes menos estáveis, em termos de segurança e padrões de vida, são forçadas, devido à organização capitalista do trabalho, baseado em um exército ativo de empregados e um exército de reserva dos desempregados, a violar seu respeito inato pela propriedade privada e, nas palavras de Defoe, a morrer de fome ou roubar. A atividade criminal é vista como ato egoísta e individual de pessoas depravadas ou desesperadas, forçadas a violar o ethos e as exigências coletivistas da produção fabril (LINEBAUCH, 1983, p. 105).

Segundo Adorno e Bordini (1989), esse enfoque tem importantes precursores, sendo Engels o mais conhecido deles. Os autores enfatizam que, nessa concepção, a criminalidade não apenas tem suas origens nos horrores das misérias das vilas operárias, como mantém uma relação inversa com a amplitude, o poderio e os sucessos do movimento político da classe trabalhadora contra o capitalismo. Assim, “o crime continuava a ser visto como um exemplo da atividade individual corrompida, na

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melhor das hipóteses e, na pior, como expressão do comportamento de um lupem-proletariado reacionário” (ADORNO; BORDINI, 1989, p. 105). A ideia subjacente a essa explicação é a de que a violência e a criminalidade seriam resultados de estratégias de dominação das classes dominantes contra as classes dominadas, as quais, em contrapartida, encontrariam na delinquência e na violência uma estratégia destinada a recuperar parte do excedente expropriado. Embora atraente, essa hipótese reclama comprovação empírica da relação entre delinquência e estratégias de dominação e de sobrevivência, construídas como dimensões de lutas de classes (OLIVEN, 1983). Entende-se, assim, que há um erro teórico nessa abordagem, sobretudo, porque elas trazem a aceitação de uma relação positiva entre pobreza e criminalidade, considerada, no mínimo, problemática. A ideia central é a de que essa vertente de explicação, ainda que convencional em estudo de comportamentos criminógenos, apresenta dificuldades, uma vez que a dicotomia (crime x pobreza) não dá conta de explicar a complexidade que envolve o tema, assim, não esgota o universo de possibilidades presentes nas ações dos sujeitos. “A tese que postula uma associação entre pobreza e criminalidade seguramente uma das variantes mais sedutoras da imaginação sociológica daquela modalidade de interpretação científica, vem sendo cada vez mais abordada com cautela” (ADORNO; BORDINI, 1989, p. 73). Sob essa perspectiva, as bases analíticas que explicam a criminalidade deduzidas unilateralmente pela dimensão econômica, ainda que dando o tom à discussão, carregam consigo críticas substanciais, sobretudo, no que diz respeito às dificuldades em incorporar ao debate, fenômenos sociais mais complexos que envolvem essa questão, tais como, a diferença de criminalidade entre os sexos, maior incidência de crimes em faixas etárias mais jovens, relação inversa entre desemprego e delinquência juvenil, e mesmo por que uns reincidem e outros não se ambos segmentos da população criminal estão submetidos a semelhantes 35


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condições materiais de existência, recurso de que se valem aqueles que advogam a tese da associação entre pobreza e criminalidade (ADORNO, 1989). Além disso, acrescenta Ramalho (1983), os estudos que identificam nos fatores econômicos a base do comportamento anti-social de grupos criminosos, ao mesmo tempo em que difundem uma compreensão distorcida da realidade, explicando o crime de maneira simplificada, geram preconceitos contra uma grande massa de trabalhadores pobres, na qual se inclui uma parcela da população brasileira. Zaluar (1996) também critica essa abordagem ao observar que a evolução da pobreza nas décadas de 1980 e 1990 não apresentava tendência apontada pelos que advogam o crescimento da criminalidade pelo aumento da miséria no país, sobretudo, em centros metropolitanos como São Paulo e Rio de Janeiro, chamando atenção para a reduzida participação de segmentos pobres em atividades criminosas. Nesse sentido, comenta: Apesar de serem as metrópoles com as mais altas taxas de criminalidade violenta, não tem proporção maior de pobres relativa ao número de habitantes. Nem as metrópoles foram as cidades que mais cresceram com o fenômeno da urbanização nas duas últimas décadas, fato ainda mais verdadeiro para o Rio de Janeiro (ZALUAR, 1996, p. 107).

Diante do exposto, pode-se afirmar que, a propósito das vertentes que analisam o crime em uma relação necessária com a pobreza, é possível dizer que elas tiveram grande peso em estudos sobre o tema até a década de 1970, e mantêm, ainda, de diversas formas, influência sutil sobre essa questão. No entanto, não se pode perder de vista que, se resquícios dessa percepção ainda permanecem em temáticas acerca do crime e da criminalidade, essas aparecem cada vez mais articuladas com outras modalidades de interpretação que não reduzem o fenômeno criminoso a causas econômicas. Nessas novas abordagens, a pobreza deixa de ser fator determinante para a explicação da criminalidade e passa a incorporar 36


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uma cadeia de causas entrecruzadas, tal como a atuação das agências de controle e repressão ao crime, conforme será mostrado no item seguinte. 2.4. Análise da reincidência a partir do estudo das agências oficiais de controle e repressão ao crime Outra perspectiva teórica para compreender o fenômeno da criminalidade, encontra-se nos estudos que analisam a reincidência com base nas agências oficiais de controle e repressão ao crime (polícia, justiça, prisão). Sob essa perspectiva, os aparelhos de repressão à criminalidade representam instrumentos importantes na produção e manutenção da delinquência e, com efeito, da reincidência. Nesse eixo teórico, estão situados os estudos que buscam reconstruir a história das punições, dando ênfase principal aos dilemas que acompanharam a implementação das políticas penitenciárias até os dias atuais. Um dos importantes representantes a esse respeito é o filósofo francês Michel Foucault (1997), com seu clássico estudo Vigiar e Punir. Nesta obra, o autor sustenta a tese de que a prisão não diminui as taxas de criminalidade, provoca a reincidência e produz a delinquência. Assim, Aquilo que, no início do século XIX, e com outras palavras criticava-se em relação à prisão (constituir uma população “marginal” de “delinquentes”) é tomado hoje como fatalidade. Não somente é aceito como um fato, como também é constituído como dado primordial (FOUCAULT, 1997, p. 31).

Foucault (1997) reconhece que a transformação da penalidade não diz respeito unicamente a uma história dos corpos, mas, mais precisamente, a uma história das relações entre o poder político e os corpos, seu controle, sua sujeição e a maneira como o poder se exerce sobre eles. Dessa forma, observa que a transição do século XVIII para o século XIX elegeu a delinquência como uma de suas mais poderosas engrenagens de poder e identificou a prisão como seu observatório político. 37


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Esse momento histórico corresponde a uma mutação radical nas práticas punitivas e na produção discursiva sobre a criminalidade. Trata-se de uma percepção generalizada de que era mais rentável vigiar do que punir tanto quanto à emergência de uma nova engrenagem de poder que não diz respeito unicamente à lei e à repressão, pois que investe sobre o corpo humano não para supliciá-lo, mas para adestrá-lo; não para expulsá-lo do convívio social, mas para explorar-lhe ao máximo suas potencialidades, tornando-o economicamente produtivo e politicamente dócil (FOUCAULT, 1997). É, portanto, sob essa perspectiva teórica que Foucault aborda o nascimento da prisão. Desde suas origens, esteve alicerçada em um projeto de transformação de indivíduos. Já no século XIX, observou-se que a prisão, longe de converter presidiários em gente preparada para o convívio social, serve tão somente para produzir novos criminosos e torná-los reiteradamente criminosos. Acompanhando os percalços da invenção das políticas penitenciárias na Europa, afirma: “Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E, entretanto, não vemos o que por em seu lugar. Ela é a detestável solução de que não se pode abrir mão” (FOUCAULT, 1997, p. 196). As explicações de Foucault são ratificadas por estudiosos brasileiros que, de um modo ou de outro, atribuem à prisão um espaço destinado à produção de criminosos e ao aumento da reincidência. Ramalho (1983, p. 162) interroga: O que está por trás do “fracasso” da prisão? Qual é a utilidade de determinados fenômenos constantemente criticados como a manutenção da delinquência, a indução à chamada reincidência, a transformação do “infrator ocasional em delinquente habitual”?.

Estes questionamentos trazem avanços para a explicação do fenômeno da reincidência, sobretudo por deslocar o debate para o interior e o cotidiano dos espaços prisionais e, também, por mostrar o lugar que ela ocupa no processo de produção e manutenção da reincidência. Não obstante, boa parte da literatura científica sobre sistema pri38


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sional e comportamento criminoso aponta para uma mesma suposição: elevados números de reincidência. No entanto, sabe-se que a carência de comprovação empírica quanto à sua magnitude suscita questionamentos à relação causal entre reincidência e prisão. De igual modo, acrescenta-se que não é possível explicar a reincidência sem considerar a mediação dos aparelhos de repressão, isto é, os efeitos que essas instituições provocam sobre a pessoa presa, ainda mais quando o foco de observação repousa na problemática do regresso à prisão. Diante disso, se estudos ratificam a análise de Foucault de que a prisão reproduz a violência e agrava a reincidência, torna-se imperativo verificar de que modo as agências oficiais de controle e repressão ao crime incidem sobre o comportamento social reincidente estimulando a construção de carreiras criminosas. Vale considerar que o fenômeno da reincidência ocorre no interior de relações sociais complexas estabelecidas entre diferentes agentes sociais, a saber, pessoa ao praticar “novo” delito, a polícia ao efetuar nova prisão, a justiça ao promover outra condenação e os institutos prisionais ao promoverem nova vigilância. Parte-se do entendimento de que é fundamental que se observem os diferentes fatores que levam à reincidência para que assim sejam efetivadas políticas públicas em diferentes frentes. 2.5. O cruzamento do individual com o social Até recentemente, de modo mais ou menos hegemônico, e ainda hoje, com certa frequência, as análises que evidenciam no debate a perspectiva do sujeito eram alvo de muitas críticas, como se elas fossem necessariamente associadas a uma “abordagem idealista” que se negaria a discutir os jogos de dominação e os interesses dos “poderes dominantes”. Sob essa argumentação reducionista, acabava-se por promover a “morte do sujeito”, soterrado por um determinismo absoluto dos pro-

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cessos sociais, de tal forma que “o indivíduo torna-se [...] um ser falado, um ser agido; ele nunca é um ser falante nem o autor de seus atos” (HENRIQUEZ, 1994, p. 24). Nesse estudo, privilegiar o sujeito, ou uma categoria específica de sujeito, o reincidente penitenciário, constitui-se em tarefa fundamental. De fato, a abordagem da pesquisa recai sobre um “sujeito em ação” e, sobretudo, sobre a “ação do sujeito”. A realidade dentro e fora da prisão compõe um campo específico em que as percepções se constituem, se fazendo apreendidas na assimilação, reapropriação e reinterpretação que delas fazem os sujeitos da pesquisa. É na relação com a prisão e, também, na realidade fora do espaço prisional que se detém o olhar sobre a reincidência penitenciária, por meio do acesso às percepções “filtradas” pela memória e atualizadas pelos “sujeitos da fala”. O que se está querendo enfatizar é que, tanto dentro quanto fora do ambiente prisional está presente a tentativa de construção de uma identidade de si, do outro e das relações sociais. Hall (1999) argumenta que os sujeitos não têm uma identidade fixa, permanente. Ao contrário, ela é transformada continuamente em relação às formas pelas quais os indivíduos são representados ou interpelados nos sistemas culturais que os rodeiam. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas em torno de um eu coerente. Ao contrário, são identidades contraditórias empurrando em diferentes direções de tal modo que a identificação do indivíduo é continuamente reelaborada. Nessa vertente de raciocínio, o indivíduo cria relações, regras e normas de conduta, valores e estratégias no âmbito de sua existência enquanto sujeito social, que conformam suas ações sociais e garantem a existência de sua identidade pessoal e coletiva. É a esse conjunto complexo que se está aqui denominando de “identidade social”. Com base nessas afirmações, tem-se o interesse em romper com uma abordagem “anônima” do sujeito que, nesse estudo, será visto e percebido não pela via da omissão, da passividade, mas concretamente,

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em sua dimensão simbólica, trazendo consigo as marcas de um pertencimento social e institucional a ser desvendado. Esse sujeito, discutido nos moldes complexos que lhe atribui Jovchelovitch e Guareschi (1994, p. 78) “não está abstraído da realidade social, nem meramente condenado a reproduzi-la. Sua tarefa é elaborar a permanente tensão entre um mundo que já se encontra constituído e seus próprios esforços para ser um sujeito”. Nessa perspectiva e seguindo tendências recentes de resgatar propostas analíticas de autores contemporâneos, é incorporado neste estudo a contribuição teórica de Bourdieu (1989) pelo fato de encontrar nesse autor um útil e plausível quadro de referência que permite associar algumas categorias analíticas às complexas relações do sujeito com o mundo social. A análise de Bourdieu sobre o Poder Simbólico torna-se importante quadro de referência em pesquisa sobre a conduta social reincidente. Em seus estudos, Bourdieu (1989) demonstrou que os indivíduos não são sujeitos passivos aos fatores objetivos da vida social; ao contrário, de múltiplas e variadas formas eles resistem, reapropriam e reinterpretam a “ordem dominante”, através de procedimentos estratégicos e de uma “percepção criativa” das normas e determinações externas. Nesse sentido, esse estudo apoia-se em sua discussão para analisar as representações sociais da corrupção e da violência no sistema penitenciário de São Paulo com base no “Poder Simbólico” o qual se volta para a análise da dominação pelo monopólio dos critérios de legitimidade. Os sistemas simbólicos são instrumentos de conhecimento e de comunicação que, por serem estruturados, são capazes de exercer um poder estruturante. Essa dupla face é elemento essencial de tratamento das ações simbólicas. Enquanto instrumento estruturado e estruturante de comunicação e de conhecimento, os símbolos, constituídos em sistemas simbólicos são fundamentais para o exercício da dominação. Bourdieu (1989) reconhece o indivíduo como portador de estratégias de ação analisando-o como um agente socializado. Sendo assim, é na relação entre o habitus e o campo com a posse de determinados 41


