Ragga #71

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REVISTA

Os últimos 30 anos do rock estão no Circo Voador

#71

MAR 2013

leitura recomendada para maiores de 18 anos

NÃO TEM PREÇO

Cerveja artesanal As delícias fabricadas em solo mineiro

Amyr Klink Sinônimo de navegador no Brasil, ele fala de sua vida em terra firme

“Minha paixão é pela viagem, não sou um cara do mar”



PHOTO: PREFONTAINE ONEILL INC. 2012

BRET LITTLE

ONEILL.COM I FACEBOOK.COM/ONEILL








C

CAIXA DE ENTRADA CARTAS

EXPEDIENTE DIRETOR-GERAL

Edição Gabriel Medina

lucas fonda [lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING

bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br]

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vigilantes do texto rona editora REVISTA DIGITAL [www.ragga.com.br/digital] REVISÃO DE TEXTO

NOSSA CAPA

IMPRESSÃO

Fotografar o navegante Amyr Klink é um desafio. O mesmo homem que é desenvolto no mar, escreve suas ideias com tranquilidade e fala sobre todos os assunto com a certeza de quem já viveu e viu muito, vira uma criança frente a câmera. “Não gosto muito de fotos.” Apesar disso, a boa vontade dele fez toda a diferença. Com o casaco amarelo (“foi o que sobreviveu nos últimos 15 anos”), ele enfrentou as lentes para fazer as fotos dessa edição. No fim da seção de fotos, completa: “se lembrar, me manda um exemplar depois”. Pode deixar, Amyr, a gente lembra. página 54.

REDAÇÃO

av. assis chateaubriand, 499 . floresta . cep 30150-101 belo horizonte . mg . (31) 3225-4400

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EDITORAL

Seja um amador

bruno senna

Começa assim: você nada mais é do que um amador, faz aquilo simplesmente porque gosta, seja um esporte, uma arte ou uma profissão. Aí as pessoas dizem: “Você precisa se profissionalizar”. Então, você passa a treinar, a pesquisar, a estudar e a se regrar, você se gradua e, finalmente, você deixa de ser um amador para ser, agora, um pomposo profissional, certo? Errado! Não tem nada de ruim em ser um profissional, não há mal algum em se aprimorar, se aperfeiçoar. O erro, na verdade, está em deixar de ser um amador. E essa linha é tênue. Dominar a técnica e perder o amor é onde mora a frustração. É onde as pessoas normalmente param e pensam. “Mas isso era tudo que eu queria e não estou satisfeito.” Nesse caso, aconteceu o erro. Seu amor virou profissão e nada mais. Esse é o grande desafio: nunca deixar de ser um amador, por melhor que você seja no que faz. Afinal, depois de tanto esforço, se você perdeu um emprego, uma competição ou um concurso, perdeu uma oportunidade. Agora, se você perdeu o amor, perdeu tudo.

Lucas Fonda — amador profissional lucasfonda.mg@diariosasassociados.com.br


Ă?NDICE

Morro acima A ultramaratonista Fernanda Maciel sobe a Rocinha para promover a paz na favela

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Marcelinho

Pole dance

O fantoche mais famoso do YouTube revela novos planos (que não envolvem contos eróticos)

Dançarinas e atletas profissionais mostram que nem tudo é sedução nessa prática

Circo Voador

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Relembre os melhores momentos da casa de shows que moldou o cenário musical do país

34

40

Mestre cervejeiro Lúpulo, malte, cevada e levedura encontraram seus admiradores em Minas

44

Mais calor, por favor

Lobo do mar

Verão uruguaio é opção para quem quer passar as férias na gringa e gosta de praia

Amyr Klink fala do que acha da juventude e declara seu amor aos esportes radicais

50

JÁ É DE CASA

Scrap 14 Só no site 15 Estilo Bárbara Haddad 24 Destrinchando 18 Twitter 19 #Instaragga 20 Rapidinhas 22 Eu quero 24

54

Quem é Ragga 26 On the Road Punta del Diablo 70 Ragga Girl Fabiana Agutuli 72 Livrarada 78 Prata da casa 79 Crônico 80 Quadrinhos Rasos 82

Quem é você? Um inventário de tipos humanos para nos ajudar a entender pequenos detalhes da vida

64


S

SCRAP S/A

COLUNA POR ALEX CAPELLA // ALEXCAPELLA.MG@DIARIOSASSOCIADOS.COM.BR

imagens e fotos: divulgação

Sugestões e informações para a edição de fevereiro, entre em contato pelo e-mail acima.

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Supermercado virtual

O grupo Super Nosso colocará em operação, ainda no primeiro semestre deste ano, um sistema de vendas virtuais. Os pedidos poderão ser feitos pelo site da empresa ou por telefone, e a entrega será realizada no período que o cliente escolher (manhã, tarde ou noite), num prazo máximo de 24 horas após a compra. O investimento da rede no projeto foi de R$ 1,5 milhão.

Onda do guaraná

Robô professor

O Guaraná Antarctica fechou, por intermédio da IMX Talent, contrato de patrocínio com o surfista Gabriel Medina, jovem revelação do surf, que recentemente desbancou o mito Kelly Slater e conquistou duas etapas do WCT. O contrato com o jovem surfista de 19 anos, que tem duração até 2015, contempla a participação do atleta em campanhas publicitárias, ações promocionais e eventos. Além do surfista, a marca também é patrocinadora da Seleção Brasileira de Futebol e dos jogadores Neymar e Lucas.

O Colégio ICJ (Instituto Coração de Jesus), na capital mineira, implantou em sua metodologia de ensino a robótica em turmas do 1° ano do ensino médio. As aulas de robótica reúnem vários recursos tecnológicos capazes de contribuir para um aprendizado mais interessante e um ensino mais significativo. A constatação vem do Korea Institute of Science and Technology. Segundo pesquisa do instituo, 38% das crianças entrevistadas no estudo consideram que é possível aprender com os robôs, o que revela o potencial que pode ser explorado nessa nova forma de ensino.

Café gelado

Uai no Alemão

O Mr. Black Café Gourmet, presente nos shoppings Cidade e Minas, em Belo Horizonte, acaba de lançar no mercado sete opções de drinques gelados feitos à base de café espresso: os Blackccinos. As bebidas são encontradas nos sabores ovomaltine, caramelo, café, avelã, baunilha e marula. Os drinques também podem ser apreciados na versão light, feitos sem leite e sem chantilly.

O grupo mineiro Uai erguerá, no Rio de Janeiro, o primeiro shopping popular localizado em uma favela do país. O empreendimento será construído no Morro do Alemão e receberá R$ 20 milhões em investimentos. Parte do capital será próprio, o restante, financiado. O shopping será instalado em uma área de 15 mil m² e terá 500 lojas. As obras devem durar cerca de seis meses, porém ainda não há previsão para o início. Segundo os empreendedores, 60% das unidades serão locadas para os comerciantes da própria comunidade.


S

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COLUNA DA WEB

Octógono Saiba como escolher a melhor academia ou centro especializado para treinar MMA. Veja os principais riscos que corre quem escolhe o espaço errado. bit.ly/segurancamma

SÓ NO SITE

Fotografia genética Canadense resolveu criar imagens misturando os rostos de duas pessoas da mesma família, o resultado mostra a semelhança física entre eles. bit.ly/fotogenetica

SÓ NO SITE

Sábios conselhos Artista espanhol cria ensaio fotográfico em que sua tia-avó dá conselhos sobre como se comportar na internet e com relação à tecnologia. bit.ly/sabiosconselhos

EXTRAS

Tipos humanos Veja mais desenhos da artista mineira Verônica Vilela, que busca desvendar os segredos dos personagens que ela mesma cria. bit.ly/tiposhumanos

EXTRAS

foto: reprodução da internet

Circo voador Veja a galeria de fotos que mostra os vários eventos inesquecíveis que aconteceram na casa de shows carioca ao longo de seus 30 anos de existência: bit.ly/circovoador

COLUNA DA WEB SÓ NO SITE

Biclycled As bicicletas ganharam mais um ponto contra os carros. Confira o vídeo que mostra como transformar um veículo velho em uma nova magrela. bit.ly/biclycled

Zonafootball Um animador da Pixar, fã da NFL, resolveu fazer vários sketches sobre jogos que aconteceram este ano. Confira bit.ly/sketchesnfl


E

ESTILO Bárbara Haddad

COLUNA POR LUCAS MACHADO FOTOS CARLOS HAUCK

John Lennon já dizia nos anos 1970, na letra da música God: “Eu não acredito em mágica”. Em minha opinião, ele queria dizer: não sonhe, faça. Barbara Haddad nasceu em 1984, ano de criação da Olium, uma das marcas mais famosas que já tivemos por aqui nas rotas das Gerais, criada pelo seu pai Ricardo Haddad e seu irmão Rubens. Já aos 17 anos, Bárbara começou a trabalhar como estilista, logo depois se formou em moda, na Fumec. “Comecei como uma das estilistas da Olium. Foram 10 anos, abrimos um showroom para atacado em Belo Horizonte, que deu muito certo. Passei por todos os processos dentro da marca. De Belo Horizonte fui para São Paulo trabalhar como gerente da Olium na capital paulista”, comenta. A estilista foi convidada a trabalhar como promoter na nova casa de Rico Mansur, o 3p4 (Tr3s por Qu4tro), em São Paulo. Por lá, fazia nas quintas-feiras uma das baladas mais tops de hip-hop da cidade. Depois disso, passou por várias outras casas. Hoje, Bárbara é relações públicas do restaurante Serafina, no Bairro Jardins, em São Paulo. Além disso, tem um novo projeto de venda on-line, a It Boutique, um e-commerce de venda de roupas femininas que trabalha para grandes marcas, como a argentina Paula Cahen D’Anvers e a mineira Caos. Ama MPB e seu esporte preferido é a corrida. Seus planos para 2013, uma vida cada vez mais saudável e mais reservada.

Bárbara usa Sapato Charlotte Russe

Colar Raphael Falci

Calça Paula Cahen D’Anvers

Blusa Paula Cahen D’Anvers

Jaqueta Paula Cahen D’Anvers

Hot Pants Te Quiero

Olha lá www.itboutique.net

Oléo de cabelo Moroccanoil

Tênis New Balance

Shorts Te Quiero

Óculos Ray Ban – presente do avô (piloto de avião) Livro Ervas e condimentos de A a Z - Rosana Nepomuceno Relógio Nike-GPS

Livros Coleção de Pesquisa Olium Baton Mac Russian Red

J.C. 16


A EDUCAÇÃO EM BH ESTÁ VIVENDO A MAIOR TRANSFORMAÇÃO DA SUA HISTÓRIA.

LIDIANE DA CRUZ E SEUS FILHOS BRUNO E LORENA, ALUNOS DA ESCOLA MUNICIPAL PADRE FRANCISCO CARVALHO MOREIRA

200 MIL KITS ESCOLARES ESTÃO SENDO DISTRIBUÍDOS A TODOS OS ALUNOS DAS ESCOLAS DA PREFEITURA E DAS CRECHES CONVENIADAS. SÃO KITS COMPLETOS, COM MOCHILA, AGENDA, CADERNOS, LIVROS DIDÁTICOS E LITERÁRIOS.

OS ALUNOS TAMBÉM RECEBEM UNIFORME COMPLETO, COM BERMUDA, SHORT-SAIA, CALÇA, CAMISETA, AGASALHO E ATÉ O TÊNIS.

OS ALUNOS DA REDE MUNICIPAL TAMBÉM PODEM CONTAR COM O PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA, QUE REALIZA EXAMES REGULARES DE VISÃO, ACOMPANHA O CRESCIMENTO DAS CRIANÇAS E ENSINA CUIDADOS DE SAÚDE BUCAL, ENTRE OUTRAS AÇÕES. NO ANO PASSADO FORAM 98 MIL ALUNOS ATENDIDOS.

Não para de trabalhar por você.

www.pbh.gov.br


DESTRINCHANDO ARTIGO POR LUCAS MACHADO ILUSTRAÇÃO bruno teodoro

Cleópatra: amor, traição, paixão e poder “SE O NARIZ DE CLEÓPATRA TIVESSE SIDO MENOR, TODA A FACE DA TERRA TERIA MUDADO.” Blaise Pascal (1623-1662), físico, matemático, filósofo e teólogo francês.

