Extravaganza#02

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Tem uma banda? É artista plástico, faz esculturas, graffit, gosta de escrever, videomaker ou cineasta, gosta de desenhar e não sabe onde divulgar o seu material? Entre em contato conosco e quem sabe o seu trabalho pode ser publicado em uma edição da Extravaganza? revista.extravaganza@yahoo.com.br

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{2013}

EDITORIAL

comentários e sugestões revista.extravaganza@yahoo.com.br

EXPEDIENTE Lucas A. Souza

{Editor chefe, Diretor de Fotografia e Redação} lucasalexandre55@yahoo.com

Igor C. Bersan {Editor chefe, Direção de Arte, Redação, Diagramação} igorbersan@gmail.com

COLABORADORES

Janaina Rodrigues Gabriela S. Mayor Vinícius França Rafael Lage Cyro Almeida Graziela Marchezini Jaqueline de Paula Marcelo Howling Crasso Charles Aragão (capa)

Fazer as malas e sair de viagem sempre nos traz a sensação de abandonar tudo, deixar os problemas e a monotonia diária. É aprofundar no desconhecido, no novo, explorar todas as possibilidades e aventuras pelas múltiplas estradas de um mundo em constante transformação. Pegar a estrada é sofrer uma “metamorfose ambulante” como diria o grande Raul Seixas. A cada experiência descoberta pelo caminho, o aprendizado com as mais diversas pessoas encontradas pela caminhada e acima de tudo crescer a medida de cada passo. É enfrentar a vida como os Hippies, sem destino e sem parada, eternamente em viagem, é viver como os personagens dos filmes “road movies”, sempre ao encontro de si mesmo, é ouvir as músicas que melhor se encaixam em nosso estado de espírito, pois é isso que elas simbolizam, uma trilha sonora de nossos sentimentos pelas trilhas da existência. É com esse espírito aventureiro que convidamos a todos para fazerem as malas e nos acompanhar pelas páginas desta segunda edição.

Equipe Extravaganza


Por: Vinícius França


Abandonar o conforto do lar para se embrenhar por caminhos e lugares desconhecidos. Mais que isso, abandonar a ilusória segurança dos lugares em que criamos nossas raízes. Começou como uma inquietação e aos poucos um destino foi se desenhando: Machu Picchu, no Peru, local pleno de mistérios. Fomos aprofundando o conhecimento necessário para a viagem e logo tínhamos um esboço do trajeto, quanto tempo e dinheiro gastaríamos. No espaço de um mês percorreríamos, por terra, de nossa cidade natal até a cidade perdida dos Incas, e depois até o sul da Bolívia, no deserto de sal de Uyuni. Os gastos? Por volta de R$ 2.000. Por se tratar de uma viagem que fiz junto ao Charles – capa desta edição – escreverei na primeira pessoa do plural a maior parte do tempo. São relatos simples, com objetivo de provocar alguma curiosidade, instigar.


O trajeto Começamos a viagem em setembro. Pegamos um ônibus até Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. De lá outro ônibus até Corumbá, de onde atravessaríamos para o próximo país. Tivemos de esperar algumas horas até o ônibus sair, tempo que gastamos em bares imundos nas imediações do terminal. Oito horas depois do segundo ônibus chegávamos à última localidade do Brasil, de onde fomos direto para Puerto Quijaro, cidade de nossa entrada na Bolívia, a fim de acertar nossos papéis na Aduana e para comprar as passagens de trem que nos levaria até Santa Cruz de La Sierra. Esperávamos um ônibus que nos levaria próximos à fronteira e conhecemos outros cinco brasileiros que fariam o mesmo que nós e juntos rumamos em direção a Puerto. Chegamos cedo demais e a Aduana ainda estava fechada, de modo que fomos à estação ferroviária. Lembro-me do choque de atravessar a fronteira, um

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limite tão tênue, mas com contrastes tão gritantes: as pessoas, a língua, as construções, quase tudo era definitivamente diferente. Com os bilhetes em mãos, marcados para as seis da tarde, voltamos à fronteira, para regularizar nossa entrada. Na Aduana os funcionários se espantaram um pouco por termos ido e voltado, mas não criaram caso. No horário devido, quase sem atraso, embarcamos no Trem da Morte, uma das minhas grandes expectativas. Era um trem meio velho, caminhava vagarosamente, balançando cadenciadamente. Os vagões iam apinhados de gente simples, que não parecia oferecer perigo. Fiquei sem entender o motivo de haver morte no nome. Dormi grande parte da viagem e aportamos pela manhã em Santa Cruz de La Sierra. Livramo-nos dos que nos acompanhavam e sozinhos ficamos alguns dias conhecendo a cidade livremente. Em seguida partimos para La Paz numa viagem de ônibus que atravessaria a Cordilheira dos Andes. Era pra ser um trajeto tranquilo, apesar de longo, mas se mostrou o momento de maior tensão durante a viagem: logo no início uma chuva


forte e repentina derrubou uma árvore na estrada e ficamos no meio do nada parado por horas. Até aí tudo bem, não fosse o filme que começou a ser exibido, que conta a história de turistas, duas mulheres, que longe de seu país de origem são sequestradas, violentadas e torturadas, sem possibilidade de se salvarem. Fomos tomados de paranoia e nos imaginamos a mercê daquele povo desconhecido. Para piorar, próximo a Cochabamba, havia um bloqueio na estrada

devido a uma manifestação e ficamos mais horas sem sair do lugar. Ainda com medo só nos tranquilizamos quando um senhor de uns 50 anos, que havia trabalhado no Brasil e entendia um pouco de português, puxou papo conosco. Foi aí que começamos a entender aquele povo e constatamos que eram pessoas simples. Atravessamos as montanhas de proporções gigantescas. No final da tarde avistamos um cume congelado, sinal

