Revista fmq? #2

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JANEIRO DE 2010 • NÚMERODOIS

MR. MARVEL: MIKE DEODATO





FAMINTOS

Alexandre LimA

É formado em Ciências Sociais, pela UFCG. Atualmente faz mestrado, na mesma instituição, com foco em Sociologia do Trabalho. Maximizador. Vende ouro de tolo e falso brilhante. Tem como projeto de férias participar de um safári humano.

Eber freitas

Graduado em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela UEPB. Conduziu seu trabalho de conclusão de curso na área de Gestão da Comunicação e Responsabilidade Socioambiental. Atualmente trabalha na Assessoria de Comunicação e Marketing da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa).

Diana reis

Radialista, Assessora de Comunicação e Servidora Pública. Sonhadora convicta, observadora e documentarista. Na “fome de quê?” é responsável por tudo que rola na imprensa sobre a revista e foi dela a sugestão deste espaço para apresentação dos colaboradores.

franz lima

Começou querendo criar máquinas com peças de metal, mas desistiu no quinto período de Engenharia Mecânica. Sua mãe dizia: estuda! Entendeu: estúdio! Acabou que hoje é Diretor em Arte e Mídia pela UFCG, Diretor de Criação e Arte da Revista fmq? e sócio da Maquinarama Coletivo Criativo.

iramaya rocha

Graduanda do curso de Arte e Mídia da UFCG. É fotógrafa, realiza experimentações na área de Artes Visuais e é Diretora de Fotografia e responsável pelas fotos das matérias produzidas pela Revista fmq?.

ALUIZIO GUIMARÃES

Comunicólogo, pós-graduado em Comunicação Empresarial, Professor na área de Comunicação e Marketing, Teatrólogo, Dramaturgo e Neo-Cineasta. Escreve contos e crônicas. É Diretor de Relacionamento e Desenvolvimento da FAVIP em Caruaru - PE. Quando sobra tempo, cozinha para a esposa e amigos.

ely marques

Bacharel em Arte e Mídia pela UFCG e pós-graduado em Especialização de Estudos Cinematográficos da Universidade Católica de Pernambuco. Atua como: Diretor, Montador e Videografista.

emmanuela melo

Se imaginou Advogada, Historiadora e Jornalista. Abandonou dois cursos e se tornou Publicitária (produção e mídia), Mãe, Faminta e sócia da Maquinarama, exatamente nessa mesma ordem. Dobra até talheres com um sorriso e é a responsável por transformar as ideias emprestadas à Revista fmq? em material impresso.

hylla luizi

Graduada em Comunicação Social pela UEPB. Desenvolveu um estudo sobre a Música e Suas Tribos como trabalho de conclusão de curso.

jocélio oliveira

Graduado em Jornalismo pela UEPB (2009). Editor da Revista fmq? e Produtor de TV, atua voluntariamente em projetos de formação e capacitação de jovens; atua também na produção de vídeos-educativos sobre o bioma caatinga.

lígia coeli

marcelo andrade

rayan lins

sebastião andrade

É Jornalista, graduada em Comunicação Social pela UEPB. Colaborou como Repórter e Editora no Projeto Repórter Junino. É Produtora da TV Correio de Campina Grande. Foi Repórter e Jornalista responsável do Portal Universiti e tem artigos publicados no Jornal da Paraíba, Diário da Borborema e no site Observatório da Imprensa - dirigido a jornalistas.

Graduado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas, é Músico, Produtor Cultural, Publicitário e Comunicólogo. Idealizador, Coordenador e Produtor do Festival Mundo desde 2005.

Wagnner sales

Graduado em Jornalismo pela FAVIP (2009). Ator, Diretor de Produção e Produtor Cultural. Diretor do projeto de verão da TV Jornal, afiliada do SBT em Caruaru.

Graduado em Jornalismo pela UEPB, foi Editor de Economia, Política e Viver do Diário de Pernambuco. Cobriu os jogos PAN, Rio 2007, pelo Canal Futura. Como Repórter da TV Itararé ganhou o prêmio Pilotos Regionais no Festival Internacional de Televisão (NY). Atualmente é repórter da Revista Nordeste.

É Professor Universitário, titular das disciplinas de Antropologia Cultural e Sociologia da Comunicação. Mestre em Ciências Sociais e doutor em Sociologia. Possui dois livros publicados: ”O Homem e A Mulher no Cancioneiro Popular: Um Olhar Antropológico” e “Segredos Desvelados: Uma Sociologia da Intimidade”.

yaRa freund

Neta de índio com negro, filha de branco e mulata. Nascida em JP, criada no RJ, apaixonada por CG e amante de Sanfra (CA, USA). Atuou como agitadora cultural e artista residente do Centro Cultural 1026. Hoje, estuda Belas Artes no Instituto de Artes de São Francisco. Sonha com um mundo sem fronteiras e apicultura.


A NÚMERO 2

A revista, nesta segunda edição, se consolida como um espaço para a cultura. A fmq? se esforça para ser o que todo veículo de comunicação deveria ser: um espaço. “Finalmente um espaço para a cultura!”, foi o que mais ouvimos nesses últimos três meses. Assumimos o compromisso de inovar, de abrir canais para comunicar a cultura. A cada dia, entre a primeira e esta edição, várias pessoas perguntaram como fazer para contribuir com a revista. Tudo isso nos impõe medo, que não tem nada a ver com insegurança, mas com respeito, critério e cuidado na elaboração da revista. Como acontece com todo bom gourmet, os pratos passam por um longo e gradativo processo de consolidação. Eles não surgem da noite para o dia ou vice-versa. Mais ou menos isso acontece com a fmq?. Nossa equipe de Chefs – que a cada dia cresce mais –, com o frequente exercício do paladar, nesse caso, cultural, vêm selecionando ingredientes especialíssimos, catando

“multisabores” por toda essa região tropical, semiárida. Esse tempo serve para aumentar o orgulho em descobrir tantos famintos interessados e dispostos a fazer e degustar cultura Nordeste afora. Somadas as colaborações da primeira e segunda edições são quase 70 colaboradores. Parte de nosso trabalho é reunir produções de outras pessoas e dar a elas páginas onde imprimir com tinta a representação verbal do que pensam, produzem, cultivam, no papel. Não será difícil esbarrar com pontos de vista bem particulares. Cada um é responsável pelo que diz, pensa e escreve e é por isso que a revista se reserva o direito de dar a essas pessoas o que lhes é de direito: a responsabilidade por suas opiniões. Acreditamos que nesse processo de consolidação, que tem como prato principal a Revista fmq?, há um saboroso desafio: exercitar as mandíbulas – ou cérebro, como preferir - numprocesso longo e demorado de “empanturramento” da nossa cultura.


SUMÁrIO

8. 14. 16. 20. 24. 27. 28. guia fmq? 30. 32. capa: mr. marvel: mike deodato 42. 44. 48. PUblIcIdAde 50. 52. jOrNAlISMO teleco teco . MARCELO ANDRADE bomba do hemetério e a modernização do frevo elucubrações nervosas . SEBASTIÃO ANDRADE um olhar sobre a cultura brasileira

mundo vasto mundo . RAYAN LINS coletivo mundo - independente e coletiva é a cultura

fome de música . LÍGIA COELI um tiro de rojão avisa a chegada do benedito do meu jeito . ELY MARQUES cinema radical e o espectador som do novo a valsa de molly

experimentar o experimental . FAVIP/WAGNNER SALES cachaça na terra de vitalino JOCÉLIO OLIVEIRA

tin! tin! . YARA FREUND da importância de perus e bicicletas

ambiente ligado . EBER FREITAS cultura e rsa

lado b . HYLLA LUIZI música e suas tribos

cidade faminta . ALEXANDRE LIMA safári humano canibal chef . ALUIZIO GUIMARÃES planeta zyrcontzien-xr23

SObre A revISTA

A Revista fmq? é revisada por Érica Tavares, impressa pela Gráfica Agenda de Campina Grande, em papel sulfite 150g/m² na capa e miolo em sulfite 120g/ m². Sua programação visual é desenvolvida pela Maquinarama Coletivo Criativo. Os textos contidos na revista são de responsabilidade de seus idealizadores. Distribuição gratuita (exceto para efeito de assinatura anual).

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revistafomedeque@gmail.com Emmanuela Melo

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teleco teco

Bomba do hemetério e a modernizaçao do Frevo TEXTO: MARCELO ANDRADE FOTOS: BETO FIGUEIRÔA


Maestro Forró à frente da OPBH


teleco teco

D

iferente das mais tradicionais orquestras de Frevo de Pernambuco, a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério inova na forma de apresentar o frevo, mas preservando a essência do ritmo centenário. A forma ousada de tocar é tão curiosa quanto o nome da orquestra. Para quem não sabe, a Bomba do Hemetério é um bairro simples, de mais de 8 mil habitantes, da Zona Norte do Recife. No lugar, um senhor chamado Seu Hemetério tinha uma Bomba D’Água e fornecia água para os moradores da comunidade, que acabou ficando conhecida dessa forma. Inusitado o lugar e diferente também a Orquestra do Maestro Forró, que carrega no apelido um ritmo tão fervente quanto ele e os músicos da OPBH. Depois de um estudo aprofundado sobre a cultura da terra carnavalesca, o regente teve a ideia de unir, desde 2002, ritmos como o Frevo, o Maracatu e vários sons do Brasil e de outros países. De tanta união, um pouco dos vários estilos de frevo, das batidas de diversos maracatus e entoadas de coco dão à Orquestra uma cara diferente de todas as outras de Recife e Olinda. Afinal, raramente se vê por lá um tambor de maracatu ou um pandeiro aparecerem – com estilo – numa tocada de frevo. E foi por essa inovação que a Orquestra conquistou o Concurso de Música Carnavalesca de Pernambuco. “É uma mistura de vários sons, de vários artistas. Tudo vai para o liquidificador e sai com uma identidade

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teleco teco

1. O filme é uma adaptação da peça homônima e revelou atores como Lázaro Ramos, Vladimir Britcha, Wagner Moura e o casal de autores João Falcão e Ana Falcão. 2. De instrumental, o gênero ganhou letra no frevo-canção e saiu do âmbito pernambucano para tomar o resto do Brasil. Basta dizer que “O teu cabelo não nega”, de 1932, considerada a composição que fixou o estilo da marchinha carnavalesca carioca, é uma adaptação do compositor Lamartine Babo do Frevo Mulata, dos pernambucanos Irmãos Valença.