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Cleópatra estava determinada a fazer qualquer coisa para governar o Egito, à época a nação mais rica do Mediterrâneo, e conseguiu isso seduzindo Marco Antônio

ACREDITA-SE que Cleópatra nasceu em frente ao porto de Alexandria, onde se situava o palácio real do Egito, em 69 a.C. Seu nome significava “a glória de sua raça”, depois ficou conhecida como a Rainha do Nilo. Desde sua infância, foi acostumada ao luxo e era conhecida por excentricidades, como ter sempre ao seu lado 20 damas de companhia, quase todo os dias tomar banhos de seis horas com ervas aromáticas extraídas de plantas exóticas e testar todos os tipos de venenos nos animais e nos escravos. Há muitas controvérsias em relação à sua aparência física. Enquanto uns dizem que ela era uma mulher belíssima, tinha o rosto fino e sabia usar a maquiagem com maestria, outros afirmam categoricamente que ela era uma mulher feia. Contudo, existe uma unanimidade: a sensualidade. Cleópatra era considerada uma especialista na arte do amor e da conquista – aprendeu vários segredos do erotismo em suas escondidas escapadas a um bordel que frequentava em Alexandria. Mas que tipo de rainha foi Cleópatra? Foi uma mulher que manteve sua mística por meio de shows de esplendor e uma das governantes mais conhecidas na história da humanidade. Sempre ditava as regras, apesar de nunca governar, pois sempre tinha um testa de ferro, ou melhor, um homem, os homens: seu pai, seu irmão (com

MANIFESTAÇÕES

articulista.mg@diariosassociados.com.br | facebook.com/lucastmachado | destrinchando.com.br 18

quem se casou) e seu filho. Isso além de seu amante Marco Antônio, que acredita-se ter sido seu grande amor. Cleópatra estava determinada a fazer qualquer coisa para governar o Egito, à época a nação mais rica do Mediterrâneo, e conseguiu isso seduzindo Marco Antônio com a dança do ventre e outras manipulações. Era uma amante do disfarce, se reinventava para atender a qualquer ocasião. Inteligente, falava seis línguas e negociava de igual para igual com os homens, incomum em sua época. Embora nas versões de Hollywood suas histórias sejam recheadas de anacronismos, enfeites, exageros e imprecisões, as Cleópatra de Elizabeth Taylor, Vivien Leigh e Claudette Colbert mostram vida de uma rainha verdadeira, sem mostrar suas maldades. Seu relacionamento e sua história com Marco Antônio foi eternizado pelas artes. Sem dúvida, é uma das mais belas jornadas de amor, que, infelizmente, teve um fim trágico – há várias versões, uma das mais conhecidas é que ela teria envenenado Marco Antônio e depois morreu com seu próprio veneno. Casamento, amantes e filhos. Ela era uma mulher que usava charme de forma a conquistar o que queria. J.C.


T

TWITTER

jornalsacarolha

babicorreia

Novo pijama masculino com a frase “você está certa” tem ajudado os homens a dormirem mais cedo. DaniloGentili

Apareceu a foto de uma formiga no meu Instagram. Era um tamanduá postando o almoço. Ysamo7

Acabei de matar um pernilongo e deixei o corpo dele estendido pra servir de exemplo. rapha_rge

Não estou preparada para ter um relacionamento com uma pessoa q tem uma camiseta escrita “SURF” e uma data aleatória. adrianoserran

negapreta

Copo de água e senha do Wi-Fi não se nega a ninguém.

É SOM DE HIPSTER, DE DESCOLADO, MAS QUANDO TOCA FICA ULTRAPASSADO.

andeteixeira

TainaGuerreira

Posso falar? Antes um meteorito caindo, do que a minha internet.

Subindo nos galhos mais altos pra ver se arrumo sinal da Tim pra ligar pra Caipora.

luansgo

Uma característica comum q reconheci no ser humano é q, independentemente da idade, vc sempre vai enrolar a cartolina para bater na cabeça de alguém. filieps

Uma boa maneira de evitar sequestros é gravar na agenda “Mãe”, “Pai” e “Casa” com o número 190.

Vcs pode ter faculdade, mas eu tenho crisma.

tipoumovo

Nunca roubei nada nas Lojas Americanas. Sou muito banana. Tenho altas paranoias, tipo: se eu roubar um bombom, vou ficar preso 300 anos.

garotaolucas

Minha mãe falou que me amava e falei: “quem não ama, né, darling?” E saí fazendo a egípcia. lilianbuzzetto

Não sei vocês, mas vivo querendo fazer piadinha irônica/ sarcástica pra descontrair o ambiente e... BANG, sem querer, sou grossa.

FilhoDoOCriador

PERFIL DE CASAL

NÃO!!! subversiva

Não suporto mais viver em um país onde coxinha é um xingamento.

luciencc

Uma campanha do Governo contra acidentes de trânsito com Naldo como garoto propaganda e o slogan: “Se for dirigir, escolha água de coco”.

andrekangussu

Vocês também às vezes visitam perfis de colegas da escola para ver como anda essa gente que teve a mesma educação que vocês? 19


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belisamarra

chagasmari

eerikac

elismartins

euthiagobiz

frankmartins

giselevictor

jessf

keulcerceau

jursferreira

lailasilfer

leco77


leocamposhorta

marcotuliomotta

mariane_castro

nathbarbara

pamayala

pattypenna

romaoguilherme

No último mês, chamamos todo mundo para postar fotos com o tema Carnaval e a hashtag #instaragga. O resultado você vê por aqui.

ronaldobeleza

Quer participar em março? Basta postar no Instagram uma foto com o tema animal de estimação e a hashtag #instaragga. raquelcolares

sergiotristao 21


RAPIDINHAS COLUNA POR FLÁVIA DENISE DE MAGALHÃES

Shogum dos mortos A cena de quadrinhos belo-horizontina continua mostrando que acredita nos poderes do crowdfunding. Depois de Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho levantarem mais de R$ 30 mil para publicar Achados e perdidos e Ricardo Tokumoto arrecadar R$ 33 mil para Ryotiras omnibus, é a vez de mais um integrante do coletivo Pandemônio chamar o público para investir em seu projeto. O professor da Faculdade de Belas Artes Daniel Werneck está preparando a série Shogum dos mortos – crepúsculo dos samurais para lançamento no FIQ 2013. O valor do projeto já foi alcançado – e ultrapassado –, mas é possível contribuir até o dia 15. catarse.me/ShogumDosMortos

Retratos 22

A premissa é simples: ajudar pessoas de todos os lugares do mundo a se conectar umas com as outras. A forma da conexão é transformar a foto do perfil de alguém em um desenho. Na prática, o projeto é tão viciante quanto o aplicativo Draw Something, em que é possível colocar seus dotes de desenhistas (existentes ou não) para brilhar. selflessportraits.com


O incrível Oz Grandes lançamentos invariavelmente recebem orçamentos astronômicos para publicidade, mas a equipe do novo filme da Disney, Oz - mágico e poderoso, decidiu inovar. Em parceria com o Google, criaram um jogo no qual o internauta deve explorar o mundo de Oscar Diggs (interpretado por James Franco) e descobrir o caminho até o site oficial brincando com elementos do filme. A ideia não é exatamente nova e lembra o site Pottermore - no qual é possível explorar os capítulos de Harry Potter -, mas a execução vale a visita. findyourwaytooz.com

Por Cleverbot Quem tem acesso à internet já se encontrou naquele momento terrível em que parece que não há mais nada de novo, nada de útil ou, pelo menos, nada de interessante para se fazer on-line. E provavelmente, ao tentar fugir do tédio, você “testou” o Cleverbot, uma inteligência artificial que, teoricamente, é capaz de manter uma conversa com um humano. Porém ele invariavelmente falha e descamba para o nonsense, divertindo os trolls de plantão. O diretor Chris R. Wilson pediu ajuda do programa para escrever o roteiro deste curta. O resultado é o mesmo da conversa: uma sequência de falas sem pé nem cabeça. youtu.be/QkNA7sy5M5s

Photoshop 1.0 A Adobe, em parceria com o Computer History Museum (computerhistory.org) liberou o código do Photoshop 1.0. A notícia pode não animar quem não sabe escrever programas – ou nem sequer conhece as linguagens usadas –, mas é um gesto de liberação de informação para o público que vai contra a “proteção a qualquer custo”, comum no meio corporativo. Escrito pelo cofundador do Photoshop, Thomas Knoll, o código específico para o Mac (versão 1990) foi um divisor de águas no mundo da fotografia e tratamento de imagem. bit.ly/photoshop10

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EU QUERO

Pulseiras de caveira Não, a moda de caveiras ainda não passou, e os assessórios rock’n’roll são essenciais para uma produção moderna e fashion. R$ 29 na Mercado (Rua Paraíba, 1385/Rua Pernambuco, 767)

CONSUMO

Epiphany one puck Esta plataforma permite que você utilize o calor de sua xícara de café ou o frescor de seu drinque para carregar o celular. Ainda não está sendo vendido, mas você já pode entrar na lista. R$ 200 no epiphanylaboratories.com

Almofada lazy Assuma logo que você é preguiçoso e tire uma soneca profunda em companhia da almofada que tem tudo a ver com a sua personalidade. R$ 59.90 no meninos.us/br

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fotos: divulgação

Coqueteleira Vacuvin Quem já usou coqueteleiras de metal sabe como elas podem ser difíceis de abrir. Esta é de vidro e a tampa de silicone também pode ser usada como um bico dosador. R$ 94 na Toolbox (BH shopping, Diamond Mall, Ponteio e Pátio Savassi)

Camiseta Sheldon’s spot Quem é fã da série The big bang theory sabe o quão um lugar no sofá pode ser importante. A camiseta faz alusão a uma das hilárias manias do personagem Sheldon Cooper. R$ 69,90 no lojamundogeek.com.br

Tênis destroyed Feitos em couro, os tênis de cano médio têm um charmoso aspecto retrô. Disponíveis em vários tamanhos, eles são unissex. R$ 250 na Popcorn (Shopping 5ª Avenida)

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QUEM É RAGGA FOTOS ANA SLIKA E carlos halk

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Veja todas as coberturas do mĂŞs no bit.ly/quemeragga

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O lado não erótico de Marcelinho Criador do fantoche que lê contos picantes no YouTube fala sobre o futuro do personagem POR GUILHERME ÁVILA

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Sexo e internet sempre foram uma receita pronta para a viralização de conteúdo, mas se engana quem pensa que o fantoche mais safadinho da rede brasileira vive só de pornografia. Em menos de um ano de existência, Marcelinho, que ficou famoso por sua maneira peculiar de ler histórias de aventuras sexuais bizarras e mal escritas, já ganhou um livro, produtos oficiais e emplacou diversas ações de marketing para marcas de camisinhas e festas em todo o país, atacando inclusive de DJ. Hoje os vídeos da websérie Marcelinho lendo contos eróticos já ultrapassam mais 20 milhões de visualizações, mas tudo que é bom tem uma hora para acabar, mesmo ainda em alta. “Minha ideia inicial era parar em 20 episódios, mas acabei continuando e percebi que dava para acabar em 30, quando a série fizesse aniversário. Não preten-


LIVRO SECRETO

Quem acompanha o canal oficial do Marcelinho pode esperar por novos formatos, mais bonecos e outras formas de interação com o público.

do e nem vou parar de fazer vídeos com o Marcelinho, só essa série que termina agora”, revela Erik Gustavo, de 24 anos, criador do personagem. Ele adianta que ainda não há previsão para lançamento dessas séries futuras, mas garante que o fim da leitura dos contos eróticos amplia o leque para novos assuntos. “Não tem como deixar de lado essa coisa de garoto comentando coisas de adultos, mas também sei que o Marcelinho é mais que isso, tanto pra mim quanto pra maioria dos fãs”, explica o carioca que faz parte da Alta Cúpula, uma produtora de vídeos humorísticos para internet e TV que atualmente também produz outras séries com roteiros ácidos e inteligentes.

