Bonita

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Sumário: Memórias da Maria Musa da chuva

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Depoimento de Antônia

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Amor quente

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Depoimento de Dorzina Depoimento de Isaias

05 06

Uma mulher de coragem

08

Depoimento de Seu Zé Felipe Depoimentos de Dona Déia

08 09

Bonita, esposa do cangaço

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Depoimento de Lampião

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O tiro inconveniente

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Depoimento do cangaceiro Vinte e Cinco

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A dor

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Depoimento da cangaceira Sila Depoimento da parteira Rosinha

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Sob a luz da noite

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Depoimento de Tenente João Bezerra Depoimento do cangaceiro Corisco Depoimento da cangaceira Dadá

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Uma [breve] biografia Editorial Como participar Ficha Técnica

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Memórias da Maria “A cangaceira Dadá dizia que Maria era uma mulher mimada e cheia de vontades. Mas outros relatos, narrados pela história oral das lembranças de ex-cangaceiros, tais como Vinte e Cinco, Dulce e Sila, ou de excoiteiras, como dona Hilda Fernandes e dona Rosinha, conduzem-nos ao entendimento de que Maria era uma mulher descontraída, brincalhona, às vezes até ser infantil. Uma majestade sem pose de reinado, pois se mostrava mais companheira do que comandante, a bonita Maria do Capitão Lampião não se incomodava com nada e parecia ter nascido pronta para viver no modo de vida do Cangaço.” Vera Ferreira e Germana Gonçalves de Araujo Bonita Maria do Capitão, p. 26.

“Parecia uma menina grande. Uma irmã daquelas bem dadas com os irmãos. Ela era brincalhona, uma moleca, e conquistava todo o mundo. Contava uma piada da pega e todo mundo achava graça.Tratava bem a todo mundo. Gostava até de botar apelido.” Vinte e Cinco – ex-cangaceiro do bando de lampião, depoimento gravado e transcrito em novembro de 2009.

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Livro: Bonita Maria do Capitão, p. 36.

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“Em Maria Bonita, temos salientado o pacifismo de sua conduta, de suas atitudes, de suas intervenções junto ao homem amado, de que resultou muita vida poupada pelo sertão afora, e sobretudo, a autenticidade com que declarava sua escolha de vida, sem transferir a responsabilidade para terceiros.”

Maria Bonita: a vivandeira do Brasil Frederico Pernambuco de Mello Historiador/ da Academia Pernambucana de Letras Livro: Bonita Maria do Capitão, p. 105.

“Maria Bonita foi, em verdade, uma mulher à frente de seu tempo, que desafiou uma sociedade machista e atrasada para viver uma paixão avassaladora. Fora a companheira de Lampião; mas nem por isso, bandida ou criminosa. Torna-se, ao contrário, um elemento de equilíbrio e de ponderação naquele agrupamento social marcado pela arbitrariedade e pela violência. Uma ‘fiel da balança”.

O cangaço e a Lei Penal: a questão Maria Bonita Sérgio Augusto de Souza Dantas

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Livro: Bonita Maria do Capitão, p.122.

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Musa da Chuva Quando era pequena costumava olhar pro teto. Havia uma rachadura nas telhas logo acima do lugar onde dormia. Era brava o suficiente para suportar as goteiras, protegia as irmãs dessa pequena provação que acontecia raramente ali onde moravam. Sentia as gotas molharem o pano que lhe vestia, quando a chuva era generosa e resistia até a noite. Era raro, e havia algo de místico naquilo. Costumava tentar entrever o céu pelo buraquinho no teto. Quando adormecia, sonhava voar, passando pelas estrelas que via naquele céu sem nuvens. Sonhava com o tal do litoral. Com o tal do mar. Ali por perto só conhecia rios magros como seu braço de menina, que secavam, como ela, quando a chuva fugia do céu. Queria saber se alguém morava lá em cima e se mandava nas gotas que caíam, nos rios que corriam, nas unhas dos seus pés, que cresciam e encravavam. No sono, via a chuva como se fosse uma mulher, e corria atrás dela, seu vestido de nuvens a refrescar suas mãos quando quase conseguia agarrar-lhe as saias. No fim do sonho, quando finalmente abraçava a chuva, ela lhe evaporava entre os braços, e Maria acordava com a camisola, que um dia fora muito branca, úmida de suor, grudando na pele. Então se levantava, as irmãs ressonando com seus próprios sonhos, mexendo-se em seu sono. Ia para fora, para o solo que secava da última chuva. Agora, só dali a oito, nove, dez meses. Ou mesmo só no ano seguinte. Gostaria apenas que os bichos não morressem. Dava-lhe dó vê-los mortos. E lhe dava também arrepios. Sentiu que não conseguiria mais dormir. Ouviu a mãe acordar. A lida na casa começava cedo. Iniciando sua cantilena habitual, a mulher deu início a seu cansativo dia. Maria sorriu, melancólica. O quanto penaria agora para fazer brotar água como milagre em casa sua já encurvada mãe?O sol do amanhecer secou o suor do sonho. A menina, ali, sentada na soleira da porta, esperava que ele evaporasse até as nuvens e caísse como chuva.