nossa”, diz o Maestro Forró. No filme A Máquina¹, de João Falcão, um remix, que é parceria do grupo e do DJ Dolores, integra a trilha do longa. Assim como a Orquestra, o DJ mistura a música pernambucana com as batidas eletrônicas. Daí não faltaram os prêmios e os olhares além da comunidade da Bomba, como os do multiartista Antônio Nóbrega. “O que a Orquestra faz é preservar sem deixar de transformar para não cair na mesmice. O trabalho deles é o de descobrir outros caminhos do frevo, sem deixar de ser frevo²”, diz ele, que pode dizer isso com propriedade. Mas não é só de pessoas como Nóbrega que eles conquistaram admiração. Na própria comunidade, tão noticiada nas páginas policiais de jornais do estado, o trabalho dos integrantes afasta os jovens da violência do Recife. Criada em 2005, a Escola Comunitária de Música Zé Amâncio do Coco, que leva o nome do pai do Maestro, surgiu para aproximar a música dos meninos da Bomba. “Eles ficavam olhando os ensaios, com vontade de tocar. Tivemos a ideia de oferecer a esses jovens a oportunidade de realizar sonhos e descobrir seus talentos”, diz Forró, que conseguiu, por exemplo, encontrar o dom do estudante Jackson Silva, de 10 anos. O pequeno músico já dá os primeiros passos com uma flauta doce doada pela escola. Atualmente, são 60 alunos a partir dos seis anos que têm aulas de iniciação musical, leitura e até de reaproveitamento alimentar. Todo o trabalho é feito por voluntários. O local já foi aprovado como Ponto de Cultura do MinC, mas a burocracia ainda não liberou recursos para a escola. Enquanto isso não acontece, a oportunidade já serviu para formar uma outra orquestra além da OPBH, a Hemetéricos da Bomba. Com menos de um ano de formação, os integrantes da

escola que têm a partir de 13 anos já fazem shows sozinhos, substituem em muitos casos músicos do grupo principal e encontraram uma forma de ganhar dinheiro com o trabalho de músico. Além da admiração e do carinho dos meninos, o grupo também alcançou o título de melhor Orquestra Itinerante do Estado, principalmente pela forma de interagir com o público no palco e no chão, no meio do povo. Para eles, tanto faz tocar em cima de um palco ou no meio da pista, rodeado de foliões que não tiram os olhos deles. A cada música, presente também no disco Jorrando Cultura, lançado há três anos, o grupo se mexe, dança e toca com mais vontade. Em certos momentos, o maestro Forró também congela, pausa e só volta quando os integrantes, que trabalham brincando, aceleram o frevo. Em 2008 eles gravaram DVD que leva o mesmo nome do CD. No repertório tem a mistura de artistas da Bomba, a exemplo do Maestro Gil e do Carnavalesco Zé Amâncio, além, claro, do Maestro Forró, que rege diferente de qualquer regente sério, com aquelas batutas na mão. Ele faz tudo parecendo que é um passista de frevo com uma mola no corpo e ainda inventa de fazer coisas que nenhum outro maestro faz. Afinal, não se vê um regente plantar bananeiras e guiar a orquestra com os pés. Só ele faz a artimanha. “A intenção é justamente a de fazer dançar e dar ao passista a oportunidade de encontrar vários passos e formas de dançar, além de desfazer a figura daquele maestro sério e pomposo”, explica ele. Acompanhado dos 24 membros da própria comunidade, entre técnicos e músicos, ele realmente sente o tal calor humano do Carnaval e faz do frevo um ritmo cada vez mais jovem, embora já seja um senhor som centenário.

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um olhar sobre

A Cultura Brasileira SEBASTIÃO ANDRADE 1. O Antropólogo Roberto Da Matta é considerado um dos principais cientistas sociais brasileiros na atualidade. Autor de vários livros na área de Ciências Políticas, Sociologia e Antropologia Carnavais, Malandros e Heróis, O que faz o Brasil, Brasil?. 2. Já ouviu falar no livro “Raí-zes do Brasil”? Foi escrito por Sérgio Buarque de Holanda. Ele também é autor de outras obras importantes sobre a história brasileira.

N

a busca de uma identidade nacional, DaMatta¹ revela o Brasil, os brasileiros e sua cultura através de suas festas populares, manifestações religiosas, literatura e arte, desfiles carnavalescos e paradas militares, leis e regras, costumes e esportes. Por que para ele, cultura é, sobretudo, produção simbólica, o modo de produzir as coisas, a redução do interesse público do cidadão à problemática

3. Você pode dar uma olhada no site da Fundação Gilberto Freyre para conhecer mais sobre a vida e obra do cientista social pernambucano: http://bvgf.fgf.org.br/ portugues/index.html

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familiar, às relações pessoais de compadrio e cordialidade. Apesar de muito mais inspirado em Sérgio Buarque de Holanda², particularmente em Raízes do Brasil, Roberto DaMatta perpetua a interpretação dualista da cultura brasileira inaugurada por Gilberto Freyre³ - de Casa Grande & Senzala, Sobrados & Mocambos e Ordem & Progresso - principalmente com dois de seus principais livros: Carnaval, Malandros e Heróis e A Casa e A Rua.


elucubrações nervosas Se a casa é espaço privado das relações familiares e da vida afetiva, dela se exclui a desordem e a competição do mercado da rua, como se exclui o diabo da Igreja, o interesse público das corporações ou a virtude das ruas, que pelas próprias expressões “mulher da rua”, “comida de rua” ou “menino de rua” já denota vício e degradação. Assim, o mercado é por definição vil e perigoso, como a etimologia do termo trabalho vem de tripaliu, instrumento de tortura de escravos na Roma antiga, sinônimo mesmo de castigo. Quando em casa, no mundo protegido das relações familiares, no máximo prestamos serviço, ao contrário da concepção saxã de work como obra ou atividade produtiva visando prosperidade. O patrão latino (de grande pai), diferentemente do lord inglês, não é apenas o senhorio explorador do trabalho de outrem, mas o titular dos direitos de propriedade de seu servo, responsável moral pela sua própria conduta e destino sociais, como na relação de pai e filho, o que embaça a própria relação econômica do contrato trabalhista. No plano da convivência social, Roberto Da Matta evidencia o pastiche de nossa tolerância racial quando, citando Antonil, desde o século XVIII, afirmava que o Brasil é um inferno para os negros, um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos ou, traduzindo em cidadania: nenhum direito e todos os deveres para os escravos negros; todos os direitos como privilégios para os brancos a custa dos deveres de manutenção da ordem; e um mundo utópico e marginal à lei para os mulatos que, aliás, se chamam assim por derivação de mulos, animais de carga ambíguos e híbridos por excelência, o que mais uma vez procura embaçar a relação injusta do racismo. O que já foi denunciado por Florestan Fernandes como o preconceito de ter preconceito, a ideologia predileta brasileira de mascarar o conflito do preto no branco e do servo e do senhor, perpetuando a desigualdade perante a lei. A própria comida brasileira

básica, o feijão com arroz, passa a ser nossa grande metáfora social, uma vez que o costume é misturar o preto no branco, direitos e deveres, público e privado, diferentemente da exigência por discernimento do originário pão, pão, queijo, queijo europeu. Daí a consagração da política como relação de compadrio, de companheiros (do latim, o que come pão junto) acesso às boquinhas e à teta da viúva do erário público. Há uma relação de estranha verossimilhança entre desfiles de festas carnavalescas, paradas cívico-militares e procissões religiosas, o que evidencia mais o deslocamento do trajeto, a expiação, do que propriamente os diferentes fins, outra vez nos embaçando a compreensão das diversas instituições sociais. O que nos faz confundir igualdade perante leis universais (para todos) com a demagogia da igualdade social como forma de mascarar desigualdades na aplicação das leis, ou simplesmente privilégios. Entre o que pode e o que não pode, nos esmeramos em encontrar um jeito: burlar as leis. A demonstrar esta nossa tradição, a citação do trecho final da carta de Pero Vaz de Caminha: “E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em qualquer outra coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que dela receberei em muita mercê.” E partimos, desde então, a conceber a coisa pública de dentro de um engenho privado, de onde não partem ruas, mas se congregam casa grande e senzalas, misturamos comeres, festas, leis, privilégios, interesses, direitos e deveres, sincretismos religiosos, erudito e popular, tudo pela utopia da conciliação e pelas máscaras do pastiche.

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Fotos: Coletivo Mundo

Coletivo Mundo independente e coletiva ĂŠ a cultura


mundo vasto mundo

RAYAN LINS

A

o pé da letra, um coletivo é um agrupamento de coisas ou seres. Pois bem, no nosso caso é um agrupamento de pessoas interessadas no crescimento da cultura alternativa e independente. Produzir, fomentar e fazer com que os trabalhos que queremos desenvolver tenham mais força, as bandas circulem com mais facilidade, os artistas tenham mais espaço, os produtores trabalhem acreditando mais no que estão fazendo e que o nosso trabalho, até então underground, não seja tão underground assim, mas que possa ser um trabalho sério e sustente-se como tal. Parece utopia? Pois essa utopia é realidade há um ano aqui em João Pessoa.

Banda Burro Morto na inauguração do Espaço Mundo



mundo vasto mundo

Acesse o site: coletivomundo.com.br 1. “É longo o caminho”.

Cruzamos pessoas que pensam parecido e temos hoje o Coletivo Mundo, trabalhando diariamente em varias ações, em prol da solidificação de um mercado independente. Temos um ano de formação do coletivo, mas pode-se dizer que essa história começa bem antes, cinco anos atrás, em 2005. No cenário: amigos, um lugar qualquer, cervejas e conversas sobre música. A ideia: fomentar nossa produção local, chamar a atenção para nossos artistas e formar público. Resultado: Festival Mundo, hoje também com cinco anos, filiado da Abrafin - Associação Brasileira de Festivais Independentes, sendo a principal manifestação de cultura independente da Paraíba, envolvendo música, artes plásticas, cinema, feira cultural, debates e oficinas. Movimentamos cerca de 5 mil pessoas na nossa última edição, em outubro de 2009, além de bandas de sete estados brasileiros, três artistas internacionais, presença da imprensa nacional, produtores e possíveis novos investidores em cultura no nosso estado, deixando bem claro que é possível sim produzir com qualidade neste cenário. Porém, mesmo com o festival sendo uma grande ação para a cidade, sentíamos a necessidade de fomentar isso durante o ano todo, com muito mais força, e no final de 2008 deu-se a formação de um grupo onde a ideia é cada um contribuir com o que sabe fazer de melhor. Escrever, fazer e pensar música, produção musical, designer, agenciamento, eventos, exposições, tecnologia, fotografia, administração, sustentabilidade. Essas habilidades agora trabalham juntas, de forma organizada e produtiva, com resultados que, por mais vontade que cada um tivesse, sozinhos seria impossível

mover as montanhas necessárias. Em menos de um mês juntamos 6 bandas e montamos um estúdio coletivo de ensaios, onde cada banda paga uma taxa mensal, podendo ensaiar mais tempo e com uma assessoria de produção, além do espaço servir de sede para o coletivo. Aos poucos, mais pessoas foram se juntando ao grupo, e em abril de 2009 ano foi inaugurado o Espaço Mundo, centro cultural com shows, exposições de artes, oficinas e debates, além de funcionar como bar de quarta a domingo e restaurante de segunda à sexta. Muita gente que estava no começo não está mais, porém, muita gente nova chegou, e o que importa é que hoje conseguimos fomentar o nome do Coletivo e a cultura independente da cidade diariamente de maneira nacional, estando integrados ao Circuito Fora do Eixo – uma grande rede integrada que conecta mais de 40 coletivos semelhantes ao nosso, espalhados por todas as regiões do Brasil, e que promove discussões e ações conjuntas para o crescimento deste circuito. Acreditamos que este é um momento delicado e decisivo para a cultura, onde o modelo antes vigente caiu, a indústria fonográfica não tem mais tanta força, a internet democratizou o acesso e facilitou a produção em todas as áreas. O grande mercado agora não é tão grande assim, enquanto já podemos considerar a produção independente que aflora em cada canto do país um mercado médio e promissor. Tudo o que se conhecia sobre produção, difusão e consumo de cultura ficou para trás, o conceito de sucesso hoje tem outro significado e agora nós estamos escrevendo os primeiros capítulos dessa nova história. It’s a long way¹.