Com ilustrações de Daniel Gnattali, o Livro secreto do Marcelinho traz uma divertida versão comentada do Kama Sutra. Erik conta que o projeto veio de uma conversa de bar. “Tomamos um chopp com os representantes da editora, a ideia surgiu e pareceu ótima. No dia seguinte, sóbrio, a ideia continuou parecendo ótima, então tinha que rolar”, lembra. Assim, mesmo as mais tradicionais imagens do famoso livro indiano do amor foram reinventadas, enquanto outras, como a “fantasia de fantasia de casal transando em público”, foram criadas com base na imaginação fértil do personagem. “Isso de escrever um livro é engraçado, ainda mais escrevendo como outra pessoa, pensando da forma que o Marcelinho pensaria e escreveria. Eu realmente escrevi pensando com a voz dele, isso me fazia rir às vezes, e a risada saia na voz dele, e eu ria ainda mais”, revela. A publicação conta com 50 posições sexuais diferentes e não faltam comentários sarcásticos típicos do fantoche de garoto de 12 anos, como o conselho de usar cebola, louro e azeite virgem na posição “frango assado” e a sugestão de tocar axé para dar aquele clima especial na posição “carrinho de mão”. “Gosto muito da posição ‘fantoche de centopéia humana’, que é uma interpretação mais leve do que acontece no filme holandês, com a adição de um braço. Na verdade acabei de escrever essa pose e fui ver o filme, já que só tinha visto o trailer até então. Sugiro que façam o mesmo”, ele indica o filme de terror que narra a história de um médico que une cirurgicamente três pessoas, ligando a boca de um ao ânus do outro. Vendendo livros, comandando festas ou sendo visto por milhões de pessoas no YouTube, Erik parece estar confortável sendo o cara por trás do fantoche. “Lado bom é ver as pessoas se divertindo com algo que me faz feliz também. Lado ruim é ter que ouvir piadinhas, como ‘Por que você está com a mão no cu do Marcelinho?’. Mas é mais legal ser amigo do Marcelinho, definitivamente”, garante.

+

Confira o compilado da série Marcelinho lendo contos eróticos no site da Ragga ragga.com.br

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REPORTAGEM

de

O Circo Voador, palco que renovou a cena musical do Brasil nos anos 1980, continua em sua vocação de realizar shows memoráveis

POR FELIPE BUENO

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“A gente queria um cirquinho para apresentar as nossas peças de teatro. Não estávamos nem aí para a ditadura”, conta Perfeito Fortuna, idealizador do Circo Voador

O Circo Voador , que completou seus 30 anos em 2012, é um marco no surgimento de uma nova cultura brasileira, nascida no Bairro Lapa, no Rio de Janeiro. Considerado o trampolim para a carreira de grandes nomes do teatro, da televisão e da música, ele nasceu num momento em que o Brasil respirava novos ares: a abertura política iniciada no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 prometia a volta da democracia. Esse momento de recém-encontrada liberdade propiciou o nascimento de um novo espírito na juventude brasileira, que era mais preocupada em expressar sua arte do que fazer frente à Ditadura Militar. Em janeiro de 1982, os jovens da zona sul do Rio de Janeiro tinham a praia de Ipa-

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nema como ponto de encontro. Muitos deles faziam parte de grupos de teatro que surgiram de cursos ministrados por integrantes do Asdrúbal Trouxe o Trombone. Regina Casé, Evandro Mesquita, Patrícia Travassos, Luiz Fernando Guimarães, Deborah Bloch, Nelson Motta, Cazuza e Bebel Gilberto fizeram parte dessa efervescência artística em pleno verão carioca. No livro Noites tropicais, o jornalista, crítico e produtor musical Nelson Motta fala sobre como foi fazer parte dessa agitação cultural: “O Circo Voador foi a grande atração do verão carioca, com cursos de teatro e aulas de dança e acrobacia, de dia; e peças de teatro e shows de música, à noite. Empolgado, me inscrevi no curso de teatro de


Regina Casé, Patrícia Travassos e Hamilton Vaz Pereira, e durante um mês — com 38 anos — desreprimi [sic] minha porção ator e tomei um banho de juventude, me divertindo em exercícios de expressão teatral com uma garotada em torno de 20 anos”. Sem ter onde apresentar os espetáculos, cerca de 500 artistas pertencentes a esses grupos reuniram-se numa marcha, batizada de Surpreendamental Parada Voadora, que culminou na primeira estaca fincada nas areias do Arpoador e lona hasteada para a criação do Circo. A bem-sucedida empreitada de Perfeito Fortuna, Márcio Calvão e Maurício Sette (agitadores culturais e idealizadores do Circo Voador) levou à estrutura de lona, madeira e ferro, apresentações de dança, teatro e música. Nos três meses em que ficou aportado na Praia do Arpoador, o Circo conseguiu atrair um público de 50 mil pessoas e realizou shows de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. A materialização da ideia de construir um espaço no qual grupos independentes de teatro pudessem se apresentar surgiu de uma carência de locais que não fossem convencionais como os teatros. “A gente queria um cirquinho para apresentar as nossas peças de teatro. Não estávamos nem aí para a Ditadura. Queríamos ir à praia, tomar sol e pensar em coisas loucas. Toda a galera envolvida com os grupos de teatro se juntou na marcha Surpreendamental, que além dos artistas teve a adesão de três mil pessoas e resultou na permissão da prefeitura para a construção do Circo. A partir disso, eu e mais dois amigos montamos no Arpoador uma estrutura de andaime e lona, que era mais barato”, conta Perfeito Fortuna. Com o fim do verão, Júlio Coutinho, na época prefeito do Rio de Janeiro, que tinha cedido uma área para a instalação do Circo Voador no Arpoador, mandou retirar a es-

trutura da praia. Porém, a história da tenda e de sua trupe estava só começando. A prefeitura do Rio de Janeiro disponibilizou um novo espaço para sua instalação. Em 23 de outubro de 1982, o Circo Voador fez um novo pouso e fixou-se ao lado dos arcos da Lapa. A inauguração foi feita com um show de uma banda que surgiu ali, a Blitz. MATERNIDADE PARA NOVAS BANDAS

No transcorrer dos anos 1980, por meio do festival Rock Voador, o Circo foi se afirmando como palco underground. As bandas brasileiras eram, claramente, influenciadas pelos grupos de punk rock e new wave, estilos que já haviam despontado no mundo, mas que iam de encontro às aspirações anárquicas da juventude naquele momento, as quais queriam romper com a maneira de fazer música no Brasil. As bandas cariocas Barão Vermelho, Blitz, Kid Abelha e Paralamas do Sucesso têm o Circo Voador como o pontapé inicial para a carreira. “O Circo é nossa maternidade. Além disso, é o espaço mais bacana que

a música tem no Rio de Janeiro”, define o músico George Israel (Kid Abelha) em entrevista à Ragga. Além dessas bandas, grupos de rock de outras cidades passaram pela lona da Lapa como os brasilienses da Legião Urbana e Plebe Rude, e os paulistanos Titãs, Ratos de Porão e Cólera. SHOWS E FATOS QUE MARCARAM O CIRCO VOADOR

O primeiro grande show realizado pelo Circo é tido como lenda. A descrença vem da precariedade do lugar, que sempre dificultou a vinda de bandas de fora do país. No entanto, em 1994, a banda liderada por Joey Ramone aterrissou naquele pequeno palco, bem próximo ao público, para fazer um show memorável. Alguns anos mais tarde, em 16 de novembro de 1996, um episódio levou ao fim a agitação da nave que trouxe vida à Lapa. O então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, foi ao Circo Voador comemorar a eleição de seu sucessor Luiz Paulo Conde. Os dois causaram a ira do público e das bandas que se apresentavam naquela noite, 37


fotos: felipe diniz

Garotos Podres e Ratos de Porão, por terem tumultuado e atrasado os shows. Eles foram recebidos com muitas vaias. A resposta de César Maia sobre o incidente veio dois dias depois. Ele cassou o alvará de funcionamento da casa. Por oito anos o Circo ficou fechado. Mesmo com a estrutura da casa tendo ido ao chão em 1999, a classe artística e os produtores culturais não desanimaram. Em ação popular promovida por Maria Juçá, atual administradora do Circo, a prefeitura reconstruiu a tenda. Em 22 de julho de 2004, foi inaugurada a nova lona do Circo Voador. As caras já conhecidas de Lobão, George Israel, Evandro Mesquita e Frejat marcaram a reabertura do lugar, que ao longo da história da casa fizeram inúmeras apresentações. “Além de tocar, adoro ver os shows por lá. Tem sempre um público interessado em música e um astral de mistura carioca. O Circo soube evoluir durante esses 30 anos e tem sempre à frente da produção artística da casa uma pessoa antenada, ligada ao novo, sem esquecer o que é bom”, avalia George Israel. Ainda em 2004, o Circo Voador, reestruturado e com a mesma vocação de sempre – realizar grandes shows musicais –, presenciou um recorde de público na apresentação da banda Planet Hemp, com de 4,6 mil pessoas se espremendo para entrar dentro da casa. Em entrevista à Ragga, em dezembro de 2012, Marcelo D2 (em turnê pelo Brasil pela primeira vez em 10 anos 38

com a banda e convidado para fazer parte das comemorações de 30 anos do Circo Voador) confessou: “Quando eu era moleque, meu sonho era tocar no Circo Voador e, depois de tudo que passei, estar ali de novo. Com o Planet Hemp. Com o Bernado, o Rafael, o Formigão e o Pedrinho. Foi demais”. 30 ANOS DE CIRCO VOADOR

Para celebrar os 30 anos de história da tenda de circo mais famosa do Brasil, foi produzido o documentário Circo Voador – a nave, que traz depoimentos de Lobão, Evandro Mesquita, Gilberto Gil, Frejat, Rita Lee, Lenine, Marcelo D2 e pessoas envolvidas na construção desse espaço cultural. Também desfrutando de três décadas de vida, a banda Titãs resolveu, no ano passado, fazer o registro de um show no Circo Voador, lançado em DVD, recentemente, em mais um show na casa. Em 2012, vários shows fizeram parte das comemorações de 30 anos. Ao longo do ano, o público assistiu as bandas Blitz, O Rappa, Ultraje a Rigor, Plebe Rude e os nomes mais recentes da música, como Tulipa Ruiz, Marcelo Janeci e Criolo. Rita Lee, que nunca havia tocado no Circo, devido à dificuldade da cantora de se apresentar em lugares pequenos, fez parte da programação. O show foi marcado pelo anúncio de sua aposentadoria. Um livro, organizado por Maria Juçá, resgatará a história da lona da Lapa e tem previsão de lançamento para maio deste ano. Juçá sustenta a reinvenção do Circo Voador no trabalho desenvolvido nesses 30 anos. “Não somos apenas um importante palco de lançamento para novas bandas, mas somos também um centro de ideias que promove o convívio entre as diversas gerações e principalmente exercita as contradições, sejam no território das artes ou no social. Privilegiamos sempre a discussão, a troca de informação e os diferentes olhares sobre o que fazemos”, diz.


OS MAIORES SHOWS DO CIRCO

1992 THE WAILERS. A banda criada por

Bob Marley quase teve o show suspenso no Circo Voador. A casa superlotou e o público teve de se espremer para ver os jamaicanos.

1994

Ramones. O empresário da

banda exigiu reparos no Circo para a apresentação da banda.

1996

Ratos de Porão. A ira do público e da banda contra o então prefeito César Maia, que foi ao Circo Voador comemorar a eleição de seu sucessor Luiz Paulo Conde, fez com que ele fechasse a casa dois dias depois.

2004

Planet Hemp. Reaberto no ano de 2004, o Circo Voador recebeu a banda Planet Hemp, responsável por fazer 4,6 mil pessoas se espremerem para ver o show.

“Não somos apenas um importante palco de lançamento para novas bandas, mas somos também um centro de ideias que promove o convívio entre as diversas gerações”, defende a atual admistradora, Maria Juçá

2009

Nação Zumbi. A banda comemorou no Circo Voador os 15 anos de lançamento do álbum Da lama ao caos.

2010

Fishbone . A banda subiu ao palco do

Circo Voador para relembrar os sucessos do primeiro disco com um público pequeno, mas muito entusiasmado.

Cat Power. Cantora indie apresentou

show minimalista no Circo Voador.