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que chegávamos a La Paz. A cidade parecia construída numa cratera, um bojo com casas sem reboque a perder de vista. A aparência das pessoas era muito semelhante entre si, a saber, de índios morenos de olhos puxados, de cabelos pretos bem lisos. Os homens se vestiam como nós; já muitas das mulheres usavam largos vestidos coloridos, duas tranças nos cabelos e com uma pequena cartola presa. Mais alguns dias de estadia, andando pra tudo quanto é lado e procurando lugares onde a cerveja fosse gelada, pois por ser um lugar frio, devido

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à altitude de mais de 4.000 metros, o costume local era de consumir a bebida “ao tiempo”, ou seja, à temperatura ambiente. De La Paz rumamos até o Lago Titicaca, o lago de água doce mais elevado do mundo. Às margens de suas águas gélidas, na cidade de Copacabana, comemos Trutas preparadas das mais variadas formas. Mais alguns dias dando voltas para em seguida atravessar mais uma fronteira e seguir até Cuzco, no Peru. Cidade construída sobre o que restou das ruínas do Império Inca, cheia de turistas as voltas de Machu Pichu, que


estava localizado a cerca de 60 km. Passamos o dia na Cidade Perdida deslumbrado por suas diversas edificações que resistiram ao tempo, mascando coca para não nos cansarmos. Em certo momento, enquanto repousávamos sob a sombra das construções de pedra, aparece diante de nós um dos brasileiros que viajou conosco até Santa Cruz de La Sierra. Estando sozinho perguntamos pelo amigo que o acompanhava e ele nos contou que o cara havia se machucado numa descida de bicicleta e teve de voltar prematuramente para o Brasil. Ele acabou por nos acompanhar por grande parte do resto da viagem e se mostrou uma pessoa com quem tivemos grande afinidade. Após a rápida estadia em Cuzco e Machu Pichu rumamos para nosso último destino, o Salar de Uyuni, um deserto gigantesco, branco, de sal, que se localiza no sul da Bolívia. Chegamos em Uyuni antes da aurora, com um frio de matar, e tão logo fomos deixados no meio do nada uma moça veio oferecer um pacote para cruzar o deserto até próximo à fronteira com o Chile. Fechamos com ela. Saímos umas dez da manhã, nós três mais um casal israelense

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e um argentino, num grande veículo 4x4 conduzido por um boliviano chamado Vicente, de apelido Bico. Pela aparência – baixinho, ligeiramente barrigudo, vestindo macacão, ostentando um bigode ralo e de boné – o tratávamos por Super Mario. Seguimos entre casas esparsas do pequeno vilarejo até que elas se extinguiram e só havia sal ao redor. A primeira parada foi num cemitério de trens de ferro. Máquinas antigas

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enfileiradas, expostas ao tempo e a mãos humanas, decompondose vagarosamente. Adentramos mais no deserto. A parada para o almoço foi num amontoado de terra e pedra, com cactos milenares como a vegetação predominante. Continuamos, parando para tirar fotos no meio do nada ou em lugares como um museu com esculturas de bloco de sal. Dos mesmos blocos, recortados do solo maciço, era feito uma pousada inteira onde dormimos a


primeira noite. No dia seguinte, saindo do Salar, rodamos até lagoas coloridas, meio tóxicas, sem peixes, mas infestadas de milhares de flamingos, que filtram os únicos microorganismos que conseguem sobreviver. A primeira das lagoas era a maior, com um tom entre o vermelho e o alaranjado. Ficamos muito tempo rodando e paramos ao entardecer em outra pousada. Havia esfriado muito e compramos cervejas, as deixando do lado de fora da janela para ficarem frias. No dia seguinte saímos antes do nascer do sol, passamos por lugares com atividade vulcânica, com um regato de água quente que descia da montanha. Depois por outra lagoa colorida, desta vez branca, Laguna Hodienta, com leve odor de ovos podres, também infestada de flamingos. No meio da tarde chegamos até o ponto mais longínquo de nossa jornada, uma lagoa verde, de arsênico, que não comportava nenhum animal, de tão venenosa. Nosso amigo brasileiro seguiu dali para o Chile em outro carro e iniciamos nosso retorno. Começávamos a voltar prá casa, cansados, mas satisfeitos...

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A Morte Pede Carona Título Original: The Hitcher Diretor: Robert Harmon Roteiro: Eric Red Ano de lançamento: 1986 Duração: 97 min. Gênero: Thriller / Terror Elenco: Rutger Hauer, C. Thomas Howell e Jennifer Jason Leigh País: Estados Unidos Por: Igor C. Bersan

Antes de falar qualquer coisa sobre esse clássico, devo lembrar que foi feita uma continuação em 2003, entitulada “A Mor te Pede Carona 2” dirigida por Louis Morneau e roteirizada pelo próprio Eric Red. Em 2007 um remake foi realizado sob a direção de Dave Meyers e novamente roteirizado por Eric Red, que parece ter perdido a inspiração após o original de 86, pois tanto o remake como a continuação são bem inferiores ao primeiro. Feito em profusão a par tir da década de 80, A Mor te Pede Carona é mais um filme cuja narrativa é simples e centrada na perseguição de um jovem que viaja para outro estado por um assassino implacável. Atuações espetaculares de Hutger Hauer, aqui como o assassino John Ryder e 16

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C. Thomas Howell, que interpreta um jovem em viagem para um outro estado e que após dar carona para John se vê perseguido por quase toda a projeção. Talvez ai resida a força do filme e o status de clássico e cult posteriormente adquirido. Os atores conseguem expressar o terror constante que o roteiro exige. Um filme que tinha tudo para se tornar “Trash”, mas que encontrou no diretor Rober t Harmon uma mão firme, para conduzir as filmagens com qualidade, conhecimento e sobretudo técnica. Apesar do absurdo do roteiro de um assassino que aterroriza uma estrada e que mata friamente os viajantes que cruzam o seu caminho bem como a pólicia, é um excelente filme e com cer teza um clássico.