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fome de música

um tiro de Rojao avisa

A Chegada do Benedito TEXTO: LIGIA COELI FOTOS: IRAMAYA ROCHA

B

ati palmas e soltei o bom e velho “Ô de casa”. Lá vinha ele, cambaleando, fechando a camisa azul de botões plásticos e cintilantes, tropicando passos na chinela de couro – foi até ligeiro. Colocou o chapéu na cabeça e pegou a chave que fica escondida num vaso de plantas. Boa tarde! A cara ainda estava um pouco inchada: “tava deitado” – ah, entendo. Aquela cochilada depois do almoço, né? Ele concordou rindo banguelo e meio envergonhado. João Benedito Marques, de 71


anos, só teve documentos de registro depois dos 22 anos, até ali “era um ‘condestino’ mesmo”. Aposentado, é um senhor moreno e de voz carinhosa, daquelas de avô – também pudera! Os mais de 19 netos (perdeu-se no meio da contagem) o treinaram bem para esse ofício. Nascido em 1978 na fazenda Juá, município de Boa Vista-PB, teve o parto ajudado por uma comadre da vizinhança. O pai dele, Benedito Eliotério, era um pernambucano e cantador de coco de roda, trabalhava para um coronel. Ele se engraçou logo cedo com uma mulata chamada Regina Maia, paraibana de Alagoinha que, por paixão, também foi cantar coco mundo a fora. Num cenário como esse, Benedito Marques logo se transformou em Benedito do Rojão. Aos treze anos aprendeu a tocar sanfona com um artista local chamado Severino Biró, e daí, desembestou para a viola e o pandeiro – tudo na batida rápida exigida pelo ritmo. O rojão é um estilo musical feito pra cabra que tem juízo rápido e aguenta descrever suas próprias façanhas sem perder o fôlego. Valentia, coragem, destreza – pra não fazer a língua enrolar – e, se a rima falhar, improviso: Benedito tem tudo isso, e um pouquinho mais, se olharmos de perto. Mas antes de se envolver com a música, Benedito foi ajudante de padeiro em cidades paraibanas como Massaranduba e Campina Grande – onde mora atualmente, numa casa miúda, pintada de um azul vibrante, resultado de várias pinceladas de cal. Fica numa ruela tímida no bairro Monte Santo, mas não é difícil de achar: todo mundo indica o caminho e não faltam dedos apontando pra mostrar onde se esconde o rojão bendito. Foi cantador de viola numa radiofusora em Aracaju, conheceu Jackson do Pandeiro na Feira Central de Campina Grande, escreveu com ele a letra da música “Santo Antônio” e recebeu por ela 30 contos – “gastei logo 15 conto no cabaré bebendo com ele”, disse às gargalhadas. Em 1966 apresentou-se num programa de TV local,

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ao lado de Rosil Cavalcanti – foi numa aparição como essas que a sua atual esposa, Maria Soares de Medeiros, se apaixonou por ele: até hoje estão juntos. A primeira oportunidade de gravar um CD surgiu em 2004, e daí em diante Benedito era presença carimbada em festivais de música – num deles, o ForroFest, ganhou o prêmio de melhor intérprete. Do sofá onde sentei, na casa dele, dava pra observar a sala toda. Na estante, um toca fitas antigo, copo do São Paulo Futebol Clube e o bocado de troféus que ganhou pelos concursos vencidos – como intérprete ou compositor – que estão ali pra dar as boas vindas às visitas. Sem vaidade forçada, Benedito nos explica como conseguiu cada um deles. É bom ter paciência: a memória dele é boa, lembra até de data de casamento sem fazer careta, suas conversas estão sempre carregadas de detalhes, especialmente datas. Uma cortina verde néon protege a entrada do quarto. A cada balançada do vento, minha curiosidade aumentava – tal qual moleque enxerido olhando bunda de moça debaixo dos panos, de rabo-de-olho, eu me punha a tentar desvendar o que era aquela caixa. Quando não me aguentava mais, interrompi o assunto e perguntei: “o que é aquilo?” Ele não ficou zangado, lançou um olhar rápido à coisa e voltou-se pra mim. “É uma sanfona, mas não toco sanfona. Hoje, só viola e pandeiro”. Fiz que sim com a cabeça e entendi do que ele gostava de falar: pandeiro. Sentou-se desleixado na cadeira, o chapéu amarelo lhe dava um ar gângster, sabe? A aba encostava-se na armação dos óculos – aliás, acho que se não fosse por ela, caía. Arrumação feita, começou dizendo que deixou a viola porque “era ‘sacrificoso’ demais”. Não acredita em quadro de santo, porque “se Jesus não quiser, santo não voga”, mas um “pantim” nunca é demais. Antes de sair observei uma pena de guiné na aba do seu chapéu: “dizem que é ‘axé’, é paz, é bom ter, né?” – sim.


fome de música

“Hoje, só sanfona e pandeiro.” revista fome de quê?

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Cinema Radical e o espectador ELY MARQUES

O

cinema experimental e/ ou mais radical não tem lugar no circuito comercial de exibição, salvo raras exceções. Meu primeiro contato com David Lynch¹ , por exemplo, foi na “tela grande” do cinema de um shopping em Campina, Mulholland Drive é um filme excepcional que abriu meus horizontes quando eu ainda era um estudante imerso nos clássicos e foi um marco para minha acanhada percepção “hollywoodiana” do que era cinema. Mais recentemente, pude conferir em sala de “tela grande” outra obra do cinema que posso considerar e rotular como cinema radical, Anticristo de Lars Von


do meu jeito 1. 2. Duas figuras que valem a pena uma pesquisada. 3. Ou CEN, é um festival de cinema de Porto Alegre dedicado à produção audiovisual contemporânea e independente.

Trier² , foi uma sessão estranha, um filme extremamente incompreensível, cheio de códigos e mensagens no subtexto, disfarçadas com uma primeira camada fílmica de narrativa dramática comum ou uma tragédia clássica. Porém, o nome do filme somado a uma “sinopse by distribuidora” leva para sala de cinema pessoas com ansiedades bem incongruentes, esperando ver um filme de horror/trash do tipo Jogos Mortais, o resultado disso é uma plateia que achincalha do início ao fim do filme, risadas e comentários adolescentes. Mas Lars é tão perturbador que tira momentos de pura tensão e introspecção dessa plateia perdida, então há uma esperança, o exercício de ver filmes é essencial. A ausência de cinemas com uma programação mais específica e menos comercial é um elemento que corrobora com a sensação de estranheza que uma boa parte dos espectadores tem ao ver um filme com uma narrativa menos clássica, sem mocinho, sem bandido, sem final, sem montagem óbvia ou mastigada, as mentes estão fora de forma. Três filmes paraibanos - Um Detalhe Luzi, O Plano do Cachorro e o premiado Sweet Karollynne - estiveram no mês de outubro no CineEsquemaNovo³ 2009 em Porto Alegre, um festival que tem como principal característica receber um cinema de novas propostas, o cinema mais radical encontra sua casa. O festival conta com debates e traz todos os realizadores e participantes para um período de concentração em torno do cinema. É um dos festivais mais interessantes e importantes para o realizador. Durante as mostras nacionais, internacionais, de longas, médias e curtas, foram exibidos filmes de propostas e narrativas menos clássicas com debates ao final. No debate final do festival, que reuniu todos os realizadores e era aberto ao público, uma espectadora em particular resolveu comparecer e foi o foco das atenções, pois ela trouxe para o debate uma insistente crítica

sobre os filmes que ela tinha visto no festival, que eram chatos e desinteressantes, ela queria saber o porquê disso tudo. À primeira vista seria apenas uma pessoa desavisada que não sabia onde estava e que aborreceu muitos realizadores, porém, trouxe a reflexão sobre um conflito recorrente onde o espectador sofre de uma pasteurização da percepção e uma afirmação medíocre do axioma que se tem do cinema, que cinema é exclusivo do entretenimento, um massageador de emoções humanas. Aquela espectadora disse que esperava, quando foi ao festival, ter momentos de felicidade, alegria e diversão. É nesse momento que a proposta natural de progresso da linguagem audiovisual bate de frente com o que as grandes corporações de mídia de massa fizeram e fazem com a percepção e juízo crítico dos espectadores. Essa tirania de forma e propósito imposta ao cinema vem à tona em uma ocasião bem interessante. Vêm em um momento onde as artes, em geral, tem tido mais espaço no dia-a-dia, claro, longe do ideal em países subdesenvolvidos, mas já faz parte da ordem geral e status quo do consciente coletivo. Quem não conhece o surrealismo? Quem nunca ouviu falar em Salvador Dalí? Virou até lugar comum usar o termo “é surreal” para designar algo que vai além da percepção comum. Mas, mesmo em um grupo que tem esse tipo de discernimento encontraremos pessoas completamente avessas e sem disposição a encarar e se deleitar em uma obra cinematográfica mais radical e experimental, da mesma forma que uma obra surrealista, cubista ou conceitual em forma de quadro, escultura etc. O Cinema está longe de atingir seu sine qua non, pois o espectador tem caminhado para lado oposto. O ciclo de uma obra cinematográfica se fecha quando ela encontra o espectador. Ter acesso e conhecer todos os tipos de cinema é reflexo de uma sociedade mais madura e consciente de si.

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som do novo 1. Quando a gente vê os três integrantes juntos por aí, temos a sensação de que a qualquer momento eles vão sacar algum aparato do bolso e começar a fazer um ruído-cantado-musical deixando todo mundo de boca aberta. 2. Ouça: myspace.com/ avalsademolly

E

ntre a valsa e o samba, a bossa e o Blues, canto, permaneço e desço pra mais longe, entre nós e o público não há nada, só sonhos percebidos ou não, tocamos para um mundo destruído por homens que constroem, assim o dizem... E por trás da grande sentinela, humanos, cegos e selvagens, desfaçam seus olhares e celebram na grande festa, cavalgando nessa viagem, dançam, choram e se despedem de uma noite de valsa”. Por Katarina Neppma. A Valsa de Molly surgiu numa tarde de julho de 2008, às vésperas do fim dos tempos, na fria e tenebrosa Serra da Borborema (agora “Grande Campina”), Paraíba, Brasil. Tem o objetivo de infectar a população humana com mensagens subliminares sobre

Existencialismo, Ocultismo e questões nunca abordadas em relação às mazelas da humanidade. A Valsa se preocupa não com sua identidade, mas com a dinâmica da diversidade e exorcismo do preconceito através da ousadia da liberdade de expressão. Simplificada, A Valsa de Molly é quase uma banda de bolso¹: uma única voz feminina de Katarina Nepomuceno, acompanhada por harmônicas cordas de um violão solitário dedilhado por Alexandre Lima e que, com o tempo, foi seguido por compassos percussivos de Tiago Fernandes. A Valsa traz para a cena independente poesias erguidas sobre Blues, Jazz, Country e Samba. Experimentos em canções autorais inspirados pelo cotidiano. Eis A Valsa de Molly!

A Valsa de Molly revista fome de quê?

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Guia

comida, diversão e arte

Um lanche rápido, cai bem.

