#41 Gordura

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gordura revista nu #41 setembro 2013

4,5 euros



Gordura revista nu #41 Setembro 2013

editorial

entrevista

artigo gráfico

à conversa com

a nu

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Luis Madeira

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Fast Architecture Pedro Treno

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Caos de Lagos Duarte Pereira

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Transição Paulo Varela Gomes

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Eduardo Souto de Moura Duarte Miranda, Henrique Pimentel e Pedro Treno

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Gordura: crime ou formusura? Walter Rossa

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Fat House João Miranda

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Podemos Desistir Luis Madeira

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Se isto é um corpo Ana Gomes

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José Maçãs de Carvalho José Almeida e Vicente Nequinha

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A Culpa é de Todos Joana Martins

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A Sphere, projecting against a Plane

Director Luis Madeira Sub-director Vicente Nequinha Editor Luis Madeira Redacção Ana Gomes, Duarte Miranda, Duarte Pereira, Henrique Pimentel, Joana Martins, Luis Macedo, Luis Madeira, Miriam Queiroz, Pedro Lopes, Pedro Treno, Vicente Nequinha Colaborações Paulo Varela Capa Sem título #32, Série Bacon

Gomes, Walter Rossa Editor Gráfico Duarte Pereira

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editorial Luis Madeira Aluno do 4.ºano do dARQ

Gordura é exagero. Uma substância adiposa, mole e sebosa. Imediatamente associada ao excesso que nos causa repulsa. É o resultado de uma assimilação de lípidos em quantidade. A Gordura é inconveniente. Afecta a beleza estética. É a marca de algo que não funciona correctamente ou que não funciona de todo. Um acrescento de volume e de peso, algo que está agarrado a um corpo. Representa inevitavelmente inoperabilidade e constrangimentos. Gordura é riqueza. Desde a Idade Média que é representada enquanto um símbolo do imenso poder económico e fausta alimentação, de qualidade e em quantidade. Simboliza as representações do 4

corpo humano que acrescentavam pureza à figura humana. A mulher gorda era sinónimo de saúde, de uma representação ideal, associada à fertilidade e à sensualidade. Uma aproximação aos deuses, através de uma exibição do corpo humano despido na sua maior perfeição. Gordura é necessidade. Sem ela, existe subnutrição. Sendo um imperativo biológico, todos os corpos precisam dela para viver. Mas o que é gordura? Um malefício ou uma necessidade? Uma qualidade ou uma desvantagem? É preciso observar e compreender que nos encontramos no meio de qualquer uma das definições, num crítico impasse.


Os princípios e as perguntas, quando aplicados dentro da arquitectura, são próximos. Como restabelecer o equilíbrio? Neste momento, encontramos na arquitectura o exagero impulsionado pela rapidez e pressão com que é feita. Por vezes deslocada de contexto, tornou-se desapropriada nas funções que lhe estão associadas. É preciso renovar o debate em torno dos mecanismos de controlo espacial, para que esta se concentre no bem necessário. Mas como parar a suprema lata de que quem nos governa e não nos deixa tirar proveito daquilo que temos de melhor para oferecer? Essencialmente, precisa-se da elasticidade necessária para responder à falta de capacidade para lidar com todos os parasitas intelectuais, formais e burocráticos.

Agilizar e apropriar: a mudança é necessária. Não se trata de ignorar o passado nem de expor apenas o negativo e sublinhar apenas os erros (de os marcar e deitar fora). Nada é irremediável. Pretende-se alertar, pôr em evidência o que deliberadamente alimenta as práticas e que as carrega de sentido. Procura-se a gentileza dos gestos reflectidos, a capacidade das intenções e a precisão nas acções.

Fotogramas do filme A Barriga de um Arquitecto (1987) de Peter Greenaway

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artigo

Fast Architecture Pedro Treno Aluno do 5.ºano do dARQ

‘Chegou o T2-T4 c/garagem pró P2 turbo sound disco sound discussão? /Video-Club joy stick midi high-tech squash & sauna / Compact D (compre aqui?)’1 Em Portugal, o aparente glamour existente nas estratégias do mercado imobiliário, o high-tech aliado ao design, a especulação disfarçada de oferta são hoje realidades que desvirtuam a questão da habitação a nível nacional. Comprar ou arrendar uma casa tornou-se um desafio para os habitantes e uma oportunidade (ou oportunismo)2 para promotores, agentes e projectistas que trabalham no sector imobiliário. A concepção criativa existente nos projectos expostos nas páginas de vários classificados nacionais (suplementos de alguns periódicos) é um reflexo instantâneo do processo de “modernização” que se espalhou por Portugal nos anos 90, quando as escolas de arquitectura- nomeadamente a Escola do Porto e a sua “inevitabilidade do estilo”3- estipularam um método e uma linguagem de projecto e desenho. Em grande parte destes projectos, é-nos apresentada uma série de mutações onde são exploradas, deturpadas e adulteradas muitas das referências académicas, chegando ao exagero, misturando fórmulas e citações de obras com a simples mas distorcida justificação de construir uma paisagem urbana uniforme e controlada. Paulo Varela Gomes escreve no jornal Público de 1 de Julho de 1990, a propósito do dia mundial da arquitectura: “a batalha pela arquitectura que é necessário travar em Portugal passa muito mais por questões de cultura arquitectónica da generalidade da população (…) do que por reivindicações ou privilégios corporativos”4. Passados 22 anos, a cultura arquitectónica está estabelecida, vive e convive dentro do estatuto de “obra-de-arte” .