THE SECRET SISTERS “The Secret Sisters” Gravadora: Universal Republic Ano de lançamento: 2010 Estilo: Folk/Country Membros: Laura Rogers e Lydia Rogers País: Estados Unidos

Por: Igor C. Bersan

O primeiro contato que tive com essa dupla de cantoras foi quando conheci a gravadora Third Man Records, responsável por lançamentos em quantidades limitadas e com um design diferenciado, além de integralmente voltada para o vinyl. Laura e Lydia Rogers são realmente irmãs, nascidas no estado do Alabama, região sudeste dos Estados Unidos, responsável por uma variedade de projetos musicais de country, folk e southern rock. Com uma família em que os dois lados estão envolvidos com a música country, os avós e irmãos formaram um grupo chamado “The Happy Valley Boys”. Embora Laura tenha tentado ir por outro caminho, indo estudar na Middle Tennessee State Univesity, o encontro entre as duas parecia ser inevitável, já que o poder das tradições familiares são difíceis de vencer.

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A música deste duo é um country music, com influências de honky tonk e na minha opinião com uma presença que me lembra um rockabilly. Alguns a associam com o indie ou o neotradicional country. As músicas se alternam entre músicas mais dançantes e agitadas, que exploram o lado instrumental, seguidas por canções lentas dando maior ênfase ao vocais. A faixa de aber tura “Tenesse Me” é aquela típica canção de estrada, seguida de uma regravação de “Why Baby Why” de George Jones, na sequência uma versão da música “The One I Love Is Gone” do lendário Bill Monroe, considerado o criador do bluegrass. Repleto de releituras e regravações de vários personagens da música country, The Secret Sisters é um espetacular álbum para se ouvir em qualquer estrada.

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A Minha Canção de Amor Título Original: My Own Love Song Diretor: Olivier Dahan Roteiro: Olivier Dahan Ano de lançamento: 2010 Duração: 102 min. Gênero: Drama / Comédia Elenco: Renée Zellweger, Madeline Zima, Forest Whitaker, Nick Nolte e Elias Koteas País: Estados Unidos / França Por: Igor C. Bersan

Uma mulher que após um acidente perde o marido e fica paralítica e um homem que vê a família morrer queimada e passa a falar com anjos e fantasmas. Joey (Forest Whitaker), que é fã de um escritor, cujo tema central dos seus livros são os anjos, lê em um jornal que seu ídolo estara realizando uma palestra sobre o tema em Nova Orleans. Esse é o pontapé inicial de uma viagem entre esses dois personagens; um homem visto e considerado socialmente como louco e uma mulher aprisionada em seu trauma e incapaz de seguir com a sua vida sabendo que jamais voltará a andar. Assim somos levados a seguir com os dois pela estrada onde vemos Joey e Jane encontrar pessoas e situações que os colocarão frente 18

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a frente com os seus medos, dificuldades e frustrações, encontrando novamente o sentido de suas vidas apesar das perdas, desilusões e fracassos. Não é um filme com montagens e direção excepcional, a simplicidade técnica se adequa perfeitamente a narrativa, dando maior ênfase a estoria. É um filme que nos leva a refletir e divagar sobre as situações da vida. Passional, realista e inspirador assim é “A Minha Canção de Amor”, com situações que podem muito bem acontecer com qualquer um, sem soar ar tifícial e bobo, sem romances açucarados ou melodramas baratos. É o poder transformador de se fazer as malas e tomar as rédeas de nosso próprio destino.

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BIRMINGHAM 6 “Error of Judgement” Gravadora: Cleopatra e Zoth Omnog Ano de lançamento: 1996 Estilo: EBM/Industrial Membros: Kim Løhde Petersen e Michael Hillerup País: Dinamarca Por: Igor C. Bersan

O Birmingham 6 é um projeto musical de EBM/Industrial vindo da Dinamarca e fundado no ano de 1991, o nome é devido a um episódio conhecido como Birmingham Six, onde um grupo de irlandeses foram presos erroneamente pelo bombardeo de pub’s em Birmingham. Eu par ticularmente gosto de EBM e industrial no estilo dos projetos da década de 90, esse em questão é um dos que eu mais gosto. Uma curiosidade é que musicialmente parece muito com um outro disco do estilo lançado em 2001, o disco é “Smell Like Rain” do Mor tiis. Quem procurar ouvir os dois provavelmente vai perceber essa semelhança, acredito eu. O Birmingham 6 é a trilha sonora dos carsploitation, da velocidade, dos carros espor tes e antigos, serviria perfeitamente para uma trilha de algum diretor que

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estivesse interessado em fazer um filme no estilo de um Mad Max pós moderno, é a adrenalina em altas doses e a destruição dos automóveis em batidas espetaculares. Com batidas eletrônicas, uma guitarra que lembra Ministry, sintetizadores e um vocal muito bem executado o disco começa com a música que talvez seja uma das mais conhecidas “The Kill”, música que esteve presente em várias coletâneas do gênero, é provavelmente a música mais lenta do álbum. É interessante perceber como esse disco já possui vários elementos da música eletrônica que alguns acham novidade hoje em dia como se tivessem encontrado a pedra angular da música eletrônica. A par tir da terceira música “The Deadliest Beat” aconselho a aper tarem o cinto e pisar fundo no acelerador.