FELLIPE VICTOR XAVIER FALCÃO Tel: (83) 3341-1975 Rua Afonso Campos, 48 lj 2807 Centro - Campina Grande

BONNOPRATO Tel: (83) 3322-3030 Rua Vidal Negreiros, 97 Centro - Campina Grande

ADEMAR A. SOUSA Tel: (83) 3322-2949 Pça Lauritzen, s/n bx 5 Centro - Campina Grande

GIRAFFA'S Tel: (83) 3337-6133 Av Severino Bezerra Cabral, 1119 José Pinheiro - Campina Grande

COCO BAMBU SAFARI Tel: (83) 3337-3221 Rua Cícero Jacinto, 104 Catolé - Campina Grande

ALEX LANCHES Tel: (83) 3321-5211 Pc Lauritzen, s/n bx 20 Centro - Campina Grande

TAPIOCARIA PRINCESINHA DO NORDESTE Tel: (83) 8842-7288 Av. Almirante Tamandaré (Feirinha) Tambaú - João Pessoa

DONA EMPADITA Tel: (83) 3322-4047 Av. Manoel Tavares, 754 Alto Branco - Campina Grande

FAST FOODS

BHIA LANCHES Tel: (83) 3342-3676 Rua Sta Clara, 414 São José - Campina Grande BIG LANCHES Tel: (83) 3322-2949 Pça Lauritzen, s/n bx 5 Centro - Campina Grande BOBBY ESPETINHOS Tel: (83) 3341-5810 Rua Siqueira Campos, 1532 Centro - Campina Grande

bronx

bar

Avenida Getúlio Vargas, 164 Campina Grande - PB

Tel: (83) 8822.8682

LA NOSTRA CASA Tel: (83) 3322-5196 Rua 13 Maio, 175 Centro - Campina Grande NOVA CARNES & MASSAS Tel: (83) 3321-2111 Rua 13 de Maio, 214 Centro Centro - Campina Grande FORNO DE PIZZA PABX: (83) 3342-0606 Rua D Pedro I, 732 São José - Campina Grande

BOB’S Tel: (83) 3247-1112 Av Alm Tamandaré, s/n Tambaú - João Pessoa

Pra todo mundo comer muito.

BUONGUSTAIO Tel: (83) 3337-6109 Av Severino Bezerra Cabral, 1190 Catolé - Campina Grande

BIG MIX CHOPPERIA E PIZZARIA Tel: (83) 3341-4085 Rua Sta Clara, 254 Centro - Campina Grande

A qualquer hora.

FAUSTÃO HAMBURGUER Tel: (83) 3058-2263 Rua Sta Clara, 150 São José - Campina Grande

BONNA PIZZARIA Tel: (83) 3335-4440 Rua Enf Maria Lourdes Silva, 201 Santa Rosa - Campina Grande

ABSOLUTO Tel: (83) 3246-7554 Rua Fernando Luiz Henriques, 50 Jardim Oceania - João Pessoa

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PIZZARIAS

SAPORE D'ITÁLIA Tel: (83) 3247-3132 Av. Cabo Branco, 1584 Cabo Branco - João Pessoa

BARES E RESTAURANTES


guia fmq?

BANANA BEER Tel: (83) 3341-3029 Rua Rodrigues Alves, 1 lj A Prata - Campina Grande

CHOPERIA BARRAMAS Tel: (83) 3247-5877 Av. Alm. Tamandaré, s/n Tambaú - João Pessoa

SPAZZIO Tel: (83) 3250-2255 Rua Luna Pedrosa, s/n Poço - Cabedelo

BAR A BESSA Tel: (83) 3246-7072 Av. Gov Argemiro Figueiredo, 1782 Jardim Oceania - João Pessoa

CHOPERIA LET IT BEER Tel: (83) 3337-6022 Av Pref Severino Bezerra Cabral, 1119 José Pinheiro - Campina Grande

VILA FORRÓ Tel: (83) 3322-2040 Vl Forro, s/n Nações - Campina Grande

BAR A RAINHA DO REJEITO Tel: (83) 3213-1049 Rua Ivete Oliveira Cardoso, 148 Mangabeira - João Pessoa

SPORT BAR Tel: (83)3331-3391 Av Elpídio de Almeida, 2363 Catolé - Campina Grande

FORROCK PABX: (83) 3246-5858 Rod BR 230, s/n Lot. Morada Nova - Cabedelo

BAR CENTENÁRIO Tel: (83) 3453-2288 Av Pres João Pessoa, s/n Centro - Conceição

TOCA DO CAJU Tel: (83) 3247-3002 Av N S dos Navegantes, 750 Tambaú - João Pessoa

ZARINHA CENTRO DE CULTURA Tel: (83) 4009-1130 Av. Nego, 140 Tambau - João Pessoa

BAR CENTRAL Tel: (83) 3392-1251 Rua Eunice Ribeiro Araújo, 408 Centro - Queimadas

SESC PABX: (83) 3341-5800 Rua Jiló Guedes, 650 Centro - Campina Grande

BAR DA AMIZADE Tel: (83) 3341-2881 Rua Dep. José Tavares, 198 bl 3 Centro - Campina Grande

TECNOLOGIA INFORMÁTICA

CERVEJARIA ANEL DO BREJO Tel: (83) 3343-1560 Rua Prof. Luiza Castro Lago, 267 Alto Branco - Campina Grande CHAMBARYOS BAR Tel: (83) 3231-6857 Rua Prof. Fenelon Pinheiro Câmara Cristo Redentor - João Pessoa

Avenida Getúlio Vargas, 153 -185 Centro - Campina Grande - PB

Tel: (83) 3321.8969 CHOPP DO ALEMÃO Tel: (83) 3341-3233 Rua Br Abiai, 158 Centro - Campina Grande

INFOBOX Tel: (83) 3533-2000 Manaira Shopping Manaira - João Pessoa MCRO TECNOLOGIA Tel: (83) 3322-2040 Irineu Joffily, 304 Centro - Campina Grande

CASAS DE ESPETÁCULOS

EMPÓRIO CAFÉ Tel: (83) 3247-0110 Av Coracao De Jesus, 201 Tambaú - João Pessoa

Celebrar.

JOHN PEOPLE Av. Olinda, 57 Tambaú - João Pessoa

MARTA M S NÓBREGA Tel: (83) 3337-2844 Av. Sen Argemiro Figueiredo, 681 Catolé - Campina Grande

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Cachaça na Terra de Vitalino

AGÊNCIA EXPERIMENTAL DE JORNALISMO DA FAVIP POR WAGNNER SALES FIGURINO: ERIANE ALVES MAQUIAGEM E CABELO: ROSÂNGELA AUGUSTA PRODUÇÃO DE MODA: NATHALIA MELLO ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: HELDER DOS ANJOS


experimentar o experimental 1. O historiador caruaruense Gustavo Henrique Silva conta que Vitalino foi um artesão e músico que ganhou destaque internacional com suas esculturas de características rústicas feitas em barro. Suas peças foram comercializadas por todo o país, sendo que o maior acervo dessas se localiza no RJ. Antes mesmo de sua morte, muito foi construído acerca de sua relação com a “verdadeira” identidade caruaruense, como ele também era pifanista, esse instrumento passou a ser referencial da música de Caruaru e a cidade ganhou outro apelido: terra de Vitalino. 2. A cachaça é misturada com ingredientes, como raízes ou frutas, e fica algum tempo “apurando” o sabor. Existe, inclusive, cachaça de chiclete.

C

aruaru é assim: com seus quase 300.000 habitantes, tem seus problemas, acha suas soluções e, como toda boa cidade, tem sempre ambientes onde os boêmios se encontram e onde a verdadeira alma noturna é revelada aos que tentam descobrir o espírito do local e não apenas os destinos turísticos recomendados pelas agências e folhetos. Mas onde está a verdadeira diversão na noite caruaruense? Os teatros, como o Experimental de Artes ou João Lyra Filho, estão recuperando a força aos poucos. As tradicionais festas da cidade como São João, ou mesmo a própria Semana Santa, também cumprem seu papel em estimular furtivos encontros noturnos, mas nos outros “trezentos e poucos dias”, os bares é que são responsáveis por unir pessoas e culturas. Resolvi buscar num sábado, respostas abstratas sobre a noite. Decidi sair um pouco antes da meia-noite. O que me dá tempo de decidir onde atracar meu barco. Depois de algumas voltas pelo centro da cidade e seus arredores, encontrei um lugar já conhecido da maioria dos amantes da boa conversa: Rua Silvino Macedo. Se no começo dela, você resolver parar e pensar um pouco, dá pra sentir e enxergar um resumo da sociedade desenhada naquela lugar. Logo no início da rua encontramos o Bar da Ritinha, um prostíbulo que nos faz lembrar das desigualdades e injustiças sofridas pelas prostituas. Na sequência, a Mercearia Ponta de Rua, com sua boa música e declamação de poesia, às quintas-feiras, faz muita gente pensar que lá é recanto de intelectuais. Existe também o Estação Florêncio (um bar elitizado), a Cachaçaria (esse aqui não dá pra dizer quem frequenta, pois todas as tribos se encontram). Tem até aquele vizinho recém chegado, que é o Amnésia, com público parecido com o da Cachaçaria. E ali por perto, mas já em outra rua, o Casa Blanca, primo, mais rico ainda, da Estação Florêncio.

Depois desse retrato social através dos bares, caro leitor, resolvi focar o lugar mais pluralizado possível para meu breve recorte do que é a noite de Caruaru. E cá estou, na Cachaçaria Caruara, que tem esse nome em homenagem à cidade que já se chamou assim. Na parede, vários espelhos de diversos tamanhos, com moldura laranja, deixam o lugar bem moderno. Uma cortina de garrafas penduradas próximo a uma parede deixa claro que aqui é o lugar certo para se embriagar. As mesas pequenas e redondas facilitam de certa forma o ir e vir das pessoas, uma grande bancada toma conta da parede de espelhos, então dá pra apoiar bebidas e ficar conversando. No centro do bar fica uma espécie de mini palco, onde os artistas locais se apresentam durante a noite. Comecei a conversar com o dono do estabelecimento, Sílvio Moura, que sempre recebe sua clientela com um sorriso largo. Entre cravos e canelas, perguntei sobre o fato de trabalhar enquanto todos se divertem. Ele me responde de uma forma muito natural: “Quem disse que não estou me divertindo?”. Virou-se e continuou a atender outros fregueses. Caruaru não tem uma tradição na produção de cachaça, mas na cachaçaria existem pelo menos 40 tipos de cana temperada², vindas de vários lugares do país. Fica um tanto difícil fazer um pedido neste lugar, a vontade é tomar uma de cada, mas o bom senso alerta que não seria uma boa ideia. Já eram quase 3h e estava começando a ver mais de um relógio na minha frente. Paguei minha conta e tentei passar pelo grande corredor de pessoas. Sai do bar e lembrei o que um amigo me falou quando comentei que iria fazer essa matéria: “Quando tiver saindo, tenta contar quantos passos você vai dar até o carro”. Tentei, juro que tentei, mas só conseguia pensar na cana temperada e na minha cama. Chegando ao carro, entreguei a chave a outro amigo. Afinal, não tem cravo e canela que me façam cometer tal imprudência.