2012

Rita Lee . A cantora fez sua primeira apresentação na casa e anunciou a aposentadoria dos palcos. Titãs. Também completando 30 anos de existência, a banda faz um registro de um show no Circo Voador, relembrando o aclamado disco Cabeça dinossauro. Nouvelle Vague . A banda trouxe releituras de sucessos new wave relidas em um estilo musical de berço carioca, a bossa-nova. 39


Sensualidade ESPORTE

Exercitando a

Pole dance vence preconceitos e se afirma como esporte ideal para quem quer se sentir mais sexy

POR GUILHERME Ă VILA

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Há pouco mais de 5 anos, a prática do pole dance ainda era exclusivamente associada às casas noturnas e ao striptease. Pouca roupa, movimentos sensuais e mulheres “fáceis” era a visão mais comum desse esporte que mistura ginástica e dança. Felizmente, de lá para cá, isso mudou com a criação de campeonatos acrobáticos, a apresentação de performances cada vez mais artísticas e o trabalho de conscientização de que a prática não leva à libertinagem feita pelas entusiastas de Belo Horizonte e do mundo. “Nunca vi o pole dance como algo pornográfico e faço o possível para desmistificar a rotina dessa arte. Inaugurei o blog do meu estúdio contando minha trajetória. Pratico desde os 18 anos e por muito tempo fui ‘a esquisita que sobe nos postes’. Minha família nunca foi contra, mas alguns vizinhos se perguntavam se eu era prostituta. Só depois que comecei a me inserir no circuito underground que o pessoal começou a se interessar mais, vendo que não era nada vulgar. Tornei-me uma espécie de pioneira em dançar em espaços e eventos culturais da cidade”, explica Naiara Beleza, de 25 anos. Curiosamente, a iniciativa para os shows em público veio de uma amiga de Naiara, que a encorajou a começar se apresentar em um centro cultural para tentar conquistar a atenção do dono do lugar. “Gravei um vídeo com a coreografia e, como não tinha nenhum lugar que oferecia isso ainda, o pessoal do Nelson Bordello aceitou na hora. Treinei por uma semana inteira e estava supernervosa na primeira apresentação. Mas a abordagem deu certo, o cara me viu dançando, puxou assunto e a gente namorou por um ano. Foi assim que descobri que gostava mesmo de dançar diante dos outros. Daí isso melhorou minha confiança, comecei a inovar e a procurar ser cada vez mais sexy”, lembra.

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PRECONCEITO

“A primeira coisa que minha mãe disse quando contei que faria aulas de pole foi: ‘É aquela dança de stripper, né?’. E eu respondi que sim, mas que era muito além daquilo. Mostrei vídeos de outras atletas, mas ainda não consegui superar o preconceito dela. Isso não me fez desistir. Apenas me motivou mais a mostrar para as pessoas o que realmente é o pole dance”, descreve Júlia Xavier, 23 anos, em seu texto no site da academia de Naiara. “Por outro lado, também já me apresentei na faculdade, com pessoas de mente muito pequena, mas que, no fim das contas, adoraram e me falaram que nunca pensavam que uma apresentação de pole dance seria dessa forma. Fiquei muito feliz com o reconhecimento e a admiração das pessoas. Ganhei, além de tudo, respeito”, comemora. “Essa é uma prática muito recente e que ainda precisa se diluir mais na sociedade para deixar de ser tão mal interpretada pelos leigos. A didática e uma nomenclatura própria vêm sendo desenvolvidas ao longo dos anos, mas ainda tem muita gente que não tem uma formação confiável para exercer essa atividade”, conta Rinara França, 32 anos. Formada em educação física, a ex-personal trainer se especializou em aulas de pole dance para mulheres que, além de se exercitar, também buscam o autoconhecimento e o resgate da feminilidade. Por muito tempo, ela foi a única professora

“Qualquer pessoa pode praticar. Como pelo menos três meses de treino os benefícios já podem ser sentidos”, diz a professora Rinara França

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mineira dessa modalidade na Vertical Studio, o primeiro espaço a oferecer ensino formal em BH. Para oferecer um diferencial de quem trabalha em boates, Rinara procurou um curso específico de capacitação em pole dance na cidade de Buenos Aires, na Argentina. “Meu foco não é trabalhar com atletas, e sim com pessoas que querem se enxergar de outra forma, motivadas pela superação de seus limites físicos e psíquicos. Todas as minhas alunas já têm algum tipo de profissão formal e algumas, inclusive, tem mais de 60 anos. São mães e esposas que não querem apenas ficar cuidando da casa e dos filhos”, acrescenta. “Salvo certas limitações, como complicações nas articulações, labirintite e problemas de pressão, qualquer pessoa pode praticar. Com pelo menos três meses de treino os benefícios já podem ser sentidos e notados no jeito de andar, no aumento do equilíbrio e até em melhoras da respiração e postura. Além de deixar as meninas menos tímidas, essa é uma atividade muito prazerosa, divertida e estimulante”, recomenda a professora. “Maridos e namorados não apoiam só pelo fetiche ou apelo sexual, mas pelo próprio bem-estar de suas parceiras. Sempre fui muito brincalhona e bem resolvida com meu corpo, então acho importante incentivar as pessoas a darem uma chance para se conhecerem melhor, mesclando bom gosto e bom


Júlia Xavier começou a dar aulas com apenas seis meses de experiência na barra vertical

senso e se transformando de dentro pra fora”, defende Rinara que, para incentivar ainda mais a desenvoltura das alunas, promove um festival anual de sua academia com apresentações especiais para convidados. SENSUAL SEM SER VULGAR

“Me apresento mensalmente na Shameless, uma festa da Mary in Hell, e geralmente danço duas músicas. Procuro montar uma coreografia sensual, mais artística, sem vulgarizar. O figurino é basicamente um shortinho curto e um top, não necessariamente para mostrar o corpo, mas porque preciso do atrito da pele com o pole para realizar os movimentos. O público gosta muito das apresentações, e o pole dance se tornou uma marca registrada do evento, é o que mais atrai as pessoas”, explica Júlia. Aluna dedicada, ela começou a dar aulas para outras garotas com apenas seis meses de experiência. “No início, minha maior dificuldade com o pole era a falta de preparo. Não fazia nenhum tipo de atividade física, então não tinha força, flexibilidade ou fôlego. Sentia muitas dores e ficava cheia de roxos e machucados pelo corpo, mas em pouco tempo me acostumei. O progresso foi muito rápido. Perdi peso e minha autoestima melhorou bastante. Passei a gostar mais de mim depois de começar a fazer as aulas.” Júlia treina três vezes por semana, com uma média de duas horas por dia, e diz não conseguir ficar muito tempo sem praticar.

“Nunca vi o pole dance como algo pornográfico e faço o possível para desmistificar a rotina dessa arte”, afirma Naiara Beleza “Começo com um aquecimento e abdominais para preparar o corpo, seguido de uma série de alongamentos e exercícios de força. Depois disso já começo a treinar os movimentos específicos do pole, como os giros, a sustentação e os movimentos de inversão, de cabeça para baixo. Me apaixonei pelo esporte na primeira vez que pratiquei”, conta. 43


CULTURA

O MINEIRO

e a CERVEJA POR RENATA FERRI FOTOS ANA SLIKA ILUSTRAÇÕES ANNE PATTRICE

Para alguns mineiros, a ligação com a cerveja vai muito além de simplesmente beber, eles também elaboram e produzem as próprias receitas

TRABALHAR EM UM ESCRITÓRIO, sob o olhar do patrão, com horário para chegar e para sair está longe de ser a realização do sonho profissional para algumas pessoas. E dentre aquelas que buscam fugir do tradicionalismo corporativo certamente estão as que resolveram construir uma carreira fazendo cerveja. Bruno Parreiras, de 32 anos, é um dos sócios da cervejaria Küd, em Nova Lima. “Minha vida mudou completamente quando tomei a decisão de largar tudo, uma carreira que era bem-sucedida até então, para começar do zero. Eu trabalhava num banco. Era gerente de projetos na parte de TI. Mas, ano passado, vimos que a cervejaria estava precisando de alguém para tomar frente. Como eu sou o único que não é casado e não tem filhos para criar, falei: ‘Vamos lá, vamos chutar o balde e ver se esse trem vai dar certo’. Acredito na ideia”, conta Bruno sobre como decidiu se dedicar exclusivamente à produção de sua marca de cerveja. Para Bruno e os outros quatro sócios da cervejaria Küd, tudo começou como um hobby. “Em 2007, construímos nossos próprios equipamentos e, em 2008, fizemos a nossa primeira cerveja. Abrimos a garrafa no carnaval. Então começamos a produzir todos os fins de semana e em agosto daquele ano ganhamos um premio na Argentina. Primeiro lugar na América do Sul de cervejeiro caseiro”, lembra, orgulhoso. 44


Hoje, a Cervejaria Küd produz cerca de cinco mil litros por mês e é feita em um espaço que funciona também como bar nos fins de semana. “Fomos estudando, degustando coisas diferentes e abrindo a cabeça. Vimos que tinha possibilidade de exploração de mercado. Os amigos foram se interessando pelo produto e a coisa foi se multiplicando igual a uma corrente do bem”, diz Bruno. Um dos toques especiais das receitas da Küd é que cada cerveja leva o nome de uma música de rock´n’roll. “Resolvemos colocar nomes de músicas que tem a ver com o estilo da cerveja. Por exemplo, a Smoke on the water (Depp Purple) é uma cerve-

ja defumada. A Tangerine (Led Zeppelin) leva casca de laranja e é levinha, a balada da Tangerine é bem levinha também”, explica. A partir da busca por rótulos de cervejas artesanais locais, Alan Terra, de 28, descobriu a possibilidade de desenvolver uma carreira na área. Apesar da formação em jornalismo, ele trabalha como sommelier de cervejas em uma grande casa em Ouro Preto, além de ser também funcionário de uma microcervejaria artesanal, a Ouropretana. Com empolgação, ele conta que está infinitamente mais feliz trabalhando com cervejas. “Apesar de gostar de trabalhar com jornalismo, as dificuldades são enormes. E como essa coisa de cerveja especial ainda é embrionária por aqui, as possibilidades são maiores. Isso, aliado à minha adoração pelo tema, torna tudo muito prazeroso.” Para José Felipe Carneiro, de 27, que é sócio e mestre cervejeiro na cervejaria Wäls, tudo começou em 1999, quando seu pai decidiu produzir receitas especiais para serem vendidas na rede de lanchonetes Bang Bang Burguer, de que era dono. No entanto, na época, o plano foi por água abaixo. “O público não estava preparado para essa mudança. Eles queriam beber cervejas ruins. 45


“Em 2007, construímos nossos próprios equipamentos e em 2008 fizemos a nossa primeira cerveja. Abrimos a garrafa no carnaval”, lembra Bruno Parreiras, um dos sócios da cervejaria Küd

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Mas hoje as pessoas estão curiosas, o acesso das pessoas ao exterior fez com que elas conhecessem outros tipos de cerveja. E agora querem degustar uma cerveja boa na própria cidade”, explica José Felipe. Sobre a produção da Wäls, José Felipe afirma que a principal proposta não é fazer a bebida em grande quantidade, e sim realizar um trabalho de qualidade. “A gente costuma falar que não fazemos cerveja, e sim obras de arte. E a obra de arte é uma coisa que você tem que admirar, observar com cuidado, você tem que curtir o rótulo, curtir a cor do líquido, a espuma, os aromas. Não é uma coisa que você vai simplesmente pegar, beber e querer ficar tonto. A proposta é completamente diferente.” Ele também conta como acabou se aproximando da cerveja: “Nunca pensei em fazer cerveja, eu nem bebia. Sou atleta, eu luto muay thai há muitos anos. Mas quando percebi, já tinha me apaixonado pela produção de cerveja, já ficava aqui na cervejaria sentido o cheiro. Hoje bebo bastante”.


foto arquivo pesoal: alan terra

imagem: caio lourenço

STADT JEVER

Um dos pubs mais tradicionais e antigos de BH, o Stadt Jever, antes administrado pelo alemão Achim Brandt, agora está nas mãos da família Carneiro, servindo exclusivamente o chope e as cervejas da Wäls. “O Stadt Jever é uma lenda. O Archim estava cansado e tinha muita gente fazendo propostas para comprar a casa. Só que ele tem um coração e uma alma cervejeira. A gente já sonhava com a casa e meu pai fez uma proposta a ele. Aí um dia ele apareceu de surpresa aqui na cervejaria e falou que veio conhecer a nossa cerveja. Disse que não gostava de cerveja de brasileiro. Mas ele tomou uma cerveja nossa e gritava ‘jever! jever!’, lembrando da cidade dele. Então ele já estendeu a mão e disse que o negócio estava fechado, que não havia proposta melhor que a nossa. Ele disse: ‘A cerveja me falou a verdade’”, conta José Felipe. “Nosso contrato lá no Stadt Jever foi de muito carinho e muito respeito. O imóvel nós não compramos. O Archim não vai vender

“O público não estava preparado para essa mudança. Eles queriam beber cervejas ruins. Mas hoje as pessoas estão curiosas”, conta o herdeiro do Bang Bang Burguer e sócio da cervejaria Wäls

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imagem arquivo pesoal: taberna do vale

