Zyl #2 - Alianças

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Texto | Nana Queiroz

C

erta vez, o livro de uma filósofa francesa chamada Cristina Nehring veio parar na minha mesa na redação do Correio Braziliense. ‘Em Defesa do Amor - Resgatando o Romance no Século XXI’ era um conjunto de argumentos vorazes e deliciosos de que o amor é a maior fonte de inspiração que existe. E Nehring não estava falando apenas de inspiração a poetas e romancistas. Ela defendia que Sartre, apesar de seus inúmeros casos, não teria sido ninguém sem Simone de Beauvoir. Que Frida Kahlo e Diego Rivera só alcançaram a plenitude artística porque se encontraram. E, assim, seguia com uma lista de cientistas, engenheiros e grandes homens e mulheres de todas as áreas do saber. Acho que li poucos livros mais sábios do que aquele. E não fiquei impressionada simplesmente pela retórica convincente do texto: eu experimento na pele a verdade da teoria de Nehring todos os dias.

O amor rende frutos Meu conto de amor e produtividade começou em 2010, quando o meu editor da Revista Galileu, onde eu então trabalhava, me recomendou que entrevistasse um rapaz que estava fazendo um blog sobre uma viagem bastante peculiar. O tal de João Fellet havia decidido que cruzaria a África, de Joanesburgo ao Cairo, de van. O tom destemido do projeto já me deixou encantada logo de cara. Mas foi ao poder entrevistar João, que percebi que estava diante

de um homem que não só poderia amar pela vida inteira: ele era capaz de me fazer amar a minha vida inteira. Por meses, trocamos mensagens reveladoras e intensas em que partilhamos medos, ansiedades e sonhos. Quando João finalmente voltou ao Brasil, nosso romance pôde se concretizar. Incentivei-o a transformar em um livro a bela experiência que havia tido. João, talentoso e observador que é, havia colhido histórias fascinantes das pessoas que conhecera em sua peripécia africana. Colocou-as no papel e, para minha surpresa, me pediu que avaliasse o tom das histórias. Acontece que João, com toda sua cultura e sabedoria formal, havia nascido em bom berço enquanto eu nasci e cresci na periferia de São Paulo. Eu tinha um olhar que João era incapaz de adquirir sozinho. Revisei o livro com carinho. Aconselhei que retirasse algumas expressões, de cunho preconceituoso, acrescentasse outras e botasse um pouco mais de coração aqui e ali. Há três anos, quando o livro do João saiu, ‘Candongueiro: Viver e Viajar pela África’, senti que nascia ali nosso primeiro filho. Em agosto deste ano recebi a notícia que estamos esperando o nosso “segundo bebê”. Fui contratada pela editora Record para a publicação do meu primeiro livro, que vai se chamar ‘Presos que Menstruam’ e tratará das histórias de vida de mulheres encarceradas no Brasil. Ainda não decidi a divisão de capítulos e nem como vou contar cada história. Mas a dedicatória eu já soube de cara: “A João, que me deu olhos para ver os outros”.

Nana Queiroz e João Fellet. O casal oficializou os votos em outubro deste ano.

FOI AO PODER ENTREVISTAR JOÃO, QUE PERCEBI QUE ESTAVA DIANTE DE UM HOMEM QUE NÃO SÓ PODERIA AMAR PELA VIDA INTEIRA: ELE ERA CAPAZ DE ME FAZER AMAR A MINHA VIDA INTEIRA

Painel interativo

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