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O arquitecto é autor por natureza e o seu trabalho é visto, discutido e publicado sendo que a mediatização dentro da cultura digital, as conferências, monografias e periódicos chegam a um maior número de pessoas, aumentando o culto e a divulgação de uma imagética hedonista. Os seus autores querem apenas uma pequena porção do grande território que é a globalização, em busca dos seus 15 minutos (segundos?) de fama enquanto que o público busca referências para se manter “actualizado”, para não “permanecer na ignorância” (“A ignorância da arquitectura. O desinteresse pela arquitectura. Mas, diante de tamanha confusão crítica, podemos sinceramente culpar o público?”5). É dentro deste enredo que todos os mecanismos publicitários que levam futuros compradores até à sua casa ideal são inseridos. Nas últimas décadas, porém, a crise financeira agravou a situação do mercado de construção. A situação intensificou-se de tal forma que a possibilidade de comprar casa própria foi sendo esquecida por mais de metade da população portuguesa. O mercado de arrendamento que, durante vários anos esteve bastante inacessível, volta então em força (especialmente nas cidades com mais área populacional) com novas leis e condições favoráveis para que o processo seja o mais eficaz possível. Desta feita, quando o sector de construção se encontra estagnado, ao mesmo tempo que a taxa

GNR, Pós Modernos (Psicopátria, 1986) Possível herança do texto “Construir”: “Construir uma casa tornou-se uma aventura”. Álvaro Siza. Edicions UPC, 1994, p.23 3 Jorge Figueira. Escola do Porto: Um Mapa Crítico. Coimbra: e|d|arq, 2002, p.89 4 Pedro Gadanho. Arquitectura em Público. Porto: Dafne, 2010, p.72 5 Bruno Zevi. SaberVer a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1978, p.7 1 2


de desemprego soma valores nunca atingidos assim como a emigração de arquitectos, muitas empresas voltam-se então para novas tácticas, para uma espécie de propaganda de “Portuguese Dream”, onde a ambição de ter uma casa própria ou de poder remodelá-la volta a ser assunto do dia. Para que nada fosse perdido, a aposta no marketing é reformulada e adaptada. A expressão popular “casa de arquitecto”, que se tornou entretanto sinónimo de qualidade e de contemporaneidade, foi sendo adaptada a estas estratégias de marketing. Neste caso, a imagem de habitação moldada pelos mercados enquanto forma de distinguir o que é “moderno” do que é “tradicional” (conceitos que se dizem e se contradizem), consegue reduzir a arquitectura a uma simples hipótese de escolha, a uma decisão instintiva ao alcance do cliente.Os exemplos seguintes são auto-explicativos: para estas empresas, a arquitectura existe apenas sob a forma de serviço que se quer, por natureza, fácil, sem grandes custos, sem complicações de pagamento e sem condicionar a liberdade do comprador. Acima de tudo, há-que convencer o cliente!

Up front Down home Low rent High maintenance Super size Long lasting High definition Fast acting Oven ready And built to last

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6 George Carlin. A Modern Man (Life is Worth Losing, 2006) Pág. 7 Fotograma do filme The Fountainhead (1949) de King Vidor

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artigo

Caos de Lagos Duarte Pereira Aluno do 2.ºano do dARQ

Nigéria. Lagos, situada ao largo do Golfo da Guiné é a segunda cidade mais populosa de África com aproximadamente 8 milhões de habitantes. Lagos concentra o maior centro de comércio, financeiro e económico do país, no CBD (Central Business District) de Lagos Island. A cidade tem uma imensa área de cerca de 1000 km2 com mais ou menos 8 mil pessoas por km2. Estes números são reveladores da confusão generalizada existente. Esta é dividida em dois grupos com poderes sócioeconómicos diferenciados, classe alta e classe baixa em pólos distintos. A classe alta encontra-se essencialmente em quatro espaços: Victoria Island (zona luxuosa maioritariamente com habitações e condomínios luxuosos), Lagos Island (CBD, maiores mercados e museu nacional), Ikoyi (governo federal) e Lagos Mainland (zonas com as principais indústrias). As pessoas do governo e ligados a ele vivem nas zonas mais ricas, onde a segurança é mais apertada, mas nem assim deixam de ter o resto dos problemas comuns da população de Lagos. A falta frequente de electricidade, as cheias e a escassez de água são uma constante, mostrando a falta de uma rede infraestrutural preparada e adequada o que denota capacidade lotada. Estes espaços ocupam sensivelmente um quarto do território, tendo como ponto central o porto marítimo. Nas zonas mais afastadas do centro, não existe qualquer regra de planeamento urbanístico, nem uma malha que define quarteirões, e ao lado podemos encontrar blocos habitacionais aleatoriamente implantados. Os sistemas construtivos variam de zona para zona, e existem contrastes de materiais. Tanto são usados os que estão “mais à mão” e dispensados por outros, como os melhores e mais caros.