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Entrevista por Januรกria Vargas/ Imagens: Rafael Lage


Rafael Lage começou sua história na “estrada” munido de uma bicicleta e de seus artesanatos, donde viajou mais de 6000 Km pelo Brasil afora. Foi quando se deparou e imergiu num complexo “movimento” que se encontra à margem da sociedade brasileira: o universo dos “malucos de estrada”. Enquanto “maluco”, pôde também vivenciar a grande invisibilidade e preconceito que sofrem, processo este intensificado pela criminalização e repressão de que são alvos. Atualmente, Rafael se dedica à realização de um documentário sobre esta expressão cultural. O filme “malucos de estrada” busca preencher uma carência de conhecimento sobre este grupo, informando à sociedade e institucionalidade sobre a complexidade e legitimidade desta forma de estar no mundo.


_extravaganza/Nos conte um pouco sobre sua história, sobre sua vontade de se lançar no mundo. O seu modo de vida foi escolhido devido às insatisfações pessoais ou foi uma forma de protesto à sociedade capitalista?

_Rafael/Algumas coisas são fatos inquestionáveis, o sol vai nascer amanhã, eu aceito isso. Mas não posso aceitar o contexto sócio cultural em que eu nasci como um fato, é antes uma construção dos homens e por tanto, extremamente questionável, e que esta aí para ser reformulado. Desde jovem eu me recuso sistematicamente a aceitar os padrões compor tamentais que já estavam aqui antes do meu nascimento como um fato inquestionavel, eu não sou o Rafael Lage, não sou ar tesão, nem fotógrafo, eu sou uma luz, uma consciência viva encarnada num plano material e meu veículo de expressão é meu corpo, as leis dos homens não podem sobrepor os anseios da alma, pelo contrário, devem favorecer sua manifestação. Por tanto, sempre convivi com esta dialética, o ser social, enquadrado em conceitos formulado pelos humanos e o ser luz, que é a minha alma, que tem seus anseios e clama por se manifestar. Quando me dei conta desta dicotomia, ainda na adolescência, tive de escolher em quem acreditar e nesse caso, decidi seguir o caminho do coração e essa é a única razão pela qual eu faço as coisas que faço. Eu ouço com amor e

respeito minha voz interior e pago os preços pelas minhas escolhas, é uma busca pela coerência comigo mesmo. Creio que se eu estivesse em outro momento histórico, independente do capitalismo, estaria confrontando o status quo da mesma forma.

_extravaganza/Você não gosta do termo “hippie” quando as pessoas se referem aos artesãos? Considera que o termo tem algum sentido pejorativo?

_Rafael/Não é uma questão de gostar ou não. É que simplesmente o termo “hippie” não descreve a complexidade contida no individuo que nos dias de hoje se propõe a ter uma vida fora dos padrões convencionais estabelecidos. O movimento hippie teve um contexto sócio-cultural e tem um momento histórico bem definido, as décadas de 60 e 70, antes disto houveram outros movimentos de contra cultura, ora coletivos como os beatnicks, ora individuais como Jesus e Gandhi. Por isto, quando alguém utiliza este termo para nos descrever, para mim soa folclórico, denota preguiça intelectual, é acomodar-se em uma definição que pouco define, é ficar na zona de confor to. Quando este rotulo me é colocado por alguém “simples”, por uma pessoa que tem pouco contato com modos alternativos de se posicionar no mundo, eu tenho respeito e tento explicar as nuances da questão,


pois esta claro que a pessoa está buscando interpretar aquilo que na frente dela está, mas faltam recursos e o “hippie” é o mais próximo que o entendimento dela alcança. Porém, muitas vezes este rotulo é dado de uma forma jocosa ou preguiçosa, por pessoas que tem um amplo entendimento da diversidade cultural, mas não tem disposição de se aprofundar. Muitas vezes isso acontece porque a pessoa não daria conta de se aprofundar no “ser alternativo”, pois para isso, ele teria de se questionar a si próprio, rever alguns conceitos e muitas pessoas não dão conta de fazer isso ou simplesmente não querem, pois aprofundar-se em si pode provocar profundas reviravoltas e re-posicionamentos que mudariam toda sua vida.

_extravaganza/Você começou como artesão, maluco de estrada. Mas hoje é conhecido não só como artesão, mas também como fotógrafo. Gostaria de saber como a fotografia entrou na sua vida? Sua intenção foi atuar profissionalmente ou foi somente uma forma de retratar suas vivências e experiências?