“O que acontece é que quando você é apresentado, você é fisgado. E desde então eu não tirei da cabeça a cerveja artesanal”, conta Lucas de Souza, que faz o produto em casa

aquilo nunca e ele ainda mora lá. Nós demos uma reformada e a casa voltou a ficar lotada, com fila de espera praticamente todos os dias”, afirma o jovem mestre cervejeiro. HOME BREWERS

Também chamados de cervejeiros caseiros, os home brewers são aqueles que produzem a cerveja em casa mesmo, para consumo próprio, dos amigos e familiares. Esse é o caso do Lucas de Souza, 30 anos. “Sem pretensão nenhuma, eu, meu pai e minha mãe, que são aposentados, fizemos um curso básico de apresentação para o mundo da cerveja. Só que o que acontece é que quando você é apresentado, você é 48


fisgado. E desde então não tirei da cabeça a cerveja artesanal”, conta Lucas. Além de cervejeiro caseiro, Lucas é também arquiteto, designer 3D e fotógrafo freelancer, “nunca tive um emprego fixo, isso nunca foi o meu perfil, o perfil corporativo. Sempre fui prestador de serviços, mas autônomo. E isso me permite fazer cerveja paralelamente”, afirma o designer. Alan Terra também tem a sua própria marca de cerveja artesanal, a Alfre Beer, que por enquanto é feita apenas para consumo próprio. “Penso em comercializá-la algum dia, apesar da dificuldade que isso representa, sobretudo porque a Alfre Beer – que produzo com um sócio – teve uma aceitação excelente de quem consome e da crítica”, planeja Alan. FAZER E ENSINAR

O primeiro passo para aqueles que têm vontade de produzir cerveja, e até mesmo um dia comercializarem a própria marca, é procurar uma forma de aprender os processos que levam ingredientes como malte, lúpulo, água e levedura a se transformarem na tão adorada bebida. O cervejeiro Felipe Viegas, que ministra cursos de cultura cervejeira, harmonização e produção de cervejas especiais e artesanais diz que os mineiros são gastrônomos de origem e que, para eles, não há nada mais natural do que aliar boas bebidas a boas comidas. “A maioria das pessoas que procura o meu curso faz isso em busca de lazer/hobby. Um ou outro me chama no canto expressando a vontade de um dia abrir sua própria cervejaria. Para estes, sempre me coloco à disposição para colaborar no que for possível, pensando em facilitar para eles o caminho”, diz Felipe Viegas, que inicialmente trabalhava com vinhos e destilados, mas acabou sucumbindo à cerveja em 2003. “As sensações geradas nas primeiras experiências com a cerveja de trigo alemã me seduziram de tal forma que abandonei o mundo dos vinhos e passei a me dedicar e aprofundar nos conhecimentos e técnicas cervejeiras, tanto em termos sensoriais como de produção”, afirma Felipe.

NA HORA

de VENDER De acordo com os produtores de cerveja artesanal em Minas Gerais, a maior dificuldade encontrada em comercializar o produto é a tributação exagerada. “A gente é mais tributado, se for colocar na ponta do lápis, do que uma AmBev. Temos dois funcionários e somos tributados, como manda a lei, como se fossemos uma grande cervejaria. Não existe uma diferenciação de pequena empresa ou grande empresa. A tributação em cima de bebidas alcoólicas é muito grande”, relata Bruno Parreiras, sócio da Cervejaria Küd. O cervejeiro caseiro Lucas de Souza também acha que esse é o maior desafio para vender sua produção. “Para o Governo, o critério de tributação não é em volume, litros, faturamento, então, a maior empresa e a futura cervejaria do Lucas que vai produzir quatro mil litros por mês vão pagar o mesmo imposto. Não há como ter uma cervejaria no Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), e isso é o que deveria ser feito. Mas é uma coisa nova que o Brasil ainda está aprendendo. Uma hora isso vai acontecer e as coisas vão mudar”, diz.

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verão

uruguaio POR RENATA FERRI

Uma boa pedida para quem tem vontade de aproveitar o verão fora do Brasil, a nossa fronteira mais ao sul tem inúmeras opções belíssimas e divertidas para curtir o calor em terras latino-americanas

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Rio de La Plata As praias são um grande atrativo para quem quer curtir o verão no Uruguai, mas a maioria delas, apesar de ter ondas e areia, não fica à beira do mar. A água mais escura e menos salgada denuncia que se trata do Rio de La Plata. Porém, isso não faz das tardes ao sol menos belas ou especiais. Uruguaios e turistas amam o rio e o charme peculiar que só ele tem, mas para o fim de tarde é bom levar um repelente, pois os mosquitos atacam vorazes.

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Mate Se você for ao Uruguai e não ver ninguém tomando mate, certamente você foi ao lugar errado. Em todos os cantos é possível observar pessoas carregando suas garrafas térmicas acompanhadas do recipiente usado para preparar a bebida. Na praia, no ônibus, em casa, nas praças e até mesmo no aeroporto, ninguém nunca está sozinho quando tem o seu mate. Vale a pena experimentar e sentir-se parte do ritual.

Chivito

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Obviamente, a grande estrela da culinária uruguaia é o churrasco, que eles chamam de parrilla. Porém, o chivito também é digno de nossa atenção. É um sanduíche que lembra o nosso x-tudo, mas muito mais elaborado e gostoso. É uma opção barata para quem está com o orçamento limitado. Dependendo do local onde é servido, vem com queijo, ovo, bacon, alface, tomate, cogumelos, molhos, um bife suculento e batatas fritas para acompanhar.

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El Legado

4 Na cidade de Carmelo não há muitas atrações turísticas, mas vale a pena ir à vinícola El Legado. Ao chegar, você é recebido pelo próprio dono do local e sua família. Muito conversado, ele mostra com orgulho as cerca de 100 videiras de tannat (uva tradicional do país) que existem na fazenda e explica como aquilo se transforma em vinho. É tudo muito simples e artesanal. No fim da visita, tiragostos acompanhados do vinho, que além de delicioso, só é vendido nas redondezas.

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Palmas ao pôr-do-sol Os pores-do-sol no verão uruguaio são incríveis. Vale a pena esperar até as 21h para vê-los. Para deixar o fenômeno ainda mais interessante, é costume no país bater palmas assim que o último pedacinho do astro desaparece no horizonte. É surpreendente observar todos na praia aplaudindo o belíssimo fim do dia.

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Colônia de Sacramento Essa cidade incrivelmente linda e acolhedora não pode faltar em um roteiro de viagem ao Uruguai. Considerada pela Unesco, em 1995, como patrimônio da humanidade, a parte histórica da cidade é rica em construções da época em que Portugal e Espanha brigavam pela posse do território. Para quem está em Buenos Aires, basta atravessar o Rio de La Plata de barco durante uma hora para chegar a Colônia.

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Punta del Este

Montevideo Assim como outras metrópoles, Montevideo tem uma atmosfera cosmopolita, bela e apressada. É possível ver grupos de amigos tranquilamente tomando seus mates no calçadão da praia ao mesmo tempo em que outros correm para pegar um ônibus cheio e enfrentar mais um dia de trabalho. Capital do Uruguai e sede administrativa do Mercosul, a cidade, apesar do quê de seriedade, tem muitas atrações culturais e vida noturna agitada.

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Essa é a cidade mais glamorosa do país, conhecida como destino de modelos e celebridades sul-americanas. Por conta disso, o preço da acomodação e alimentação pesa um pouco mais no bolso do viajante. As praias maravilhosas agradam tanto surfistas quanto quem quer apenas se refrescar. Vale a pena conhecer as antônimas Praia Brava e Praia Mansa, que, de costas uma para a outra, beiram, respectivamente, o Atlântico e o Rio de La Plata.

Horários loucos

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Algo que pode deixar o turista que visita o Uruguai bastante confuso são os horários de funcionamento das lojas, restaurantes, padarias, supermercados e comércio em geral. Nunca se sabe ao certo se você vai dar de cara com a porta ao tentar ir àquele restaurante sensacional que lhe foi indicado. Parece que não há um momento fixo para atender aos clientes, e os donos abrem os estabelecimentos apenas quando sentem vontade.

Essa bebida clássica do Uruguai começou a ser servida a pedido de clientes nos bares do Mercado del Puerto, em Montevideo, e consiste em uma mistura de vinho branco seco e espumante. É muito saborosa, e hoje a versão industrializada pode ser comprada em supermercados. A marca tradicional é a Roldós, que também tem opções de tinto e rosé.

Medio y medio

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MOVIDO PERFIL

Paixão

PELA

Navegador fala de sua relação com o mar, com a viagem e da eterna vontade de descobrir

POR FLÁVIA DENISE FOTOS BRUNO SENNA

NÃO HÁ UM BRASILEIRO que nunca tenha ouvido falar

de Amyr Klink. O navegador de 57 anos fez sucesso estrondoso nos anos 1980 com seu livro 100 dias entre o céu e o mar, no qual relata sua viagem da África ao Brasil, sendo o primeiro – e até hoje o único – a atravessar sozinho o Atlântico Sul em uma embarcação a remo. Poucos anos depois, ele repetiu a dose com Entre dois polos, contando sobre sua viagem de quase um ano na qual visitou os polos Norte e Sul no Paratii, uma das embarcações mais famosas do país. Depois desses feitos, seu nome ficou marcado eternamente como referência de um genuíno aventureiro brasileiro. E ele não deixou barato. Nos últimos 30 anos, não parou de viajar, conhecer e aprender em suas viagens marítimas, terrestres e aéreas. Atualmente, segue fazendo “cinco ou seis viagens por mês a trabalho, mas sempre conseguindo escapar para fazer algo mais divertido” e está envolvido em projetos como a discussão da nova base brasileira na Antártida. Incansável, Amyr não tem intenções de parar.

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Quando você era criança, qual era o seu principal interesse? ACHO QUE AS VIAGENS,

porque meu pai era um homem que tinha morado em dezenas de locais diferentes e eu não conhecia quase nada do Brasil. Gostava de ler também. Gostava de bichos grandes. [risos] Basicamente era isso, nunca me imaginei navegador. Tinha curiosidade de ver outros lugares, como eram, porque a gente ficava ouvindo as histórias dele. Meu pai nunca repetia suas histórias e acho que isso acelerou meu processo de viajar.

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Sua primeira viagem internacional foi de moto. A paixão que você tem é pelo mar em si ou pela viagem? É PELA VIAGEM. Não tenho uma paixão especial pelo mar, não sou um cara do mar. Achava engraçado, no Brasil, a gente ter medo do mar. Ninguém usa o mar. Ninguém navega, ninguém sai pelo mar. Eu também tinha medo. Tomei um tombo no Guarujá, comi areia, bebi água... Comecei a detestar praia. Todo mundo vai e fica na areia, até o surfista, e ninguém sai do raio da praia. Tem todo um mar além, tem caminho para tudo quanto é lugar. Percebi isso em Paraty. Nas praias paulistas, nunca tinha percebido isso porque o mar é como uma barreira. Em Paraty, comecei a entender esse conceito do mar como caminho.

Qual foi o seu primeiro contato com barco? FOI COM AS CANOAS,

porque, em Paraty, uma das áreas que nós tínhamos não tinha estrada. Não tem estrada até hoje para o lugar onde ficava nossa casa. O caminho era pelo mar. No começo, achei engraçado – por que não faz uma estrada? Depois percebi que estrada é uma coisa burra. Só gente ignorante faz uma estrada onde tem a água. A água é um caminho muito mais inteligente, direto, livre, aberto, sem fronteiras, sem limites, sem nada. Como em Paraty o mar é abrigado, acabei tendo contato com os barcos regionais.