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A imagem de Lagos direccionada para o turismo é a de uma cidade portuária, com uma localização ideal, a entrada do Golfo da Guiné, e uma frente costeira desenvolvida onde se encontram os maiores e mais importantes edifícios que definem o seu skyline. Lagos vive do petróleo, maior fonte de riqueza do país e faz dele uma potência mas a maior parte da população é pobre. Tudo se gerou com base naquela localização. Não é por acaso que as zonas ricas ficam situadas nas proximidades, enquanto que as classes sociais com menos poderes económicos concentram-se nos subúrbios, muito mais afastados. A falta de planeamento e a organização dos arredores é consequência da valorização do porto e desinteresse pelo restante. As ruas são mares de pessoas e automóveis. Uma intensa mistura de rectângulos amarelos e pontos negros. Não existem espaços entre estes nas horas de ponta, está tudo tão apertado que quase não se conseguem mexer. Contudo, parece haver uma perfeita sincronia de movimentos. Faz-nos pensar que tudo o que está acontecer é natural e não necessita de qualquer intervenção. A sinalização das vias não existe (mas será que é necessária?), todas as vias são multifuncionais, vão desde estradas para os automóveis a parques de estacionamentos e mercados. O constante caos parece ter levado a uma certa ordem. Será que existe ordem nesta desordem? Será o caos uma constante organizada? Rem Koolhaas, no âmbito do The Harvard Project on the City (1996), pretendia identificar quais as cidades que estavam a crescer mais rapidamente e perceber como estavam a mudar. Acaba por escolher Lagos, interessando-se por esta cidade que tem tanto de poderosa como de pobre.


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artigo

Transição Paulo Varela Gomes Historiador de Arquitectura e Arte

O senso comum não passa muitas vezes de estupidez induzida colectivamente. É por essa razão que a grande maioria das pessoas no Ocidente – por terem sido convencidas disso em séculos de cultura moderna – acredita, sem sequer pensar no assunto, que os problemas que a humanidade criou e continua a criar no planeta podem ser resolvidos no essencial pela ciência e a tecnologia (incluindo aspectos importantes da arquitectura). Mas não é verdade. Antes de serem científicos e tecnológicos, os problemas do planeta e dos seres vivos que o habitam são sociais e políticos. Quase todas as sociedades humanas são dirigidas em nome do ideal e das ideologias do crescimento. O problema começa aqui. Em segundo lugar, essas sociedades são dominadas por uma classe dirigente (os grandes capitalistas) para quem o crescimento é indispensável de modo a evitar o decrescimento tendencial da taxa de lucro. Deste modo, estas sociedades dependem de facto da ciência e da tecnologia (incluindo a arquitectura) e colocam-nas ao serviço do crescimento. Os resultados estão à vista. Se existissem poucos seres humanos no planeta, era possível que o crescimento contínuo, o chamado “progresso”, pudesse ser sustentável. Mas há demasiados seres humanos, e os recursos naturais não são infinitos. Por exemplo, em arquitectura, quase toda a gente, incluindo muitos arquitectos, acredita que problemas de energia ou tráfego criados pelos edifícios, podem e devem ser resolvidos através de soluções de desenho, de materiais e de sistemas, criados pelos cientistas e desenvolvidos tecnologicamente. Todavia, a ciência e a tecnologia (incluindo a arquitectura) não resolvem por si só nenhum problema ambiental criado pelos humanos sem 18

que, ao mesmo tempo, criem outros problemas, igualmente graves, ou mais graves ainda. Veja-se o caso da transformação de vulgares painéis de vidro em painéis solares, uma inovação tecnológica que pode vir a ter um peso decisivo no projecto de arquitectura e pode ressuscitar a “arquitectura do vidro” em novas bases. Esta tecnologia, apesar de ser potencialmente revolucionária, cria vários problemas a montante e a jusante: obriga a um gasto brutal de recursos minerais numa série de países, leva a uma concentração tecnológica que só beneficia os países avançados tecnologicamente, conduzindo assim a enormes despesas de transporte e, finalmente, acumula materiais e desperdícios que não sabemos se são reutilizáveis. Muitos cientistas (e muitas empresas...) tentam convencer-nos de que podemos continuar a crescer e de que é possível inventar fontes de energia e processos industriais que permitam que todos os seres humanos do planeta tenham saúde, alimentação, educação, uma boa casa, um carro decente, bons super-mercados, roupa de marca. Conviria porém que perguntássemos antes se precisamos mesmo disso tudo? De novas casas. De mais carros. De muita roupa variada. De supermercados e lojas cheias de tralha pouco útil. Os cientistas e políticos que respondem que sim, são aqueles que querem vender esse modelo de vida aos países emergentes e sub-desenvolvidos. Têm grande sucesso nesses países e constituem portanto uma grave ameaça para o planeta. Para reduzir e tentar inverter a tendência natural do capitalismo, para crescer ao ponto de destruir o planeta e a vida, é antes de mais necessário convencer as pessoas que não pode haver mais crescimento. É preciso decrescer (Serge Latouche). Quase não precisamos de mais nada. Precisamos, isso sim, de aprender a reutilizar. A opção de não fazer tornou-se mais importante que a de fazer. É


preciso deter a mobilização infinita característica do capitalismo moderno (Peter Sloterdeijk). É preciso mudar de vida. A essa mudança começa a chamarse transição. Sempre existiram comunidades de transição, grupos de pessoas que escolhem viver fora das regras e sistemas dominantes e optam por outras maneiras de se alimentarem, vestirem, abrigarem, desde os monges do budismo asiático e da Alta Idade Média europeia até às comunidades hippie do século XX. Mas hoje em dia, a transição é um movimento global, sustentado na informação que circula na internet. Por transição entende-se o estádio em que as coisas já não são como antes e ainda não podem ser como desejaríamos. A transição é muito variada em âmbito. Estão em transição tanto autarquias inteiras – transition towns – como simples empresas ou até casas de família. E também é plural em objectivos e métodos