Historieta tecida por Belo Mar Florianópolis - Agosto de 2012

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Depoimento de Antônia Você pode até pensar que minha irmã só virou heroína depois que entrou para o cangaço, mas se você me disser isso vou achar que você não sabe de nada. Maria era minha heroína desde os tempos de criança, cuidava de mim, me protegia e inventava as mais divertidas brincadeiras. Enquanto aprendíamos a bordar era ela quem me explicava os mais difíceis pontos. Desde nova, Maria era uma exímia costureira e, vez ou outra, quando conseguia um pedaço de tecido velho e colorido, fazia as mais belas bonecas de pano e me dava de presente. Maria era assim, sem tempo ruim. Sempre com um sorriso no rosto, e os braços abertos para nos envolver num abraço. Carinhosa e amiga, uma verdadeira irmã; ai que saudades da nossa querida infância! Depoimento transcrito por [M.B]


Amor quente A terra árida soltava um bafo de ar fervente a cada passo dado pelos pés calçados em sandálias de couro, o calor envolvia os pés e as pernas e até mesmo as cinturas dos que corriam entre a mata branca, desvencilhando as volantes por entre as árvores magras, buscando um terreno apropriado pra refrega. Os tecidos das roupas, o lenço colorido de seda nos pescoços dos cangaceiros, sertanejos de pele ressecada igual a terra, os enormes chapéus de couro enfeitados com estrelas, os bornais cruzados por sobre o peito e os dedos nos gatilhos a espalhar terror pelos territórios, empoeiravam-se todos. A cena se repetia tão frequentemente quanto a presença da seca e a ausência da chuva nesses lados do país da árvore em brasa. Lampião e seu bando combateram soldados e fugiram dos mesmos embrenhando-se pela caatinga, durante mais de 20 anos e percorreram sete estados nordestinos. Na Bahia, pros lados do sítio Malhada do Caiçara, pelos anos de 1930, o cangaceiro cego de um olho chegou à morada de dona Déia e seu Zé Felipe, casa pequena feita de barro, que então abrigava o casal e mais três filhas. E viu através das lentes dos óculos de armação redondinha a menina dona de seu amor. Ainda chamada Maria de Déia, ou Maria Gomes de Oliveira no batismo, e agora com 19 anos (aos 15 tinha sido casada com um sapateiro que não amava e já não queria por perto), o sorriso no rosto fazia Maria ainda mais Bonita. Menina brincalhona e corajosa, de beleza leve, bordou o que Lampião ordenara e entre muitas conversas, a paixão fluiu densa e enorme. Ela encantou-se pelo cangaceiro banhado em perfume por causa do pouco banho. Florianópolis - Agosto de 2012

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Depoimento de Dorzina Apesar de sermos todos próximos, Maria e Antônia sempre foram mais achegadas. As duas viviam grudadas pelos cantos, inventando moda, e fazendo travessuras, eu era mais quieta e gastava a maior parte do meu tempo com os bordados e as costuras. Maria era uma boa irmã, amiga e companheira. Mas desde menina teve um gênio forte, era difícil a fazer mudar de ideia quando encasquetava com alguma coisa. Quando casou com o Zé de Nenê, eu soube que aquilo não ia durar muito. O homem era um frouxo e também vivia implicando com tudo que a Maria fazia. Cada vez que os dois brigavam, Maria voltava pra casa, bufando, roxa de raiva. Aí vinha a mainha, acalmava ela, aconselhava, e depois de uns tempos os dois voltavam a morar na mesma casa. Mas eu sempre soube que um dia aquela separação seria definitiva. Depoimento transcrito por [M.B]


Maria Bonita tornou-se Maria do Capitão, tornou-se Rainha do cangaço e rainha do coração de Lampião, coração árido feito a terra em que pisavam. Tornou-se a primeira mulher cangaceira, destemida, mas permaneceu a leveza do riso, as brincadeiras, espalhando apelidos e cuidados maternais, e assim conquistando também, logo e facilmente os corações de todos do bando. “Uma irmã daquelas bem dadas com os irmãos”. Deixou família, irmãos, casa, encheu-se de valentia e passou a acompanhar Lampião e o bando pra onde quer que eles fossem. Oito anos depois, em uma emboscada, foram todos mortos. Cabeças cortadas e expostas como troféus na escadaria, não foi exatamente ali que eles morreram, de fato – eles ainda vivem, e vivem vivíssimos, na História e nas histórias. E se existem poetas que cantam Lampião como “herói, bandido e louco”, pois então que Maria seja heroína, bandida e louca. Heroína das terras e da gente, tornada bandida por causa de seu louco amor.

Historieta tecida por Raio de Sol

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Depoimento de Isaias Quando era moça ninguém segurava a Maria não, eita menina trevosa. Mainha e painho faziam o que podiam para controlar a pequena e volta e meia ela e Antônia estavam de castigo. De nossas irmãs, Antônia era a que mais acompanhava Maria nas travessuras. Teve um dia que Maria colocou na cabeça que queria tomar leite de cabra – tinha uma cabrita lá em casa que ainda estava amamentando o filhotinho, e a minha irmã invocou que queria tomar o leite dela. A cabrita estava solta e durante toda a tarde Maria, mas Antônia correram atrás da pobre coitada. Quando finalmente conseguiram prender o animal, Maria pediu para Antônia segurar nos chifres, enquanto ela ordenharia a bicha. Mainha só pode ver uma chorosa Maria caída no chão depois de levar um coice do animal. Mas Maria não desistiu e depois de três dias de luta com a cabra consegui o leite que tanto queria. Depoimento transcrito por [M.B]