_Rafael/Quando retornei da minha primeira grande viagem na estrada, o reencontro com a família e os antigos amigos me jogou em uma profunda solidão. Havia um abismo de comunicação e entendimento, eu havia passado por tantas transformações, visto tantas pessoas, lugares e situação diferentes, que o meu “ser” já era outra coisa. As pessoas não entendiam, para a maioria eu havia enlouquecido ou algo do tipo. A fotografia me surgiu como uma tentativa de transportá-los a esta experiência, era uma forma de tentar compartilhar os “milagres” que eu vivia cotidianamente. Então, nunca funcionou esta ideia minha, com o tempo entendi que poderia falar da minha vivência, poderia até mesmo mostrar em imagens, mas nunca poderia transmitir a experiência em si para as outras pessoas. Por outro lado, sinto que minhas imagens inspiram outras pessoas a buscarem seu próprio entendimento, a par tir de suas próprias experiências e por isso sigo neste oficio. 23


_extravaganza/Um acontecimento na sua carreira de fotógrafo, foi sua exposição dos artesãos de rua na praça 7, essa exposição, além de ter divulgado uma imagem positiva dos artesãos, ouve uma pressão por parte da prefeitura e você foi multado por 17 mil reais. Você chegou a imaginar que a sua atitude tomaria uma proporção dessas? Por que a prefeitura os repreendeu na época?

_Rafael/Acredito que todo fotografo, em algum momento, tem de decidir para quem ele produz sua ar te. Alguns vão se contentar em trabalhar para o sistema e ser um prestador de serviços. Nestes casos, muitas vezes a realização vem por outros aspectos. A fotografia é só uma forma de ganhar dinheiro e sobreviver. Já outros vão produzir sua ar te voltada para uma pequena elite que consome uma imagem, como consome uma roupa de 24

marca e neste caso, mais do que a grana, o ar tista almeja o status e o poder. Eu decidi que minha ar te deveria mexer com as “estruturas”, eu produzo imagens para transformar o ambiente que eu vivo de uma forma não só subjetiva, mas prática. A exposição de 2009 era um cavalo de tróia, uma isca para a prefeitura de BH. Embora a manifestação ar tística no espaço público seja uma garantia constitucional (vide Ar tigo 5, parágrafo 9 de nossa constituição), eu já esperava que a exposição fosse ser reprimida e que isso geraria um fato politico e inclusive, jurídico. Nessa época (2009) a prefeitura de Belo Horizonte não se contentava em apreender os ar tesanatos, eram levados também todos os bens pessoais dos ar tesãos, estamos falando de mochilas, barracas de camping, roupas, material de higiene pessoal e até documentos. O contexto era de higienização social e o fur to foi institucionalizado pelas ações da prefeitura com o apoio da policia militar. A intenção da exposição era tornar isto claro para todos, a repressão nada tinha a ver com o fato de se estar comercializando um produto sem licença no espaço público e sim com a intolerância a uma forma de ser e estar no mundo que não se alinha com o status quo.


_extravaganza/E sua experiência como cineasta? Começou junto com a fotografia ou foi pegando gosto pelo vídeo aos poucos?

_Rafael/A migração para o vídeo surgiu para mim como uma necessidade. Durante 2 anos eu acompanhei 18 operações de fiscalização contra os ar tesãos, em todas estas fui reprimido, agredido e tive inclusive minha câmera fotográfica apreendida. A imagem fotográfica não conseguia comunicar esse processo, o vídeo surgiu nesse momento, para registrar o que a imagem parada não dava conta. 25


_extravaganza/Conte _extravaganza/Conte um um pouco pouco sobre sobre oo seu seu filme filme “Malucos “Malucos de de Estrada”. Estrada”. De De onde onde surgiu surgiu aa idéia? idéia? Sua Sua intenção intenção de de criar criar um um longa longa metragem metragem éé para para que que os os malucos malucos de de estrada estrada sejam sejam aceitos aceitos socialmente? socialmente?

_Rafael/É impor tante entender que o filme é apenas o desdobramento de uma complexa luta política que estamos desenvolvendo. A linha de frente desta luta é o ar tesão na rua, com repressão ou sem repressão ele está ali, fazendo ar te e política, resistindo a tendência de formatação dos indivíduos e produzindo algo de forma ar tesanal, peças únicas, para pessoas únicas, concebidas dentro de uma outra lógica que não a do capital. A luta maior é promover uma sociedade que respeite os direitos dos indivíduos e por tanto, é uma luta coletiva também, que per tence a todos. Dentro desta luta maior, o coletivo Beleza da Margem almeja o entendimento da sociedade do direito dos “malucos” se expressarem na via pública, mas a população não sabe quem somos, nós não estamos no jornal, não estamos na novela (e quando aparecemos é de forma distorcida),logo, poucos sabem de fato quem somos, o que pensamos e como vivemos. Para preencher este vazio de informação, nosso coletivo produz mídia e faz política, começamos com fotografia, passamos para os textos e chegamos ao vídeo, e em paralelo par ticipamos de audiências públicas, trabalhamos em parceria com a Defensoria Pública e outras 26

entidades dos direitos humanos, realizamos atos públicos e até processamos o município através de uma Ação Civil Pública. É impor tante ressaltar que é dever do governo e dos municipios visualizar, reconhecer e promover as manifestações culturais brasileiras, e o nosso trabalho esta fazendo com amor aquilo que o estado deveria fazer por obrigação de lei. Isso tudo só tem sido possível graças a generosidade dos que colaboram com nossa campanha e juntos promovem o respeito a esta cultura. O filme é mais uma peça deste mosaico que estamos compondo, mas afora tudo isso, será um filme muito bonito, que vai trazer à tona assuntos que pouco são debatidos na sociedade.


_extravaganza/Você luta para que os artesãos tenham espaço na feira hippie de Belo Horizonte? Acredita que a feira hippie hoje, por ter mais comerciantes do que artistas, perdeu sua essência?