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capitais (simbólicos, sociais, econômicos e culturais) que se constrói o motor da ação na perspectiva teórica de Bourdieu. Portanto, o habitus contribui para a constituição de um determinado campo ao produzir agentes que dão sentido aos valores – materiais e simbólicos nele presentes: “o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital [...] o habitus, a hexis indica a disposição incorporada, quase postural – de um agente em ação” (BOURDIEU, 1989, p. 61). O campo se caracteriza, entre outros aspectos, pela definição dos objetos de disputas e dos interesses específicos dele próprio. Esses objetos e interesses são percebidos apenas por pessoas com formação apropriada para adentrarem no campo. Para que um campo funcione, é necessário “que haja objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de habitus que implique no conhecimento e reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc.” (BOURDIEU, 1983, p. 89). Bourdieu (1989) tem mostrado em seus estudos que os indivíduos não são sujeitos passivos aos acontecimentos; ao contrário, de múltiplas e variadas formas eles resistem, reapropriam e reinterpretam a “ordem dominante”, através de procedimentos estratégicos e de uma “percepção criativa” das normas e determinações externas. Por meio da noção do habitus (um conhecimento adquirido, capital material, cultural e simbólico), Bourdieu reconhece o indivíduo como portador de estratégias de ação, analisando-o como um agente socializado. É pensando o ator como um indivíduo socializado, representado pela constituição de um habitus que Bourdieu busca uma mediação reflexiva para a discussão da relação entre indivíduo e sociedade. O habitus contribui para a constituição de um determinado campo ao produzir agentes que dão sentido aos valores materiais e simbólicos nele presentes. A relação que um indivíduo mantém com a cultura (sociedade) depende das condições nas quais ele a adquiriu. A caracterização dos principais elementos que definem o habitus é fator impor42


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tante na apreensão de visões de mundo e valores que definem um lugar na estrutura social. O sujeito de que se ocupa essa pesquisa é constituído em um campo específico de habitus e valores que orientam suas ações cotidianas no domínio das “relações simbólicas”, como discute Bourdieu (1989). O que interessa focalizar são os elementos constituintes desse habitus que conforma o olhar e a percepção em relação às suas práticas sociais. Nessa perspectiva, interessa entender o significado de condutas reincidentes a partir da forma que ela assume nos sujeitos concretos. Em outras palavras, como visões de mundo interferem na construção de carreiras criminosas. 2.6. O fenômeno da reincidência: alguns problemas de natureza conceitual, análise jurídico-legal e recorte da pesquisa Uma das grandes dificuldades para a construção da reincidência, enquanto problema de investigação científica, é a limitação de dados sistematizados e de fontes bibliográficas sobre o tema. O assunto ainda é pouco explorado, o que repercute em parca publicação, denotando que, historicamente, o Brasil não conferiu atenção adequada ao estudo do fenômeno. Sobre isso, já observava Adorno: estranho silêncio, haja vista a problemática habitar com frequência os pronunciamentos de autoridades encarregadas de exercer controle, vigilância e preservação da ordem pública, a par de uma não menos proliferação discursiva na grande imprensa, sobretudo na cotidiana reportagem policial, instância ao que parece empenhada em desencadear campanha de dramatização da delinquência, investindo em efeitos/dividendos políticos-ideológicos (ADORNO; BORDINI, 1989, p. 72).

Embora a questão da criminalidade e da violência na sociedade brasileira se configurem em preocupação constante na agenda de profissionais da segurança pública e de estudiosos do tema, a questão da reincidência ainda permanece no anonimato e, quando é conferida atenção ao fenômeno, se ressalta, muito mais as dificuldades de trata43


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mento científico do tema, esbarrando em uma série de dados estatísticos, cuja magnitude é colocada sob suspeita diante da natureza da fonte primária e da imprecisão conceitual, que, não poucas vezes, orientam a produção de estatísticas policiais e judiciais. Apesar da imprecisão conceitual, alguns estudos das décadas anteriores: Fausto (1983); Paixão (1983; 1991) incluíram uma análise da reincidência, entretanto, de maneira genérica, sem demarcar o conceito utilizado. Fausto e Paixão, em pesquisa sobre o crime e a criminalidade em São Paulo e Belo Horizonte entre as décadas de 1930 e 1970, não se detiveram em explicitar o conceito de reincidência adotado, recorrendo a dados coletados de fontes diversas e em períodos distintos, o que suscitou dúvidas quanto ao entendimento entre as diversas fontes consultadas (ADORNO; BORDINI, 1989). Outros estudos (ADORNO; BORDINI 1989, 1991; LEMGRUBER, 1989; KAHN, 2001) buscaram empreender uma análise mais elaborada do fenômeno, e apresentar dados mais precisos. Adorno e Bordini (1989), utilizou como recorte empírico todos os sentenciados libertados da penitenciária do estado de São Paulo entre 1974 e 1976, o que significou 252 pessoas do sexo masculino. Utilizou-se o conceito de “reincidente penitenciário” para identificar o sujeito que, tendo já cumprido pena, tenha sido recolhido novamente em estabelecimento penal. O estudo apontou para uma taxa de 46,03%, número bem distante dos ventilados 70% (IPEA, 2015). Lemgruber (1989) também realizou pesquisa no antigo Departamento do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro (Desipe) no ano de 1988. O recorte empírico baseou-se no total de 8.269 homens e 251 mulheres presas, que representavam 5% do total de apenados do sistema prisional carioca. Realizando entrevistas e técnicas quantitativas de pesquisa, a taxa de reincidência penitenciária registrada foi de 30,7%, sendo de 31,3% para homens e 26% para mulheres (BRASIL, 2015). Os problemas em torno da abordagem da reincidência não param por aí. Em 1994, foi publicado o primeiro Censo Penitenciário Nacional. Pela primeira vez, foi apresentado um quadro geral das condições 44


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prisionais no país, bem como determinado o número total de presos, considerando aqueles recolhidos nos sistemas penitenciários estaduais, e os que permaneceram em carceragem nas unidades policiais ou cadeias públicas. No entanto, essa mesma pesquisa, não apontou nenhuma informação específica sobre o coeficiente da reincidência, inviabilizando qualquer tentativa de abordar seu aspecto quantitativo. Em 1997, o mesmo censo inseriu uma breve referência à reincidência, apontando que, do total de presos no país, cerca de 83.457, 21.415 eram reincidentes, ou seja, 25,7%. Contudo, a pesquisa não revelou se, desse total de pessoas reincidentes, todas foram condenadas pela justiça ou se aguardavam o julgamento em regime de prisão, e, ainda, a composição geral de reincidentes penitenciários ou não, e, na condição de terem sidos anteriormente julgados, se este julgamento culminou em pena de prisão ou no cumprimento de outro tipo penal. Esse quadro aponta para um grave problema de caráter metodológico, sugerindo certa impropriedade teórica no emprego indiferenciado do conceito de reincidência, “misturando”, ao mesmo tempo, a reincidência “genérica” com a reincidência “legal”, e com a reincidência “penitenciária”. O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão do Ministério da Justiça (MJ), é encarregado de produzir informações estatísticas sobre a população prisional. Sabe-se, no entanto, que os dados disponíveis no sistema nunca foram adequados para medir o coeficiente de reincidência no pais. Isso ocorre porque o procedimento adotado pelos órgãos não leva em conta o fato do conceito expressar fenômenos distintos e, sendo assim, também não estabelece diferenciações entre eles. Como consequência, na ausência de dados precisos, gestores da segurança pública incorrem a equívocos frequentes que são orientadores das estimadas taxas de 70% de reincidência, quase sempre ventiladas pela imprensa quando este é o assunto em pauta: Para o Depen, o indicador é definido como o número de reincidências sendo igual a presos recolhidos no ano com passagem anterior pelo sistema (condenados ou não). Ou seja, a porcentagem de 70% está sobrestimada pelos presos provisórios, que têm seu movimento influenciado pela

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atividade policial e que não necessariamente se convertem em condenações (BRASIL, 2015, p. 12).

Esse grave cenário coloca em debate a urgência de se repensar a atual política de execuções penais no país que, na prática, deixa entrever a adoção do encarceramento maciço (NADANOVSKY, 2009), sobretudo, orientado pela percepção de que os riscos devem ser reduzidos, as políticas de prevenção ao crime devem ser mais amplas, e que os criminosos devem ser mais severamente punidos e controlados. Tal situação inclui a ação repressiva da polícia e o aumento das condenações no trâmite judiciário, bem como a construção, ampliação e reforma de unidades prisionais, em detrimento de outras ações e políticas voltadas para o sistema prisional. 2.7. Abordagem jurídico-legal da reincidência: relações e distinções O fenômeno da reincidência é objeto de estudo por quase todos os teóricos do Direito Penal. O termo “reincidência” é amplamente empregado pela definição técnico-jurídica, e indica uma maior culpabilidade da pessoa infratora, como também a reprovabilidade mais acentuada de caráter jurídico. Observa-se que, nos estudos penais, a estigmatização da reincidência é quase unânime, deixando entrever a existência de tendências criminosas que não se abalam com a ação coercitiva do estado e das sanções penais. A esse respeito, Vabres (1962, p. 95) comenta, enfático: “o reincidente está próximo do doente da vontade”. O autor destaca que a conduta reincidente traz implícita a persistência na vontade de infringir a lei penal, portanto, denota um caráter incorrigível. E, também, Ferri (1980, p. 62) ao caracterizar o reincidente como “delinquente habitual”, “possuidor de uma fisionomia biopsíquica própria, que lhe caracteriza a grave periculosidade e a fraca readaptabilidade social”. Em que consiste a reincidência com base no conceito contido na Legislação Penal? Em um sentido amplo, o termo reincidência, que vem 46


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do latim recidere, consiste na reiteração de qualquer ato delituoso. Em um sentido jurídico-penal, contudo, é a situação do indivíduo que volta a praticar delitos depois de haver sido julgado, por um ou mais crimes anteriores. O termo ‘reincidência’ é amplamente empregado pela definição técnico-jurídica, e indica maior culpabilidade do agente infrator, como também a reprovabilidade mais acentuada de caráter jurídico. A preocupação em punir com maior rigor a conduta reincidente não é recente. Como condição destinada a influir sobre a natureza (tipificação do crime) e a quantificação da pena, a reincidência esteve presente no direito penal romano, cuja distinção [...] já se fazia à época imperial, de dois tipos fundamentais de reincidência: a genérica e a específica, com a definição, inclusive de suas consequências. [...] enquanto a primeira se limitava a privar o delinquente de certos benefícios, como o perdão, por exemplo, a segunda implicava forçosamente na agravação da pena, ou conferia o caráter de crime ao fato de que, se praticado pela primeira vez, não ensejaria senão a aplicação de medidas disciplinares. No direito germânico medieval e no canônico a agravação da reincidência se manifestava, principalmente, com relação aos crimes patrimoniais, nos quais, uma segunda reiteração no furto, por exemplo, podia levar até à aplicação da pena capital (SÁ, 1981, p. 51).

Nesse período, era conferido valor fundamental ao arbítrio dos juízes, quase não pesando as disposições legais sobre a reincidência. A repetição de delitos era compreendida pelas autoridades judiciais como um sinal marcante de incorrigibilidade do delinquente, justificando-se uma aplicação maior e, por vezes arbitrária e excessiva de punição. A antiga França, por exemplo, adotou medidas severas contra os ditos reincidentes habituais, vários desses egressos das prisões, sobre os quais a legislação do antigo regime pronunciava penas mais rigorosas, duras e infamantes. As declarações de 1812, facultavam aos juízes a aplicação de várias penas alternativas, todas elas duras e infamantes, desde a interdição de residência, até a aplicação de penas de galera (SÁ, 1981).

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A legislação da Assembleia Constituinte de 1791 dispõe sobre a reincidência dois preceitos paralelos e distintos. O primeiro limita-se a prever as reincidências especiais no mesmo delito e, algumas vezes, em delitos do mesmo gênero. A pena era igualmente duplicada na ocorrência dessa circunstância. O segundo consistia em aplicar ao crime cometido após uma condenação criminal, sanção penal condenatória, determinando que, quando da expiação da pena, a pessoa condenada fosse transportada para um lugar fixado para a localização dos reincidentes reconhecidos como malfeitores. Ainda, segundo Sá, lei posterior imprimiu à reincidência uma nova e revoltante prática: a de mandar marcar com ferrete o reincidente, com a letra R na espádua esquerda. Esta disposição durou até a promulgação do Código de 1810, cujo advento ensejou para a reincidência o caráter de causa geral de “agravamento da pena”. Atualmente, a ideia de usar um “agravamento da pena” contra a pessoa reincidente cujos antecedentes tiveram muitas condenações é um princípio “rudimentar” que quase todas as legislações, das mais primitivas às mais civilizadas, têm aplicado. 2.8. A reincidência na Legislação Penal Brasileira No direito brasileiro, o termo reincidência aparece no Código do Império de 1890, no artigo 16, parágrafo 3º, prevendo como circunstância agravante “ter o delinquente reincidido em delito de mesma natureza”. O mesmo Código definiu a reincidência e fixou-lhe os requisitos nos seguintes termos: “Art. 40: A reincidência verifica-se quando o criminoso, depois de passada em julgado a sentença condenatória, comete outro crime da mesma natureza, e, como tal, entende-se, para efeitos de lei penal, o que consiste na violação do mesmo artigo” (BRASIL, 1890). Esse preceito do Código de 1890 foi muito criticado por estudiosos criminalistas, uma vez que reduzia a reincidência a um conceito “extremamente acanhado”. Sá observa que muitos reincidentes tecni-

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camente considerados deixavam de ser apenados com maior rigor visto que não incorriam exatamente na mesma disposição da lei penal, cuja infração novamente o acusavam. Assim, por exemplo, não reincidia o indivíduo que, condenado anteriormente por furto, viesse depois a sofrer nova condenação por roubo. Isso significa, em tese, que aquele estatuto penal só admitia a reincidência específica e em âmbito por demais restrito, em uma sistemática inteiramente diferente da adotada pelas modernas legislações. Nesse sentido, o Código Penal de 1940 imprimiu à reincidência uma nova feição e uma amplitude bem maior do que a anterior. O direito brasileiro, partindo do Código do Império até chegar ao Código Penal de 1977, evidenciou mudanças de caráter legislativo, atribuindo à reincidência uma importância particular. Primeiramente, incorporou ao texto declaração sobre a validade das sentenças estrangeiras, considerando como reincidente quem havia praticado crimes fora do Brasil. Art. 46: Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (BRASIL, 1984b). No mesmo sentido, elevou a reincidência à posição de “agravante” e introduziu um prazo de validade definido pelo intervalo entre condenação anterior e atual. “Parágrafo Único: Para efeito da reincidência, não prevalece a condenação anterior se, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos” (BRASIL, 1984b). Outra alteração diz respeito à presunção de periculosidade social. Considera-se “perigoso” todo autor pelos seus antecedentes e personalidade, motivos determinantes e circunstâncias do fato, meios empregados e modos de execução, levando-se em conta a torpeza, perversão, malvadeza e, ainda, a intencionalidade ou insensibilidade moral. Logo, seriam perigosos todos os autores de crimes contra o patrimônio que prevalece por tempo determinado. O artigo 78 faz vigorar o seguinte enunciado:

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“Artigo 78. A presunção de periculosidade não prevalece se, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e o crime posterior, tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos” (BRASIL, 1984b). Isso significa que a presunção de periculosidade social prevalece para reincidentes em crimes dolosos por um período de tempo determinado. Dentre essas mudanças relativas à reincidência, encontram-se ainda as oferecidas pela Lei n.º 6.416/77, do Código Penal Brasileiro no qual predomina a orientação de que a reincidência deve resultar em “agravamento da pena”, particularmente, para crimes dolosos. Isso significa que o instrumento da lei interpreta a reincidência como um potencial maior de capacidade da pessoa em delinquir e, portanto, repercute culpabilidade mais acentuada ao agente. Na Lei n.º 6.416/77, verifica-se, assim, uma “culpa maior”, porque a vontade de delinquir persistiu, acrescentando que é isso que aumenta a quantidade do delito e que legitima meios de reação mais “enérgicos”. No âmago dessas mudanças proferidas pelo Código Penal Brasileiro, a reincidência recebeu uma feição moderna, prevalecendo na legislação atual alguns requisitos considerados fundamentais. Com isso, a reincidência legal é analisada à luz de determinados requisitos, conforme aponta Sá (1981). No primeiro requisito, tem-se a pluralidade de infrações, condição sine qua non para que ocorra ou se reconheça a reincidência, isto é, a prática de uma segunda ou de seguidas infrações. No campo jurídico, admite-se a reincidência independente da quantidade de delitos praticados. A lei penal caracteriza os atores de delitos de criminosos habituais, admitindo tratamento específico para os que cometem diversos delitos. Esses estados são denominados de habitualidade e da profissionalidade do ato criminoso. O termo habitualidade é adotado pelo Código Penal ao referir-se á situação em que há pressuposição de que o egresso da prisão possa vir a cometer novo delito, enquanto que a profissionalidade, indica que o agente faz da atividade criminosa uma profissão ou uma garantia de sua

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subsistência. Ambos registros são efetuados a partir da elaboração de laudo técnico pela equipe de profissionais (psicólogos, assistente social, perito médico) sobre o grau de periculosidade que o reincidente representa para o convívio social. A esse respeito, Sá (1981) destaca que, de modo geral, as legislações estrangeiras reconhecem a reincidência como um traço fundamental de irrecuperabilidade do agente, repercutindo em maior rigor no tratamento do condenado. No código penal italiano, por exemplo, identifica a reincidência como habitualidade e quando esta passa a ser tratada como meio de subsistência do delinquente, isto é, como profissão, deve ser declarada expressamente por sentença condenatória. No mesmo sentido, a lei penal grega prevê não só a reincidência como habitualidade. Quando alguém foi condenado à pena de prisão por delito intencional por, pelo menos três vezes, e comete novo delito, nesses casos, se juntado aos atos precedentes, é prova cabal de habitualidade, levando o tribunal a aplicar pena de prisão de duração indeterminada que será executada em estabelecimentos especiais ou anexos em prisões. De igual modo, em sistemas penais latinoamericanos como o México e o Chile, a reincidência é reconhecida como tendência para o crime e traço indelével de periculosidade. A legislação brasileira caminha no mesmo sentido, ao vincular a reincidência à periculosidade, destacando-se a presunção ou vontade de reincidir no ato ilícito (SÁ, 1981). Com relação ao segundo requisito importa a existência de uma condenação anterior definitiva, condição indispensável para qualificar o pluralismo de infrações. Nesse aspecto, para que se reconheça o estado da reincidência e lhe aplique as consequências legais, é necessário que o agente tenha sofrido condenação anterior, em caráter definitivo, em outro delito, no Brasil ou no estrangeiro. Registre-se aqui que não existe reincidência legal quando o processo por crime anterior não tenha transitado em julgado depois de praticado novo delito. Essa modalidade pressupõe condenação com trân-

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sito em julgado, e não unicamente a prática do crime ou a existência de processo anterior. O terceiro e último requisito diz respeito à gravidade dos delitos, com relação à aplicação das penas e ao tratamento dado ao infrator reincidente, conforme preceitua o artigo 78, inciso IV, do Código Penal Brasileiro: Artigo 78. As sanções penais atuais se inclinam para a admissão da reincidência entre quaisquer modalidades de crimes, com maior ênfase para os de natureza dolosa (com a intencionalidade do autor), aos quais são atribuídos efeitos mais graves, tal como ocorre com relação à presunção de periculosidade. Sobre essa questão, após o decurso de cinco anos, a reincidência estará cancelada em caso de crime culposo, o que significa a reaquisição do indivíduo à qualidade de primário, o mesmo não ocorrendo com a reincidência em crime doloso. É a essa periculosidade presumida, com relação à reincidência que diz respeito o inciso IV do artigo 78, conforme destacado por Sá (1981, p. 88). Prevê ainda o Código Penal que a presunção de periculosidade no caso de crimes dolosos, prevalece se, entre a data do cumprimento da pena e o crime posterior, tiver decorrido período de tempo inferior a dez anos (Lei n.º 6416/81). É também sobre a reincidência em crimes dolosos que recaem reprovabilidade mais acentuada, estando aí incluídos os que têm sua “periculosidade social” presumida ao praticarem um segundo delito. 2.9. Efeitos da reincidência legal A Lei 7.209/1984 alterou dispositivos do Código Penal Brasileiro, ratificando as circunstâncias que agravam a pena, dentre as quais coloca em primeiro e destacado plano, a reincidência. No Art. 61: São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

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I. a reincidência Sobre o fenômeno da reincidência recai reprovabilidade mais acentuada que se junta à condenação anterior para compor o agravante indicando maior culpabilidade do agente. Os efeitos de natureza penal estão dispostos no artigo 67, onde se lê: Art. 67 . No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (BRASIL, 1984a)

À reincidência, particularmente, a de natureza dolosa, são atribuídas consequências legais mais severas, tanto do ponto de vista repressivo quanto da pena aplicada. Dentre os efeitos legais, a legislação impede o reconhecimento de atenuante previsto no artigo 48, inciso IV, do Código Penal, com o aumento da pena estabelecida. Levando-se em conta a presunção de periculosidade do agente, há a conversão de multa em pena privativa de liberdade (art. 38). Casos em que o agente foi condenado por outro crime doloso, da mesma natureza ou de natureza diversa e, posteriormente, venha a cometer um segundo delito, também doloso, admite-se a decretação de prisão preventiva, sem direito a pagamento de multa ou fiança. E, ainda consta no referido código, que a pena de prisão ocorre em casos de reincidência em crimes dolosos, dentre os quais, estão, por exemplo, os crimes contra a pessoa - o homicídio (art. 129) - e contra o patrimônio – furtos (art. 155); e roubos (com agressão física da vítima, art. 157). Esses tipos criminais estão enquadradas entre os crimes considerados graves sob a ótica dos magistrados, sobretudo, porque pressupõe a intencionalidade do agente (BRASIL, 1984a). 2.10. O recorte da pesquisa Em diferentes abordagens em torno da reincidência criminal, as principais pesquisas brasileiras que analisaram o fenômeno (ADORNO; BORDINI 1989; 1991; LEMGRUBER, 1989; KAHN, 2001) dedicaram 53


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esforços no sentido de dimensionar a magnitude do fenômeno, bem como caracterizar o perfil socioeconômico e demográfico dos presos. Nessa linha de raciocínio, não há reflexão mais pormenorizada sobre os mecanismos de produção e manutenção de carreiras criminosas, bem como reflexões sobre o impacto da estrutura do sistema de justiça criminal na determinação das características da população prisional. A esse respeito, o estudo de Reis (2001) apresenta uma reflexão sobre a reincidência penitenciária, buscando discutir o significado das ações sociais de sujeitos submetidos às malhas do circuito polícia-justiça-prisão, em uma tentativa de aprofundar o conhecimento sobre a conduta reincidente a partir das trajetórias sociais e sua relação com o fluxo de funcionamento do sistema de justiça criminal. A discussão ora proposta segue essa mesma vertente de preocupação. Partindo de considerações sobre a reincidência em seu aspecto jurídico-legal, há ainda que se discutir os elementos motivadores que sustentam a conduta reincidente, colocando em debate a figura do egresso da prisão que, posto em liberdade, comete novo(s) delito(s) e retorna à prisão. Como se pôde observar, o caráter multifacetado do conceito de reincidência dificulta o tratamento científico do seu coeficiente, dadas as diversas implicações metodológicas, particularmente, no que diz respeito às fontes de informação, ao universo empírico e ao enfoque adotado. É importante registrar que os dados disponíveis sobre a população prisional não são adequados para medir o coeficiente de reincidência penitenciária nos estados, sobretudo, porque os procedimentos adotados pelos órgãos oficiais em sistemas de informações penitenciárias, quando fazem referência à reincidência, não leva em conta o fato do conceito expressar fenômenos distintos e, sendo assim, também não estabelece diferenciações do conceito empregado. O recorte deste estudo descarta a reincidência tomada em sua acepção estritamente legal aplicável aos casos em que há condenações de um indivíduo em diferentes ações penais, ocasionadas por fatos di54


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versos, sendo fundamental que a diferença entre o cumprimento de uma pena e a determinação de uma nova sentença seja inferior a cinco anos. A reincidência legal atém-se ao parâmetro de que ninguém pode ser considerado culpado de nenhum delito, a não ser que tenha sido processado criminalmente e, após o julgamento, seja sentenciada a culpa, devidamente comprovada. Esta pesquisa também não adotará a perspectiva da reincidência genérica. Esta concepção é demasiadamente ampla e incorpora todos os comportamentos que, em tese, infligiriam a lei. Em outras palavras, uma pesquisa dessa natureza levaria ao estudo da repetição, por um mesmo indivíduo, de atos definidos como crimes no Código Penal, independentemente de autuação por autoridade policial ou pelo Poder Judiciário, o que abrangeria população e taxa enormes, portanto, fora dos parâmetros definidos para essa pesquisa, que é discutir o cruzamento da abordagem qualitativa com a quantitativa na análise do comportamento reincidente. A pesquisa também não vai se ater ao conceito de reincidência criminal. Ainda que amplamente empregado, tal conceito é pouco rigoroso, empregado em certas situações para descrever fenômenos bastante distintos. Aponta, na verdade, para o fenômeno mais amplo da reiteração em atos criminosos e da construção de carreiras no mundo do crime. Contudo, existem diferentes abordagens em relação a essa temática, matéria de preocupação da sociedade e de gestores da segurança pública e justiça criminal, de modo que a construção de um recorte adequado de pesquisa exige maior rigor conceitual, sem o qual não seria possível traçar sua delimitação como objeto de estudo. A pesquisa ocupa-se, portanto, à análise da reincidência penitenciária. Atém-se aos casos em que, no universo de sentenças emitidas pelo Judiciário, houve pena de prisão com base na contagem daqueles que retornaram para os estabelecimentos penais de Rio Branco, capital do Acre, no ano de 2015, após uma primeira entrada. A escolha desse recorte decorre da necessidade de se discutir a eficácia e a capacidade da execução penal e das políticas públicas voltadas 55


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ao egresso como forma de proporcionar sua reintegração social e uma trajetória de vida longe das amarras do sistema de justiça criminal e, nesse sentido, traçar os contornos mais gerais que o fenômeno da violência assumiu nesses últimos anos. Tal objetivo está no escopo deste estudo, e será apresentado em seus aspectos qualitativos e quantitativos. Com base nesses esclarecimentos, chega-se assim ao conceito de reincidência penitenciária, objeto deste estudo, o qual ateve-se à definição apresentada a seguir: Por reincidente penitenciário compreende-se o indivíduo que reúna as seguintes condições: i) que tenha sido condenado e cumprido pena de prisão em qualquer estado brasileiro, ou, ainda, fora do Brasil pela prática de crimes distintos, e que tenha obtido liberdade; ii) que, posto em liberdade, tenha cometido novo(s) delito(s); iii) que, por força do(s) novo(s) delito(s), tenha retornado ao sistema penitenciário acreano (reentrada), com base em sentença emitida pelo Judiciário.

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3. Metodologia O estudo aborda a reincidência penitenciária transversalmente, mediado pelas análises qualitativas e quantitativas, reconhecendo-as como associadas e complementares. O intuito é compor, por meio do conteúdo dos dados objetivos e qualitativos, um conjunto de informações que possibilite capturar as motivações da conduta reincidente em seus múltiplos antagonismos e práticas, trazendo à tona a visão de mundo e os valores que orientam o agir social do grupo pesquisado. A seguir, serão feitas considerações sobre os eixos e metodológico e empírico da pesquisa 3.1. Contribuições da pesquisa qualitativa e quantitativa Para realizar um estudo dessa natureza, é fundamental a escolha de um método de pesquisa compatível com a técnica de pesquisa. O método trata do conjunto de procedimentos que nos direciona para a interpretação da realidade social em determinado sentido, matéria-prima das ciências humanas e sociais. Geralmente, são utilizados o método quantitativo e/ou o método qualitativo, alinhando-se às características de cada um com os objetivos da pesquisa em questão. O método quantitativo assenta-se no resultado da somatória de opiniões sobre determinado tema, apropriando-se de tal somatória como eixo-guia para a confirmação das hipóteses da pesquisa. Adota como técnica fundamental a aplicação de questionários que se traduzem em respostas percentual, de números, ou valores. É importante observar que tal método requer conhecimentos sobre estatística, definição sobre margem de erro, bem como possíveis desvios. Por outro lado, o método qualitativo, conforme ensina Richardson (2010), pode ser definido como: “[...] a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos” (RICHARDSON, 2010, p. 90).