Uma mulher de coragem Ao longe, no coração da Malhada do Caiçara, avistava-se uma casinha pequenina, revestida de simplicidade, mas repleta de amor e coragem. As paredes de barro sustentavam as telhas de cerâmica e protegiam a família do tempo árido do sertão. Era assim, uma típica casa sertaneja, a casa daquela que um dia seria chamada de rainha. Ilustres visitas já havia recebido aquela casinha. Um conhecido cangaceiro e seu bando, muitas vezes já haviam passado por ali. Atrás dele iam as volantes, cada dia mais ferozes. Era um dia de sol a pino, Dona Déia, a matriarca, corria pelo quintal atrás de um galo que andava ciscando aonde não devia. Seu Zé Felipe, o patriarca, cuidava da rocinha de milho que mantinha no terreno atrás da casa. O milho que dali conseguia tirar dava sustento à família e muitas vezes aos animais. Enquanto isso, as três filhas do casal, que ainda estavam em casa, bordavam e tagarelavam embaixo da sombra do cajueiro. Na estrada deu pra ver a poeira que as patas dos cavalos faziam subir, anunciando a chegada de visitantes. Dona Déia sentiu um frio subindo pela espinha, naquela distância não dava para ver quem chegava, mas ela temia que não fosse boa notícia. Os cavalos trouxeram os policiais da volante, assim como Dona Déia temia. A mulher chamou por Zé Felipe e mandou as filhas para dentro da casa, todas entraram, menos Maria, que se postou atrás dos pais e esperou o que os homens tinham a dizer. Dali para frente foi a maior confusão, como de praxe os policiais queriam saber o paradeiro de cangaceiro Lampião. Aquelas perguntas já tinham quase virado rotina desde que Maria tinha se enroscado ao cangaceiro. As volantes sabiam do relacionamento e achavam que a família saberia dizer a localização dos coitos do bando de Lampião. Como se o capitão fosse estúpido de anunciar por onde andaria. Apenas Maria sabia a resposta das perguntas dos policiais e ela nunca as daria. Florianópolis - Agosto de 2012

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Depoimento de Seu Zé Felipe Minha filha se criou uma mulher de coragem, desde moça era assim, enfrentava quem quer que fosse. Tinha ideias firmes, tanto que chegava a ser um pouco teimosa. Eu achei que tinha sido falta de juízo que tinha a feito deixar o marido, mas hoje vejo que foi melhor assim. Maria não foi feita pra vida pacata de mulher de sapateiro, eu vi isso no dia em que ela enfrentou uma volante inteira para defender a nossa casa. Estavam destruindo tudo, e o comandante ameaçava botar fogo em tudo. Eu e a Déia não sabíamos mais o que fazer, foi quando a Maria se botou na nossa frente e deu um basta naquilo. Confesso que temi pela segurança de minha pequena, mas nunca fiquei tão feliz do como naquele dia por ver a filha que tinha criado. Ai que saudades da minha Maria! Depoimento transcrito por [M.B]


No sertão é difícil distinguir mocinho de bandido, muitos consideravam os cangaceiros como bandoleiros, homens sem lei, vivendo apenas pela violência. Mas naquele dia, foi a polícia quem pôs a baixo grande parte da casinha de Seu Zé Felipe e Dona Déia. Quando o interrogatório terminou, dois homens subiram no telhado e começaram a jogar as telhas para baixo, em meio a risinhos debochados e chacotas. Outros derrubaram cercas e soltaram alguns animais da família. E do alto de seu cavalo o comandante observava a algazarra em meio a ameaças de por fogo na casa, caso alguém tentasse impedir a destruição. Seu Zé Felipe e Dona Déia nada puderam fazer, mas para Maria aquilo foi demais. A morena juntou toda a sua força e com um grito de basta pôs fim naquele absurdo. O comandante da volante ainda teve de ouvir as doutrinas de uma brava Maria, que acusou e denunciou as barbaridades que aquela volante estava cometendo em nome da lei. Que lei era aquela, ela não entendia. Sem ter o que responder e, certamente, perplexo com a ousadia e a coragem da pequena Maria, o comandante e sua volante pararam com a destruição e deixaram a propriedade. Mas a família sabia que aquela não seria a última volante a lhes importunar a paz. Pensando na segurança de todos e com a casa praticamente destruída, Seu Zé Felipe e Dona Déia decidiram mudar-se para o Alagoas. Mas Maria sabia que enquanto ela estivesse por perto, a família correria perigo. As volantes estariam sempre no encalço dela para saber informações sobre Lampião. E com a mesma coragem que juntou dentro de si para impor-se contra as maldades da volante, a pequena Maria tomou a maior decisão de sua vida. Dali para frente não seguira com os pais para o Alagoas, dali para frente abandonaria a vida típica de mulher sertaneja, dali para frente montaria em seu cavalo e iria a encontro de Lampião e seu bando. Tornar-se-ia a primeira mulher a entrar no cangaço. Tornar-se-ia rainha.

Historieta tecida por Taiane [M.B] Florianópolis - Agosto de 2012

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Depoimento de Dona Déia Maria não nasceu pra ficar presa em Paulo Afonso não. Quando menina nunca tinha colocado o pé pra fora da Malhada do Caiçara, mas vivia falando dos sonhos que tinha de conhecer o sertão. Maria nasceu pro mundo, e não para passar a vida ajudando o marido numa sapataria. Eu até que fiz gosto no casamento dela com o Zé de Nenê, mas a verdade é que desde o início eles não se acertaram como tinha de ser. E já na primeira vez que encontrou o Lampião ficou toda ouriçada como eu nunca tinha visto antes. Minha filha foi para a estrada e virou cangaceira. Não nos vemos há anos e mesmo assim eu sei que sua vida é feliz. Minha filha tem a força e a coragem para deixar seu nome gravado na história. Depoimento transcrito por [M.B]