Quando você morou em Paraty? MOREI LÁ EM ALGUNS PERÍODOS DIFERENTES. Acho que 15 anos no total. Mas foram períodos importantes, porque foram neles que comecei a entender a cidade, que comecei


a entender a diversidade dos barcos. Não gostava de futebol, nunca gostei de futebol. É um esporte sem graça, monótono. O gol tinha que ser mais largo, tínhamos que ter mais bolas, o jogo tinha que acabar em 44 a 68. Não tenho saco para ficar vendo isso e meu interesse passou a ser sair de canoa, mergulhar e escalar as pedras da baía. Pular das pedras mais altas, andar nas cachoeiras, foi aí que acabei tendo uma experiência um pouco diferente da que tinha como moleque morando em São Paulo. Lá, não se pode subir em árvore, nem escalar o prédio, nem empinar pipa, nem andar de carrinho de rolimã, nem fazer o carrinho na rua, não tem nem lugar para jogar bola. Paraty foi uma espécie de emancipação. Você é formado em economia pela USP. Como foi a experiência?

em uma escola cheia de filhinhos de papai. Até hoje, só tem alunos ricos ou que estão recebendo algum tipo de subsídio injusto, errado porque é de graça. Era o reino dos privilegiados, dos professores privilegiados, que não queriam que tivesse professores de outros estados. Mas, na USP, descobri o remo e achei o máximo. Era um mundo diferente, um mundo de verdade. Acordar às 4h e às 4h25 estar na raia. Tem que entender do barco, tem que limpar, engraxar, lavar, desengraxar, guardar e consertar. E começa de novo. Tem que treinar mil horas para entrar em uma competição estadual, nacional. Daí nasceu um mundo de caras que não eram os alunos da USP. Os alunos da universidade iam andar de bicicleta, davam três calinhos no dedo e começavam a chorar. Iam correr 15 ou 20 quilômetros, dava bolha no pé e eles reclamavam. No remo, sangrava as mãos na primeira vez, na segunda, fazia bolha até fazer um couro mesmo, aí você aguentava remar. Se você está doente, vai remar. Tem mais sete e o patrão esperando lá, para sair às 4h30. Aquilo foi um processo muito interessante de aprendizado e paciência. Para entrar em forma física, você não gasta um mês, dois meses, é um ano inteiro. Não sou fã de corrida, mas tinha que correr. Foi uma época muito bacana, muito rica, de companheirismo genuíno. Foi um esporte que adorei, mas que não é para gente preguiçosa. Tanto que é um esporte fraco hoje, porque os jovens são gente preguiçosa.

FUI ESTUDAR

Os jovens são preguiçosos?

“[O remo] é um esporte fraco hoje, porque os jovens são gente preguiçosa”

SÃO.

Hoje, você tem muito estímulo para ficar vendo os moleques se atirando dos precipícios e da neve pela televisão. É legal olhar. A maioria fica em casa. É uma pena.

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Hoje é difícil você ter a vida na rua. Você acha que eles só assistem esportes? A MAIORIA .

Mas já não era assim? NÃO TINHA TANTA TELEVISÃO,

não tínhamos tantas imagens maravilhosas. Não tinham tantos loucos fazendo tantas loucuras. Mas eu ainda acho pouco. O que acho maravilhoso é que o número de loucos, não o número relativo, mas o número absoluto, é grande. O número absoluto de caras fazendo loucuras maravilhosas.

Como você usou sua formação acadêmica em economia e administração de empresas em sua vida acadêmica, de explorador? DA PIOR MANEIRA POSSÍVEL,ou seja, fazendo o que os outros diziam que eu tinha que fazer: arrumando um emprego no Banco do Brasil, fazendo concurso, tentando entrar no mercado financeiro. Assim, todos os meus amigos que entraram no mercado financeiro ficaram milionários. Todos. Mas não entrei, graças a Deus. Fui entrar num banco nojento. Acho que minha própria reação, de não ter gostado da contabilidade financeira em um país que tinha três dígitos de inflação foi muito importante. Foi importante a convivência com as pessoas também. Tinha caras que trabalhavam há 15, 20 anos no mesmo andar que eu trabalhava quando era estagiário e nunca tinham visto a cidade. O relógio São Bento, perto de onde estudei, por exemplo, eles nunca viram às 15h, porque o horário de trabalho deles, há 15 anos, era das 8h às 12h, das 13h às 18h. Então aquilo foi um choque para mim. Se for para ser presidente e ter R$ 3 bi na conta, prefiro cortar os dedos, não quero isso.

Como foi o processo de mudança? DIFÍCIL. Dá medo, insegurança. Até você conseguir autono-

mia é complicado. Hoje não tem mais essa vergonha. Hoje se está vivendo uma época maluca em que o jovem voltou a viver pendurado no colo do papai, da mamãe. Temos um mundo de filhinhos de papai para todo lado. Na Grécia, Itália e França está acontecendo isso. Os jovens não têm emprego na Europa.

Mas como foi para você fazer isso? NA ÉPOCA, ERA UMA VERGONHA PRECISAR DOS PAIS.

Por isso foi difícil conseguir essa autonomia financeira. Eu tinha uma família problemática. Tinha um pai visionário,

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“Hoje se está vivendo uma época maluca em que o jovem voltou a viver pendurado no colo do papai, da mamãe”


fazendo negócios, nunca pensando em ter empresas ou lucro. Ele só tinha visões filosóficas do mundo. “O mundo tinha que ter mais água, mais floresta.” Não tinha essa palavra ecologia. No entanto, ele era um ecologista radical, muito pior do que meus amigos aí. Aquilo foi marcante. Ele comprava propriedades para plantar mato, fazer floresta. E a gente dizia: “Pai, tem que produzir, fazer dinheiro, estamos cheios de dívidas, tem imposto”. Demorei muito tempo para entender que, no fim da linha, ele estava muito mais certo. Ele fez muito mais riqueza do que todos os caras que fizeram bons negócios em empresas benfeitas e fazendas produtivas. Como ele fez riqueza? ELE ESCOLHEU LUGARES BONITOS. Com os anos, esses lugares valorizaram. Ele sabia comprar e vender. Nunca produziu. Ele não era um produtor ou uma pessoa empreendedora.

Você segue os passos dele? HOJE VIVEMOS SENDO PRESSIONADOS a ser empreendedores. Chega. Não quero que a minha empresa tenha dois mil funcionários. Comecei a ver isso bem tarde, quando começamos a vender os barcos. Eu faço o que esse cara, que passou a vida inteira ralando, nunca teve tempo para fazer. Ele conseguiu, mas os anos se foram e agora não tem saúde. Já está no fim da linha, vai morrer daqui a 10 anos. Socialmente, a gente gosta do cara que tem um carrão. O que eu vou fazer com um carrão? Não é uma ambição de vida ter uma coisa tão pobre. Mas tem gente que se baseia nisso, o barco, as Ferraris, a marca do helicóptero. Isso foi um dos aprendizados que tive em Paraty e nessa experiência de viajar. Não admiro muito essa gente que está no meio corporativo, mas um desses caras, que é o Jorge Paulo Lemann, que construiu a Ambev, falou em uma reunião: “A riqueza máxima do ser humano é poder viajar”. Achei que ele ia falar “ter aplicações na Suíça”, mas ele falou viajar. E viajar se tornou minha ocupação principal. Então só por isso acho que já sou bastante rico.

E você fala cinco línguas, certo? MAIS OU MENOS.Falo quatro línguas bem. Eu falo francês, português, inglês e espanhol. Essas eu falo bem, posso redigir documentos, contratos, mas gostaria de aperfeiçoar o sueco, que era a língua da minha mãe, o árabe, que gostaria de aprender, e o alemão.

E ajuda muito saber falar outras línguas? CLARO. É uma superdiferença. Esse é outro problema da antiescola que a gente tem no

Brasil. É uma escola que emburreceu [sic]. Minha mulher estudou em uma escola pública, de classe média, mas aprendeu inglês, francês e latim. Hoje, as escolas privadas de São Paulo, tirando algumas raríssimas exceções, são péssimas em conteúdo. Como pode um sujeito sair para o mundo, amanhã ou daqui a 20 anos, sem falar três ou quatro idiomas? Impossível. A gente tem governadores, ministros e juízes que não falam três línguas. Quer dizer, totalmente ignorantes, analfabetos. E, pior, falam mal o português. Pega os editores dos grandes jornais, O Estado de São Paulo, Folha e O Globo. Eles não sabem usar a língua portuguesa. Você escreve bem? ESCREVO BEM ,

gosto de escrever. Tenho orgulho de escrever bem. Sofro para escrever. Mas se é para escrever, eu escrevo bem. É incrível um cara que é jornalista escrever mal. Os grandes colunistas e cronistas escrevem muito mal e, pelo fato de escreverem um pouco melhor que a média, se acham deuses. Mas a história das línguas é uma coisa fascinante. Foi o que me abriu o mapa para esse mundo. A maior herança que tive foi a provocação de, na minha casa, não saber falar uma língua. Meu pai mandava a gente calar a boca e conversava em outra língua para eu não entender. Não é que ele me ensinou a falar, nada. Ele falava sete idiomas. Minha mãe falava cinco ou seis. Podiam ter ensinado para a gente. [risos] Aí, decidi aprender. Resolvi me dedicar ao francês primeiro e comecei, sem querer, a entrar no mundo dos navegadores.

Desde o começo você sempre quis ser um

“A maior herança que tive foi a provocação de, na minha casa, não saber falar uma língua” navegador completo, que cuida de tudo na embarcação. Tem algum motivo para isso? NÃO É QUE EU QUISESSE SER um navegador completo. É que eu não tinha referência do que fazer. Percebi que, para ser um navegador, tinha que fazer o processo ponto a ponto. Primeiro, fazer o barco. Não adianta ser um supernavegador sem um barco. Que barco você vai comprar para viajar pelo mundo? Essas porcarias de plástico que vendem aqui e que não conseguem ir para lugar nenhum? Ou uma aberração da tecnologia em que está tudo errado, o peso, o mármore, o excesso de motor e a falta de design? Você tem que fazer um barco que vai longe, que navega. E assim você vai se informando. Hoje, a informação é fácil, mas na época era difícil. Então eu virei um rato de banca de jornal, 59


“A solidão de navegar só, de ficar um ano na Antártida, atravessar o Atlântico, o Pacífico, dar a volta ao mundo ou escalar é um prêmio, não é uma privação”

das revistas importadas que falavam de barcos e máquinas. Foi assim que fui me informando. E percebi que tinha que fazer o processo todo. Você nunca cansou de ficar sozinho durante esse processo todo? Não bate uma solidão? Porque não é só quando você esta dentro do barco que está sozinho. A SOLIDÃO DE NAVEGAR SÓ, de ficar um ano na Antártida,

atravessar o Atlântico, o Pacífico, dar a volta ao mundo ou escalar é um prêmio, não é uma privação. É difícil porque, até chegar ao pé de uma montanha ou até chegar à beira do oceano no dia da partida da sua primeira volta ao mundo, você passou por um inferno que envolve buscar soluções, trabalhar, construir, desmanchar juntar, aprender, tirar licenças. Esse inferno é cheio de gente atravessando, cruzando, falando, dando palpites. É uma zoeira, dá para sentir certo isolamento quando se está contrariando o status quo. Fazer o barco da viagem a remo, no Atlântico, foi um processo de solidão muito mais difícil do que ficar 100 dias e seis horas navegando. Sempre me lembro do primeiro dono de estaleiro que

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fui procurar para fazer o barco. Fui até Santa Catarina conversar com o Horácio Carabelli, mas não quis falar da viagem. Queria fazer o barco em madeira laminada, um processo americano muito bacana chamado wood epoxy saturation technique (WEST). E o oeste era a direção que eu queria fazer, em inglês. Esse processo ainda hoje é o top. E é lindo, gosto da madeira com tecnologia. O que o cara falou? LEVEI O PROJETO E ELE FALOU: E eu falei: “Não, não tem mastro”. Ele disse que aquilo não iria funcionar com um motor, e respondi que era um barco a remo. “Mas o que você vai fazer com isso?”, ele perguntou. Falei que tinha desenhado um barco para remar da África até o Brasil. Ele olhou, fechou o projeto e depois de ter marcado uma reunião comigo, no estaleiro dele, às 8h. Tinha passado uma noite inteira de ônibus para Florianópolis. Cheguei em São José às 6h. Andei até a porta e, pontualmente, estava lá. Mais ou menos 15 minutos depois que ele me recebeu, olhou para mim e falou: “Filho, isso aqui é um lugar de gente séria, pode ir embora” – me doeu, foi a primeira vez que me arrependi de não ter quebrado a cara de um filho da puta.