_Rafael/A razão do nome “hippie” permanecer tem haver com o valor agregado à marca, é uma cooptação. E este é o dilema hipócrita que BH viveu por anos, o de ter uma feira hippie sem hippies e hippies sem feira. Mas isso não é privilégio de BH, todas as grande feiras hippies que surgiram na década de 70 influenciadas pelo movimento dos ar tesãos nômades foram cooptadas. A sociedade brasileira tem uma profunda dívida para com o movimento neste sentido, pois o espaço foi roubado e resignificado pela ótica do comércio, e os ar tesãos foram expulsos destas feiras pois se tornaram testemunhas incômodas da grande mentira que se vende ali. Quase não se vê ar tesanato nestas feiras e os ar tesãos que lá estão não tem um posicionamento identitário ou ideológico com o que fazem, é só mais uma forma de se viver e ganhar dinheiro. Nossa luta não é pela feira Hippie, podem ficar com ela, o nome, a forma, pouco nos impor ta, mas se para legitimar essa grande mentira, é necessário acabar com o verdadeiro movimento dos ar tesãos nômades, aí temos um problema, a sociedade tem de refletir sobre isso, pois ela tem par te neste processo, é um problema de todos.

_extravaganza/Para você a melhor escola é a liberdade?

_Rafael/Não quero entrar no jogo de palavras, mas devemos ter muito cuidado com o sentido da palavra liberdade. Há muita confusão sobre isso e cada um possui sua própria interpretação do que é ser livre. Conheço pessoas que ganham 30 mil reais por mês e se dizem livres, pois tem um carro que o pode levar aonde ele quiser, tem dinheiro para viajar para onde quiser, no entanto a pessoa não viaja, não sai do lugar, mesmo querendo ela não pode, pois toda a suposta liberdade dela depende de um aprisionamento aos compromissos que dão a ela os tais 30 mil reais por mês. Logo, no meu ponto de vista isso é uma liberdade

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vir tual, a pessoa pode, mas jamais vai fazer. Nisso aí eu tenho de bater palmas pro sistema capitalista, eles são muito fodas, eles conseguem te engendrar em uma grande mentira, onde muitas vezes você vai passar a vida inteira e não vai sacar o óbvio. O meu conceito de liberdade é o aqui e agora, eu só posso ser livre aqui e agora. Liberdade não é uma coisa que se conquista e sim uma prática que só existe no aqui e agora. Nós passamos oito anos sendo roubados pela prefeitura de Belo Horizonte e impedidos de expor nossa ar te, mas nós nunca estivemos presos, pois todos os dias estávamos na rua exercitando nossa liberdade e mesmo quando perdíamos todos os nossos trabalhos, ainda estávamos livres, porque a liberdade é uma atitude aqui e agora, e não um sonho do futuro. Por tanto, hoje algumas pessoas aplaudem nossa luta na cidade e dizem: “Agora vocês estão livres”, mas isto não é verdade, com a nossa luta liber tamos os outros, a prefeitura, os fiscais, a policia, a sociedade mineira, nós sempre estivemos livres. Mas respondendo a sua pergunta, a melhor escola é a presentificação, é estar aqui e agora, vivendo o instante. Isso não quer dizer que eu não penso no amanhã, pois quando eu planto uma semente, eu espero que uma árvore surja ali, mas o meu foco é no semear e não no fruto. Quando você pratica este desapego você percebe que a vida possui uma dinâmica própria que auto educa. Está tudo conectado e tudo tem sentido. 28


_extravaganza/Quais as vantagens da internet para os artesãos de rua? É possível difundir essa cultura através da internet sem correr riscos de ser repreendido?

_Rafael/A primeira questão é compreender que o movimento dos ar tesãos nômades no Brasil existe há mais de 40 anos e ao longo deste tempo permaneceu obscurecido pelo preconceito e sofrendo de profunda invisibilidade social. Nas raras vezes em que a mídia hegemônica se dedicou ao tema prevaleceu uma visão ora folclorizada, que for talecia o estereotipo do “paz e amor” e insistia em associar nosso movimento aos hippies americanos, ou então a abordagem ocorria pela criminalização, reforçando os estereótipos do vagabundo, do sujo, do drogado. A imprensa, costuma alardear uma suposta imparcialidade como prerrogativa, mas isso é uma mentira, toda imprensa é parcial, seja por interesses políticos, ideológicos ou comerciais, ou até mesmo por um falso moralismo, isso compromete e muito a qualidade da informação que recebemos. Por muitos anos, fomos reféns desta situação, mas hoje, o acesso aos equipamentos e a possibilidade de comunicação via internet nos permite sermos nossa própria mídia e assim decidimos contar nossa própria história. Com relação aos riscos, penso que o maior é o da cooptação. Vivemos em um sistema capitalista onde tudo tende a ser transformado em produto. Se você faz uma

busca no google e coloca a palavra hippie, de cada 10 referências, 8 falam de moda e consumo, é o hippie chic, o neo hippie e por ai vai. Acho que esse é o risco da midiatização de uma cultura marginal. Em março deste ano recebemos uma proposta de uma impor tante marca de roupas, eles queriam produzir o desfile outono-inverno no Rio Fashion Week com o tema “Malucos de Estrada”, se por um lado isso traria uma enorme visibilidade a nossa causa, por outro corríamos um sério risco de banalizar o tema e transformá-lo em uma tendência compor tamental e incentivar uma cadeia produtiva que a médio-longo prazo poderia até mesmo desestruturar o movimento. O assunto foi largamente discutido com os ar tesãos e nossa decisão foi de não par ticipar e manter a coerência com o que acreditamos. Esta situação demonstra claramente a imensa dificuldade do nosso sistema em aceitar a diversidade respeitando suas par ticularidades. Eles querem incluir, mas desde que você se alinhe com os valores hegemônicos, eles esperam que você se molde ao padrão, mesmo que para isso você perca sua essência. Para mim isso não é inclusão e se for, eu não quero me incluir. Sigo acreditando em uma sociedade diversa, com respeito as diferenças e que possa assim estar em constante diálogo e transformação.