Bonita, esposa do cangaço Se “a memória é uma ilha de edição”, como algum poeta um dia falou, eu vivo ilhada e perdida nas minhas recordações. Maravilhada com o mar árido que me rodeia. Um mar morto. Um mar de gente; um mar morto de gente seca, um mar de gente morta de fome, edito minhas lembranças desde quando conheci um mirradinho que iria se tornar meu homem: Virgulino. E que homem! Na aridez nordestina, uma fértil paixão brotou. Enquanto bordava, Lampião me abordava e me convidava a mergulhar na infinitude de seus braços. Pouco tempo depois, sertão adentro, eu, Maria Bonita, viraria a mulher do Lampião, o rei do cangaço. Nunca foi tarefa fácil segurar esse cabra-macho! Em nossas andanças com o seu bando, tudo e nada podem acontecer. Querem sua cabeça – literalmente! Mas ele é um sujeitinho difícil - mais teimoso que uma mula! - e que não se entrega. Sempre carrega, como costuma dizer, “coragem, dinheiro e bala”. Apesar dos pesares, eu o vejo como meu mirradinho. Pelo menos para mim, ele é mais doce do que batata-doce. Na vida errante, Expedita nasceu. A vida dura, coisas do sertão, ela desde cedo já começou a conhecer. De Salomé à Serra Talhada, “nascer leva tempo...” O dia-a-dia no cangaço é diferente. Um dia pode levar 43 horas. Ou mais. Um dia pode levar um bom tempo... Isso é outra história. É cedo, manhãzinha. Vou acordar meu homem e sonhar com os olhos abertos. Outro dia pela frente nos espera...

Historieta tecida por L! Ao amigo Ricardo Correa que não mais está entre nós, os mortais.

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Depoimento de Lampião Até o dia de minha morte – e só Deus sabe que dia será esse – vou me lembrar de quando encontrei Maria pela primeira vez. Aquela morena da terra do condor fez meu coração bater. Eu já tinha andado com muita dona, meus homens bem sabiam disso. Mas nunca nenhuma delas tivera força suficiente para prender meu coração. A vida no cangaço é uma vida dura, a seca e a realidade do sertão deixam o coração do homem calejado. Quando Maria chegou na minha vida eu não sabia mais o que era a doçura. Maria era como menina, brincava e fazia caretas, contava piadas e inventava graças para me arrancar um sorriso. Maria me enchera de vida, Bonita me ensinou o que é amar. Depoimento transcrito por [M.B]


O tiro inconveniente A gente andava lá pelas bandas da Vila Serrinha, em Pernambuco e era época de festa junina. Se tem uma festa que o sertanejo gosta de comemorar é um bom São João, pular fogueira, comer milho verde, rapadura, pé de moleque, e dançar um bom arrasta pé de rostinho colado. Nós também teríamos nossa comemoração de São João, obviamente num local seguro. Mas enquanto isso, aproveitamos mesmo de longe a festança das cidades por onde passávamos. Estávamos precisando de mantimentos e o Capitão resolveu aproveitar a algazarra da cidade para saquear a feira. A Maria resolveu andar com um vestido branco de bolinha. O capitão ficou fulo da vida quando viu a vestimenta que sua companheira estava. No fundo estava só preocupado que no escuro o vestido branco de Maria se tornasse um alvo fácil. Logo na chegada fomos surpreendidos pelo delegado e alguns civis. Antes mesmo de se certificarem do que se tratava os homens já saíram mandando bala. E como o Capitão tinha previsto o alvo mais visado foi o tal vestido branco de bolinha da Maria. A pobre levou um tiro na bunda e tivemos que fugir às pressas. No caminho o Capitão fez dois homens de reféns para ajudarem a carregar sua rainha. O cangaceiro destemido do sertão, estava mais assustado do que criança por ver a sua companheira xingando e berrando de dor. Não sabia se estancava o sangramento das nádegas da mulher ou se corria para ajudar a carregá-la. Quando chegaram num lugar seguro, Lampião mandou soltar os dois que tinha feito de refém. E antes que os homens corressem de volta para sua cidade, disse que eles poderiam falar para a volante a localização dele. Quando saíram, quase em disparada, Lampião riu e disse que achava difícil que alguém nos encontrasse. Depois disso, nós encobrimos nossos rastros e nos escondemos no mato; enquanto Lampião tentava acalmar Maria que estava irritadíssima pelo local onde havia recebido o tiro. Minutos depois passou o delegado com os dois sujeitos que o Capitão tinha libertado. Não nos viram, nem nos ouviram. Depois de sarada Maria ria e fazia piada do acontecido. Nunca vi gostar tanto de fazer graça como aquela ali.

Historieta tecida por Taiane [M.B]

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Depoimento do cangaceiro Vinte e Cinco A Maria para mim era quase que nem irmã de tanto que a gente se dava bem. A Maria do Capitão é o tipo de irmã mais nova que você gosta de provocar para ver ficar irritada, a baixinha era arretada. E quando ficava brava até o Capitão Lampião piava fino com ela. Mas o dia em que eu mais dei risada dessa Maria, foi quando ela levou um tiro na bunda. Veja só como é, e isso lá é lugar pra levar tiro? A pobre coitada xingou até a última geração do Capitão, enquanto este tentava tirar a bala que tinha ficado alojada no traseiro da companheira. Lampião, paciente, repetia sem parar “Se avexe não, mulher. Se avexe não!”. E o pior é que toda a confusão tinha sido por conta de um vestido de bolinha que a Maria encasquetara de usar, porque queria estar bonita para o São João. Agora diga, quem além de Maria se arruma para saquear uma feira?! Depoimento transcrito por [M.B]