(ver transitionnetwork, transition Brazil, Low Tech Magazine, Abitare la Terra, etc.). As escolas de arquitectura, com algumas excepções (penso na smart architecture de Delft, mas há outros casos), continuam a trabalhar como se a arquitectura servisse para as sociedades crescerem. Mas uma das razões do desastre, para o qual o planeta caminha, reside precisamente na cultura de crescimento. No caso da arquitectura, é preciso acabar com a cultura do novo. Os arquitectos têm que encarar de outra maneira os objectivos, as prioridades e os meios da sua profissão. Talvez a expressão “projectar um edifício” não tenha já qualquer urgência. Substitua-se por “projectar a transição de um edifício” (retrofitting, diz-se em inglês). Proponho, pedindo desculpa pela prosápia, os seguintes seis mandamentos básicos de uma arquitectura para a transição. 19


entrevista

Eduardo Souto de Moura Duarte Miranda, Henrique Pimentel e Pedro Treno Alunos do 4.ยบano, 3.ยบano e 5.ยบano do dARQ

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Eduardo Souto de Moura caracteriza-se a si próprio como pragmático na forma de pensar um projecto. A intenção desta entrevista é perceber, em três tempos: processo, construção e amadurecimento, a fronteira entre a precisão e o excesso em arquitectura. Pela análise e discussão da sua obra recente, pretendemos entender os novos caminhos que lhe estão associados. Pedro Bandeira descreve o seu processo como inconsciente onde ´existe uma intuição, por vezes irresponsável, que nos leva permanentemente a ignorar ou seleccionar imagens de modo subconsciente`1. Gostaríamos de perceber como é que neste processo se transformam estas inúmeras referências num produto sólido e coerente? Eu acho que todo o processo criativo começa pela intuição. Agora, é preciso definir o que é intuição: uma capacidade caótica de envolver soluções e apostar em formas. É um processo resultante de outra lógica, porque há muitas lógicas: há a lógica racional, a lógica afectiva e a relativa aos processos que têm a ver com a memória. Eu gostava de dizer que nunca pensei muito nisso, é por isso que existe a psicanálise, para decifrar o comportamento das pessoas e talvez para se perceber os processos construtivos das actividades artísticas através da intuição. A intuição é uma metodologia que tem que ser estudada porque não se revela à primeira vista mas tem a sua solidez e coerência. Daí haver processos analíticos para lá chegar, porque a intuição é um princípio base de todo o processo criativo. Os processos conscientes levam-nos sempre a grandes dissabores, ninguém gosta de imaginar o Pessoa a sentar-se no Martinho da Arcada e a dizer “eu vou fazer aqui uma poesia”. E o Siza, quando pega também num guardanapo de um snack-bar e faz uma casa, não diz: “agora vou fazer uma coisa para ganhar a Bienal”. Portanto, a intuição é o suporte e a base destas questões.

Acredita que neste processo inconsciente tem de existir um fio condutor? Ou seja, uma consciência sólida dos “elementos inevitáveis da arquitectura”2, da particularidade do detalhe como resposta a um problema concreto? É evidente que tem de haver um fio condutor. Agora, há vezes em que este é desenvolvido de forma inconsciente e outras em que não é. No plano da linguagem, com um carácter mais subjectivo, a arquitectura tem uma componente mais estética ou artística. Esse processo é mais subjectivo, está mais ligado à intuição e tem o tal fio condutor que é mais difícil de decifrar. Ao nível da ciência social, que a arquitectura também o é, a sociologia, antropologia, política e economia, isso são processos mais lógicos, com códigos muito mais legíveis, e aí existe outro fio condutor que também é necessário para levar o resultado final a bom porto. Portanto, tem sempre dois fios condutores: um interior, mais subjectivo, e outro mais possível, mais objectivo. Porque temos essa responsabilidade social em que aquilo que fazemos não pode ser feito só em função do que nós queremos e gostamos mas também daquilo que devemos (existe uma forte componente ética). E é aqui que a arquitectura se distingue das outras disciplinas porque os outros criadores não têm que dar satisfações a ninguém. O Malevich fez um quadrado preto em fundo branco e o Duchamp fez um urinol, chamou-lhe fonte e não deu satisfações a ninguém. Mas quando faço um projecto ou recupero aquele mosteiro que está ali há 700 ou 800 anos, tudo isto tem vários intervenientes e acaba por pertencer a um colectivo. Até a Torre dos Clérigos ou a Universidade de Coimbra não estão ao dispor daquilo que apetece a qualquer tipo de interveniente. Daí a tal responsabilidade ideológica de que a arquitectura não é só a produção, é também uma actividade subjectiva que envolve um colectivo.

1

Philip Ursprung, Diogo Seixas Lopes, Pedro Bandeira.