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Nesse sentido, percebe-se que tal método não se detém a dados quantificáveis ou à valorização objetiva do fenômeno. Na pesquisa qualitativa, o que interessa é a busca por fatores subjetivos, pela contextualização dos dados brutos e pelo significado atribuído a cada resposta. A credibilidade desse método está vinculada diretamente com a saturação e/ou exaustão dos dados levantados. Diante disso, a abordagem qualitativa é amplamente empregada em pesquisas na área de humanidades, visto que se apresenta como forma adequada tanto para verificar quanto para compreender a natureza dos fenômenos sociais. Richardson (2010) observa a importância da pesquisa qualitativa ao destacar que: “[...] Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos” (RICHARDSON, 2010, p.80).

Em sentido oposto ao método quantitativo, o método qualitativo possibilita flexibilizar o roteiro da pesquisa, desde que mantenha-se a coerência com os objetivos propostos inicialmente no estudo. Em relação aos procedimentos metodológicos, as pesquisas qualitativas utilizam as técnicas de observação e as entrevistas, sobretudo, em razão da capacidade que tais instrumentos possuem para adentrar na complexidade do problema de pesquisa em questão. Pode-se fazer o uso de diferentes técnicas de coleta de dados, mas para a realização deste estudo foi utilizada o “grupo focal”, considerando suas principais vantagens para a pesquisa. É importante observar que os métodos qualitativos complementam os métodos quantitativos, uma vez que o primeiro analisa a realidade em sua profundidade, tornando acessível o conhecimento detalhado sobre os valores e/ou visões de mundo, ao passo que o segundo possibilita verificar com um maior número de pessoas se os achados obtidos no primeiro estão coerentes com a posição do grupo investigado. 58


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

Feitas tais considerações, registra-se que a pesquisa sobre a reincidência penitenciária situa-se no cruzamento dessas duas categorias de análise, buscando trazer à tona a complexidade do crime como fenômeno social, seus desdobramentos nas relações sociais. 3.2. A abordagem qualitativa: a técnica do Grupo focal No âmbito da pesquisa qualitativa há diferentes possibilidades metodológicas, as quais levam a um processo dinâmico de adesão a novas maneiras de coleta e de análise de dados. Nessa perspectiva, o grupo focal se constitui como uma técnica de coleta de dados que, baseado na interação grupal, provoca profunda problematização sobre um tema ou objeto específico. Na tentativa de promover melhor compreensão dessa técnica, vale destacar que se trata de uma entrevista em grupo, na qual a interação apresenta-se como parte integrante do método. No processo de aplicação dos grupos focais, os encontros grupais possibilitam aos participantes apresentarem seus pontos de vista, a partir de reflexões sobre um fenômeno social, expondo suas próprias indagações e buscando dar respostas relativas à questão sob investigação. Com isso, o grupo focal pode alcançar um padrão de reflexividade que outras técnicas não conseguem atingir, apresentando dimensões de entendimento que, com frequência, são pouco exploradas por outras técnicas usuais de coleta de dados. A admissão dos grupos focais como espaços de excelência para o alcance de apreensão grupal acerca de determinado fenômeno tem viabilizado sua adoção em diversas áreas de conhecimentos, como, por exemplo, em pesquisas nas áreas das ciências humanas e sociais aplicadas. Nessas áreas, observa-se que os grupos focais vêm se consolidando e se constituindo de forma cada vez mais presentes. Várias são as publicações recentes que buscam compartilhar experiências nas quais a técnica de grupo focal foram empregadas no contexto desses estudos. Nessa perspectiva, ensina Minayo (2013) que o grupo focal caracteriza-se como em um tipo de entrevista ou conversa em grupos pe59


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quenos e homogêneos - de seis a doze informantes, com o propósito de obter informações sobre tema específico, sendo empregado tanto para gerar consenso, quanto para explicitar divergências. Além disso, pode assumir função complementar à técnica de observação participante e às entrevistas individuais ou, ainda, ser uma modalidade específica de abordagem qualitativa. Nesse sentido, pode ser usado para: i) focalizar a pesquisa e formular questões mais precisas; ii) complementar informações sobre conhecimentos peculiares a um grupo em relação a crenças, atitudes e percepções; iii) desenvolver hipóteses para estudos complementares; iv) ou, cada vez mais, como técnica exclusiva. Com isso, os estudos que adotam a técnica do grupo focal reconhecem-na como um espaço de reflexão e de troca de experiências sobre uma temática específica. Consequentemente, o grupo promove o debate entre os membros participantes, possibilitando que os temas abordados sejam mais aprofundados do que em uma situação de entrevista diretiva e/ou individual. Assim, os participantes ouvem as opiniões uns dos outros a fim de formular suas próprias convicções, acrescentar ideias novas, mudar de opinião e/ou fundamentar melhor sua posição inicial, quando envolvidos na discussão em grupo. Segundo Gondim (2003), a técnica de grupo focal apoia-se no desenvolvimento das entrevistas grupais, em que a figura do moderador assume a função de facilitador no decorrer da discussão, e sua ênfase recai nos fatores psicossociais que emergem, isto é, no âmbito de influências recíprocas advindas da formação de opinião sobre determinado fenômeno. O elemento mantenedor de coesão do grupo focal é o próprio grupo, não o indivíduo, quando uma opinião é exposta, verbalizada. Ainda que não seja compartilhada por todos, para efeitos de análise e de interpretação dos resultados, tal opinião é considerada e referida como pertencente ao grupo. Os grupos focais podem repercutir questões teóricas ou práticas, em que concorrem três tipos de tarefas: i) processos do próprio grupo, situados no campo da psicologia social ii) conteúdos emergentes, inseridos no domínio da ação cognitiva; iii)

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

conteúdos latentes, situados no ramo da psicologia clínica e da análise do discurso. Gondim (2013) ressalta que alguns aspectos devem ser observados ao se adotar a técnica dos grupos focais. O primeiro deles diz respeito à escolha do participante ao acaso, o que pode não ser um bom critério para a composição dos grupos focais, levando-se em conta a possibilidade de o informante ter algo relevante a ser debatido, e se o mesmo se sente confortável para apresentá-lo no grupo, considerando os limites e a potencialidade de cada participante no sentido de contribuir para a discussão proposta. O segundo aspecto chama atenção para a escolha de informantes por grupos conhecidos e/ou desconhecidos. Grupos em que os membros são conhecidos não são incomuns em organizações formais e podem reproduzir acordos prévios sobre o que deve ou não ser dito, fato este que deve ser considerado posteriormente, na análise dos resultados. Já o terceiro aspecto encontra-se no nível de estruturação do grupo focal e está relacionado roteiro a ser guiado pelo moderador. Com isso, a diretividade possibilita o foco no tema, mas pode inibir opiniões divergentes que possam enriquecer a discussão; a flexibilidade propicia a interação do moderador com o grupo, tendo em vista que cada grupo pode apresentar uma dinâmica própria, exigindo do pesquisador maior ou menor diretividade, que se levada a cabo traz o risco de comprometimento da análise comparativa das respostas intergrupais, em razão do aumento de digressões. Por fim, o quarto aspecto diz respeito ao número de participantes: grupos focais com poucos membros têm mais chances de propiciar a participação de todos os informantes, considerando ainda que, na condição de temas delicados e polêmicos, a composição de grupos com muitos informantes pode trazer prejuízos ao moderador no que diz respeito ao controle do processo, bem como a tendência latente de aparecimento de situações inusitadas de conflitos.

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Rubicleis Gomes da Silva / Marisol de Paula Reis Brandt / Francisco Raimundo Alves Neto

Quanto ao número de grupos focais na abordagem qualitativa, ainda que haja uma previsão inicial pelo pesquisador, o indicador se dá em torno da saturação das alternativas de respostas para configurar um padrão estruturalmente invariante. Quando as entrevistas evidenciarem esse padrão, tornando-se repetitivas e confirmando as anteriores, é sinal de que se conseguiu esgotar o tema para o qual a pesquisa foi dirigida, visto que os grupos já não produzem novidade. Os depoimentos provenientes das várias modalidades de interação devem ser contextualizados por um recorte de classe social ou segmento, gênero, faixa etária, etnia, bem como complementadas por outras variáveis, considerando-se cada situação específica de pesquisa qualitativa. Nesse sentido, como ensina Minayo (2013), cada ator social se caracteriza por sua participação, no seu tempo histórico, em determinado número de grupos sociais, repercutindo a cultura que lhe é específica e suas relações específicas com a cultura dominante de seu tempo. Diante do exposto, é possível afirmar que, em virtude de seu potencial interativo e problematizador, o grupo focal, enquanto instrumento de coleta e análise de dados se constitui em uma importante ferramenta de inserção dos participantes da pesquisa no contexto de discussões centradas em torno de um eixo comum, contribuindo, assim, para a captação de atitudes, percepções, representações, concepções políticas e práticas sociais. 3.3. A abordagem quantitativa: o modelo logit Os modelos de regressão dicotômica são utilizados na literatura objetivando analisar variáveis qualitativas. Destacam-se três modelos, o primeiro é o modelo linear de probabilidade, o segundo é modelo Probit, e por fim, o modelo Logit. A literatura destaca um conjunto algumas vantagens dos modelos Logit/Probit sobre o modelo linear de probabilidade. Contudo, os gan-

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

hos entre o Logit e Probit não são tão evidentes e acaba sendo uma escolha pessoal do pesquisador o modelo que é utilizado. Especificamente, nesta pesquisa é utilizado o modelo Logit em função da facilidade da análise dos parâmetros estimados. Neste modelo, a função de distribuição acumulada logistica é dada por: (1)

Em que Pi representa a probabilidade de ocorrência do evento, neste caso, do indivíduo incorrer na reincidência penitenciária; Xi é um vetor de variáveis explicativas e um vetor de parâmetros desconhecidos a serem estimados. Multiplicando-se os termos de (01) por –1 e adicionando 1 em ambos termos da equação tem-se: (2)

A partir do desenvolvimento do lado direito de (2) ter-se-á: (3)

(4)

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Rubicleis Gomes da Silva / Marisol de Paula Reis Brandt / Francisco Raimundo Alves Neto

Dividindo-se o numerador e denominador do lado direito de (4) por e tem-se: -xβ

(5)

Desenvolvendo a equação (5) tem-se: (6)

Colocando em evidência e-xβ chega-se a: (7)

Dividindo-se a probabilidade de ocorrência do evento, pela probabilidade de não ocorrência tem-se: (8)

Observa-se que (8) não é linear nos parâmetros. Aplicando ln em ambos os lados se tem: (9)

Ou alternativamente, (10)

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

A equação (10) mostra que o log da razão de probabilidades é uma equação linear dos parâmetros. A variável dependente, nessa regressão, é o logaritmo das chances de uma escolha. O lado esquerdo da equação (10) é denominado Logito e é uma função linear dos parâmetros e das variáveis explicativas. Dispondo-se dos valores de Pi, a equação (10) pode ser estimada por MQO, após o acréscimo de um termo de erro aleatório εi. Porém, não se dispõe de Pi. Observa-se Yi=1, quando o indivíduo responder SIM, e Yi=0, quando a resposta for NÃO. Dessa forma, a estimação dos parâmetros (β) deve ser feita por Máxima Verossimilhança (GREENE, 1997). Por fim, o modelo logit é estimado por máxima verossimilhança. Em um modelo com n observações tem-se: (11)

A expressão (11) pode ser escrita alternativamente como: (12)

Aplicando ln na expressão (12), tem-se: (13)

O efeito marginal das variáveis independentes sobre a probabilidade do indivíduo retornar ao presídio indica em quantos pontos percentuais varia a probabilidade de ocorrência do evento, dada uma variação na variável independente, mantendo-se constantes as demais. O efeito marginal é dado pela derivada primeira de (1) em relação à variável explicativa de interesse. 65


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Para essa derivação é necessária a utilização de cálculo diferencial, utilizando mais especificamente a regra do quociente, dada por: (14)

Então, para determina-se o efeito marginal de Xj, por exemplo, deve-se partir da equação (1) e desenvolver a regra do quociente (14) da seguinte forma: (15)

Observe que: Probabilidade de ocorrência do evento

Probabilidade de não ocorrência do evento

Logo, tem-se: (16)

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Determinantes da reincidĂŞncia prisional em Rio Branco - Acre

Observe que neste caso, tem-se que a variåvel independente contínua e linear. Contudo, na pråtica diversas situaçþes podem ocorrer e, consequentemente, o efeito marginal não Ê calculado conforme indica (16). Neste sentido, caso a variåvel em anålise seja uma variåvel dummy (vd), o efeito marginal Ê dado por: (17)

_ Onde � (d) denota a mÊdia de todas as demais variåveis.

Muitas vezes, a relação entre as variåveis dependentes e independes dar-se de forma quadråtica, ou seja: (18)

Neste caso, especificamente, tem-se que o efeito marginal ĂŠ dado por: (19)

É importante destacar que atravÊs da expressão (19) Ê possível determinar o nível de X que maximiza a probabilidade de ocorrência do evento, neste caso a mesma Ê dada por: (20)

Em muitas situaçþes Ê interessante expressar a variåvel independente em termos de logaritmo neperiano, ou seja:

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(21)

Neste caso o efeito marginal de ln(X) sobre Pi é dado por: (22)

3.4. Fonte de Dados 3.4.1. Definição da amostra para estimação do modelo de reincidência prisional Para a realização da pesquisa de campo a equipe executora necessitou do auxílio da Vara de Execuções Penais (VEP), da Secretaria de Segurança Pública, do Instituto de Administração Penitenciária (IAPEN) e na unidade penitenciária Dr. Francisco de Oliveira Conde (FOC). Inicialmente, foi definido entre a coordenação da pesquisa e a equipe técnica da secretaria de segurança a aplicação de 400 questionários. Na VEP foram aplicados 120 questionários, no IAPEN, 61 questionários e na FOC, 254. Totalizando, 435 entrevistas, ou seja, 8,75% acima do contratado. A definição do público elegível para a pesquisa foi definida pela equipe técnica da secretária de segurança. A mesma definiu a população carcerária de Rio Branco – Acre deu entrada unidade penitenciária Dr. Francisco de Oliveira Conde em 2015. O processo de entrevista e digitação dos questionários ocorreram ao longo dos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2018. É preciso destacar que neste tipo de pesquisa não é possível a utilização de princípios de aleatoriedade estatística para definição dos entrevistados, pois o nível de rejeição a prestar informação é altíssimo.