A dor Já estávamos em meados de 36, Lampião apressava a marcha, pois o bando era seguido pelo Tenente Bezerra. Mas lá pelas bandas da fazenda Retiro, já no estado do Alagoas, o encontro foi inevitável. Os tiros começaram num rompante; senti a picada da bala entrando em minha carne, sem saber direito de onde os tiros tinham vindo. Desorientada, não pude fugir e quando voltei a mim, vi-me levada pela volante. Presa já não sabia o que doía mais? A perna, a cintura, ambas enfaixadas? Ou o que ninguém via, dentro do peito, que só eu sentia? Chegou aos meus ouvidos que o Gato, meu amado Gato, perdera o controle e estava vindo para a cidade me salvar. Mas ele se fora. Rápido como o encontro de nossos olhares que me levaram a essa paixão, esse destino, essa vida do cangaço. A terra, os caminhos, o sol, eram todos iguais, desde sempre, para o sempre. Por que minha vida, essa de cangaceira de sol a sol, trilhando os caminhos de terras secas, tinham de mudar assim, com a velocidade de um tiro? Tinha a fama de ser o mais cruel. Mas eu, provável que só eu, sabia que aquilo era uma máscara, ao mesmo tempo tão verdadeira e tão falsa como a das festas da nossa gente. É verdade, ele matou até mais que os outros. E também é verdade que ele magoou a prima Antônia, a única pessoa que talvez eu tenha amado tanto quanto ele. Fugida depois de uma briga, quando vim pra cá, um dia e uma noite depois de nosso encontro dos olhos. Porém a verdade que nunca vou esquecer é que ele levou uma bala porque veio me levar de volta pras nossas terras secas. As quais ele não trilhará de novo, nas quais não ouvirei mais sua voz chamar “Inacinha, venha cá!” com uma doçura que só eu identificava.

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Depoimento da cangaceira Sila Maria sempre foi amiga e companheira de todo mundo. Gostava de fazer uma piada e implicar com os outros, Dadá é que não gostava muito das brincadeiras e por vezes ficava emburrada no canto dela. Mas no final as duas se entendiam e voltavam a amizade. Maria também cuidava dos feridos, tinha aprendido com sua mãe a fazer curativos e alguns unguentos, como era teimosa só desistia de uma ferida quando ela estava curada. Quando entrei no cangaço foi Maria que me acolheu, como ela fez com a maioria das mulheres que aqui chegaram. Quando as mulheres engravidavam era Maria quem mais de perto cuidava da gestação. Eu bem sei como, em segredo, a cangaceira gostava de crianças. Seu maior ressentimento era de não poder ver a filha crescer. Depoimento transcrito por [M.B]


Soube que foi Maria que o socorreu depois que ele levou o tiro. Colocaram meu cangaceiro Gato sentado numa cadeira de vime e o carregaram para um local seguro. Maria cuidou dele, do mesmo jeito que sempre cuidou de mim e dos outros. Mulher de punho firme, corajosa, mas amiga e companheira. E pensar que nunca mais verei o sorriso dela, a bonita, Maria. Maria me entendia quando eu falava de amor. Assim como ela fez, eu larguei tudo pelo Gato. Ele era casado com minha prima, a que eu pensava ser a única moça do bando. Mas quando entrei no cangaço, me deparei com um bando de mulheres. Mas foi Maria quem melhor me recebeu. Só quem amou a ponto de largar tudo pode falar de quem tudo deixou pelo amor, um tão grande como o meu e o dele, como o da Maria e do Lampião. Ela, já mãe – de menina – no meio de homens, pode me ajudar. Apesar da nossa quase mesma idade, ela sabia dos assuntos da vida, dessa vida de sorte tão bem escolhida. Pouco antes de Gato vir pra essa cidade maldita das Alagoas estranhei a falta da minha regra, e Maria me aconselhou, mais uma vez, como tinha feito quando Antônia fugira. Mais que bonita, era da alma bonita, vivia sem reclamar na aridez do cangaço, feliz da vida com seu Lampião. As lembranças dela agora me dão forças para aguentar essa dor. A maior de todas até agora. A dor dos tiros nem chega perto da dor de ter ouvido, de longe, no quintal do tenente que me fez presa, que fez isso tudo, que “acertaram o Gato”. Conseguiram então. Uns dias depois, fui solta – mas do que adiantava? Pouco mais me sobrava do mundo. Talvez, só a esperança que um dia, ela ou ele dentro da minha barriga, ainda correrá pelas terras secas, como Lampião, como Maria, ou como eu mesma.

Historieta tecida por Talia Florianópolis - Agosto de 2012

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Depoimento da parteira Rosinha Quando a Maria estava para parir, Lampião mandou me chamar às pressas. Parece que ela já tinha tido alguns abortos e estava preocupada com a saúde da criança que estava por chegar. Quando Expedita finalmente nasceu, Maria encheu os olhos de lágrimas ao ver o rostinho da menina – apesar de ter se segurado para não deixar que estas escorressem pela bochecha. Depois me disse que mulher que vive no cangaço não tem o direito de deixar lágrima escorrer. Devia mesmo ser uma vida difícil a que aqueles homens e mulheres levavam. Maria foi uma mãe carinhosa. E foi com o coração partido que deixou a filha para ser criada por alguém que não fosse ela. Depoimento transcrito por [M.B]