Eduardo Souto de Moura, Atlas de Parede. Imagens de Método, Porto: Dafne, 2011, p.14 2

´(…) on the inevitable elements of all architecture used by any

architect, anywhere, anytime (the door, the floor, the ceiling, etc)`. Rem Koolhaas na 14ª Exposição Internacional de Arquitectura na Bienal de Veneza

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artigo

Gordura: crime ou formosura? Walter Rossa Arquitecto e docente do dARQ

Tem graça a NU pedir-me um pequeno ensaio sobre gordura. Graça porque em intervenções recentes, incluindo aulas e seminários, tenho usado termos similares sobre como a nossa cultura visual é insensível a uma incomensurável quantidade de coisas que, pelo menos inconscientemente, perturbam a nossa relação com a realidade física que nos rodeia e contribuem para que os nossos dia a dia sejam mais amargos e cansativos. Só por pudor poderemos considerar exagerado afirmar que o combate individual à gordura é um dos temas transversais da sociedade de hoje, pelo menos no Ocidente. E se assim é, deixou de ser individual para ser coletivo. Há de facto uma espécie de pathos e/ou pacto geral contra a gordura, o qual tem expressão nos mais diversos níveis de actividade e está na base de muitos negócios florescentes. Gordura física, humana, claro. Há muitas razões e explicações para isso, mas é óbvio não ser este o sítio para as abordar. Importa sim transpor essa questão para o âmbito lato da arquitectura. E anote-se que não é por se tratar de uma revista com essa temática central, que a gordura deixa de ser tema e matéria (em sentido próprio, mas também académico) potencial e provocadoramente obscena, o que me reporta para dois clichés, um popular, outro disciplinar, que aqui uso a partir da questão formulada para título deste breve ensaio. De facto, mais até do que em relação ao corpo humano, em arquitectura o tópico gordura lembra logo a boçal expressão popular “gordura é formosura”. Porquê? Porque estabelece uma relação directa entre gordura e forma, uma vez que formosura não é mais do que um atributo que deriva do adjectivo formoso, sendo que,

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por sua vez, este categoriza a beleza de algo pela forma. Formoso(a) foi um termo muito usado em Português e é pena que hoje não se use tanto. Vejam-se dois exemplos imediatos: Leonor “vai formosa e não segura” na lírica de Camões: o topónimo Rua Formosa, que foi o das actuais ruas do Infante Dom Henrique no Porto e do Século em Lisboa. Aquela rua do Porto foi o eixo da primeira acção de urbanização programada segundo um padrão regular dessa urbe. Além de recta e ladeada de edifícios uniformes, a rua era lajeada e expressivamente larga para a época em foi traçada (finais do século XIV), constituindo uma verdadeira platea num país onde as praças não eram ainda uma realidade comum. Interessante é ainda verificar como no seu parcelamento se ditou que a frente dos lotes seria um terço da largura da própria rua. Regular, proporcionada, ritmada, desafogada, formosa, esta rua foi parte de um plano pelo qual a nova Dinastia de Avis retirou o Porto do senhorio exclusivo do bispo e lhe deu uma dinâmica comercial, uma relevância e uma autonomia que jamais perdeu. A formosura é pois um atributo da imagem da boa forma, o que necessariamente implica ordem, equilíbrio, estrutura e é naturalmente extensível à própria fisionomia humana. Desde sempre, o classicismo procura o estabelecimento directo dessa relação. Procura também regular o dimensionamento, a proporção e composição da boa forma, numa espécie de busca (algo esquizofrénica) da cientificidade, a fórmula para as imagens que provocam boas reações estéticas. Por certo, também assim se compreenderá até que ponto a boa forma necessita de gordura. Estar em


boa forma, seja ela de que natureza for, significa estar em equilíbrio e, por maioria de razão, nem ser gordo ou obeso, nem magro ou anorético, ter, isso sim, a gordura necessária e justa. Arrisco até dizer que visualmente a gordura tonifica o músculo, ou seja, além de estrutura/esqueleto e músculo, é necessário algo mais. Também assim se vislumbra como é falaciosa aquela máxima de que tudo na natureza tende para o equilíbrio, pois se assim fosse era fácil estar-se em forma e fazer-se boa arquitectura, boa música, boa literatura, bom cinema. Ou seja, esses “bom” decorrem de muito trabalho dedicado. Mas também se percebe como a gordura é indispensável à boa forma o que é, no mínimo, uma afirmação contemporaneamente incorreta. É mesmo? Forma afirma-se pois como um termo-conceito de utilização multíplice mas que, na essência e ao invés do que significa, não se distorce. É muito interessante e significativo constatar como é um dos termos cuja definição num dicionário como o Houaiss1 exigiu mais espaço, tal a diversidade de utilizações e âmbitos disciplinares que a ele recorrem. Acrescento ainda: tal a dificuldade em exprimir algo cuja percepção é mais do domínio do