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

3.4.2. Definição do público elegível para a pesquisa qualitativa O Grupo Focal (GF) foi realizado no mês de setembro do ano em curso, na Unidade de Regime Fechado I, Escola Fábrica de Asas. No total, foram selecionados 8 (oito) presos reincidentes, com sentença condenatória em diferentes tipos de delitos. A partir daí, foram escolhidos aqueles que, segundo um agente de segurança prisional, tinham “bom comportamento”, eram “desinibidos” e que se predispunham a conversar com a entrevistadora em uma roda, e com a presença de outros presos. A conversa do GF ocorreu em quase quatro horas de registros que foram manuscritos literalmente e, em seguida, revisado. A extensão dessa sessão foi determinada pela maior ou menor desenvoltura do entrevistado e pela densidade dos relatos contidos em suas falas. A técnica do GF foi realizada em uma única sessão. O material coletado foi guardado sob absoluto sigilo, e as identidades dos informantes não são reveladas, sob nenhuma hipótese. A fala dos entrevistados permitiu acesso a uma infinidade de outras questões relevantes quando se busca investigar sujeitos submetidos às amarras do sistema de justiça criminal, especialmente, à prisão e seus habitantes. Estas questões estiveram presentes na multiplicidade de informações adquiridas pelos informantes ao se referirem a si mesmos, às instituições da sociedade, ao ambiente prisional, entre outras. Vale, ainda, observar a própria natureza dos grupos focais. Ele se atém, fundamentalmente, a uma interpretação, nesse sentido, as falas não estão apenas sendo reproduzidas, mas recontextualizadas, as histórias estão sendo reconstruídas nos marcos estabelecidos por uma pesquisa científica. Nesse sentido, opção metodológica da pesquisa objetiva destacar questões pertinentes à reentrada no sistema prisional (reincidência), situando-se no cruzamento das abordagens quantitativa e qualitativa, razão pela qual apresenta-se a perspectiva dos atores sociais envolvidos e, dessa forma, a prisão se apresenta como ‘o campo’ em que foi possível dispor de material objetivo para concretizar a análise proposta. 69


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Tem-se, com isso, o intuito de abordar uma parcela da população presa com pouca visibilidade social, apesar de sua presença na rotina dos estabelecimentos prisionais. Mas, a pesquisa não ultrapassa esse limite: não há aqui, a intenção de fazer uma abordagem abrangente e profunda sobre a unidade prisional FOC. O que o estudo propõe é destacar alguns dos principais fatores intervenientes à conduta reincidente, com base no estudo de uma categoria específica – os reincidentes penitenciários, recuperando na memória destes os elementos simbólicos que se fazem presentes em sua visão de mundo, a fim de estabelecer relações que situam nos campos institucional e/ou social. A delimitação do local da pesquisa deve ser vista como um recurso para se localizar os sujeitos, objeto da pesquisa, a fim de discutir sobre o comportamento reincidente. Em consonância com a perspectiva defendida por Neves (1996, p. 1) o desenvolvimento de um estudo desse porte, que ‘ajusta o foco’ nas ações dos sujeitos requer um corte temporal e espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador. Esse corte define o campo e a dimensão em que o trabalho será desenvolvido, isto é, o lócus da pesquisa no qual se localiza os sujeitos da ação.

No entanto, essa forma de abordagem do social não representa uma tentativa de estabelecer separação entre sujeito e prisão como se fossem dois elementos estanques em uma mesma estrutura social. Ao contrário, o propósito é estabelecer distintas conexões no espaço social em que a pessoa e suas percepções se constituem, centrando o foco no sujeito, no domínio de suas práticas simbólicas. Nesse sentido, o local da pesquisa apresenta-se como espaço físico, temporal e social para abordar a temática proposta. 3.4.3. Limites e potencialidades da pesquisa na prisão Para Becker (2001), estudar a população prisional requer certa cautela, dada a situação particular em que se encontram os informantes, o que pode levar à omissão de algumas informações com receio de que 70


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

as suas opiniões se tornem publicamente conhecidas. Por outro lado, se em nenhum lugar há tantos indivíduos cujo crime é publicamente conhecido, ali só estão aqueles que estão sob a tutela do estado e, por isso, diferem de outros indivíduos em habilidades, modo de operação ou em algum outro aspecto relacionado ao comportamento criminal. Este estudo considerou as limitações acima apresentadas, buscando encontrar um ponto de equilíbrio entre a fala dos participantes da pesquisa e a intervenção do pesquisador, e buscando manter com ele uma relação de confiança. No mesmo sentido, foi conferido ao trabalho rigor científico, buscando consistência das análises e conclusões, evitando, a todo momento, qualquer tipo de indagação precipitada. Empregando a técnica dos grupos focais, o objetivo foi dar voz ao sujeito, em uma tentativa de captar, de modo fidedigno, informações a respeito de uma realidade que só quem a conhece pode fornecer. Sendo assim, a confiança no pesquisador tornou-se fundamental. O olhar desconfiado dos entrevistados na fase inicial da conversa desapareceu à medida que compreendiam a relevância do trabalho e a contribuição aos propósitos da pesquisa. Um elemento importante para o estabelecimento da confiança foi o esclarecimento do anonimato da identidade, ou seja, a certeza de que os seus nomes não seriam revelados na análise do material. Como já mencionado antes, no material qualitativo foi empregada a técnica dos grupos focais, válida em pesquisas que buscam a profundidade na análise das respostas. Por meio da fala dos respondentes, obteve-se informações da população presa a fim de compreender a lógica que orienta a ação em torno do comportamento reincidente. Nesse aspecto, elaborou-se um roteiro com perguntas para ser respondido por oito detentos no mês de setembro de 2018. A coleta de informações com os presos na FOC (grupo focal) aconteceu no mês de setembro do ano em curso, e foi mediado pela companhia de funcionários indicados pela direção do presídio (Agente de Segurança Prisional). Nesse sentido, não foi facultado ao pesquisador 71


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autonomia para manter com o preso entrevistado uma relação independente da mediação de um funcionário. No entanto, o contato direto com os funcionários da prisão não trouxe limitações às atividades de coleta das informações. A conversa com os presos foi realizada no setor destinado às aulas e, neste momento, sempre havia agentes por perto que, a pedido da pesquisadora, mantinham certa distância, na parte externa à sala de aula. Com isso, buscou-se evitar interferências nas respostas dos informantes. Adicionalmente, considerou-se relevante uma conversa com os servidores do sistema prisional (agentes e técnicos), razão pela qual aplicou-se o grupo focal com os mesmos, tendo o propósito de obter informações que pudessem complementar, esclarecer e/ou elucidar questões atinentes à conduta reincidente. Com base na autorização do Diretor do Instituto de Administração Penitenciária (IAPEN) e, posteriormente, dos entrevistados, foi utilizado o gravador que facilitou o trabalho de captação das informações. Não houve registro de recusa e/ou inibição à adoção deste instrumento, de modo que todas as perguntas contidas no roteiro foram respondidas sem qualquer restrição. A partir dessa delimitação do campo, foi possível pôr em evidência a fala dos presos reincidentes, considerada essencial para o conhecimento e o aprofundamento dos fatores (materiais e simbólicos) à conduta reincidente.

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

4. Discussão e análise dos resultados A taxa de homicídio por 100 mil/habitantes para o estado do Acre no período de 2010 a 2015 apresentou uma leve redução. Esta redução é explicada pela redução da taxa do estado excluindo Rio Branco. Contudo, para Rio Branco, houve uma expansão de 16,41%, bem superior a expansão nacional que foi de 10,90%. A figura 1 mostra a dinâmica da taxa de homicídios por 100 mil/habitantes para o Brasil, Acre, Rio Branco e demais municípios do Acre. O comportamento de Rio Branco se destaca em relação aos demais em função de sua rápida expansão. Em relação à taxa de homicídios do interior acreano, a mesma apresentou uma trajetória descendente. No período de 2010 até 2012 a taxa de homicídios da capital foi inferior à média nacional. Contudo, a partir de 2013 houve um aumento expressivo, parte deste aumento é oriundo da guerra entre facções pelo domínio do tráfego de drogas em Rio Branco. Figura 01 - Taxa de homicídio por 100.000 habitantes para Rio Branco, resto do Acre, Acre e Brasil no período de 2010 a 2015

Fonte: Rio Branco, Resto do Acre e Acre, foram calculados pelos autores a partir de dados fornecidos pela Sejusp. A taxa do Brasil até 2014 foi extraída de Cerqueira et. al. (2016) e 2015 foi projetada.

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Rubicleis Gomes da Silva / Marisol de Paula Reis Brandt / Francisco Raimundo Alves Neto

No mesmo período o estado do Acre contabilizou um total de 18.967 entradas apenas na Unidade Penitenciária “Francisco de Oliveira Conde”. A Tabela 1 indica que a proporção de reentradas no sistema penitenciário vem sofrendo expressivo aumento. No período analisado houve uma expansão de 33,62%. Tabela 01 - Entradas na Unidade Prisional “Francisco de Oliveira Conde” em Rio Branco – Acre no período de 2010 a 2015. Anos

Entradas

Total

Primeira

%

Reentrada

%

2010

1.657

53,30

1.451

46,70

3.108

2011

1.498

49,80

1.510

50,20

3.008

2012

1.269

42,50

1.718

57,50

2.987

2013

1.492

43,10

1.969

56,90

3.461

2014

1.114

37,70

1.840

62,30

2.954

2015

1.297

37,60

2.152

62,40

3.449

Total

8.327

-

10.640

-

18.967

Média

1.388 44,00 1.773 56,00 3.161 Fonte: Elaborado pelos autores a partir do MPE, 2016.

A expansão acentuada das reentradas no sistema penitenciário indica que o reeducando por algum motivo não conseguiu se dissociar das atividades criminais. Neste contexto, emerge o seguinte problema: quais os determinantes da reentrada penitenciária no município de Rio Branco Acre para o ano de 2015? 4.1. Determinantes da reincidência prisional Esta pesquisa busca identificar os determinantes de reincidência prisional em Rio Branco – Acre no de 2015. As variáveis básicas para estimação do modelo logit não foram definidas a priori e sim a posteriori com base em princípios estatísticos. A Tabela 2 mostra o modelo logit ajustado para identificar as variáveis determinantes da reincidência penitenciária. o Índice de Razão de Verossimilhança (LRI) indica que 33,19% das variações nas variáveis

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

independentes explicam as variações da variável dicotômica. O Teste de razão de Verossimilhança (LR) indica que pelo menos um parâmetro do modelo ajustado é diferente de zero. Tabela 02 - Modelo logit para determinação da reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre em 2015 Variáveis

Parâmetros

Desvio-Padrão

P-value

Idade

0,4961117

0,1070298

0,000000***

Idade^2

-0,0060744

0,0013940

0,000000***

Sexo

1,9621800

0,5607556

0,000000***

Estado civil 1ª. entrada

-0,8207202

0,4155836

0,004800***

Carteira assinada

-0,6421756

0,3417053

0,060000 *

Curso profissionalizante

-0,5816653

0,3150486

0,065000 *

Bairro violento

0,7178868

0,3017374

0,017000 **

Delito na adolescência

1,2185680

0,3266879

0,000000***

Tamanho da pena

-0,0205176

0,0042487

0,000000***

Tamanho da pena^2

0,0000270

0,29e-06

0,004000***

Estado civil dos pais

-0,6673868

0,3162091

0,035000 **

Apanhava na infância

0,5562204

0,3549373

0,117000 ns

Intercepto

-8,6788010

2,006730

0,000000***

LR

155,4904

% de Predições corretas

84,74

0,000000***

*** significativo a 1%; ** significativo a 5%; * significativo a 10% ; e NS nãosignificativo. Fonte: Resultado da pesquisa.

O teste de Andrews e Hosmer-Lemeshow presente na Tabela 3 indica que nas dez classes em que a amostra foi dividida não existe diferença significativa entre os valores previstos e observados. Logo, aceitou-se a hipótese nula de igualdade entre os valores previstos e observa75


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dos em cada classe. O teste conduz à conclusão que os valores previstos não são significativamente diferentes dos observados. Logo, tem-se um indício de que o modelo pode ser utilizado para estimar a probabilidade de um indivíduo reincidir ou não. Tabela 03 - Teste de Andrews and Hosmer-Lemeshow para o modelo logit para determinação da reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre no de 2015 Classes Quantis

Intervalo dos Quantis Min

Máx

Dep=0 Atual

Previsto

Dep = 1 Atual Previsto

Obs. otal

Valor H-L

1

0,0009 0,2758

34

34,8098

7

6,19016

41

0,12479

2

0,2771 0,5031

27

24,6569

14

16.3431

41

0.55860

3

0,5031 0,6983

15

15,9626

26

25.0374

41

0.09505

4

0,6986 0,8031

7

10,4641

35

31.5359

42

1.52731

5

0,8032 0,8580

9

6,69363

32

34.3064

41

0.94974

6

0,8619 0,9016

7

4,70350

34

36.2965

41

1.26657

7

0,9019 0,9302

3

3,43583

39

38.5642

42

0.06021

8

0,9312 0,9557

1

2,27638

40

38.7236

41

0.75774

9

0,9561 0,9761

2

1,40386

39

39.5961

41

0.26212

10

0,9768 0,9978

0

0,59341

42

41,4066

42

0,60191

Total

105

105

308

308

413

6,20404

Estatística H-L

6,2040

Estatística de Andrews

Prob. Chi-Sq(8)

0,6244

42,9796 Prob. Chi-Sq(10) Fonte: Resultado da pesquisa

0,0000

No tocante à análise dos parâmetros estimados, apenas a dummy apanhava na infância, não foi significativa estatisticamente. Contudo, optou-se por mantê-la, pois a mesma pode indicar em futuras pesquisas que maltrato na infância/adolescência podem conduzir à vida na criminalidade. As demais variáveis são significativas. Além da significância estatística dos parâmetros, os sinais estimados nos informam relações interessantes. O sinal negativo indica que existe uma relação inversa entre a variável e a probabilidade de reincidência penitenciária. Por sua vez, o sinal positivo indica que existe um relacionamento positivo.