Você chegou a falar com ele depois? FALEI COM OS FILHOS DELE. Ele morreu, como devia. Uruguaio arrogante. Mas pude conversar com eles, que se tornaram, sei lá, admiradores meus ou alguma coisa assim. E um filho dele falou: “Nossa, seu trabalho é impressionante”. “É, mas do seu pai eu não esqueço”, respondi. [risos] Mas foi legal também. Ele tinha todo o direito de pensar

“Têm vários caras no mundo, talvez milhares, milhões, que estão fazendo coisas extraordinárias pela repercussão”

isso, mas eu também tinha todo o direito de enfiar a mão na cara dele e pagar as consequências. Foi engraçado. Você poderia ter tido outra pessoa com você na travessia do Atlântico? PODERIA ,

e foi uma sorte muito grande não ter tido. Tinha um amigo, que era meu companheiro no remo, o Hermann Hrdlicka. Ele foi meu sócio, é um cara com quem me dou bem. Mas ele arrumou uma noiva, por 10 anos. E a noiva era muito chata. Quando propus para ele vir comigo, ela veio com um blablablá e eu falei: “Valeu, cara, já era. Vai ser mais fácil se for só um, o barco é menor, vai ficar mais barato, menos problemas; 50% a menos de chance de alguém ficar doente ou de alguém morrer”. E foi ótimo mesmo. No Atlântico Sul, até hoje, a única travessia a remo ainda é minha. Agora tem um americano que está aqui no Brasil. Ele tentou comprar o barco de um brasileiro, que tentou fazer e desistiu. Mas, no Atlântico Norte, tem várias travessias de caras que acabaram morrendo. Muitos conseguiram. Temos registros de mais de 200 travessias a remo no Atlântico Norte.

É muito mais difícil a travessia no Atlântico Sul? NÃO. É um pouco mais comprido, são mil milhas ou 1.800 quilômetros a mais. O começo é mais difícil. Mas, por alguma razão, não sei dizer qual, não atravessam. No Pacífico, é ainda muito mais difícil e tem pouco mais de 20 remadores bem-sucedidos. O Índico, que acho muito mais complicado, por causa das monções, já tem quase uma dúzia de caras que atravessou. Tem um turco agora, que vai tentar também essa travessia que fiz no Atlântico Sul.

Esse pessoal - que vai tentar - conversa com você? DE VEZ EM QUANDO APARECE. Mas, assim, tem dezenas de caras todos os anos que aparecem. E é isso que estava falando sobre os valores. Sobre fazer o que você acha que deve fazer, e não fazer para os outros. A gente vive em um mundinho meio escrotinho hoje, em que as pessoas fazem tudo para os outros. Põe a melhor foto dele no Facebook, faz uma casca da pessoa e coloca na mídia, para sair no jornal, para ter o recorde. Ele não faz porque está com vontade, até o osso, de fazer. É muito diferente. E têm vários caras do mundo, talvez milhares, milhões, que estão fazendo coisas extraordinárias pela repercussão, pelo impacto, pela mídia. Mas têm também outras pessoas incríveis, geniais, esses surfistas que amam de verdade os tubos, as ondas, a velocidade, a fúria do mar, a melhor descida, uma experiência nova. No mundo dos remadores não é diferente. Apareceu um americano, em Nova York, que está flutuando nas nuvens da imprensa, jogando que vai remar. Ele não vai remar coisa nenhuma. Ele está vivendo de entrevistas e está adorando. Consegue levantar um dinheiro aqui, um dinheiro lá. É mais um dessas dezenas de caras que já tem a nutricionista, a preparadora física, o assessor de imprensa e falam: “Só falta o patrocinador, quando tiver o patrocinador eu faço”. Não faz, vai para a fila.

No Paratii 2 você passou a viajar com uma equipe. MAIS OU MENOS.

O Paratii 2 agora está nas Falklands, nas ilhas Malvinas, no Sul da Argentina. Ele está vindo para o Brasil com um cara só, o Flávio Fontes, meu engenheiro de bordo e tripulante residente. 61


Você viaja sozinho nele? NUNCA FIZ VIAGENS SOZINHO COM O PARATII 2, mas fiz viagens importantes com

“A experiência mais legal no barco é que você não esconde quem você é” 62

duas e três pessoas, que é a mesma coisa que viajar sozinho. Ele é um barco incrível porque é grande e deveria ter de oito a dez tripulantes fixos, contratados, mas fomos nós que o concebemos e queríamos um barco que pudesse ficar dois, três, quatro anos sem abastecer, sem parar em lugar nenhum. Ele é muito simples, é um barco pensado para navegar em solitário. Talvez o Flavinho tenha alguém que está ajudando lá, mas ele está navegando em solitário nesse momento. É isso que gosto de fazer. Já toquei o Paratii 2 assim várias vezes, e apesar de ser uma embarcação grande, é um barco muito inteligente. Poderia ser mais.

Para quem gosta tanto de fazer tudo ele mesmo, como é viajar em equipe?

para algumas coisas. Primeiro, comecei a levar junto a minha família, também alguns amigos que são pouco experientes. Depois, comecei a levar gente que era boa em alguma coisa, uma pessoa muito boa de cozinha, um cara muito bom de mecânica, alguém que entende muito de gelo etc.

A EQUIPE AJUDA


Só entra no seu barco quem tiver uma utilidade?

Você volta à Antártida. O que lhe atrai?

NÃO PRECISA SER UM EXPOENTE,

HOJE, VOU PELO MENOS DUAS VEZES

um astro, tem que ser alguém cuja convivência é agradável. A experiência mais legal no barco é que você não esconde quem você é. Se você é canalha, vai ser visto como canalha em três dias. Se você é um assassino, perdulário... E pode ser um cara bem legal como canalha, assassino ou perdulário. Pode ser. Porque você pode mostrar boa vontade de ir lá, lavar a louça. Então, gente muito chata, esses caras metidos, reacionários, comunistas, ultrarradicais, esses babacas de USP, que vêm cheios de bandeira, depois de um tempo é o máximo para viajar junto. Pena que é meio ignorante, politicamente falando. Mas ele é divertido. Pesca mal para caramba, mas pelo menos vai lá tentar ajudar com as velas. Isso é uma das coisas legais do barco. De revelar em que situação cada um pode colaborar. Tem umas raras antas que não colaboram com nada. Normalmente, os que não colaboram com nada são caras muito brilhantes na sua atividade específica. Provavelmente, se pegar um medalhista de ouro em vela e botar no barco não vai dar certo. Porque o cara é tão “Papa” naquilo que ele faz que não vai aceitar opinião dos outros. Vai estar no saltinho alto dele – e esse saltinho, no barco, aparece.

POR ANO. Já conheço muito, mas, a cada vez que vou, o mesmo lugar muda, dependendo do clima e das pessoas. É um lugar que não é das pessoas, é do mundo e você tem que se curvar, que se ajoelhar. É legal ver o terceiro cara mais rico do mundo se curvar. Você vê gente que fala línguas que você não entende e consegue trocar experiências, dar risadas juntos, tomar um porre e passar dois dias e duas noites bebendo e aprendendo que você sabe mais que alguém que não sabe uma coisa tão elementar ou ver o estado de maravilha que eles têm quando veem uma solução que eles não pensaram ou quando descobrem uma ideia e “nossa, como a gente não pensou nisso?”. Essa troca de experiências é legal. É muito legal essa experiência. Pretendo renovar ela até acabar.

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Segredos

coração do

POR FLÁVIA DENISE

A belo-horizontina Verônica Vilela revela a essência do ser humano com desenhos e frases

Cada pergunta feita a Verônica Vilela é recebida com um longo silêncio. Isso não ocorre porque a artista de 18 anos e 1,78m não quer responder, mas porque, ao contrário da maioria dos adolescentes, ela não tem pressa. Depois de alguns segundos – ou minutos – de reflexão, ela responde com calma, pronunciando cada palavra com cuidado, sem atropelar os pensamentos e sem revelar mais do que gostaria. “Não vejo muita necessidade em ter pressa. Preocupação, como a própria palavra mostra, é inútil. É uma ocupação antes da hora”, diz. Essa falta de pressa também pode ser vista em seu trabalho. Ela conta que desde criança observa pessoas na rua, tentando descobrir a história de cada um. Aos 13, começou a levar um caderninho no qual desenhava rostos para depois criar um contexto, tentando decifrar o que se passa dentro da cabeça do personagem. Em pouco tempo, havia reunido uma pasta de folhas, capas de caderno e guardanapos com suas criações. “Desenho primeiro o rosto, começando sempre pela sobrancelha. Quando acabo, presto atenção e vejo o que ele [o desenho] tem para me dizer. Você não pode criar 64

algo que não tem nada a ver com o que desenhou. A sensação é de que o desenho já está pronto. Só tenho que decifrar aquilo e passar para o papel”, conta. O resultado é uma coleção de ideias, atitudes, personalidades e grandes feitos que ressoam em quem lê devido a sua honestidade simples. “Esse é o José. José sempre sonhou em ser poeta, mas é analfabeto, então cria poemas na cabeça e os decora para depois recitar aos seus filhos.” Os desenhos com linhas delicadas e rostos fortes casam perfeitamente com pequenas informações, que, apesar de não serem exatamente úteis, esclarecem mais sobre o que se passa dentro da cabeça de cada um do que se espera. Esclarecimento esse que faz com que Verônica tenha medo de mostrar o resultado e acabar se expondo por completo. Por isso, somente 50 imagens estão no ar enquanto outras centenas ficam escondidas em casa. “Criei o Tumblr justamente para ver se consigo superar o problema que tenho de compartilhar o que é meu.” A reação do público foi inesperada. Amigos e desconhecidos foram descobrindo aos poucos esse depósito de desenhos que vem ganhando fama.


foto: bruno senna

Essa é Verônica. Ela não tem pressa e gosta de desenhar pessoas.

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Conheça algumas das criações de Verônica no inventariodetiposhumanos.tumblr.com

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O

ON THE ROAD Ponta do Diabo Comunidade hipster de náufragos, argentinos e desregrados no Uruguai

e

ENCANTA O LEGADO, aponta ao leste o imaginário de um pueblo desamparado. Três cabeceiras de terra que rasgam o Oceano Atlântico em pontas avançadas – um tridente imperfeito que quebra as ondas enfileiradas para entrar no Rio da Prata em revolta. Berço e sepultura de marujos e piratas, de náufragos longínquos e inventados, de histórias tensas e intensas acaloradas por contos românticos de exploradores antigos que se aventuraram por uma América habitada por índios canibais, rudes e selvagens. Punta del Diablo era – e é – uma das partes mais perigosas de uma rota que levava os europeus para o Prata. É o Cabo das Tormentas americano, o ponto que separou homens de seus legados, descobrido-

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TEXTO E FOTOS BERNARDO BIAGIONI

res de seus achados, embarcações de seus caminhos imaginados por lendas espalhadas por todo o Velho Continente. Desde antes de Cabral e Vespúcio, existia a história de um lugar onde um imperador se banhava com metais preciosos puros e abundantes. Potosí, os Incas. Rio da Prata acima. Um lugar onde os marinheiros nunca chegavam. Desprevenidos, tinham suas cobiças e vergonhas espetadas por uma das pontas de um Diabo indolente, impiedoso e irreparável. Passaram-se os anos e o mar pouco se acalmou. Desce a tarde e o vento corta o horizonte com força e imprecisão. A vila de pescadores que hoje abriga cerca de mil pessoas é invadida diariamente por um misto de sol e vento, de calmaria e tormento, de dúvidas e lendas iminentes de sua conotação do presente e do passado. No lugar dos marinheiros, o verão uruguaio trás anualmente outra gama diversa de barbas destratadas e cabelos arrasados pela maresia do oceano. Homens e mulheres em busca de perguntas que não têm nome. Loucos e Iluminados. Os hipsters. São em suma maioria argentinos, franceses, espanhóis


e italianos. Pouquíssimos brasileiros – que, possivelmente, estão se espalhando por Caraíva, Ilha do Mel, Praia de Pipa, Trindade, São Thomé das Letras... Vai saber. Aqui os hipsters se acomodam em pousadas místicas e bem acabadas. Existe toda uma preocupação sustentável e geobiológica para levantar qualquer tipo de construção. Apesar do nome do pueblo – e do sentido que ele traz –, as ruas de terra que se cruzam até o mar carregam um clima de serenidade e sossego. No lugar de fogueira e violão, os botecos espalhados pelas ruelas competem por sons singulares e contemporâneos. Um malabarista pede atenção com um som eletrônico e futurista. Do seu lado, um furgão antigo vende chinelos feito por um designer/publicitário que formou na Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. As gringas compram, enquanto se espremem no interior do veículo para experimentar tamanhos e ouvir LCD Soundsystem, Daft Punk e bandas de rock acidadas que ninguém consegue lembrar o nome. Alguns hippies oferecem artesanatos confeccionados com a simbologia de Jah. Ou de Bob Marley mesmo, para facilitar as vendas. Enquanto isso, o governo uruguaio dá continuidade à legalização da planta sagrada. Segundo os últimos acertos, o estado é quem vai plantar. E só os moradores é que vão consumir. As noites seguem em clima animado. Todo dia parece que é dia de comemorar algo. Os hipsters mandam e-mails para casa. “Pai, estou pensando em mudar minha passagem...” E ficam. É mesmo difícil ir embora. Punta del Diablo amanhece às 6h e anoitece às 21h. Entre as três praias paradisíacas habitadas por tartarugas verdes em extinção, o tempo se divide em pedaladas por trilhas e casebres bem arquitetados, tardes na rede e em