1

A. Houaiss, M.S. Villar, F.M.M. Franco (ed), Dicionário

Houaiss de Língua Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates. 3 vol.s,

sensorial que do racional, pesem embora os avanços na sua cientifização. Procurando outros meios de aproximação ao âmago do conceito de forma, invoquemos, de modo muito simplificado, as suas negações mais comuns: podemos dizer que disforme é o que não tem forma (proporção, estrutura, beleza) e deformado o que a perdeu mas contudo a pode recuperar. Tudo isso pelo menos em termos de imagem. Há muitas maneiras de tal se verificar, mas aqui apenas nos importa invocar uma: gordura (de novo!). Com efeito, em excesso a gordura deforma, dificulta ou oculta a leitura e expressão imagética da forma e de uma das suas componentes essenciais, a estrutura. A gordura é necessária à formosura mas decididamente não é um dos seus sinónimos. Agora faz sentido introduzir o outro clichê que compõe a estrutura este ensaio, desta vez claramente disciplinar: o título do manifesto de Adolf Loos de 1908, “Ornamento e Crime”. É, como sabemos, um texto desconcertante, mesmo lido agora após todas as experiências estético-conceptuais que então estavam à boca de cena (modernismo, racionalismo, etc.). Nessa linha, penso que na maior parte das ocorrências facilmente nele poderíamos trocar a palavra ornamento por gordura. Porém, a questão de fundo emergente é: qual é o papel, o cabimento do ornamento na arquitectura?

2003:1779/80

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artigo grรกfico

OUTSIDE TAKES FRIENDLY

BEAUTIFUL

WEATHER GIVES SEE FEAR GIVNIGHT FACES HEART

OUTDOOR BIG MENTAL

VIEWERS SPACE

THINK

INSIDE VIEW

THOUGHTS STORM WIERD COLD GIVE SNOW BELIEVE FAR PEOPLE HAPPY ABUSE TRUE, WHY KNOW HEATH MAKES LIVE STATUES PSYCOLOGICAL HOPELESSE BECAUSE INSULTS DANGER KIND

FEELING

CONDITIONS

HOPE

NICE RAIN SEEM TRUE

HOUSE PROTECTS

GROWTH WATCHING HARM SMILE WHATCHING UNPROTECTED

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Joรฃo Miranda Aluno do 2.ยบ ano do dARQ Erwin Wurm. Fat house. 2003, fotografia: Jesse Willems

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artigo

Podemos desistir Luis Madeira Aluno do 4.ºano do dARQ

Manifesto 2. To affect, or bring a certain state by subjecting to, or treating with a flux. “Fluxed into another world.” South. 3.Med. To cause a discharge from, as in purging. Flux (fluks), n. [OF., fr. L. Fluxux, fr. fluere, flurum, to flow. See a FLUENT; cf. FLUSH, n (of cards).] 1 Med. a A flowing or a fluid discharge from the bowels or other part: esp., an excessive and morbid discharge: as. the body flux, or dysentery. b The matter thus discharged

Purge the world of bourgeois sickness “intellectual”, professional & commercialized culture, PURGE the world of dead art, imitation, artificial art, abstract art, illusionistic art, mathematical art,- PURGE THE WORLD OF “EUROPANISM” 2. Act of flowing: a continuous moving on or passing by, as of flowing stream; a continuing succession of changes. 3. A stream; copious flow; flood; outflow. 4. the setting in of the tide toward the shore. Cf. REFLUX. 5. State of being liquid through heat; fusion. Rare.

PROMOTE A REVOLUTIONARY FLOOD AND TIDE ART, Promote art, anti-art, promote NON ART REALITY to be fully grasped by al people, not only critics, dilettantes and professionals. 7. Chem & Metal. a Any substance or mixture used to promote fusion, esp. the fusion of metals or minerals. Common metallurgical fluxed are silica and silicates (acidic), lime and limestone (basic), flourite (neutal). b Any substance applied to surfaces to be joined by soldering or welding, just prior or during the operation, to clean and free them from oxide, thus promoting their union, as rosin.

FUSE the cadres of cultural, social & political revolutionaries into united front & action1 38

1

Manifesto Fluxos. 1963

Pág. 39 Joseph Beuys. "Fettstuhl" (Fat Chair). 1964 - 1985


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artigo

Se isto é um corpo Ana Gomes Aluna do 4.ºano do dARQ

Acredito que direcções opostas se possam encontrar num ponto em comum, fazendo com que palavras, objectos e lugares que se desenvolvam em planos distintos possam convergir algures no meio dessa diferença. Quando tal acontece, criam-se relações entre termo e objecto, entre objecto e lugar, entre lugar e termo. Desta forma, corpo e arquitectura são relutâncias dialéticas, que através das suas diferenças desenham um caminho baseado no confronto de ideias. A relação entre ambos assenta numa conexão desigual, na qual o corpo produz um compromisso com a arquitectura e esta, ao invés, estabelece uma relação de encantamento com as formas.

O CORPO É ARQUITECTURA E NELA HABITAMOS

A relação entre termos é ancestral. A história comprova-o ao longo do tempo, sendo que este se apropria de conceitos como escala, modelo e organização interna para justificar a relação entre estes elementos opostos. Esta apropriação mostra-se, a longo prazo, um desperdício para um acontecimento que se desenvolve de forma natural entre oposições. ‘O meu corpo é o verdadeiro umbigo do meu mundo, não no ponto de vista da perspectiva central, mas como próprio local de referência, memória, imaginação e integração’ 1 A afirmação de Pallasma faz-me perceber que no umbigo de cada um dos planos se encontra esse ponto de união, permanecendo assim a oposição direcional mas subsistindo este encontro da arquitectura e do corpo dentro no mesmo plano, contrariamente aos ensaios escritos em torno desta problemática. A analogia criada entre os dois termos tem origem a partir da primeira instância do corpo: a infância. Quando uma criança desenha uma casa, desenha a imagem consciente que tem da habitação: uma porta ao centro, duas janelas que ladeiam a porta, um telhado de terminação triangular e uma chaminé. Numa simples interpretação: uma boca, dois olhos, um nariz e uma cabeça. Desde cedo, esta relação liga directamente os dois planos sendo tomada como referência uma imagem na concepção do desenho. Quando esta analogia passa a ser consciente, reconhece-se que a arquitectura respira ao mesmo ritmo das vivências do habitante, sua com o passar do tempo e absorve as experiências do Homem, trocando componentes com o que a envolve pelo exterior e interior.