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capa

Mr. Marvel:

Mike Deodato TEXTO: JOCÉLIO OLIVEIRA FOTOS: IRAMAYA ROCHA ILUSTRAÇÕES: MIKE DEODATO


1. Narrativa gráfica/arte sequencial: termo criado por Will Eisner para se referir as HQs como uma expressão de arte. 2. A Marvel © é uma empresa estadunidense de entreternimento que atua nas áreas cinematográfica, publicações, brinquedos, jogos, etc. Através da Marvel Comics publica histórias em quadrinhos de personagens como Homem-Aranha, Wolverine e Hulk. 3. http://www. gulacy.com/

C

hegamos ao esconderijo secreto de Mike. Enquanto a equipe espera ansiosa no carro, o contato é feito pelo

interfone... - Oi! Podem entrar! Vocês não disseram que viriam às duas horas... Eu tenho uma luta pra assistir de cinco e eu não posso perder de jeito nenhum... (risos) - Não se preocupe! A casa de Mike Deodato parece um santuário de arte sequencial¹ da narrativa gráfica , enfim, dos quadrinhos. Existem dezenas espalhados em molduras por toda casa: os desenhados por ele, seus personagens favoritos, caricaturas dele pedindo desculpas à esposa - Ana Paula Pereira Falcão com quem é casado há quatro anosou mesmo singelas e doces declarações ao “amor de minha vida”, como ele costuma chamar a esposa. A rotina de trabalho é puxada. Mike, ou Déo, acorda às 5h da manhã e trabalha até às 23h, de domingo a domingo, e ele explica o porquê: “eu sou o pior chefe que eu tenho.” No começo, meio e fim do ofício, pausa para janta, academia, almoço, café e caminhada. Foi num desses “horários vagos”, que ele nos atendeu - acho que estava mais para lanche da tarde, mas isso é apenas um detalhe. Entrando na casa e virando à esquerda, avista-se o escritório de trabalho dele, amplo o suficiente para abrigar com conforto a coleção de pouco mais de 10.000 quadrinhos de Déo, aos quais ele recorre vez por outra, em busca de inspiração. Se você pedir, ele até pode abrir a porta do armário e mostrar suas revistas de estimação, mas tocá-las é privilégio para poucos: “eu não deixo ninguém mexer nelas não”. As paredes são utilizadas como papel e espaço para criação e arte. Com ar condicionado e persianas, tanto faz ser dia como noite. Aqui e acolá figuram molduras do “Flama”, super herói criado pelo seu pai em 1963. As prateleiras abrigam seus filmes ou

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bonecos de heróis e cd’s. O mesmo escritório acolhe sua esposa. Ana Paula está concluindo o doutorado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal da Paraíba e fica ali, no cantinho dela, enquanto o marido usa o resto do espaço, técnica e confortavelmente posicionado no seu monitor tablet, que permite o desenho sobre a tela do computador, num programa que muita gente sabe a utilidade: o Photoshop. Mike Deodato Jr. nasceu Deodato Taumaturgo Borges Filho em Campina Grande, Paraíba, no dia 23 de maio de 1963. Filho de Maria Zita de Oliveira Borges e Deodato Taumaturgo Borges, Mike é pai de Priscilla Gomes Borges, 19, e é o segundo mais velho de cinco irmãos: Delba, Denickson, Denize e Denison. Timidez é uma das palavras que melhor define Mike, uma característica que tornou difícil os anos iniciais de escola no Instituto Presidente Epitácio Pessoa, na capital paraibana. Na Universidade Federal da Paraíba iniciou o curso de Comunicação Social, seguiria a profissão do pai, jornalista e radialista, mas desistiu. E acertou na decisão... A relação de Déo com os quadrinhos contou com muita influência do pai, Deodato Borges, que também é fã de HQ’s, desenhava alguns personagens e criava roteiros e histórias. Foi Deodato pai que encorajou e ajudou nos passos iniciais do filho, na publicação dos primeiros trabalhos como “A história da Paraíba em quadrinhos”, o primeiro pelo qual recebeu algum dinheiro. E hoje, “ele meio que se realiza em mim”, como explica Mike. Travessuras à parte, Mike acredita que viveu uma maravilhosa infância. Essa fase da vida em que o seu pai foi um herói, no mínimo de papel. Fase em que pôde tornar-se fã do seu futuro sustento e meio de vida. E para isso, dona Maria Zita também foi fundamental, “ela me apoiou em tudo que decidi fazer na vida e é um exemplo de fortaleza e bondade”, afirma Déo. A carreira profissional de Deo-


capa dato Jr. começou em 1985. Ao longo dos 24 anos de trabalho, já fez cerca de 80 quadrinhos, entre eles Thor (Marvelpencils and inks), Hulk (Marvel-pencils and inks), Batman (DC Pencils), Xena (Dark Horse-pencils and inks), Captain America Red, White and Blue (Marvelpencils and inks), Turok (Valiant-pencils and inks), Thunderbolts, Wolverine: Roar, Moon Knight, Wolverine: Origins e XMen, estes pela Marvel. Atualmente, ele trabalha para Marvel ², na revista que tem o maior índice de vendas: Dark Avengers, que segundo Mike “foi criada especialmente pra mim por Brian Bendis. É uma continuação de Thunderbolts, que fiz com Ellis, mas em uma escala bem maior. Uma revista em que os personagens principais são vilões”. As ferramentas de trabalho são simples: olhos, lápis, papel e borracha. Toda tecnologia que surge “é só pra me facilitar a vida”, e nesse passo ele segue, atualmente, produzindo uma revista por mês. Seus personagens têm marcas da vida real já que “quando eu desenho alguém rindo, eu tento rir também; ou quando faço alguém com raiva. É como se eu fizesse e ficasse lá no papel.” Mas além disso, ele escala atores para seus personagens e muitas vezes, inspira seus traços em pessoas reais: os jornalistas e apresentadores Jô Sôares e William Bonner, por exemplo, já fizeram parte deste hall. Segundo Mike, o que para ele soa apenas como uma homenagem, muitas vezes não é entendido. De todo jeito, essa prática não é nova, e “Paul Gulacy³ já fazia isso nos anos setenta”, explica. Ah, mas e o resultado da luta, lembra? Aquela do começo da reportagem... Quer saber como acabou? Perguntei a Mike: “Randy Couture ganhou, mas não convenceu. Ele precisaria treinar mais luta em pé. O boxe dele está muito previsível e ele praticamente não chuta.” Comentário de alguém, que achando pouco desenhar longas cenas de ação e aventura, achou um tempinho para ser faixa preta em caratê, segundo grau.

continua na

pág. 38

Hulk por mike deodato jr.


mais sobre a nona arte “TOdO MUNdO jÁ qUIS Ser UM SUPer herÓI”

Quadro da série dark avengers de Brian Michael Bendis e Mike Deodato

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Você pode chamá-lo de Marcos, como ele é mais conhecido. Mas ele adora Antônio. E o nome completo é Antônio Marcos de Vasconcelos, jornalista, 31 anos, casado e fã de quadrinhos. Para Antônio Marcos, Mike é “aquele cara que muita gente gostaria de ser. Ele dá vida aquilo que a gente admira e é muito legal saber que ele é da nossa região.” A relação entre Marcos e os quadrinhos começou com um empréstimo. O gibi do super-herói Lanterna Verde foi pego com um cunhado, mas outros desenhos já eram acompanhados pela televisão, como a Liga da Justiça. Hoje em dia, o personagem favorito é o superman e ele está espalhado por toda casa, desde o chaveiro do carro até o enxoval do filho que está por vir. E incentivo para leitura deste tipo de literatura não vai faltar. Mas pra quem pensa que essa “história de história em quadrinhos” não é coisa séria, vale a pena prestar atenção neste detalhe: as HQ’s ajudam


capa 4. Termo que se refere a um tipo de arte alternativa que está desvinculada da grande mídia e que propõe crítica social. Contrapõe-se ao mainstream que é referente a qualquer tipo de arte que esteja vinculada às grandes mídias. 5. Quadrinista brasileiro, autor de personagens como Rê Bordosa, Wood & Stock e Luke e Tantra http://twitter.com/ Angeli_ 6. Editora de histórias em quadrinhos, publica Lanterna Verde, Batman e Super Man. http:// www.dccomics.com/

Marcos no trabalho: a criatividade, linguagem simples e objetiva dos quadrinhos, além do fato de ele intepretar os diálogos, ajudam na hora em que Marcos, no dia-a-dia da profissão de jornalista de televisão, é quem conta as histórias. Seriedade a parte, o que atrai Marcos mesmo é a fantasia, “isso é algo que gosto, e acho que não existe idade para o desenho animado e a história em quadrinhos. Existe HQ’s de todos os tipos, alguns até de cunho mais social.” “o que me atrai é a fantasia”

Universidade também lê HQ’s Essa é mais uma história de carinho e admiração que surge na infância: o pedido sempre singelo e típico da idade: Mãe! Compra uma revistinha de história pra mim. Foi assim que Yuri Saladino teve os primeiros contatos com os quadrinhos. Hoje, aos 31 anos de idade, ele é doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, e estuda o diálogo entre as HQ’s undergrounds4 e os seus leitores, nos anos de 1990 a 2008. A dedicação acadêmica aos estudos deste tipo de arte teve início há seis anos, ainda na graduação em História. No trabalho de conclusão do curso, Yuri analisou as aproximações entre o discurso da História e sua relação com as narrativas gráficas. E para se aprofundar mais, resolveu fazer mestrado interessado em mostrar o projeto artístico-cultural do cartunista Angeli5 sobre a sociedade brasileira dos anos 1980 a partir da personagem Rê Bordosa, enfocando a discussão modernidade X pós-modernidade. O pesquisador afirma que na década de 1980, a leitura do quadrinho era uma ação de militância, “quem lia Angeli, não lia apenas por prazer, mas também por uma questão social, havia uma crença na arte que criticava a sociedade da época e as pessoas que liam, faziam parte de movimentos feministas,

do rock e dos novos grupos culturais”. A diferença entre o tipo de quadrinho que Yuri analisou nos seus estudos inicais, os quadrinhos undergrounds/de autor e as histórias de super-heróis, tradicionais, demonstram um lado das HQ’s ainda pouco conhecido: produções temáticas, que são lançadas após anos de pesquisa sobre determinado assunto, como acontece com a maior parte dos quadrinhos europeus. Entre os norte-americanos, a DC Comics6 , por exemplo, criou a linha Vertigo, que, segundo definição da própria empresa, “atende um público mais maduro e literário”, como o quadrinho DMZ (Zona Desmilitarizada). Atualmente, Yuri dedica-se a estudar dos anos 1990 até 2008, o diálogo entre as histórias em quadrinhos, dos quadrinistas brasileiros Angeli, Laerte e Glauco, e os leitores. Ele destaca que a geração e o público leitor são outros – por mais que os antigos leitores permaneçam – e que os próprios quadrinistas também saem do movimento underground e começam a publicar em grandes editoras. E desde a infância, o carinho e amor pelas histórias em quadrinhos fez também, com que, além de estudá-los, Yuri também se torna se um colecionador daquele tipo que perde a conta das peças que tem. Mesmo descobrindo a HQ através da fantasia, hoje sua crítica ao mundo fantasioso de algumas histórias é a ausência de vínculo entre o que é narrado e a realidade, “por que ninguém pensa em discutir como seria um mundo em que um Deus (fazendo referência ao super-homem) caminha sobre a terra e se relaciona com os humanos?” “Se eu escrevesse HQ’s pensaria num enfoque mais existencialista.” Seja qual for o motivo e sua trajetória, as HQ’s foram capazes, através de seus criadores e daqueles que lhe dão vida e forma, de unir fãs e despertar estudiosos. Une com diferentes propósitos pessoas que têm em comum sentimentos: o amor, a paixão em fazer, ler ou estudar histórias em quadrinhos.