76


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

Neste sentido, pode-se afirmar que a presença dos atributos nas variáveis: a. estado civil na primeira entrada; b. carteira assinada; c. curso profissionalizante e d. estado civil dos pais, contribuem para a redução da propensão a reincidência prisional. Entretanto, em se tratando das variáveis: a. bairro violento; b. delito na adolescência e c. apanhava na infância/adolescência, a presença do atribui contribui para aumentar a chance de reincidência. A Tabela 4 informa que o modelo estimado apresenta boa performance preditiva, pois dos 307 reincidentes o modelo estimou que 287 destes reincidem. No tocante aos 105 não reincidentes, o modelo previu corretamente que 61 não reincidem. Em relação aos reincidentes o modelo acertou em 93,48% das vezes e errou 6,52%, ou seja, o modelo apresenta uma ótima performance preditiva. No tocante aos não reincidentes, o modelo acertou em 58,10% das vezes e errou 41,90%. Por fim, o modelo apresentou alto poder de predição, pois cerca 85% de suas predicações são corretas. Tabela 04 - Estatística de classificação do modelo logit de reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre em 2015 Classificação

Observado

Total

Reincidente

Não reincidente

+

287 93,48%

44 41,90%

331

-

20 6,52%

61 58,10

81

Total

307 105 100,00% 100,00% Fonte: Resultado da pesquisa.

412

A partir do modelo estimado é possível identificar as variáveis que mais contribuem para aumentar a chance de o indivíduo retornar pela segunda vez ao sistema prisional ou reduzem esta possibilidade. A Figura 2 mostra os efeitos marginais das variáveis utilizadas, observe que o sexo apresenta o maior impacto. Neste caso, ele nos diz que homens possuem em média 40,38 pontos percentuais (p.p) de probabilidade maior que as mulheres de reincidir. 77


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A vida pregressa influencia de forma intensa a chances de reincidência penitenciária, pois caso o indivíduo tenha realizado delitos na adolescência, isto aumenta a probabilidade de reincidência na ordem de 17,11 p.p. sobre indivíduos que não cometeram delitos. Em relação ao estado civil, observa-se que indivíduos solteiros, estão mais propensos a reincidência que casados, pois em média os solteiros apresentam 13,37 p.p. superior aos casados. Isto indica que a estrutura familiar contribui em muito com uma reinserção mais eficaz. Duas variáveis merecem uma análise mais pormenorizada, pois no modelo econométrico foram estimados com termos linear e quadrático. A primeira é a idade, esta possui impacto positivos sobre a chance de o indivíduo retornar a prisão, pois cada ano de idade, aumenta em 0,43 p.p. sua probabilidade de voltar ao presídio. Contudo, a partir de 41 anos, a probabilidade diminui. A segunda variável é o tamanho da pena, a cada mês de prisão imposto ao infrator, a probabilidade de reincidência reduz-se em 0,02 p.p., indicando que esta variável possui baixo impacto sobre a decisão do indivíduo cometer outro crime. É mister destacar que penas superiores a 30 anos aumentam a probabilidade de reincidir. O indivíduo residir em bairro violento aumenta em aproximadamente 10% a probabilidade de reincidência. Este componente espacial indica que o ambiente de convivência social contribui para aumentar a reinserção a vida no presídio. O estado civil dos pais na infância contribui de forma singular na probabilidade de reincidência, pois a reincidência de presos com pais casados reduz-se em 9,30 p. p., isto é um indicativo de que família é uma importante trava moral. Duas variáveis se destacam na análise de reincidência e são passíveis de elaboração de políticas públicas. A primeira é a carteira assinada e a segunda são os cursos profissionalizantes. Indivíduos com carteira assinada apresentam uma redução da probabilidade de reincidência de aproximadamente 10 p.p. em relação aos que não possuem. Neste 78


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

mesmo diapasão, indivíduos que possuem cursos profissionalizantes, possuem uma redução da probabilidade de reincidência de aproximadamente 8.5 p.p., ou seja, uma carteira assinada e um curso profissionalizante reduzem em aproximadamente 18,5 p.p. a probabilidade de reinserção no sistema prisional. No tocante aos maus-tratos é preciso ter cautela na análise, pois o parâmetro não é significativo a 10%, mas está bem próximo. O sinal positivo do parâmetro e sua magnitude indicam que maus-tratos aumenta a probabilidade de reinserção em 6.79 p.p. Figura 02 - Efeitos marginais3 das variáveis do modelo logit para determinação da reincidência penitenciária em Rio Branco – Acre em 2015

Fonte: Resultado da pesquisa. Legenda: 1 - Idade; 2 – Sexo; 3 - Estado Civil 1a. Entrada; 4 - Carteira Assinada; 5 Curso Profissionalizante; 6 - Bairro Violentos; 7 - Delito Adolescência; 8 - Tamanho da Pena; 9 - Estado Civil dos Pais; 10 - Apanhava com frequência na infância

4.2. Propensão e perfis de vulnerabilidade a reincidência penitenciária Em relação ao gênero, os homens apresentam probabilidade média de 85,31% de reincidirem, enquanto as mulheres isto ocorre em 44,93%, pois de forma geral os homens possuem um portfólio superior 3

Todas as interpretações dos efeitos marginais são elaboradas em pontos percentuais. 79


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às mulheres de modalidades criminais. De forma geral, as atividades criminosas femininas estão vinculadas ao tráfico de drogas. A Tabela 5 indica que os homens apresentam maior chance de reincidirem. Contudo, os que não possuem carteira assinada apresentam 86,90% de probabilidade de reincidirem, enquanto os que possuem carteira assinada a probabilidade é de 77,72%. Já as mulheres apresentam perfil bem diferente. Mulheres com carteira assinada possuem probabilidade de reincidência de 32,90%. Enquanto as sem carteira assinada a probabilidade chega a 48,24%. Neste ponto é preciso frisar que condições econômicas do mercado formal de trabalho influenciam de forma intensa a reincidência prisional, ou seja, o combate ao crime não se dá somente com polícia, investigação, viaturas e outros aparatos. Mas também se faz com políticas econômicas que gerem emprego e renda. Tabela 05 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e emprego formal em Rio Branco – Acre Gênero Masculino Feminino

Carteira Assinada Possuía

Não possuía

77,72

86,90

32,90 Fonte: Resultado da pesquisa.

48,24

Uma variável que possui impacto significativo sobre a probabilidade de reincidência prisional conforme indica a Tabela 6 é o estado civil dos pais na infância. O modelo estima que homens com pais separados possuíam 88,38% de probabilidade de reincidirem. Enquanto que entre os que possuíam pais casados, este valor cai para 79,60%, uma diferença de 8,78 p.p. Este valor é mais acentuado quando se observa o sexo feminino, pois a diferença é da ordem de 16,25 p.p., indicando que família apresenta significativa importância como trava moral.

80


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

Tabela 06 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e estado civil dos pais em Rio Branco – Acre, 2015 Gênero Masculino Feminino

Estado Civil dos Pais Casados

Outros

79,60

88,38

35,42 Fonte: Resultado da pesquisa.

51,67

A família influencia de forma importante na chance de o indivíduo retornar à penitenciária, pois, conforme mostra a Tabela 7, tanto homens quanto mulheres casadas apresentam menos chances de incorrerem na reincidência prisional. Contudo, o estado civil para as mulheres apresenta maior relevância. Mulheres casadas possuem apenas 35,42% de probabilidade de reincidirem, já os homens 79,60%. Observa-se que a probabilidade de reincidência entre homens casados e solteiros é significativa. Tabela 07 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e estado civil na primeira entrada em Rio Branco – Acre, 2015 Gênero Masculino Feminino

Estado Civil na Primeira Entrada Casados

Outros

73,78

86,47

28,34 Fonte: Resultado da pesquisa.

47,32

A Tabela 8 sugere que as políticas públicas de combate à redução da reincidência penitenciária devem começar na adolescência. Observa-se que indivíduos que cometeram delitos na adolescência apresentam substancial propensão a reincidirem no futuro. Os homens destacam-se de forma expressiva, pois apresentam 90,91% de probabilidade de voltarem ao presídio pela segunda vez, enquanto as mulheres 58,42%. O ingresso no mundo do crime na adolescência contribui de forma decisiva para a manutenção deste indivíduo na criminalidade. Isto sugere que o combate à reincidência penitenciária se inicia na adolescência, caso as políticas públicas não sejam eficazes no sentido de evitar

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o ingresso do adolescente no crime, as políticas institucionais de segurança pública não serão eficientes no sentido de debelar os crescentes índices e indicadores de violência em Rio Branco e no Acre. Tabela 08 - Propensão à reincidência penitenciária versus Gênero e delitos na adolescência em Rio Branco – Acre, 2015 Gênero Masculino Feminino

Cometeu delitos Sim

Não

90,91

74,72

58,42 Fonte: Resultado da pesquisa.

29,35

A Figura 3 nos mostra os perfis com maior e menor propensão à reincidência prisional. Observa-se que existe uma diferença abissal entre os perfis. O perfil com maior fragilidade exige do poder público políticas públicas eficientes que reduzam de forma significativa esta vulnerabilidade. É necessário destacar que a condução da política econômica em conjunto com a educação profissional assume papel relevante neste contexto. Homens desempregados, sem formação profissional e que cometeram delitos, estão propensos a reincidir. Além disso, é preciso dar grande atenção aos jovens que cometeram delitos na adolescência. Figura 03 - Perfis com maior e menor probabilidade de reincidência penitenciária em Rio Branco - Acre, 2015

Fonte: Resultado da pesquisa. Legenda: Maior vulnerabilidade: homem, desempregado, solteiro, cometeu delito na adolescência, pais não casados, desempregado e sem curso profissionalizante. Menor vulnerabilidade: mulher, empregada, casada, não cometeu delito na adolescência, pais casado, empregada e com curso profissionalizante. 82


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

4.3. Fatores subjetivos: analisando o grupo focal Na sociedade brasileira, de acordo com Kaloustian e Ferrari (2002), permanece um consenso em torno da família como espaço privilegiado para a prática de valores sociais, comunitários e para o aprofundamento dos laços de solidariedade. A família, enquanto local específico de agregação, apresenta variações na sua forma de organização, pois sua estrutura está ligada às maneiras existentes de garantir a sobrevivência desenvolvidas na dinâmica particular de diversas culturas. Da forma como vem se modificando e se estruturando nos últimos anos, não pode ser identificada como um modelo único e ideal. Conforme observa Oliveira (2009), os arranjos diversificados podem levar a combinações de diversas naturezas, tanto na sua composição, como também nas relações familiares estabelecidas. Tem-se, portanto, Uniões consensuais de parceiros separados ou divorciados; uniões de pessoas do mesmo sexo; uniões de pessoas com filhos de outros casamentos; mães sozinhas com seus filhos, sendo cada um de um pai diferente; pais sozinhos com seus filhos; avós com os netos; e uma infinidade de formas a serem definidas, colocando-nos diante de uma nova família, diferenciada do clássico modelo de família nuclear (OLIVEIRA, 2009, p. 68).

A realidade de boa parte das famílias brasileiras é caracterizada por problemas de natureza diversa, aí inseridas a desestruturação familiar, a violência doméstica e as carências e barreiras de natureza socioeconômica que impedem o desenvolvimento integral de seus membros. A família, enquanto espaço específico de agregação dos seus membros, apresenta variações em sua forma de organização, considerando que sua estrutura está ligada a diferentes maneiras de garantir e preservar sua sobrevivência (ARRUDA,1983). É fato que a situação de vulnerabilidade de muitas famílias é, por vezes, associada ao perfil de distribuição de renda no país, marcado por profunda desigualdade social. No caso de populações mais pobres, não é incomum a existência de pessoas alijadas do mercado de trabalho, crianças pequenas, idosos, parentes ou amigos agregados momentaneamente que se apoiam na rede familiar já estabelecida, configurando-a 83


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como uma família extensa tradicional. Nesses casos, a sobrevivência do grupo familiar é mantida com grande dificuldade, tanto no aspecto material quanto simbólico (ARRUDA, 1983). Tudo que eu tinha era minha família, oh! E que a vida é difícil [,,,] cheguei a passar fome direto, mas é o melhor que eu tinha, muita saudade. (GF) Não é fácil não, filho sofre muito, vendo o pai aqui […] ninguém quer um filho jogado no mundo, eu vivi muita coisa feia, a violência em casa, sei lá, foi um tempo duro pra mim. (GF). Não cheguei a conhecer meu pai, a minha mãe é um exemplo bom pra nós, aquela que tentou tirar o filho do caminho errado [,,,] minha mãe não tinha tanto tempo em casa. (GF).

Observou-se, também, que a passagem precoce para a vida adulta é percebida como um fator dificultador à integração social, justificada pela perda de fases importantes do processo de socialização (infância e adolescência), em parte atribuída à necessidade de contribuir com a própria subsistência, mantida no mercado informal (bicos, trabalho braçal) alegando que tal situação trouxe prejuízos à possibilidade de se construir um “futuro melhor” no mercado de trabalho. Dava um jeito, era um jeito aqui, outro ali […] trabalhava em obra, fiz muito. (GF). Não conheço minha família, só uma tia, aí é o que dava. (GF). Limpava quintal, fiz mudança, trabalhei na feira. (GF).

A inserção precoce no mercado de trabalho, em atividades subalternas, parece se relacionar ao grau de necessidade financeira da família, que interferirá, por sua vez, na frequência escolar que, em uma escala de prioridades, considera o quanto o trabalho é mais importante que a escola, provocando, em certas situações, o afastamento e/ou total abandono. Eu não fui bom aluno, faltava muito, fazia outras coisas, na rua, em casa, aquilo foi me dando uma rejeição da escola. (GF). As necessidades em casa, a barriga era mais importante, muitas das vezes sem o básico, tinha que ajudar. (GF).

84


Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

O afastamento do ambiente escolar, aliado à inserção precoce no mercado informal, reflete no desempenho escolar ou, até mesmo, em sua interrupção total, comprovada pela baixa escolaridade do grupo pesquisado. O tipo de trabalho ofertado a esses jovens é de baixa qualificação e remuneração, desenvolvendo atividades que os deixam mais vulneráveis a práticas criminosas (pequenos furtos, roubos, pequenos tráficos). É o caso dos que se dedicam ao pequeno “comércio de rua” em atividades que os deixam a maior parte do tempo longe da escola e do convívio com os familiares. À medida que adquirem experiência nessa vivência nas ruas, detêm certa autonomia de locomoção e de “amizades”, explorando mais o espaço da rua e distanciando-se gradativamente do ambiente familiar. Muito novo já andava sozinho. Na rua a gente fazendo outros amigos e na rua uma cabeça vai conformando a outra. (GF). A mente parece que tá voltada pra outras coisas, a gente vai se afastando da escola […] isso traz um arrependimento. (GF).