1 Juhani Pallasmaa. Os Olhos da Pele, A Arquitectura e os Sentidos. Bookman, 2011, p.11

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(em cima) Le Corbusier, Modulor (coluna da esquerda) Marina Abramovic and Ulay, Imponderabilia (coluna da direita, de cima para baixo) G.P. Piranesi, Veduta interna del Panteon vulgarmente detto la Rotunda; Étienne-Louis Boullée, cenotáfio para Isaac Newton

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à conversa com

José Maçãs de Carvalho José Almeida e Vicente Nequinha Alunos do 4.ºano do dARQ

Macau, ex-território português em pleno clima asiático. O poder económico dita as regras, subvertendo por vezes valores culturais. É a partir desta cidade frenética que nos reunimos para uma conversa com José Maçãs de Carvalho de modo a absorver o ritmo da mesma. Tem vindo a desenvolver trabalhos fotográficos e de vídeo em Macau e Hong Kong. Sabemos que viveu em Macau entre 1994 e 1998, e que entre 1999 e 2009 desenvolveu um projecto de fotografia em que ia lá duas ou três vezes por ano durante esse período e acompanhava o quotidiano de ex alunos chineses em registos fotográficos. Como começou a sua relação com Macau? A minha primeira relação com Macau aconteceu em 1994 quando a minha mulher foi convidada para integrar o grupo da reforma educativa como psicóloga. Nesse momento, acompanhei-a e comecei a dar aulas no Instituto Politécnico de Macau. Esta ida é também resultado de algum cansaço de estar em Portugal na altura, vivia-se o segundo “cavaquismo” num clima de alguma pressão e contestação social, e é curioso porque estamos a ter esta conversa num período em que Cavaco Silva é Presidente da República e na altura era Primeiro-Ministro. Aliás, dizia-se que o problema estava mais nos “cavaquistas” do que no próprio Cavaco, e, portanto, tudo isto resultou num certo cansaço. O Oriente sempre esteve nos meus planos, a Ásia essencialmente, e a minha relação com Macau começa assim de uma forma fácil. 48

O que se sucedeu nos quatro anos seguintes foi muito interessante porque coincidiu com o período de transição de Macau para a República Popular da China, que aconteceu a 19 de Dezembro de 1999, e este último período que vivemos em Macau tornouse bastante estimulante porque foi um período vertiginoso em relação àquilo que se fazia. Era necessário concluir tudo, o aeroporto, a reforma do sistema educativo, a reforma do sistema judicial, etc.; as pessoas que lá estavam eram também muito interessantes, no geral éramos todos expatriados e de áreas diversificadas. Portanto, a Ásia era para mim um manancial de imagens onde as coisas se vivem a uma velocidade muito diferente da Europa, tudo é possível, há sempre novas imagens, novos gestos que são muito estimulantes. Como surge o interesse em Macau? Macau, é muito interessante também porque tem Hong Kong a uma hora de distância: esta proximidade acrescenta interesse a Macau. Existe uma relação real entre estes dois territórios, há milhões de pessoas que circulam entre eles. Macau, em 1994, ainda não tinha aeroporto, para se chegar até lá tinha que ser através do aeroporto de Hong Kong. Falo aqui de uma relação natural, hoje o aeroporto de Macau é um aeroporto regional, não recebe voos da Europa ou dos Estados Unidos. Hong Kong apresenta também um grande interesse do ponto de vista arquitectónico e urbanístico, é uma espécie de Nova Iorque que os ingleses deixaram ali, apresentando-se simultaneamente como a cidade mais asiática e ocidental. É também muito híbrida do ponto de vista cultural. No entanto, o Jorge Figueira dizia, há uns dias numa aula em que estivemos juntos, que depois de se passar um dia em Hong Kong, sabe bem regressar à pequenez de Macau ao fim do dia, é reconfortante.


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artigo

A Culpa é de Todos Joana Martins Aluna de dissertação do dARQ

A cidade queria ser de todos mas é mais de uns do que de outros. A cidade tem que ser heterogénea e deixar-nos ser o que queremos. Oferecer-nos oportunidades e permitir-nos explorar tudo. Tem que estar em constante desenvolvimento mas não se pode tornar global. Tem que manter a sua essência. Então esse desenvolvimento tem que ter critérios: deve responder às vontades e ambições de cada geração de uma forma diversificada e democrática, criar espaços de igualdade de oportunidades para os seus cidadãos, cada vez mais exigentes e diversificados. Mas por tudo isso, a cidade está a perder-se. Já não sabe o que é nem o que quer ser, está desagregada. Conseguiu juntar algumas das suas partes de forma minimamente lógica, mas não as consegue condensar num só elemento coeso. A cidade queria ser para todos mas só consegue ser de alguns: está desarticulada e descaracterizada, numa tentativa irracional de ser global. A questão então é como conseguir conjugar tudo isso. Transformar a cidade num espaço exigente, diversificado e responsável que permita o desenvolvimento individual e colectivo, garantido as características que lhe são exigidas. É necessário compreender quais é que são então essas exigências. Quem é que as impõe? Como é que estas são aplicadas? Quais são os motores do desenvolvimento da cidade? Quem é que tem o poder de gerir essas alterações de forma justa e evolutiva? E tentar identificar de quem é a culpa da cidade estar como está.