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150,375 mm

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capa

Mike Deodato Entrevista

Em entrevista exclusiva, Mike Deodato Jr. fala do início da carreira, os desafios cotidianos de trabalhar na Marvel e analisa o rumo das HQ’s atualmente, sobre a onda de montagens de filmes baseados em quadrinhos, conta um pouco da sua história até entrar nas grandes editoras e diz o que pensa das negociações entre a Disney e a Marvel. Revista fome de quê?: Como surgiu o convite para desenhar para as grandes editoras do exterior? Mike: Fazia uns 10 anos que eu estava publicando no Brasil e tinha algum nome. Um dia recebi um telefonema do pessoal de São Paulo, eles estavam com essa ideia de apresentar desenhistas no exterior. Se não fosse isso, eu ainda estaria tentando. Eu provavelmente

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7. http://twitter.com/ BRIANMBendis

demoraria muito mais se não tivesse aparecido esse pessoal. Viajei para os EUA em 1993 e comecei com uma revista pequena, por 10 dólares a página, daí passei para outras melhores. Também fui recusado em algumas cidades, passei em todas as editoras grandes de lá e fui recusado em todas. Cada uma dizia: ‘Não, não está bom não.’ Hoje em dia é mais fácil. Você faz um blog, cria uma revista na internet, coloca seus desenhos no Deviant art, começa a ganhar seguidores. No twitter você fala com alguém da Marvel e diz pra ele dar uma olhada. Antigamente você tinha que saber inglês. Para se comunicar, só podia ser por fax ou Sedex, enfim, você tinha que ir a uma comissão, tinha que visitar a editora, era bem complicado. fmq?: Como é trabalhar para uma grande editora? Mike: Eu só senti pressão no começo quando eu fui fazer a Mulher Maravilha. Mas depois é só gente, não é a editora, é o pessoal que você conhece lá, que trabalham há anos, no final são só pessoas. fmq?: Existe estabilidade e tranquilidade para trabalhar, ou há muito entra e sai de profissionais? Mike: Quem tem talento e persiste está aí há anos. Mas tem sempre um cara novo que entra com novo estilo. Eu tenho o meu caminho e vou seguindo o que eu gosto e tem dado certo até hoje.

cisa ter uma opinião para se destacar lá, e começar a fazer o meio de campo com as editoras. Mas quando eu estava planejando isso, consegui o contrato e decidi não ir mais. Ficar longe da família não vale a pena, seria um sofrimento muito grande. fmq?: Até que ponto o contrato dá tranquilidade para o artista? Mike: Não muda para mim, porque eu sou o pior chefe que eu tenho. Mas é bom porque eu tenho a tranquilidade de não precisar ir atrás do próximo trabalho. O ruim é a parte do seu projeto pessoal, ter um trabalho independente de autor, isso aí acaba. fmq?: Mas você ainda tem algum projeto de autor? Mike: Sim! Até fiz uma capa do Flama. Mas no meu contrato com a Marvel eu tenho que fazer 12 revistas por ano no mínimo. Eles disseram que eu posso fazer o meu trabalho pessoal e levar que eles publicam, mas com a demanda deles, com que tempo vou fazer o meu trabalho pessoal? [risos] Aí me pegaram. Por enquanto, se for pra eu parar e fazer algo pessoal é melhor estar produzindo e receber por isso. Mas eu ainda quero fazer, não sei como. Na Marvel eu posso chegar e dizer: “Olha, eu tô cansado, eu quero fazer um negócio diferente, eu quero fazer um negócio pessoal e tal”. fmq?: Você pensa em parar de desenhar algum dia?

fmq?: Em algum momento da sua carreira você pensou em morar fora do Brasil?

Mike: Não. Levo até para o caixão. [risos]. O problema é a vista, enquanto a vista aguentar eu vou fazendo.

Mike: Teve uma época que eu fiquei tentado sim, porque eu não tinha um contrato de exclusividade e eu queria ter o contrato, queria ter segurança, mas hoje eu tenho. O meu pensamento era ir pra lá para falar melhor inglês, dar mais entrevistas, aparecer mais na mídia, ter uma opinião, pois você pre-

fmq?: Você faria lobby para desenhar qual personagem?

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Mike: O único que eu fiz foi Wolverine e consegui, fiquei feliz e tal. Aí Brian Bendis7 , que já estava tentando me pegar há um tempo, criou uma revista só pra mim, que é Dark Avenger. Eu


fome de música Para saber mais: Linha do tempo das Histórias em Quadrinhos: http://hqshouse.vilabol. uol.com.br/lt-quadri.htm

Editora dá dicas para quem deseja ingressar no mundo das HQ’s: http://www.nonaarte. com.br/

http://www. glasshousegraphics. com/ghgartistwebsite/ deodato/

Twitter: http://twitter. com/mikedeodato

já fazia Thunderbolts, ele queria uma revista parecida, mas só para mim. Eu penso assim: se eu sou contratado na Marvel, exclusivo, eu acho que eles têm que me usar onde vai ficar melhor para empresa. fmq?: Como você acha que vai ficar o futuro das HQ’s com o avanço do digital e dos downloads? Mike: O que o quadrinho tinha de baixar em vendas, ele já baixou, por conta de um monte de coisas que aconteceram nos EUA. Algumas decisões erradas, a falência da Marvel, compraram a própria distribuidora e terminou ficando apenas uma distribuidora, fechou um monte de lojas, então o que podia baixar, já baixou. Na verdade, o mercado vem se recuperando mesmo com a internet, com essa de pirataria, digo que está no limite mesmo, vem só subindo por que não tem mais o que cair, está indo bem. Estão lançando a revista digital, colocando historinha em smartfone; eles lançam a revista digital, vendem o que podem e depois publicam a revista, então está bem. fmq?: Então, a tecnologia está criando um novo mercado? Mike: Sim! E também tem o lance da revista não ser só uma coisa que você lê. É uma peça de colecionador e lá eles colecionam mesmo. Uma revista antiga vende muito, é uma peça como se fosse um quadro, é uma coisa original e única, você coleciona gibi e você não apenas lê. A pirataria não vai influenciar tanto os quadrinhos, como influenciou essas outras mídias. fmq?: O que você espera da compra da Marvel pela Disney? Mike: Eu não estou sabendo de nada. Só que o negócio estava pra ser encerrado no final de 2009, e acho que vai ser bom porque eles compraram a Pixar e não mudaram nada, não é? Só injetaram dinheiro, mas a parte criativa

não mudou nada. Eu espero ganhar um passe grátis pra Disney [risos] e fora isso acho que não vai mudar nada não, só vai dar mais poder. A Disney tem muitos pontos de venda, de produtos, de distribuição de livros, então a Marvel vai melhorar muito, vai ser bem mais vista, ganhar mais poder e eu estou lá. fmq?: O que você acha dessa onda de transformarem HQ’s em filmes? Mike: Eu quero saber, para ganhar muito dinheiro [risos]. John Romita Jr fez uma revista com Mark Millar chamada Kick-Ass e antes da revista terminar já estava sendo feito o filme. A revista estava no número 3 e já estava produzindo o filme. Imagine o que o cara vai ganhar com isso não é? Eu quero fazer também! Teve um cara, Mike Benson, que faz Entourage uma série para HBO, ele ficou interessado em fazer um negócio comigo e tal, mas a Marvel: ‘não, não dá pra ser agora, você está fazendo outras coisas.’ Mas é muito legal isso, as adaptações que estão sendo feitas são ótimas. fmq?: Foi seu pai quem te apresentou aos quadrinhos e ensinou a dar os primeiro passos no desenho. Hoje em dia ele diz: “Pô filho, melhora esse traço aqui!”? Mike: [riso] Não, ele fazia isso no começo, pra me ensinar e tal. Mas se ele tivesse continuado, ele seria um Frank Miller porque ele escreve e desenha. Meu pai é muito bom, mas não teve a chance que eu tive. Ele fez muita coisa em rádio, em novelas, daí pronto, ele não desenha mais, mas está sempre antenado, sempre vendo o que eu estou fazendo, e eu sempre peço a opinião dele. fmq?: Mike Deodato tem fome de quê? Mike: Eu tenho fome de bolacha, com queijo de coalho e meu café... Que vou fazer agora [risos].

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da Import Importancia Importa ancia ancia

De Perus e Bicicletas YARA FREUND

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á vem o inverno! E com ele, a necessidade de se proteger das chuvas, tempestades de vento e intermitentes propagandas de bugigangas natalinas. Há muito tempo que, nos EUA, dia de ação de graças é sinônimo de peru bem grande e suculento; natal, sinônimo de

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presente, e ano novo, de resolução. Mas nem vamos nos enveredando por essa retórica que você já deve estar pensando: de que no final tudo vira acultura-


tin! tin! 1. Site oficial da cidade: http://www.oaklandnet. com/ 2. O Slow Food é uma associação internacional sem fins lucrativos fundada em 1989 como resposta aos efeitos padronizantes do fast food; ao ritmo frenético da vida atual; ao desaparecimento das tradições culinárias regionais; ao decrescente interesse das pessoas na sua alimentação, na procedência e sabor dos alimentos e em como nossa escolha alimentar pode afetar o mundo.” (Fonte: site oficial do movimento no Brasil: http://www. slowfoodbrasil.com/) 3. É um modelo de agricultura integrada com o ambiente. A permacultura envolve plantas semipermanentes e permanentes, e atividade produtiva dos animais. São considerados os aspectos paisagísticos e energéticos na elaboração e na manutenção de policultivos, o que a diferencia das demais atividades produtivas. (Fonte: www.jardineiro. net)

ção, consumismo e capitalismo exacerbado. Para começar, no dia de Ação de Graças, há alguns anos atrás, uma jornalista (sabe como são metidos esses jornalistas, não é?) preparou um peru diferente. Novella Carpenter, que mora no centro da cidade de Oakland, Estado da Califórnia nos Estados Unidos¹ , encomendou pela internet, entre outras coisinhas, um pintinho de peru pra ser criado, alimentado, abatido e comido pela própria Novella no dia de Ação de Graças. Sobre as aventuras de criar animais num terreno baldio, no coração da loucura urbana, e a busca por uma conexão mais forte entre as pessoas de sua comunidade, Novella escreveu Farm City. O livro já virou leitura obrigatória tanto para seguidores do movimento pela comida lenta (slow food², anos 1980 na Itália), quanto pelos moderninhos de plantão dispostos até a pegar na enxada só para ficar na moda. Leitura esperta e cheia de humor, o livro, baseado nas histórias pessoais da autora na tentativa de se tornar uma agricultora urbana, traz informações úteis sobre os “como” e os “porquês” de resgatar a importância de práticas sustentáveis como a agricultura regional e ecológica, e dos alimentos como fortalecedores de elos sociais. Por isso, lembre-se: mesmo que seja no momento de abocanhar sem dó nem piedade aquele maldito “bife do olhão”, dê uma olhadinha pro bichinho, pense na coitadinha da galinha e agradeça, inclusive, ao motorista do caminhão. Mesmo porque, lá pelas tantas e depois de muitas peripécias, o peru Herald cumpre sua jornada e acaba por virar prato principal do jantar da noite de Ação de Graças que a Novella ofereceu a amigos e vizinhos. Assado, servido e comido, é claro, com muito carinho. Até o Tom Zé, antes de ser “descoberto” pelo David Byrne, no auge da obscuridade de sua carreira como músico, trabalhava de jardineiro num edifício em São Paulo. E não é de se es-

tranhar que no meio da Paraíba, a algumas horas de Campina Grande, o Paulo, que tem uma barraca de horti-fruti em várias feiras orgânicas, comanda com maestria o Sítio Utopia. Lá no sítio, o Paulo mostra na prática como técnicas de permacultura³, agricultura orgânica e agrofloresta são mais do que viáveis e extremamente necessárias para a conservação do meio ambiente. Quase sempre, lá no sítio, são realizadas palestras e cursos, para quem quiser botar a mão na massa, ou melhor, na terra. E por falar em David Byrne, a última desse figura, que vem da cena punk de Nova Iorque da década de 1970 e é fã de carteirinha da Terra Brasilis, é o livro Bycicle Diaries (Diários de Bicicleta). E olha que ele mal acabou de lançar um CD de músicas em parceria com o compositor inglês Brian Eno, ainda no ano passado. O cara não pára! É Designer, Fotógrafo, artista performático, intelectual e tem, entre outras preciosidades, um selo muito bacana de música, Luaka Bop. Selo que, aliás, lançou a banda paraibana Cabruêra no mercado NorteAmericano. O Byrne, que num belo dia resolveu passar a levar seu principal meio de transporte, uma bicicleta dobrável, na bagagem pra poder conhecer melhor os lugares que visita, conta que estava era cansado dessa vida de turista passivo e alienado e que o ato de andar de bicicleta é também um ato político. Ele nos lembra que os EUA, o maior consumidor de petróleo do mundo, inventou umas tantas guerras pra poder consumir ainda mais petróleo, muito do qual torna-se combustível para automóveis. Tem até um filminho super bacana no youtube chamado A História das Coisas que conta com detalhes sórdidos do processo de extração, transformação e consumo do nosso planetinha. Então, já está resolvido! Neste ano, vou mais consumir produtos locais, vide os figos do vizinho e andar mais de bicicleta, até porque eu nem sei dirigir, nem tenho dinheiro pra comprar um carro.