Crianças e/ou os jovens vulneráveis que passam pelo processo de entrada precoce na vida adulta podem desenvolver a habilidade de viver entre dois mundos - legal e da ilegal - criando relações de amizade com outros jovens nessa mesma situação e aprendendo a criar oportunidades para praticar delitos. Vivendo em estado de insegurança constante, estes jovens estabelecem vínculos com quem convivem no mesmo espaço social, em particular, a polícia e os “amigos”, sendo, estes mesmos “amigos”, em alguns casos, pequenos traficantes e usuários de drogas, os que inicialmente induzem a criança ou o jovem a experimentar alguns tipos de drogas (maconha, cocaína, merla, crack), indicando também, como e onde consegui-la com maior facilidade. Uma coisa que eu falo é que eu usei durante muito tempo […] Tá muito fácil, fácil chegar lá onde tem, eu sei [...] então, muito cedo eu fui levado pelo vício. (GF).

Mesmo nesses casos, em que o jovem ou a criança passa parte do seu tempo nas ruas, em situação de vulnerabilidade, longe da família e da escola e mais exposto à violência, às drogas e ao mundo do crime, 85


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os laços familiares são mantidos, ainda que precariamente em certas situações, alternando-se a moradia entre a “casa da família” e a “rua”. É importante observar que apesar das condições adversas impedirem a existência de um padrão de família protetor e agregador, essa é valorizada e a sua ausência é percebida como fator importante para a entrada no mundo do crime. A família é tudo na vida... eu passei muita falta da minha, mas queria ter outra chance. (GF). A família é a tudo […] naquele tempo de criança, a gente não faz o certo, a gente vai se permitindo o erro, eu queria a minha mãe perto de mim. (GF).

Ao mesmo tempo que a família é um espaço reconhecido para que as pessoas se relacionem integralmente, é também dentro dela que ocorrem com maior intensidade as pressões acumuladas no cotidiano. Tomada por conflitos e tensões no decorrer de toda sua existência (problemas de saúde, de moradia, desemprego, parcos recursos materiais, desamparo social), esse pequeno núcleo pode lidar com situações de opressão e silenciamento dos mais fracos (em geral as crianças e/ou o jovem) adotando-se modelos autoritários e intolerantes para “resolução dos conflitos”. Foi o abandono que me trouxe pra cá. Vivendo na rua, vendo muitas coisas, a gente conhece o que é o mal, não dá outro jeito. (GF). Tem muita violência, o abandono é uma violência, aquela criança ali, vendo o que? [...] vendo a fome, o desespero tomando conta da gente, a família passando tudo aquilo ali, a opressão, dá um mal de tudo. (GF).

Nestes casos, a tensão decorrente se manifesta em agressões constantes, levando a família à desintegração de sua forma idealizada. Em certos casos, o consumo de álcool e outras drogas aparece como elemento aliviador da tensão e da frustração, mas, também, pode levar ao aumento da agressividade e de sentimentos controversos como mágoa, ódio, desesperança.

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

Vou sair daqui e aí? O que me espera lá fora? […] Sem uma solução. (GF). Carrego um crime, não trago arrependimento […] ele mexeu com [parente] tava ameaçando ela. (GF).

A criança e o jovem em situação de vulnerabilidade social, na relação com outros na mesma condição, podem desenvolver comportamento violento, aprendendo desde cedo a utilizar armas de fogo e perfurocortantes, lidando com as artimanhas da “vida no crime”, construindo uma carreira criminosa até se tornar reincidente em potencial. Em um espaço social ocupado pelo uso da força física, o acesso às armas confere aos seus portadores maiores riscos e também aumenta as possibilidades de recrudescimento da violência. Tanto para os que deixaram a família, como para os que vivem com ela, alternando entre o legal e a ilegalidade, a “casa” e a “rua”, a socialização é marcada por ameaças, agressões, perseguições e detenções, cuja interação ocorre em uma rede de relações sociais desenvolvidas no contato cotidiano com o aparato de segurança pública (polícia, justiça, prisão), consolidada no trajeto de sua experiência de vida. Para estes jovens, a modificação mais substantiva que efetivamente ocorre em suas vidas é a que se processou no seu próprio interior, através de sua experiência vivida. O que tem pouca visibilidade são as causas que desde cedo fizeram-no ir experimentando, depois aprimorando, práticas agora incorporadas em seu cotidiano de criminalidade. Vale observar que atributos como “bandido”, “ladrão”, “vagabundo” e “perigoso” são rotineiramente empregados para compreender o significado atribuído à conduta criminosa. Esses termos trazem implícitos as ideias de pertencimento ao “mundo do crime” e seus desdobramentos, tais como a violência decorrente das relações sociais, bem como a construção de carreiras criminosas. É a massa, a massa toda é taxada de vagabundo. Não tem essa de quem quer deixar essa vida não, tá aqui, é o vagabundo, é o ladrão. (GF).

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Mesmo com esse entendimento e, estando todos dentro do presídio, submetidos às mesmas leis, há uma tentativa de não se identificar como “quem pertence à vida do crime” (vagabundo, ladrão), ainda que sejam todos enquadrados como “criminoso” do ponto de vista legal. Sabem o que é o crime, definido na legislação penal. Crime é tudo aquilo que fere a sociedade. (GF). Crime é prejudicar alguém. (GF).

A necessidade de não se identificar com as qualificações atribuídas socialmente, tais como “bandido”, “ladrão”, “vagabundo” remete à tentativa de associar o comportamento criminoso a fatores “circunstanciais”, como uma agressão sofrida, a falta de trabalho, a situação de abandono, a companhia dos “parça”. Eu vim parar aqui porque não teve vivi jogado […] a vida joga a gente aqui, dá muito pau […]. (GF). Fala que é vagabundo, eu fui tomado pelo erro, a gente vai se levando pelo erro dos outros (GF). Tem os vícios, tem os parça, tem uma montanha na sua frente, aquilo vai tomando a mente, quando ela vê, ela já não sai dali. (GF).

A forma como o reincidente se identifica não se distingue do modo como a sociedade o classifica, de “perigoso”. O fato de estar no presídio e de possuir vivência no crime, de ter usado de violência contra a vítima, faz com que ele perceba o peso do reconhecimento negativo no convívio social. O presídio é um lugar austero e estigmatizador, destinado a pessoas que “trazem perigo à sociedade” (COELHO, 2005). Prisão e violência se confundem, é sua natureza e identidade. Com isso, a tentativa de afastar de si a imagem de alguém “perigoso à sociedade” decorre de um sentido de autopreservação, visto que o reconhecimento desse estigma seria a admissão de sua irrecuperabilidade. Desta forma, cada um ao seu modo atribui a responsabilidade pelos crimes cometidos a fatores circunstanciais (situações adversas, que “fugiram do controle”) e diferente do que seria o “outro”, que “vive no crime por maldade”.

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

Eu quero uma oportunidade, eu quero um emprego, isso aqui não é pra mim. (GF). […] tem muita barbaridade, a gente vai vendo isso aí, vai se acostumando […] isso quebra por dentro, ninguém quer passar isso aí. (GF). […] Eu posso falar da opressão, da dor do irmão, é desumano, eu sinto aquilo tudo. (GF).

Há um consenso quanto à imagem negativa do presídio, principalmente, se o assunto é recuperação. A prisão, local de aplicação da lei, devolve a pessoa marcada para sempre, exatamente por ter passado por lá. Assim, cada vez que ela retorna ao convívio social, vai com o agravante do estigma que acompanha todos que passam pela mesma situação. A relação entre o estigma e reincidência se dá, sobretudo, ao relatarem o sentimento de “desconfiança” que a sociedade tem do ex-preso, particularmente, no que diz respeito ao “trabalho”, elemento, segundo eles, fundamental no processo de recuperação. Sem trabalho não tem solução. O trabalho é tudo, eu errei, tô pagando, eu queria é uma chance, muitos aqui também queria uma chance. (GF).

Dentro de uma unidade prisional, os presos são obrigados a cumprirem uma rígida disciplina no convívio diário, cujo propósito é submetê-los ao controle absoluto ao sistema de hierarquia sobreposto. Incluem-se aí o aprendizado sobre as regras de comportamento intramuros, horários rígidos para as atividades, observância das normas internas etc. Qualquer desobediência a estes e outros preceitos pode culminar em punição. A recuperação, por sua vez, é sinônimo de submissão total aos condicionamentos da vida no cárcere, materializado na repressão, no respeito à hierarquia imposta, no enquadramento às normas estabelecidas. Diante disso, como que a “recuperação” pode ser alcançada no ambiente prisional? A Lei de Execuções Penais, artigo 10, destaca que “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (BRASIL, 1984a). Nesse sentido, a terapêutica institucional deveria, em

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tese, ser desenvolvida através da participação do preso em atividades ocupacionais, educativas, recreativas, esportivas e profissionalizantes. É consenso entre os informantes a parca oportunidade de atividades socioeducativas e laborais dentro da prisão. Tem muito tempo que eu aguardo uma vaga pra vir pra cá estudar aqui na escola (Fábrica de Asas). (GF). Tipo, aqui não tem vaga pra todo mundo. (GF). Vivendo no nada, sem nada, a cabeça vai pensar no quê? (GF). Puxar a cadeia com algum trabalho ia fazer a gente sair daqui mais confiante. (GF).

É esse quadro de ociosidade no qual se encontra boa parte da população presa, segundo os respondentes, contribui para a situação caótica do sistema prisional, podendo ocasionar uma série de problemas intramuros, dentre os quais a violência entre os detentos e o aperfeiçoamento das atividades criminosas. Expressões como “a opressão tomou de conta”; “sem trabalho não tem solução”, “o tempo passa, a cabeça maquina”, foram ditas para se referir, em tom de queixa, à falta de ocupação a que estão submetidos e á vulnerabilidade que tal situação acarreta na rotina diária. O quadro de superlotação nos presídios, conjugado com a falta de espaços físicos não projetados e acomodações insuficientes para os presos frequentarem uma escola ou um curso profissionalizante, as dificuldades que envolvem a escolta destes durante a realização do curso, até as limitações de horários de funcionamento das prisões, acabam por minar a participação em atividades escolares e profissionalizantes. Com isso, a rotina diária se apresenta sem perspectiva e motivação, a convivência interna pode se tornar mais tensa e tediosa, cedendo espaço para que atos/ações de violência se façam presentes, como mecanismo de resolução de conflitos. Sem fazer nada, a cabeça maquina o que não presta. (GF). Quem tá aqui tanto tempo, que já viu muita coisa [...]porque não tem trabalho, não tem estudo, já ouvi falar que cabeça vazia o diabo toma de conta. (GF).

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Determinantes da reincidência prisional em Rio Branco - Acre

De modo geral, a experiência de vida na prisão é percebida de maneira muito cética pelos respondentes. Há um sentimento coletivo de que a prisão não promove recuperação. Sendo assim, ela só é alcançada a partir de uma decisão pessoal, o esforço próprio de quem “toma a decisão” de não voltar a cometer novos delitos. A vontade de “deixar a vida no crime” é fator decisivo para o abandono da criminalidade. Esse ato individual diz respeito à confiança que cada um tem em si mesmo, na sua recuperação Sair dessa vida é uma decisão da pessoa […] de nada resolve se a pessoa não toma aquela decisão alí, de não voltar. (GF). O mano tem que pensar no momento, na família dele para parar com aquilo. (GF).

Há um sentimento difuso de que, após alguns reingressos no sistema prisional, bem como todo sofrimento que acompanha essa trajetória, a pessoa se esteja preparada para viver longe do crime, próxima à família e integrada ao mercado de trabalho, situação própria de quem se encontra plenamente recuperado para conviver socialmente. A necessidade de destacar a importância da recuperação para si mesmo, faz com que os respondentes valorizem o trabalho, a escola, os vínculos familiares e a religião como valores fundamentais rumo ao afastamento das atividades criminosas. Eu tenho a minha família do meu lado[…] porque a família não despreza a gente. (GF). Tendo um pouco de estudo dá mais confiança pra conseguir em emprego, uma dignidade […] o trabalho traz a dignidade perdida. (GF). Eu busco a Deus hoje […] sou evangélico, que a igreja mudou a minha vida […] abandonei meus vício, hoje sou outro homem. (GF).

Possuir um trabalho é de fundamental importância na imagem que os respondentes fazem em torno da categoria recuperação. O trabalho representa a via de retorno à legalidade, o reconhecimento perante a sociedade de sua recuperação. Em sentido oposto, “não ter trabalho” significa reforçar o estigma de “bandido”, “perigoso”, contrariando os 91


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valores positivos da sociedade em virtude da infração cometida a seus códigos e suas leis. Mas, se o trabalho é percebido como valor fundamental, como explicar a situação na qual a pessoa, ao sair da prisão e, tendo conseguido algum tipo de trabalho, volta a cometer outros crimes? Essa aparente contradição é explicada pela noção da “falta de vontade”, portanto, uma escolha individual que orienta a permanência na criminalidade daqueles que se mantêm no mundo do crime. Além disso, é preciso que haja “arrependimento” por parte de quem deseja “ficar limpo”, e isso é uma decisão pessoal, por vezes, apoiada na crença de que é preciso estar integrado a um grupo religioso. Eu acho que o vagabundo só deixa se a mente dele não quer voltar pro ilícito. É dele, é a vontade dele. (GF). Tem que bater um arrependimento, pensa na família […] não querer mais essa vida. (GF). Sou evangélico, tô limpo […] não volto mais. (GF).

Além disso, há, ainda, a explicação de pertencimento ao mundo do crime ao se referirem à impossibilidade de obter, pela via do “trabalho legal”, a satisfação das necessidades pessoais. Nesse sentido, a conduta reincidente ocorre pelo fato de o trabalho conseguido não trazer a recompensa material desejada. Subjaz a isso a ideia de que “a vida no crime compensa mais”, portanto, não vale a pena seguir o caminho da legalidade. Porque tem os que é da parada mesmo [...] não quer sair, porque ele acha que io erro tá compensando mais. (GF). Tem aquela ganância na mente […] que não é a necessidade que faz aquilo acontecer. (GF).