Sob a luz da noite A noite do sertão é um verdadeiro espetáculo pintado pela natureza, manto azul enfeitado com os mais brilhantes tons de prata. Quando o sol vai-se embora um cortejo estrelado passeia pelo céu, esperando que a dama de luz surja e embeleze sua corte. Uma imensa bola de prata que se você esticar um pouquinho o braço e ficar na pontinha do pé, quase chega a acreditar que conseguirá tocá-la com a ponta dos dedos. A dama de luz passeia na noite, consolando aqueles que choram, lembrando-os que o sol já vem e que amanhã é um novo dia. Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão. Maria tinha o costume de sentar-se afastada das tendas dos homens para pensar e observar o luar. Naquela noite chamara Sila, a mais romântica das cangaceiras. Sila dizia que “mulher no cangaço era como flor: se encostar numa delas, machuca”, e jurava de pé junto que todos os cangaceiros eram muito amorosos. Sila era muito sonhadora e gostava de falar com Maria sobre aquilo que sonhava. E as duas cangaceiras trocaram sonhos, histórias e risadas enquanto comiam uma melancia que um dos homens havia trazido junto com as compras da feira. Maria adorava melancia e a prosa estava tão agradável que as duas ficaram ali, escoradas nas pedras até tarde da noite. Passadas algumas horas as duas tinham comido tanto que nem podiam mais sentir o cheiro da fruta. Quando estavam se preparando para dormir, Sila avistou uns pontos de luz piscando no mato. Intrigada apontou as luzes para Maria, esta coçou a cabeça e afirmou que eram vagalumes; naquela região havia bastante pirilampo. Antes Maria estivesse certa! Os inocentes e brilhantes insetos eram na verdade as lanternas à pilha da policia, que formavam o cerco para atacar o bando. Sem saber do perigo que corriam as duas foram deitar-se para mais uma noite de sono.

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Depoimento do Tenente João Bezerra Eu estive no Angico na ocasião da morte de Lampião, Maria Bonita e outros de seu bando. Há muitos anos as autoridades vinham caçando o bando de Lampião, eram então os mais conhecidos cangaceiros de todo nordeste brasileiro. Naquela época eu achava que cangaceiro era tudo bandido, e fui eu mesmo que dei ordem de não deixar ninguém vivo naquela noite. Mas confesso que quando vi Maria Bonita se enchendo de coragem e mesmo baleada tentando defender aqueles por quem lutava, eu vi uma face da mulher eu nunca antes tinha percebido. Foi Maria Bonita que minutos antes de sua morte plantou no meu coração a dúvida de que se o que estávamos fazendo era certo. Depoimento transcrito por [M.B]


No meio do mato escondida atrás de umas pedras estava a volante do Tenente João Bezerra, mais dois pequenos grupos; um liderado pelo Aspirante Ferreira, um cabra puxa saco que só vendo do João Bezerra, e outro liderado pelo Sargento Aniceto. Naquela noite, os macacos lutariam sem piedade. O Aspirante Ferreira era o mais afoito, não conseguia entender o motivo de tanta espera. E no anseio de começar a briga já tinha se posicionado pertinho do acampamento. Já quase de manhãzinha, mas ainda protegido pelo escuro da madrugada, o aspirante viu Lampião acordar e mandar um de seus homens buscar água pra coar o café. E lá se foi o cangaceiro Amoroso pegar água justamente num tanque formado pelas pedras onde os homens do aspirante se escondiam. O aspirante viu seu corpo suar frio, e para piorar a situação Amoroso resolveu andar uns passos a mais pra lá do tanque para tirar a água de seu joelho, cantarolando uma cantiga que ninguém conseguiu compreender. Vendo a iminência de serem descobertos, os policiais trocaram olhares e antes mesmo de saber se podiam atirar apertaram os gatilhos. O primeiro a cair morto foi Lampião, com um único tiro certeiro. Maria tinha acabado de sair de sua tenda quando viu o corpo de seu amado tombando ao chão, correu mais depressa do que pode para acudi-lo e ao fazê-lo levou um tiro nas costas. Tentando esquecer a dor ainda tentou reviver o homem, mas era tarde demais. O capitão estava morto. Caída sobre o corpo do companheiro, sangrando, assustada e desnorteada Bonita precisou de alguns instantes para descobrir o que fazer. E tirando de dentro de si a força que juntara durante toda a sua vida, firmou os braços no chão e tentou levantar. Era apenas um tiro, já tinha aguentado mais do que aquilo, ela resistiria. Pela primeira vez em sua vida pegou a arma do companheiro que estava ao chão ao seu lado com o objetivo de entrar numa luta. O capitão estava morto, alguém precisava guiar os homens em seu lugar.

Florianópolis - Agosto de 2012

Travessa em Três Tempos

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Depoimento do cangaceiro Corisco Foi por motivo de uma briga tola que não estive do lado do Capitão na triste noite que foram mortos no Angico. Talvez minha presença não tivesse mudado em nada essa história, mas morreria de cabeça erguida lutando do lado daqueles que sempre foram minha família. Os homens que sobreviveram e conseguiram escapar da volante vieram até mim e contaram-me como a Maria do Capitão tinha lutado bravamente para defender aqueles que considerava irmãos. Maria sempre foi mulher de fibra, a princípio fiquei surpreso quando soube que ela pegou numa arma; eu bem sabia que ela não gostava de atirar. Mas quando refleti mais um pouco percebi que a cangaceira jamais deixaria seu homem e seus irmãos morrerem sem lutar. Viva Maria! Viva Bonita! Depoimento transcrito por [M.B.]