Para conhecer mais do projeto “A beleza da margem”, acesse:

www.mobilizefb.com/malucosdeestrada 29


Bye Bye Brasil Título Original: Bye Bye Brasil Diretor: Carlos Diegues Roteiro: Carlos Diegues e Leopoldo Serran Ano de lançamento: 1980 Duração: 100 min. Gênero: Drama Elenco: José Wilker, Betty Faria, Fábio Júnior e Zaira Zambelli País: Brasil Por: Igor C. Bersan

A caravana Rolidei está em excursão pelo país, sem rumo, destino ou cer teza. No seu comando está Lord Cigano (José Wilker), mágico com grande poder que faz nevar no Brasil e pode solucionar todos os problemas do país, acompanhado pelo homem mais for te do mundo, Canarinho (Príncipe Nabor) e Salomé (Betty Faria), dançarinha erótica de rumba capaz de encantar todos aqueles que puserem os olhos sobre essa deusa de curvas inesquecíveis. Após parar em uma típica cidadezinha do ser tão brasileiro a caravana Rolidei decide abrir espaço para que mais dois integrantes embarquem nesta jornada, Ciço (Fábio Júnior) um fracassado sanfoneiro e a tira colo sua esposa Dasdô (Zaira Zambelli), grávida e ingênua. 30

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Magistralmente interpretado por todos os atores, principalmente por José Wilker e Betty Faria, que fazem uma dupla perfeita. Lord Cigano um típico golpista e que no fundo é um pessoa de bom coração e que apesar da malandragem cumpre honrosamente com seus acordos e Salomé, mulher enigmática, com experiência de vida suficiente para viver em meio a incer teza da vida de todas as maneiras possíveis. Essa trupe de personagens tão dispares nos levará a percorrer um Brasil de pobreza, marginalização, onde os personagens trocarão suas experiências, seus amores, desilusões. Farão tudo para sobreviver em um tempo onde o Brasil vivia como os persongens, imersos na incer teza política e econômica do amanhã.

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RISE OF DAY “Just in Time” Gravadora: Independente Ano de lançamento: 2013 Estilo: Experimental/Post Rock Membros: Ákos Szilágyi País: Hungria Por: Igor C. Bersan

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O nosso leitor G. Alves nos enviou alguns cd’s do seu selo Lunare Music (www.facebook.com/lunaremusic), para que pudessemos ouvir e quem sabe indicar e não é que nos deparamos com esse execelente projeto solo, comandado pelo hungaro Ákos Szilágyi. Acho o Post Rock e o Shoegaze dois estilos perfeitos para trilha sonora de uma viagem, principalmente por sua caracteristica instrumental e segundo pelo próprio andamento da música, que alterna a energia do rock e os momentos contemplativos do ambient, o que acaba por dar um ritmo durante o percurso de uma viagem, principlamente quando se viaja sozinho e de carro. Rise of Day é exatamente isso, música instrumental, que usa de maneira correta essa alternância no ritmo musical, indo com

facilidade do peso das guitarras distorcidas do rock para momentos suaves com guitarra acústica e um teclado muito bem executado, o que confere uma sensação de movimento perpétuo, isso é interessante na sonoridade deste projeto, essa percepção da infinitude das músicas, do movimento constante que é melhor experienciado em uma audição com fones de ouvido e que relaciona com perfeição com o “por o pé na estrada”. Este álbum tem tando a ver com essa edição que até o nome das músicas tem uma relação direta com o tema. Alguns dos títulos são “Fly into the Sky”, “Don’t Turn Back, Just Go Ahead”, e por fim “This is not The End”. Para quem cur te o estilo e está pensando em viajar e não sabe o que colocar na mala para ir ouvindo, “Just in Time” é o disco.

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Um Beijo Roubado Título Original: My Blueberry Nights Diretor: Kar Wai Wong Roteiro: Kar Wai Wong e Lawrence Block Ano de lançamento: 2007 Duração: 95 min. Gênero: Drama / Romance Elenco: Norah Jones, Jude Law, Natalie Portman, Rachel Weisz e David Strathairn País: Hong Kong / China / França Por: Igor C. Bersan

Viajamos para que? Esquecer o passado? Esquecer o presente? Que tal viajarmos para esquecer as desilusões amorosas e de quebra aprendermos sobre a impermanência de todas as coisas? Essa é a narrativa que o diretor Wong Kar Wai quer nos levar a experiênciar. Elizabeth (Norah Jones) após descobrir que foi traida por seu namorado, deixa a chave do apar tamento em um bar e segue viagem pelos Estados Unidos em busca de esquecer essa desilusão. Elizabeth encontra muito mais do que um alívio em sua viagem, vai de encontro a impermanência das relações humanas, a desilusão presente em todas as formas de amar, não só o amor entre um homem e uma mulher, mas o amor entre pais e filhos, entre 32

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pessoas que já se separaram a muito tempo. É nessa jornada que encontra Arnie (David Strathairn) polícial que bebe todas as noites para esquecer um casamento frustrado com Sue Lynne (Rachel Weisz), se depara com uma jogadora, Leslie (Natalie Portman), amargurada por não ter o amor do pai de forma a corresponder com suas expectativas e cuja vida se encarrega de impedir inevitavelmente que isso aconteça. Visualmente brilhante em sua direção, com seus ângulos de filmagem por entre vitrines e letreiros de neon, referência marcante em sua filmografia, Wong Kar Wai mostra ser realmente o mestre dos amores nunca realizados e perdidos na “poeira do tempo”. Embora, aqui Elizabeth possa encontrar um novo amor a partir de “um beijo roubado”.