Quando a pessoa sai da prisão, depois de ter passado por período de reclusão ela se depara com o problema da integração social. Do ponto de vista da instituição, espera-se que ela tenha adquirido os valores necessários para se afastar definitivamente da atividade criminosa. Para o egresso da prisão, o problema se coloca em um campo prático,

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de viver nos parâmetros da lei e de conseguir atributos necessários para conviver socialmente em uma situação que lhe apresenta muitas vezes desfavorável. No entanto, o que acontece com quem regressa da prisão e volta a delinquir? Quais fatores o induziram à prática da infração continuam as mesmas? Entende-se que suas possibilidades de adaptação ficam mais difíceis após vínculos reiterados com o circuito polícia-justiça-prisão. No que se refere a algumas instituições da sociedade com as quais ele mantém relação constante (prisão, polícia, justiça), as referências produzidas apontam para a “negação da sua recuperação.” Ficar preso é uma marca pra vida toda. (GF). Fica a vergonha porque quem já veio pra cá, não deve nada, mas não quer falar dessa opressão aqui […] aí vem a vida lá fora que não agrada ninguém. (GF).

Há uma vontade de provar à sociedade que não deve mais nada, que se recuperou. Ao mesmo tempo, há uma queixa de que a vida pós-cárcere oferece pouca ou nenhuma oportunidade para quem retorna ao convívio social. As dificuldades desse retorno são enumeradas em tom de desabafo, de modo que algumas instituições da sociedade são vistas como verdadeiros obstáculos à situação de quem sai da prisão. A prisão, local segregado da sociedade aparece muito criticado e desacreditado pelos respondentes. É unânime a opinião de que o ambiente prisional é violento e não recupera, ao contrário, favorece o aperfeiçoamento de condutas criminosas, tornando-se verdadeira escola de aprendizado do crime. Nesse ponto, há uma divergência entre os objetivos pretendidos (de recuperação) e o resultado alcançado (de perpetuação da atividade criminosa), reconhecendo-se a quase impossibilidade de retorno ao convívio social sem cometer novos ilícitos. A prisão é um lugar podre […] a prisão é o pior lugar do mundo pra se viver […] ela tem um lado muito cruel, desumano mesmo, ela tem maus-tratos, ela tem a suas leis. (GF). É ruim um marmanjo melhorar nessa opressão. (GF).

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A rejeição social (discriminação), segundo os respondentes, é um fator dificultador para o convívio social, visto que o preconceito dirigido a quem já esteve preso “fecha as portas” para as oportunidades que possam surgir. Não encontrando um espaço no mercado de trabalho, muitos voltam de forma mais elaborada, com “mais conhecimento” no que diz respeito ao proceder no crime. A rejeição empurra de novo para o crime. […] tem um desprezo aí fora, uma desconfiança que trava, fecha todas as portas. Quer limpar um quintal, quer fazer um bico, tem aquilo lá no passado pegando, é uma mancha. (GF).

Encontrar uma ocupação, um trabalho, é um grande desafio para quem deixa a prisão. Um atestado de bons antecedentes do egresso traz consigo a marca de passagem pelo presídio e isso significa o registro de quem já esteve preso. Essa situação pode facilmente levar ao preterimento da vaga, e a escolha de outra pessoa sem os antecedentes criminais. Tal fato se torna agravante para os casos em que a pessoa, ao sair do presídio, não possui recursos financeiros para recomeçar a vida. Geralmente, os presídios não oferecem condições para que o apenado possa exercer alguma atividade laboral, ou aprender algum ofício como também, para se precaver financeiramente contra as dificuldades da saída. Outro aspecto observado diz respeito à atuação do sistema de justiça criminal. De modo geral, ele é percebido como fator dificultador para o reingresso ao convívio social. O poder judiciário é um órgão do estado encarregado não só de julgar e punir os crimes cometidos, como também de prover os meios necessários para a readaptação social, do qual foi afastado em razão de aplicação de uma pena. A organização prisional é uma das instituições que se utiliza do poder judiciário em várias instâncias da tramitação processual. Para os respondentes, ainda que reconheçam a necessidade dos serviços de assistência judiciária, reclamam que a “justiça é injusta”, principalmente, para acompanhar os processos de quem se encontra preso e para aqueles que não podem pagar por um advogado, razão pela qual são, por vezes, sentenciados de maneira desproporcional ao delito praticado. 94


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A Defensoria não olha o lado de quem precisa […] Meu processo tá esquecido, eu pedi uma revisão e até hoje eu não tive uma resposta. (GF). Eu acho que o juiz, ele não olha só o presente, ele olha o passado também, ele olha e acha que ele pode voltar, então, ele dá aquela pena alta pra ficar mais tempo aqui. (GF). Prisão é pra pobre […] rico não fica aqui não...porque a justiça é injusta pra população pobre. (GF). […] Que isso aí causa uma revolta […] quem não paga que é um lixo humano. (GF).

No mesmo sentido, também vale destacar a impressão dos respondentes quanto ao papel da polícia. É consenso entre estes a noção de que a polícia “não vê com bons olhos” quem já esteve preso, uma vez que ela reproduz a imagem que a sociedade tem sobre o egresso da prisão. Destacam, assim, que a polícia frequentemente reafirma características negativas, tais como “ladrão”, “bandido”, “vagabundo”, mantendo, com ela uma relação de oposição total. É assim, que é eles na deles e eu na minha […] porque tem muita humilhação […] que é o vagabundo. (GF). […] É um inferno isso aí, pra polícia é tudo é o ladrão, é o vagabundo, é o que não presta, é o que vai ser ladrão. (GF).

Nesse sentido, ficou constatado que os respondentes atribuem ao sistema de justiça criminal (polícia, justiça, prisão) o oposto ao que, em tese, se propõe, a recuperação, na medida que percebem fazer parte de um sistema indiferente a todo esforço que ele possa fazer para deixar a vida no crime e retornar ao convívio social. Há um sentimento admitido de desesperança sobre sua própria condição de vida ao sair da prisão. Vale observar que o conjunto de falas dos respondentes não permite atribuir uma vertente unívoca de explicação para o fenômeno da reincidência. Nesse ponto, concorda-se com Porto (1999) que indivíduos e/ou grupos não partilham conteúdos e valores de uma consciência comum do social. A reincidência penitenciária pode, então ser explicada por um conjunto de fatores de natureza diversa, contudo, interligados,

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tanto no plano material, quanto simbólico. Isso significa entender que a experiência de vida de cada um está inserida em diferentes referências (a família, a escola, o sistema de justiça criminal) que se constituem ao longo de suas trajetórias sociais e individuais, o que favorece, também, a existência de sociabilidades apoiadas em novas possibilidades de estruturação social. Essas sociabilidades se organizam em razão da solidariedade, mas, também, na ausência delas. É o caso de sociabilidades estruturadas na e pela violência quase que como respostas a carências, ausências, falhas, rupturas, aspectos que são, todos eles, fruto da explosão de múltiplas lógicas de ação, recurso disponível no rol de muitos outros possíveis” (PORTO, 1999, p. 5).

No âmbito dessa discussão, a conduta reincidente pode ser uma questão de oportunidade (ou da ausência dela), de afirmação de identidades socialmente negadas, bem como explosão de raivas e frustrações, revolta, ressentimentos, além de outras possibilidades. É, pois, esse elemento de natureza simbólica que há uma tentativa de conhecer em torno da questão da reincidência penitenciária. Quando se está na presença de valores que desencadeiam o comportamento reincidente, as falas dos respondentes apontam para um conjunto de fatores que se situam no cruzamento do social, cultural e/ou simbólico. É possível dizer que a reincidência penitenciária se insere em um conjunto de possibilidades (material e simbólica), estando vinculada a fatores objetivos, considerando o perfil geral da população prisional (jovens, negros, baixa escolaridade), além dos fatores de ordem econômica (desemprego, subemprego, etc.). No entanto, vale registrar, a conduta reincidente é constituída ao longo do processo de socialização, no vínculo estabelecido com as diferentes instituições da sociedade (família, escola, polícia, justiça, prisão) que marca e configura uma identidade social. Ela é, também, expressão de uma subjetividade infeliz, é a reação de quem se vê marginalizado, reconhecido pelo estigma que acompanha todo egresso da prisão. É aí que se encontra toda a trama a que se vê submetido, em um campo específico de habitus e valores que conformam e conferem significados à sua existência social. 96


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Desse ponto de vista, a reincidência penitenciária não se resume apenas a fatores econômicos, pelo menos, este vínculo não é causal. Ela deve ser percebida em uma situação de interação e de comunicação entre os sujeitos sociais, na qual sobrevêm, também, percepções sobre sua relação com a família, a escola, a religião, as drogas, o sistema de justiça criminal e outros. A conduta reincidente se exprime tendo por trás uma vida marcada por problemas de natureza econômica, mas, também, por sentimentos de abandono, de exclusão, de injustiça, de não reconhecimento e de não pertencimento. A conduta reincidente é carregada de conteúdos de valores que se constituem em um campo simbólico, o que, por sua vez, interfere na prática social.

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5. Conclusões O combate à violência exige medidas de curto, médio e longo prazo. No entanto, não se pode negligenciar que políticas de cunho ostensivos e de curto prazo possuem grande apelo midiático. Entrega de viaturas, armas, aumento do efetivo policial e outras similares são políticas de combate à violência que apresentam impacto de curto prazo. A efetividade real das políticas públicas de segurança pública que podem se traduzir na redução em indicadores de violência devem partir de um diagnóstico prévio dos determinantes da violência em Rio Branco e no estado do Acre. A identificação dos determinantes da expansão da violência a partir do senso comum ou de uma interpretação tendenciosa se traduz na falta de efetividade das políticas públicas de segurança pública, consequentemente, o bem-estar social encontra-se prejudicado. É preciso que policy makers compreendam que o crime, entendido aqui como a reincidência penal, possui determinantes que vão além das políticas públicas de combate ostensivo de curto prazo. Nos perfis com maior e menor vulnerabilidade observa-se que existem variáveis que estão vinculadas diretamente a travas de controle social. A família é importante, políticas de segurança públicas de longo prazo devem fortalecer a instituição família. É preciso fortalecer as travas morais e estas encontram na família um grande aliado. A entrada precoce no mundo do crime é uma linha mestre que conduz o indivíduo à sua perpetuação no sistema prisional, pois pessoas que praticaram algum tipo de delito na adolescência apresentam maior propensão à reincidência penitenciária. O gênero é a variável que mais influencia a reincidência, homens apresentam uma propensão a reincidirem de 40,38 p.p. superiores às mulheres. Esta diferença tão forte pode estar relacionadas às travas morais presentes nas mulheres de forma intensa e, de forma geral, a mulher possui vínculos familiares mais fortes que os homens. 98


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A carteira assinada e cursos profissionalizantes são duas variáveis que não são relacionadas diretamente com políticas de segurança pública. Contudo, despontam como variáveis que influenciam de forma intensa a reincidência penitenciária. Em última instância, isto indica, de forma clara, que educação profissional e formalização no mercado de trabalho possuem grande relevância para evitar a reincidência, ou seja, educação e economia são importantes. Ao longo desta pesquisa, várias dificuldades foram encontradas. O processo de entrevista é extremamente desafiador em função de vários motivos. Entre eles pode-se citar: a. logística de entrevistas nas instituições; b. a sensibilidade dos entrevistados à pesquisa; c. o calendário das instituições; d. o horário de realização das entrevistas; e. dinâmica interna das instituições e f. motins/rebeliões.. O tema analisado é de suma importância para a elaboração de políticas públicas de redução dos índices de reincidência prisional. Contudo, este estudo está centrado em Rio Branco, capital do estado. Os determinantes da reincidência penitenciário em Rio Branco podem ser diferentes dos demais municípios. A divergência nos condicionantes da reincidência penitenciária pode conduzir à elaboração de políticas públicas para o Estado equivocadas. Neste sentido, sugerem-se novos estudos que ampliem o escopo temporal e espacial da pesquisa, ou seja, aplicá-la em todo o estado e com toda a população penitenciária que se encontre nos demais regimes prisionais. Por fim, sugere-se à equipe técnica da SSP que seja introduzida nas delegacias, no sistema penitenciário e na justiça acreana a introdução de questionários de informação social, econômica e emocional a serem aplicados a vítimas e autores de crimes. A introdução deste questionário possibilitará ao sistema integrado de segurança pública e aos demais órgãos do estado do Acre conhecerem informações relevantes no tocante aos condicionantes da atividade criminal.

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Além disso, torna-se necessário técnicos que sejam familiarizados com temas, tais como: econometria, econometria espacial, economia, sociologia do crime, geoprocessamento, estatísticas, análise multivariada e outras áreas correlatas a análise de dados, formulação de modelos econômicos/econométricos e técnicas de avaliação de políticas públicas/projetos, sociais vinculados à segurança pública. É preciso formar uma equipe de alto nível para lidar com as formas mais contemporâneas de combate à segurança pública. Políticas de segurança pública, para que possuam impactos significativos e longevos, devem partir do diagnóstico dos determinantes da atividade criminal. Sem entender a gênese do crime, a efetividade do combate à violência estará prejudicada, pois a atividade criminosa é um “produto” que se realiza reduzindo bem-estar da sociedade. Contudo, este produto possui um conjunto de fatores que explicam volume e dinâmica ao longo do tempo.

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sta obra é um produto do Laboratório de Estudo e Pesquisa da Violência e da Criminalidade (LAPESC), criado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, em cooperação com o Ministério da Justiça e da Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária no Acre (FUNDAPE). Seu objetivo é fomentar a produção de conhecimento científico que contribua para uma melhor compreensão do fenômeno social da violência e da criminalidade e, consequentemente, subsidie a tomada de decisão dos gestores que coordenam a Política de Segurança Pública do Acre. A questão central abordada pela pesquisa apresentada neste livro é o fenômeno relativo à reiteração da prática de atos criminosos cometidos por indivíduos egressos do sistema prisional. Em tese, o sistema prisional possui uma dupla finalidade: efetivar a punição decorrente de decisão judicial e proporcionar condições adequadas à reintegração social dos indivíduos que praticam atos criminosos.

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