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A CULPA É DO POLÍTICO ´Who controls money controls the world.` 1 Eleitos por nós, quem manda são os políticos. Governam a cidade e o país como querem. A nível local, de quatro em quatro anos, dá-se a oportunidade à cidade de mudar, renovando constantemente a sua massa crítica, para que não se deixe estagnar pelos do costume. Com tanta gente dedicada, a cidade só morre se quiser! Porque a democracia dá-nos o poder para intervir e decidir, desde que seja para o bem da maioria! Mas claro, não há tempo para tudo, é necessário acompanhar o calendário de um novo presidente: nos primeiros anos recupera a cidade do péssimo estado em que o seu antecessor a deixou, o que nos faz aceitar o facto de incompreensivelmente não vermos nada a acontecer; gradualmente, começamos a ter conhecimento de várias iniciativas que prometem revolucionar a cidade e que nos fazem sentir que valeu a pena; e finalmente, no último ano, mesmo antes das eleições, a democracia entra em acção e a nossa agenda fica preenchida com as festas do croquete e da fita vermelha. Nasce assim mais um auditório, um conjunto de seis rotundas e uma escola primária! Não se pode pedir ao político que resolva todos os problemas da rua, quanto mais da cidade! Por isso, ao menos “faço uma grande obra para provar ao eleitorado que a democracia está bem de saúde e recomenda-se” (sobrando assim os buracos da Avenida da escola primária e aquele bairro social inacabado). Não, condutas de saneamento não se inauguram, muito menos com o glamour das fitas vermelhas. Devíamos era ter feito um abaixo-assinado para ter outra Casa da Música! E já que é para pedir, que se “carimbe” alguma coisa com o símbolo da UNESCO, nem que seja uma pedra da calçada! Mas a culpa não é dos políticos, é da cidade que não se dá ao respeito. Porque vai com todos e os políticos, esses, fazem o que podem. O que podem segundo o que lhes exigem porque só lá estão por vontade da maioria. Simplesmente, trabalham para responder à vontade de quem os elege. 1

Henry Kissinger, Council on Foreign Relations, 1995

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a nu

James Gillray. A Sphere, projecting against a Plane. 1792

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Setembro 2013 ISSN 1645-3891

Morada Revista NU, Dep. de Arquitectura, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Colégio das Artes – Largo D. Dinis 3000 Coimbra Telefone/fax (darq) +351 239 851 350 +351 239 829 220 E-mail revista.nu@gmail.com Arquivo digital arquivonu.blogspot.com Impressão Nozzle Lda Distribuição Coimbra Editora Tiragem 300 exemplares

#1 encruzilhadas #2 lugares #3 cidades #4 mecanismos #5 àreas de contaminação #6 imagem #7 desvios #8 tempo #9 sexo #10 ismos #11 tecnologias #12 onde está coimbra? #13 pecado #14 oposições #15 viagens #16 oriente #17 revolução digital #18revistas #19 colagens #20 onde está portugal? #21 marginalidades #22 game design #23 brasil

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A Revista NU surge no ano lectivo de 2001/2002, integrada no programa de objectivos do NUDA, o Núcleo de Estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (DARQ-FCTUC). O primeiro número, #1 Encruzilhadas, é lançado em Maio de 2002, e a NU torna-se, aí, uma revista periódica de reflexão e debate sobre temas relacionados com a arquitectura, que se propõe, essencialmente, como um pretexto de discussão e como uma ferramenta de aprendizagem para quem a faz e para quem a lê. Desde então já foram publicados 40 números da Revista NU, assumindo-se como uma publicação de teoria e crítica focada em temas de interesse à produção arquitectónica mas também extra-disciplinar. Assim, aos textos de crítica produzidos pelos estudantes acrescentam-se inúmeras colaborações de nomes nacionais e internacionais ao longo dos anos. Em 2003 surge o número #12 onde está Coimbra? no âmbito de Coimbra Capital Nacional da Cultura comissariada por Jorge Figueira. No ano seguinte, a convite do Instituto das Artes, a Bienal Internacional de Arquitectura de Veneza conta com a presença da NU, com o número #20 Onde está Portugal?, integrado na representação portuguesa comissariada por Pedro Gadanho. Em 2007, o programa Gau:di, de apoio a publicações sobre arquitectura de vários países europeus, faz uma recolha a ser apresentada em feiras internacionais e inclusa numa antologia, e distingue a NU para representar a crítica portuguesa de arquitectura. Em 2012 é lançado o número #40 Entrevistas – Antologia Crítica 2002-2012 em pareceria com a Trienal de Arquitectura de Lisboa, como uma reflexão sobre os temas debatidos durante os primeiros dez anos da revista.


ISSN 1645-3891


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