A menina grande, brincalhona e moleca dera lugar à mulher que por oito anos viveu sua vida no cangaço. A Maria Bonita que colocara apelidos na maior parte dos homens do bando, agora os chamava pelo nome e os comandava. Foi quando viu que Luis Pedro havia conseguido quebrar o cerco e estava prestes a escapar, Maria era mulher de palavra e memória e antes que o homem pudesse se ver livre dos tiros e da luta chamou pelo seu nome. E lembrou-lhe de uma promessa que há tempos havia feito: “Compadre Luis, você não disse que no dia que Lampião morresse você morria também?”. O cangaceiro Luis Pedro lembrou-se do dia em que a promessa tinha sido feita. Há quase doze anos quando com um tiro acidental matara Antônio Ferreira, irmão de Lampião. Sentiu o coração pesar com a dor da lembrança e com um aceno para Maria, deu meia volta. Mas a volante aproveitou a distração da rainha do cangaço e enquanto Luis Pedro voltava para a luta, João Bezerra acertou mais um tiro na mulher, que voltou a cair no chão. Ainda com vida, Maria viu um volante se aproximar e sentiu o aço de um punhal rasgar a carne de seu pescoço. Luis Pedro ainda tentou acudir Maria, mesmo com o tiro do peito que acabara de levar, resistiu e tentou pegar de volta a pistola quando levou mais um tiro. Antes de cair sem vida pode ver o macaco se afastando com a cabeça de Maria nas mãos. Já não se podia mais ver a grandiosa dama de luz no céu, ela tivera muitos a consolar aquela noite. A aurora já anunciava o gigante amarelo que estava preste a nascer, já era um novo dia. Um dia de luto para o cangaço. Na fazenda do Angico, no município de Porto da Folha, em Sergipe, Maria Bonita perdeu o trono. Sem nunca perder a majestade na memória da cultura nordestina e brasileira.

Historieta tecida por Taiane [M.B]

Florianópolis - Agosto de 2012

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Depoimento da cangaceira Dadá Eu bem que implicava com a Maria chamava-a de mimada. No fundo não entendia como, por conta própria, ela tinha decido entrar para a vida no cangaço. E de certa forma a culpava por ter começado esse costume de se levarem mulheres para os coitos. Não me entenda mal, eu amo o meu Corisco, e hoje gosto da minha vida de cangaceira. Mas eu não tive escolha, como Maria teve, fui arrastada desde menina para o cangaço e ponto. Mas por traz da minha implicância sempre gostei da Maria do Capitão. Nós nos estranhávamos algumas vezes, mas no fim sempre fazíamos as pazes. Maria sempre cuidou de todos, inclusive de mim. Maria lutou até o fim por tudo aquilo que acreditava. Maria lutou pelo cangaço. Maria lutou pelo sertão. Depoimento transcrito por [M.B.]


Uma [breve] biografia Maria Bonita nasceu Maria Gomes de Oliveira no dia 08 de março de 1911, no sítio Malhada do Caiçara, no município de Paulo Afonso – Bahia. No sertão nordestino da década 20 era comum que as moças se preparassem desde meninas para o casamento. E com Maria, agora chamada Maria de Déia, não foi diferente, moça prendada e exímia costureira, casou-se aos 16 anos com o sapateiro Zé de Nenê. O casamento não foi feliz e as brigas eram constantes, durante as rixas com o marido Maria refugiava-se na casa dos pais. Numa destas visitas, no ano de 1929, a moça conheceu o Capitão Lampião. moça conheceu o Capitão Lampião.

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Maria Bonita nasceu Maria Gomes deOOliveira no dia 08 de março de 1911, de no suas sítio cangaceiro encomendou o bordado Malhada do Caiçara, no municípioiniciais de Paulo emAfonso 15 lenços – Bahia. e do trabalho com as linhas e as visitas, os dois se apaixonaram e engataram num No sertão nordestino da década 20 era comum que as moças se preparassem desde romance inocente que durou cerca de um ano. Com as meninas para o casamento. E com Maria, agora chamada Maria de Déia, não foi diferente, visitas cada vez mais frequentes do bando do capitão à moça prendada e exímia costureira, casou-se aos 16 anos com o sapateiro Zé de Nenê. O propriedade, as volantes policiais passaram a casamento não foi feliz e as brigas eram constantes, durante as rixas com o marido Maria perseguir a família de Maria. Até que em 1930, seu Zé refugiava-se na casa dos pais. Numa destas visitas, no ano de 1929, a moça conheceu o Felipe e Dona Déia, pais de Maria, viram-se obrigados Capitão Lampião. a mudar-se com os filhos para o município de Salomé, em Alagoas. Foi nessa ocasião que Maria resolveu proteger a família e seguir Lampião. A decisão de Maria causou uma verdadeira revolução na história do cangaço, pois foi a primeira a viver entre os cangaceiros. Até então, nenhum bando de cangaceiros aceitava que mulheres lhes acompanhassem. Depois de Maria, por volta de 40 mulheres entraram para a vida difícil do cangaço. No cangaço as mulheres não tinham obrigações de dona de casa, o trabalho era dividido entre todos e feito em grande parte pelos homens. Quando engravidavam costumavam ser levadas para coitos seguros, os filhos eram entregues a respeitados conhecidos para serem criados em segurança. Expedita, nascida em setembro de 1932, foi a única sobrevivente das quatro gestações de Maria. As cangaceiras portavam revolveres e sabiam atirar, mas somente para sua própria proteção. Pois não participavam dos enfrentamentos e lutas com as volantes. Normalmente ficavam longe da troca de tiros sob a proteção de algum dos homens, mesmo assim em 1935, Maria foi baleada durante um ataque à Vila Serrinha do Camtibau, região próxima da cidade de Garanhuns-PE. As pessoas que viveram contemporaneamente aos episódios ligados ao cangaço são unanimes em dizer que mesmo vivendo num meio violento, as mulheres refreavam as de um cangaceiro mais violento.