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ambiente ligado

Cultura e Meio Ambiente onde o decreto não chega EBER FREITAS

1. Responsabilidade Socioambiental. 2. Segundo o Aurélio, adjetivo referente à raiz, origens, princípio; “significado original”. 3. Para uma compreensão mais acurada do conceito de Cultura, recomendo o livro “Cultura: um conceito antropológico”, do autor Roque de Barros Laraia. É barato, pequeno, acessível, claro e rico em informações. 4. Conceito introduzido no Relatório Brundtland (1987), que pode ser acessado pela internet.

C

omo podemos estabelecer uma relação entre a responsabilidade socioambiental e a cultura? Matutei uns dois dias sobre isso, correndo o risco de perder o prazo de envio do texto para publicação. Mas a verdade é que o conceito de cultura é tão abrangente e amplo que ‘engole’ muitos outros, e estabelece uma ligação antropofágica, simbiótica entre si e a RSA¹. Antes de discutir, é preciso fazer uma breve retomada do conceito de ‘cultura’, do seu significado radical² à sua assimilação e amplitude conceptual adquirida durante o tempo. Etimologicamente, a palavra ‘cultura’ deriva do latim, homônimo, e denota o trabalho laboral no campo, o cultivo das hortaliças e a pecuária. Até o século XVIII esteve relacionado a um estado (da coisa cultivada), e mais tarde passou a expressar uma ação, o próprio ‘cultivar a terra’. Depois foi anexado ao conceito de cultura o seu sentido figurado, bastante parecido com os ideais iluministas: o mesmo esforço e acurácia dispensados no trabalho laboral deveriam ser empenhados no cultivo do espírito, da inteligência, da sabedoria e das letras. A cultura também pode

ser compreendida como o conjunto de costumes e tradições, segundo o entendimento da Antropologia³. Já a responsabilidade socioambiental é um conceito bem mais recente historicamente. E não corresponde apenas a pensamentos e estudos, mas a ações concretas e planejadas, que almejam a sustentabilidade ambiental, o desenvolvimento sustentável4 e o bemestar da população, ou de um grupo social mais restrito. As conquistas dos direitos ambientais não tiveram início com o “clamor popular”, mas sim com a pressão de grupos sociais organizados, conhecidos como terceiro setor, dos quais podemos destacar as ONGs e organizações filantrópicas. A partir desse lobby, o primeiro setor (os Estados, Nações) e, mais tarde, o segundo setor (organizações privadas) passaram a discutir as ações de preservação e conservação do meio ambiente, como poderiam crescer econômica e socialmente sem que o environment entrasse pelo cano e levasse junto algumas espécies vegetais e animais.

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Fotos: Coletivo Mundo

Exposição no Festival Mundo

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ambiente ligado 5. Apesar de incautos representantes brasileiros terem defendido o discurso do “me poluam, mas me deem dinheiro” durante a Conferência de Estocolmo, tal erro foi redimido com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente, em 1973. 6. Refiro-me às duas primeiras edições, em 1956 e 1973, respectivamente. 7. Certas empresas que cantam o meio ambiente nos seus comerciais são autoras de ligações clandestinas no sistema de drenagem pluvial. Esse é o principal motivo do Açude Velho (Campina Grande), Lagoa do Parque Solon de Lucena (João Pessoa), Rio Tietê (São Paulo), e outros, terem se transformado em verdadeiros depósitos de esgotos e dejetos.

Foram feitas conferências mundiais de grande porte, gigaeventos que aglutinaram centenas de países, como a Conferência de Estocolmo (1972), a RIO – 92, Cúpula do Milênio, dentre outros que já ouvimos falar vez por outra nas aulas de Geografia Social5. A pressão exercida pelos países árabes, conhecida como as Crises do Petróleo6, influenciou significativamente os países do então Primeiro Mundo a buscarem combustíveis alternativos, ecologicamente corretos, o que nos leva a compreender, em parte, o grande interesse pelas causas ambientais. Temos um pequeno, porém representativo problema: como foi a adesão popular às decisões tomadas pelos estadistas e presidentes? Até agora não vimos o papel da cultura na tomada de decisões, apenas imposições, que dificilmente são incorporadas ao costume da população. No Brasil foram feitos investimentos dos três setores em divulgação, propaganda, conscientização, e ainda é mais do que normal encontrarmos ditos cidadãos que perguntam: e eu com isso? Não é de se culpar o povo. Todo o processo veio de cima, como sempre é feito em regimes historicamente patriarcais como o nosso, e, como uma “resistência natural” a cultura popular cria um bloqueio imediato ao que chamamos de responsabilidade socioambiental. “Um saco plástico a mais na rua não vai fazer diferença no cenário de poluição”, dizem uns. “Os carbonos gerados pelo meu automóvel não representam 1% do que uma fábrica joga nos ares”, ou ainda, “a água na minha região está garantida por mais 30 anos... se eu pago, posso gastar”. O combate aos problemas ambientais ainda está centrado nos mesmos personagens que iniciaram os debates, não foi incorporado à cultura, ou seja, aos costumes e tradições da população. Também não tem como ser diferente: se tudo é tratado como uma questão de marketing visual, o ceticismo toma conta de quem não ganha com isso de imediato, ou seja, nós, autor e

leitor. Os governos pretendem ganhar votos e admiração popular; as empresas dizem que, trocando sacos plásticos por ecobags vão salvar a natureza e, por extensão, a humanidade. Pura mentira! As ações voltadas para a preservação da natureza só podem ter efeito caso haja vontade popular, e para isso é necessário voltar as atenções para a cultura, para a educação, o cultivo do espírito e do entendimento. Não adianta criar um sistema integrado de drenagem pluvial numa grande cidade se o povo não entender que se jogar lixo e ligar os esgotos nesses canais, tudo vai parar nos mananciais, de onde a água é captada para o consumo humano7. Como colocar na cabeça dos mais humildes que construir casas perto de rios é prejudicial ao meio ambiente, pois é para lá que são direcionados os dejetos da comunidade? Como dizer, e aqui eu vou incluir muitos da “elite esclarecida”, que ligações indevidas de água estimulam o desperdício? Cada um quer o seu, a sua casa, a sua água, o seu benefício, ainda que para isso seja necessário passar por cima do equilíbrio e da sustentabilidade ambiental. É preciso muito mais do que ações isoladas para que a ação do homem faça alguma diferença no atual cenário de degradação ambiental. É necessário que a responsabilidade socioambiental seja mais do que um nome pomposo, mas uma noção incorporada à cultura. Ninguém quer saber quantos hectares ou campos de futebol foram extirpados da Mata Amazônica ou qual o percentual da água potável do planeta, nem quantas árvores eu salvei ou matei enquanto imprimia um e-mail no escritório. A discussão sobre meio ambiente extrapola esses limites e atinge outras perebas do Brasil, como a precariedade dos serviços de saneamento e infraestrutura, o sucateamento da saúde e da educação e todos esses lugares-comuns com os quais já estamos tristemente acostumados. E pra discutir, é preciso cultura.

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Música e Suas Tribos HYLLA LUIZI

A

música fala por seus compositores e por suas gerações. “Felizes foram aqueles que sabiam apreciar a boa música”. Mas o que seria uma boa música? O Pop, o Rock, Dance, Axé, MPB já não são claramente distinguidos pelos ouvintes. O Pagode e o Samba são confundidos com Axé. É importante saber que tipo de influência essas misturas trouxeram para a música atual e, só assim, entenderemos o poder que a música exerce sobre o nosso cotidiano, nossos melhores e piores momentos. O gosto depende da maneira como o produto, a música, é estimulado e mostrado. Se o som agradar naturalmente, a mídia não mudará prejudicialmente a preferência do ouvinte. De qualquer forma, a mídia exerce influência em nossas escolhas sonoras e visuais. É importante entender que mesmo sob tal influência, a mídia provoca preconceitos entre as “tribos”. Cada pessoa é livre para escutar e apreciar o que ouve, sem precisar do aval de outra. Hoje em dia, em se tratando de geração e de que a música fala por


lado b si mesma, não podemos dizer que há muita música boa espalhada pelos quatro cantos do mundo. Mas, boa ou ruim, ela comunica, relata o que há dentro de uma mente e se mistura em meio a outras, que a dilui, absorve sua essência. A mídia industrializa, estereotipa a cultura e nos fornece tipos musicais que seguem a preferência de uma quantidade relevante de ouvintes. Utilizando-se de refrões com letras que facilmente prendem a atenção de quem ouve, melodias que emocionam, intérpretes que sejam bem quistos aos olhos e ouvidos. Atualmente, o Youtube é um meio de grande força para criar e difundir uma cultura do tipo “descartável”. Alguns dos principais sucessos dessa nova tendência, como Stephanny, Absoluta, que vem se destacando e ganhando cada vez mais o gosto de várias pessoas, foram difundidos através desse site. Mas, às vezes, esses sucessos descartáveis são esquecidos depois de um ano, seis meses, ou até mesmo uma semana. Isso acontece porque essa canção foi descartada quando o seu sucesso foi diminuindo, quando os ouvintes começaram a se interessar por outro ritmo que estava surgindo nas “paradas musicais”. Com relação à essência dos estilos musicais, já não podemos afirmar que é puramente único. Uma música hoje pop, pode ser tida como MPB, Samba ou Romântica amanhã. Com a eletrificação dos instrumentos, a troca da viola pelo violão em uma música Sertaneja ou um violão por uma guitarra, faz com que o sertanejo seja Pop Romântico? Há uma deficiência na música com o domínio e a manipulação da mídia? E por que podemos dizer que a música nada junto com a comunicação? Hoje, além do rádio e tevê, temos o computador e a internet, com seus sites – 4shared, Youtube, dentre outros – que conseguem divulgar com mais força novos sucessos, novos sabores de tudo que se possa provar, antes mesmo dos próprios programas de

entretenimento. A internet e os sites de downloads de arquivos e/ou de divulgações de conteúdo cultural possuem forte poder de atração, são capazes de prender nossa atenção em determinado assunto ou produto que queiram comercializar. Eles conseguem vender tudo para todos os gostos. O Youtube, por exemplo, mesmo sendo acessado apenas pela internet, tem seu espaço sempre crescente. Afinal, programas televisivos se utilizam dele como ferramenta para “chamar audiência”, e ainda conseguem acostumar e estimular nossa visão e audição com melodias, ritmos e sons. De forma repetitiva e incansável, os programas de auditório nas emissoras televisivas, ocuparam, com o passar dos anos, grande parte da programação diária, criando assim, um mercado musical poderoso. Os programas de rádio, os sons tocados a cada hora, durante todo o dia, por muito tempo, influenciam prejudicialmente, ou não o ouvinte. A média utilizada pelas emissoras é a imitação da televisão (canais). Mas, mesmo assim, se não fosse por esses meios, nós jamais poderíamos ter acesso ao som de outros ares, ver por nosso ângulo, outros sons, outras caras. E não teríamos com o que relacionar nossa cultura. Assim seria monótono e muito chato ter apenas um tipo pra escolher. Não haveria identificação pessoal com nenhuma outra “espécie” de arte. Por mais massificante que sejam esses meios, não posso deixar de mostrar que sem eles, hoje, não saberíamos se gostamos ou não de A ou B. Além do mais, não são apenas os meios que se utilizam de nós, também nos utilizamos deles para nos promover, como vários já o fizeram, e também fazemos desses meios uma ferramenta para nosso prazer cultural, sempre que buscamos algum som, algum vídeo, algum download. Seja pelo rádio, pela internet, ou televisão que a música se prolifere, eu só sei que sem a música a vida seria um erro, já dizia o bom e velho Nietzsche.