Todo dia parece que é dia de comemorar algo. Os hipsters mandam e-mails para casa. “Pai, estou pensando em mudar minha passagem...” E ficam

restaurantes bons e baratos. Algumas livrarias cortam a rua principal com opção para apreciadores de expedições, navegações e naufrágios. O verão aqui parece ser algum tipo de aventura. Impossível ir embora sem descobrir nada. Quando é hora de partir, bate um aperto. Trezentos quilômetros nos separam de Montevideo. Por muito menos estamos no Chuí, na ponta do Brasil. Uma semana acalentado pelo tridente e dá para sentir o corpo espreguiçar como o mar revoltoso. A mesma onda que embaralha é a onda que conforta. Depois de um tempo no oceano, a gente se acostuma a oscilar. Estranho é ter encontrado paz – onde o Diabo sempre viveu a esperar. 71


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RAGGA GIRL MODELO FABIANA AGUTULI FOTOS SERGIO CADDAH (CADDAH.COM) ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA FELIPE CENSI BEAUTY JULIANA FERNANDES AGRADECIMENTOS RENATO RATIER (D-EDGE)

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Ac A d e m i A A b e r tA 363 diAs por Ano ciaathletica.com.br


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LIVRARADA #distopia

COLUNA POR BRUNO MATEUS FOTO bruno senna

Laranja Mecânica

imagens: divulgação

Anthony Burgess (Editora Aleph)

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EM 1960, o escritor, poeta e dramaturgo Anthony Burgess recebeu a notícia: ele tinha um tumor no cérebro. Desesperado, se debruçou a escrever intensamente para garantir o sustento da mulher. Foi nesse período que criou Laranja mecânica, publicado em 1962 e imortalizado pela adaptação cinematográfica de Stanley Kubrick, em 1971. Para celebrar a fantástica e perturbadora obra de Burguess, foi lançada uma edição comemorativa dos 50 anos do livro, no fim do último ano, com material inédito e ilustrações, inclusive do brasileiro Angeli. A história se passa em uma Londres decadente de um futuro não muito distante. Alex, “o vosso humilde narrador”, como ele faz questão de sempre lembrar, é um jovem deliquente, líder de uma gangue que se diverte nas noites “tomando o bom e velho moloko”, assaltando, estuprando mulheres e espancando velhinhos. Ele ce-

lebra toda e qualquer manifestação de violência, se delicia ao ver o sangue da vítima jorrar aos pontapés dele e de seus druguis – Burgess criou um dialeto, usado pelo protagonista e seus druguis (amigos), chamado Nadsat. É uma mescla de gírias de gangues inglesas e palavras do idioma russo. Numa das empreitadas, Alex se dá mal e é preso pela polícia. Na prisão, ele passa por uma lavagem cerebral que o transforma em cidadão exemplar, porém mecânico, livre das tentações de fazer o mal, podendo, assim, ser devolvido à sociedade. No tratamento, ele experimenta uma sensação tão dolorosa e cruel quanto a violência que ele próprio costumava praticar. Aí é levantado um dilema moral e ético: é justo que lhe tirem o poder da escolha de ser mau por meio de um desumanizador condicionamento social? Alex é carrasco e é vítima. Não será surpresa se você sentir ódio e desprezo por ele e depois experimentar um sentimento de piedade pelo nosso “humilde narrador”. Passaram-se mais 50 anos e Laranja mecânica continua desconcertante e pungente. Um livro realmente horrorshow! Por essas coisas da vida, o diagnóstico médico estava errado: Burgess viveu até 1993, a tempo de ver sua laranja se transformar em um marco da literatura e da cultura pop do século 20.

1984 George Orwell (Companhia das Letras)

Admirável mundo novo Aldous Huxley (Editora Globo)

Não, o Big Brother não só é aquele reality show apresentado pelo Bial. É, antes de tudo, o líder simbólico do partido que controla a tudo e a todos em 1984, último livro de Orwell, publicado em 1949, pouco antes de sua morte. Antevisão de uma sociedade totalitária, a obra, que também foi levada ao cinema, mostra um Estado que governa Oceânia com mãos de ferro. Lá, ter uma cabeça livre e pensante é considerado um crime grave. E o “grande irmão” tudo vê. O protagonista Winston, refém da opressão, se revolta, se apaixona e arrisca sua vida em busca de liberdade. Clássico da literatura contemporânea, 1984 é impressionantemente profético.

Fechando a trinca dos livros que, de alguma maneira, são ensaios sobre o futuro, Admirável mundo novo trata de uma sociedade programada, organizada por castas, que desconhece sentimentos humanos como a infelicidade, o amor, o medo e a dor. Qualquer sintoma de desconforto é aliviado com o Soma, droga usada para estabelecer a perfeição e a ordem. O livro de Huxley dá vida a personagens que vivem sob uma ditadura que usa a ciência em detrimento de valores individuais e humanos. Em tempos de uma crescente mecanização do homem, ler Admirável mundo novo é, guardadas as devidas proporções, como folhear as páginas do jornal de amanhã.


PRATA DA CASA Constantina Comemorando 10 anos, a banda planeja comemoração com todos os ex-intgrantes

COLUNA POR LUCAS BUZATTI

Letícia Marotta

Conhecido pelo som instrumental, o grupo começa a permitir vocais em suas músicas

Acesse www.constantina.art.br

MINIMALISTA E GRANDIOSA. Delicada e contundente. Contemplativa e empolgante. Os retalhos culturais que formam a colcha musical do Constantina explanam o quão ímpar é a proposta da banda. Com um post-rock refinado, que flerta com regionalismos brasileiros e experimentações eletrônicas, o grupo desponta como um dos mais interessantes representantes do cenário instrumental independente. Prova disso é a repercussão de Haveno, disco lançado de forma gratuita virtual, em 2011, que conquistou a crítica especializada, impressionou antigos fãs e angariou novos apreciadores. “Acredito que grande parte das palavras em torno do disco tenham vindo das mudanças propostas na sonoridade do grupo. Experimentamos muitas ideias, até então guardadas”, explica o multi-instrumentista Daniel Nunes, um dos fundadores do Constantina. As mudanças na formação colaboraram com “novas referências na forma de compor”, que veem, desde o último disco, somando novos traços às canções do grupo. “Há um retorno às melodias que trazem a sensação de saudade, com proposições rítmicas que colocam essa saudade em movimento. No momento, estamos compondo novos temas para um próximo disco que

pretendemos lançar este ano”, conta Daniel, que assume a bateria na banda, ao lado de mais cinco integrantes: Alex Fernandino (eletrônicos), André Veloso (baixo), Bruno Nunes (guitarra), Gustavo Gazzola (guitarra) e G.A. (percussão e eletrônicos). A produção artística do Constantina é intensa e metamórfica, como uma inquieta onda do mar. Em 2012, a banda lançou Pacífico, EP que reuniu a regravação de cinco músicas de Haveno – dessa vez, com vocais. O trabalho teve a participação de três vocalistas convidados, “que vieram por meio das pontes da amizade”: Wado, Matéria Prima e o uruguaio Franny Glass. “O projeto ampliou nosso leque de possibilidades. Hoje, percebemos a voz por uma nova perspectiva”, afirma Daniel, garantindo a importância desse intercâmbio para a banda. “Os encontros passearam pela troca de experiências. Eles trouxeram a poesia e nós levamos as sonoridades.” Celebrando uma década de história, o Constantina tem novas ideias nas mangas, como não poderia deixar de ser. “Vamos comemorar, é uma data emblemática! O que posso dizer, inicialmente, é que estamos com um projeto de lei de incentivo estadual aprovado, ainda sem captação, para circulação em algumas cidades”, conta Daniel. Mas seria “só” isso? “Agora, algo me veio ao responder a entrevista. Uma ideia que apareceu, assim, como um improviso de Coltrane ou Miles! Quem sabe não fazemos um concerto em BH com a participação de todos os integrantes que fizeram parte da história do grupo? Seria maravilhoso! Deixarei que essa novidade seja contada a todos por aqui”, conclui. 79


CRÔNICO Eu não nasci para isso

CRÔNICA

POR JOÃO PAULO ILUSTRAÇÃO FELIPE ÁVILA

João Paulo bem que tenta, mas ainda não sabe o que fazer da vida.

O

Trabalho é uma forma de realização humana, mas até poucos séculos atrás ninguém diria que passava por ele o caminho da felicidade

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O QUE VOCÊ FAZ? Essa é a pergunta que marca a passagem do diálogo formal para uma conversa pessoal. Ao indagar a alguém como ele gasta seu tempo, pulamos a cerca da convenção e nos aproximamos do que julgamos ser o essencial no outro. No reino de nossos preconceitos, cada um é o que faz. Já foi diferente. Ainda tem gente que gosta de saber da família, do lugar onde mora, em que escola estudou, para que time torce. Porém, quase sempre a localização profissional é a melhor definição que podemos ter do ser à nossa frente. A profissão é uma espécie de aparência exterior da alma. No entanto, nada parece ser mais controvertido do que escolher o que fazer da vida. Pelo que vejo à minha volta, as pessoas estão sempre insatisfeitas. As formas de expressar esse sentimento pode variar: para uns o salário é pouco, para outros o trabalho é chato e ainda para alguns não se tem a mínima ideia sobre o que fazer para começar a ser feliz. Talvez esteja na identidade entre trabalho e felicidade o grau zero desse mal-estar. Trabalho é uma forma de realização humana, mas até poucos séculos atrás ninguém diria que passava por ele o caminho da felicidade. Somos nós que criamos essa relação entre as coisas, como se o trabalho ou, pelo menos o salário, fosse a forma ideal de nos colocar no rumo certo. A vida não tem bula e não há grana que compense fazer o que nos desagrada sem cobrar dividendos à frente na forma de neurose. Pelo que tenho visto, a coisa é mais complicada. Em primeiro lugar, trabalho não existe para deixar ninguém feliz. Essa é uma ilusão – na falta de melhor palavra – burguesa. O trabalho honesto e bem-remunerado, somado com a escolha da parceira certa, seria responsável por 90% de nossa realização. Quando as pessoas se veem, e é

inevitável que isso um dia ocorra, infelizes com o que fazem e insatisfeitos com a pessoa ao lado passam a se culpar como se o defeito estivesse nelas. Não está. A sensação de incompletude nos define: nascemos para querer sempre mais. Um emprego melhor, uma mulher mais interessante. É por isso que fico preocupado quando converso com pessoas que têm como único objetivo na vida passar num concurso público. Antes de passar, a vida se resume a estudar para as provas. E pode ser qualquer concurso público: carimbador, funcionário de banco, agente de polícia. O que conta é a estabilidade. Estabilidade é sinônimo de morte. Só os defuntos são estáveis. Nada contra o setor público, tudo contra a mesmice. Mas trabalho não é algo de todo ruim. Acho mesmo que é a melhor coisa da vida. Nada nos desafia a ser mais criativos, conviventes e generosos do que realizar coisas que fazem sentido na vida. E é por isso que trabalho e emprego precisam ser pensados como entidades diferentes: precisamos de emprego para viver, mas sem o trabalho não somos gente de verdade. Sem deixar de lado as exigências do mundo – como a necessidade de ganhar a vida com o suor do rosto, o que coloca quase todos na mesma turma –, talvez a melhor forma de pensar no emprego ideal seja num ato de imaginação. Pense numa cena em que você esteja em frente a uma pessoa que parece realizada: pode ser um pescador, um jogador de tênis, um jardineiro, um cantor, uma criança brincando, alguém realizando com prazer uma tarefa qualquer, como pintar uma parede ou salvar uma vida na mesa de cirurgia. Esse é o horizonte, a certeza de que você faria aquilo a vida inteira. Você encontrou seu trabalho. A tarefa seguinte é se fazer merecedor daquele mérito, o que muitas vezes exige bastante – ou então estudar para um concurso público cheio de estabilidade. O mais impressionante é que você já faz isso o tempo todo e não percebe. Somos aquilo que escolhemos. Todos os dias.


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QUADRINHOS RASOS

COLUNA

POR Eduardo Damasceno E LuĂ­s Felipe Garrocho // quadrinhosrasos.com

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