a violência de seus parceiros, impediam a prática de delitos e até mesmo chegavam a confortar vítimas de um cangaceiro mais violento. Maria Bonita é considerada pelos estudiosos do cangaço um “elemento de equilíbrio e ponderação naquele agrupamento social marcado pela arbitrariedade e pela violência”. Entre os cangaceiros ela era chamada de Dona Maria ou de Maria do Capitão. Não se sabe exatamente quando surgiu a alcunha Bonita que até hoje acompanha o seu nome. Sabe-se que não surgiu entre aqueles que conviveram com ela durante o período do cangaço. Duas possibilidades são debatidas a respeito da alcunha. A primeira é que o apelido foi dado por um policial volante que achava Maria bonita. A segunda é teoria do pesquisador Jeová Franklin, que diz que a palavra bonita é traduzida do francês “Jolie”, que teria sido colocada junto ao nome de Maria em 1962, quando a imagem da cangaceira foi xilogravada pela primeira vez para ilustrar um folheto de cordel. Não se sabe ao certo quando a alcunha começou a acompanhar o nome de Maria. Nas primeiras vezes em que foi citada nos jornais, o apelido Bonita não acompanhava o seu nome. Mas em 1938, a revista Noite Ilustrada, já se referia a cangaceira como Maria Bonita. Levando a crer que a palavra “Jolie” na gravura de 1962 tenha vindo daí. O certo é que a alcunha de Maria Bonita foi incorporada de maneira tão forte à pessoa de Maria de Déia que até aqueles que conviveram com ela depois passaram a chamá-la de Maria Bonita. Maria Gomes de Oliveira, Maria de Déia, ou Maria Bonita foi, em verdade, uma mulher a frente de seu tempo que desafiou uma sociedade machista através da decisão de seguir Lampião e entrar para a vida dura do cangaço. Tornou-se uma figura tão forte na história do cangaço e consequentemente na história nacional que foi representada em todos os cenários artísticos: fotografia, cinema, xilogravura, literatura, teatro, artesanato e até na moda. Morreu em 28 de julho de 1938, vítima de uma emboscada na Grota do Angico, lugar hoje pertencente ao município de Poço Redondo, Sergipe. A autópsia revelou que sua cabeça foi cortada enquanto ainda estava viva.

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A cabeça de Maria Bonita, Lampião e mais seis companheiros foi guardada em latas de querosene com sal e carregada por todo o calvário de cidades. Seguindo para o Instituto Nina Rodrigues na Bahia e somente sepultadas em 1969, 31 anos depois. Maria Bonita viveu e morreu depois. defendendo aquilo que acreditava. Referência bibliográfica: FERREIRA, Vera; DE ARAUJO, Germana G. (orgs). Bonita Maria do Capitão: centenário de Maria Bonita 1911 - 2011. Salvador. EDUNEB. 2011


Editorial: Se aproxegue que agora eu vou contar quem é esse pessoal da Travessa em Três Tempos. Dizem que são um povo muito bonito e fazem uma revista históricoliterária que pretende brincar com diferentes versões dos fatos trazidos prontos pelos documentos históricos. Dá um trabalhão, mas eles bem que gostam! Eles falam por aí, e eu acredito, que na história não existe uma verdade, mas várias. Esta edição que ocê acabou de lê foi feita com o maió cuidado e carinho como homenagem ao centenário da Maria Bonita, que aconteceu agorinha em 2011. Ela foi pensada a partir da temática “tempo, memórias e expectativas” que foi o tema do XIV Encontro Estadual de História da ANPUH-SC. Espero que ocês tenham gostado das memórias da Maria que a gente contou pro’cês. A gente se vê na próxima edição, não é?

Como participar: Um ou mais contos antes que o mundo acabe Que a Travessa em Três Tempos é uma revista que narra a história de todas as formas possíveis você já sabe. O que talvez você não saiba, é que pode participar disso e contar a sua versão – como você gostaria que a História se desenrolasse? Você é quem tece: damos o tema, a fonte, alguns fatos. A você cabe inspirar-se e escrever! No endereço http://revistatravessaemtres tempos.blogspot.com.br/, você pode acompanhar os editais e mandar sua história! Conte, reconte, aumente quantos pontos quiser – desde que sua narrativa não tenha diálogos e tenha a ver com o documento (para mais detalhes, consulte os editais). E então? Não vai escrever antes de o mundo acabar?


Ficha Técnica:

Fica aqui nossa singela homenagem à Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, que pintou seu nome nas páginas da história através de sua luta, sua coragem e seu amor! Atenção! As historietas e depoimentos contidos nesse exemplar são todos fictícios. Documento Base: FERREIRA, Vera; DE ARAUJO, Germana G. (orgs). Bonita Maria do Capitão: centenário de Maria Bonita 1911 - 2011. Salvador. EDUNEB. 2011 Textos de Redatores: Ana Terra de Leon – Luccas Neves Stangler – Luiza Tonon – Taiane Santi Martins Tainah Lunge

Capa:

Revisão: Luiza Tonon

Foto: Mariana Rotili

Edição e Diagramação:

Arte e design: Taiane Santi Martins

Taiane Santi Martins Equipe Travessa em Três Tempos: Ana Terra de Leon - Luccas Neves Stangler Mariana Rotili – Luiza Tonon Taiane Santi Martins - Tainah Lunge Idealização: Taiane Santi Martins Apoio: Laboratório de Imagem e Som – LIS Orientação: Profa. Mariana Joffily Endereço para contato: revistatravessa@gmail.com @revistatravessa http://revistatravessaemtrestempos.blogspot.com



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