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Safari Humano Engulo espada. Cago punhal. Não faça isso em casa.

Compro ouro de tolo e falso brilhante Escrevo seu nome num grão de arroz.

Vendo óculos com lentes de aumento. Se sua mulher é uma baranga, estes óculos fazem dela uma dançarina de forró, atriz de novela, filme, propaganda ou pornô, apresentadora de telejornal, animadora de palco. Vêm com duas lentes a seu gosto de mulher. Levando mais cinco lentes pague três. Aproveita!

Torneio: desafio de tiro de fuzil nas gaivotas do Arpoador. Valendo um dia de safári humano na favela do Quebra-Cão. Apoio vereador Caveirinha.

Empréstimo fácil, não precisa de documento de identidade nem comprovante de renda ou endereço. Só precisa assinar com o sangue de próprio punho.

ALEXANDRE LIMA 1. Tem como principalrepresentante Adam Smith em sua obra: Uma Investigação Sobre A Natureza e A Causa da Riqueza das Nações

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homem é um maximizador de oportunidades de lucro ou vantagens, daí por que a cidadania é definida pela posição do sujeito no mercado.” - Hein? “Para o liberalismo, todos nós somos maximizadores.” – disse o professor.

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Lembrei na hora de um amigo. O nome dele é João Cláudio. No primeiro dia na universidade confundiu a sala, e ao invés de Teoria Literária foi assistir à aula de Introdução à Economia Política. Noviço na faculdade não consertou o equívoco. Não se interessou muito


cidade faminta pelo assunto Pensamento Econômico Clássico¹. O ponto positivo dessa confusão, se ele não fosse depressivo e cético sobre o sentido da vida, seria ter aprendido o conceito de indivíduo para o liberalismo econômico. Estava com dificuldade de concentração porque estava muito a fim de uma menina, que era do tempo da escola e que agora acompanhava pelo Twitter. Ela não sabia que era objeto de desejo à distância. Na verdade, ela não saia do seu pensamento, à noite ele sonhava com as curvas do seu corpo suado, os seios justos e perfeitos, bunda morena e cheirosa, amazona cavalgando seu abdômen de quase-homem. @MeninaQCláudioTahAfim: hj de manhã fui ao Mcdonalds. Comprei um chaveiro na lojinha de souvenir. À tarde fui ao salão de beleza. Hoje tem festa na casa de Mariah. Um amigo em comum, único entre nós que já tinha barba, bebia e fumava, sugeriu que João Cláudio lesse um livro muito doido de Trompowski A. chamado Aventuras Lisérgicas de Tupã em Eldorado. “Tu vai esquecer a nega na hora”, disse o amigo. Ele não queria esquecê-la, mas possuí-la, porém, pegou o livro para abrir um pouco a janela da consciência, lançando luz e arejando sua angústia. Desopilando, enfim. Mas seu coração estava oprimido, infelizmente. “Assim entendido o homem, o indivíduo e o cidadão, a competição é a natureza própria, o DNA digamos assim, das relações entre indivíduos: o individualismo. Como na competição cada um busca o melhor para si, nesse movimento de maximização dos lucros individuais, toda a sociedade cresce e evolui.” Trompowski A., que na adolescência de militância estudantil foi perseguido pelo regime de Stálin, na antiga União Soviética, acabou migrando para o Brasil nos anos 1940, instalando-se na cidade do Rio de Janeiro. Aqui desenvolveu carreira de jornalista e escritor. Apaixonou-se pelas mulheres

e a paisagem tupiniquim. Casou nove vezes, teve extensa prole. Acompanhou de perto os principais movimentos culturais do país: o cinema novo, o tropicalismo, e a literatura marginal dos anos 1970. Viu de perto as mudanças pelas quais o Brasil passou a partir da modernização e urbanização. Lia os modernistas do Manifesto Antropofágico. Tupi or not tupi? País onde o arco-e-flecha e a Coca-Cola conviviam sem muita harmonia. Onde levas de nordestinos caíam nas construções de pontes, prédios, monumentos e metrôs. Onde prédios gigantes e poderosos, onde circulavam muita grana, conviviam com favelas, mortos-de-fome e afins. Porém Trompowski A. não encontrou a glória artística enquanto vivo. Contentando-se como o anonimato. Nas Aventuras Lisérgicas de Tupã em Eldorado (1990), livro de maturidade e impresso com dinheiro do próprio autor, Tupã, representante da cultura nativa, a partir do contato com missionários religiosos e empresas de agronegócio com atuação nas proximidades de sua tribo, apaixona-se por uma secretária branca e pela cultura ocidental. Sai das entranhas de Goiás para o Rio de Janeiro, em busca de desafios e conquistas. Guerreiro maior de sua tribo, Tupã apaixona-se por armas e esportes de guerra. Começando de baixo, mas imbuído do espírito de superação e disciplina, passa a ocupar posições cada vez mais elevadas no ranking dos melhores atiradores do país. “Quanto mais tentar elevar potencial, treinando, melhorando movimentos, tarefas e investindo tempo, elaborando avaliações diárias de rendimento, avaliando os erros e deficiências dos adversários, superando-os em muito e a si mesmo, aumentando os espaços de atuação. Enfim!: atingirás os píncaros da glória!” – escreveu sua esposa, agora secretária particular, nos diários de treino.

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Planeta Zyrcontzien XR23 além da constelação de Norogan ALUIZIO GUIMARÃES

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canibal chef

H

á 453 milhões de anosluz desta era, existe uma outra chamada de Cefaleia Constante, muito tempo depois da 8ª Guerra provocada pelos invasores do Plano Z, que se escondem por trás da constelação de Onam. Das inúmeras misturas de espécies surge o Homo Caos, ser evoluído, com o aspecto físico que muito bem lembra o Homo Sapiens, porém, intelectualmente mais avançado, assim como os seus primos de espécie, os Lardernends. Com esta aparente evolução, pouco se reconhece do planeta Zyrcontzien-XR23 advindo da antiga Terra. Não há vegetação alguma, o cinza predomina, seu céu é constantemente triste com suas nove luas provocando distorcidas sombras, filhas de dois distantes sóis que quase não esquentam nada. Cronos é um aposentado por invalidez após um acidente ao manipular tirentneterina subirente, produto advindo de uma manipulação genética a partir de uma lesma fosforescente encontrada nos pântanos de Elizama, uma das tristes nove luas, que emana uma cor esverdeada. Após o acidente, Cronos parte para o obscuro mundo do crime, mascarado por um hotel de terceira, perto de uma estação interplane-tária que atende operários vindos de planetas menores como o Oriehnipe-Z. Lá, Cronos planta uma subespécie de abacaxi, através de uma técnica de hidroponia desenvolvida para dentro de colchões de água com uma iluminação que o faz crescer rapidamente. O tráfico de abacaxis é feito por seu fiel amigo Nem, um Ogronísico meio retardado que atende a todas as ordens de Cronos e distribui o fruto proibido nas mais diversas casas da alta classe de Zyrcontzien-XR23. O governo ditador deste triste planeta, proibiu o uso de comidas à base de plantas desde a última grande

guerra, até hoje ninguém sabe bem o porquê. Uma coisa é certa, viver da ração distribuída por este governo é vivenciar o fim de um dos prazeres mais antigos. A proibição talvez seja porque até hoje os cientistas não conseguiram reproduzir papilas gustativas para cyber seres, como o Divino Mestre Pentium 158 – o unânime, ou como diz Cronos, “aquele computador filho da puta...”. Em uma de suas vendas, Nem troca irresponsavelmente um abacaxi por uma memória roubada de um museu com peças antigas, do saudoso planeta Terra. Nesta memória, ao adaptar em um computador pessoal subcutâneo, Cronos faz download de vários documentos diretamente em seu córtex cerebral. No meio de poesias juvenis, desenhos pornográficos, músicas ancestrais como Heavy Metal, Doom Metal e outras, ele descobre, coincidentemente, três impossíveis receitas à base de abacaxi. Um dos sóis se põe em Zyrcontzien-XR23, suas luas brilham cansadamente, lá na esquina da rua Treze de Maio, um jovem se droga com oxigênio puro enquanto escuta, através de seu sintonizador cerebral, uma rádio que só toca ruídos de vento batendo em árvores, ele não entende muito bem o que é aquilo, mas curte o som, decodificando-o como o som da paz. Em seu hotel, Cronos planta mais abacaxis, sob o olhar de sua mãe/esposa que o espera para juntos fazerem amor igual aos cães da antiga Terra. Nem masturba-se, pensando em uma nuvem com formato de uma linda Ogronisíaca. A tensão em Zyrcontzien-XR23 é enorme, pois o Divino Mestre Pentium 158 – o unânime – adquiriu um antigo vírus emanado através de ondas mentais, tudo indica que vindo da antiga memória negociada por Nem e transmitida inconscientemente por Cronos que comenta: “Aquele filho da puta tem que morrer!” Deus? Até então não foi descoberta a sua existência.

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Receitas do chef Abacaxique INGREDIENTES 1 abacaxi em cubinhos de 2cm 4 copos de água 2 xícaras e meia de chá de açúcar 2 pacotes de gelatina sabor abacaxi 1 caixa de creme de leite PREPARO Leve o abacaxi ao fogo, a água e o açúcar e ferva por 20 minutos. Apague o fogo e misture a gelatina. Deixe esfriar e misture o creme de leite. Leve à geladeira até ficar firme.

Suco de abacaxi com gengibre INGREDIENTES 1 fatia de abacaxi 1 rodela fina de gengibre 1 copo duplo de água 3 cubos gelo Canela em pó (caso queira)

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PREPARO Liquidificar os 3 primeiros ingredientes até se tornarem homogêneos. Coar a bebida num copo grande já com os cubos de gelo. Adoçar e, caso queira, colocar um pouco de canela em pó em cima da espuma.

Salada com abacaxi INGREDIENTES 1 abacaxi 2 batatas cozidas 1 pimentão verde pequeno 2 colheres de sopa (cheias) de passas suco de 1 limão Folhas de manjericão 1 colher (sopa) de shoyu 1 fio de azeite PREPARO Corte o abacaxi e as batatas em cubo, junte a eles o pimentão cortado em pequenos cubinhos de, no máximo, 4mm. Coloque tudo em uma saladeira e misture ao suco de limão. Decore por cima com as passas e as folhas de manjericão. Na hora de servir regue com o shoyu e o azeite.


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