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TEN FOOT WIZARD “Return to the Infinite” Gravadora: Beard of Zeus Records Ano de lançamento: 2013 Estilo: Stoner/Doom/Blues rock Membros: Neil Fallon - vocal (o restante da banda não tem informações)

País: Inglaterra Por: Igor C. Bersan

ouvir > Qual o melhor estilo para se ouvir em uma viagem? Qual sonoridade melhor se encaixa em determinado roteiro? Depois de muito debate chegamos a conclusão que é algo pessoal: não existe um estilo ou tipo de sonoridade, mas sim o que melhor representa o momento do viajante e principalmente o motivo da viagem. Esta é a caracteristica da música, criar essas sensações através de suas notas, ambientar esse aspecto emocional, pode ser um rock para um momento de energia, ou quem sabe um dark ambient para momentos melâncólicos, até mesmo um pop para uma viagem romântica. Surgida na cidade de Manchester, na Inglaterra o Ten Foot Wizard, faz um som que explora elementos do Stoner, alternando com blues rock e o que ultimamente tem sido considerado como rock vintage.

Com riffs de guitarra expressivos, um baixo marcante e um vocal que combina muito bem com a música, destaque para a música “Medicine”. O stoner rock é um estilo marcado pelo universo estradeiro e dos carros antigos, além de claro, ter o seu aspecto conceitual baseado na lisergia e em viagens literalemente psicodélicas, o que podemos perceber pelas cores vibrantes das capas dos discos e no caso do Ten Foot Wizard podemos perceber bem essa caracteristica. Todo o disco é bem executado, passando pela capa, o logotipo e a qualidade da gravação, para um disco de lançamento e se conseguirem manter esse ritmo podemos esperar bons discos desta banda pela frente. Seguramente está entre os melhores lançamentos do ano e olha que este ano temos bons lançamentos de stoner.

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WEEGEE arthur felli g Por: Lucas A. Souza


W

eegee (Ar thur Fellig ) nasceu na Áustria em 1899 e aos 10 anos de idade migrou com sua família para Nova York. Na sua adolescência fez diversos tipos trabalhos no meio fotográfico e acabou tornando-se assistente de câmera escura para Acme News Picture. Em 1935 Weegee tornou-se fotógrafo freelancer encontrando na noite dos subúrbios a sua eterna modalidade de fotografia: “O fotojornalismo”. Seus métodos de trabalho eram inéditos até então. Ele seguia os serviços de emergência para registrar as atuações de socorro e logo em sequência iniciou sua saga pelo submundo do crime, fazendo suas cober turas policiais. Muitas das vezes, Weegee chegava à cena do crime antes mesmo dos policiais porque já possuía


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uma rede de informantes que o ajudavam. Seu trabalho refletia a vida noturna das ruas de New York, uma realidade com a firmeza da vida urbana, crimes, violência e mor te. Weegee recebeu este apelido por causa do seu faro extraordinário para achar uma boa matéria. Em 1938 ele foi o primeiro cidadão autorizado a usar as ondas cur tas para monitorar a polícia e percorria a cidade com seu possante Chevy Coupé. Embora tenha começado na fotografia como assistente, Weegee estudou muito por conta própria e acabou criando características próprias e bem peculiares. Usando altas velocidades de obturador e flash externo, ele registrou com classe este submundo noturno. Como fotojornalista, ele trabalhava com rapidez, e para conseguir sempre se manter adiantado chegou a montar um laboratório na traseira do seu Chevy

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para que revelasse suas fotos no próprio local. Outra característica da sua foto era o hábito que ele tinha de assina-las com seu conhecido carimbo. Em 1943 a MoMA adquiriu 05 de suas fotos para seu arquivo que seria anexada a uma galeria de fotografia de ação. Em 1945 lançou seu primeiro livro “The Naked City” que mais tarde virou nome de filme do produtor de cinema Mark Helliger. Weegee também se aventurou pelo cinema. Em 1941 usou sua primeira filmadora 16mm e se apaixonou pela sétima ar te! Mais tarde, tornou-se ator e consultor de efeitos especiais em Hollywood, colaborando em diversos filmes como o “Dr. Strangelove” de Stanley Kubrick, em 1964. Em 1966, dois anos antes de sua mor te, ele chegou a estrelar como si mesmo em um filme chamado “Nudie Kute”. Conheça algumas imagens deste ícone do fotojornalismo mundial.

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Para

confundir os sentidos e

Por: Janaina Rodrigues

Q

uando você está “apertado“ para fazer o número 1 ou o número 2, para onde você vai às pressas? Para o banheiro, é lógico. Agora, já se imaginou correr para o banheiro quando bater aquela fome? Nunca, não é mesmo?! Mas acredite, muitas pessoas fazem isso. Apresento-lhe então o Modern Toilet - um restaurante-banheiro temático, fundado em 2004 na cidade de Kaoshsiung/Tailândia e tem o banheiro como tema de sua decoração. A inspiração escatológica surgiu quando o proprietário estava lendo, no banheiro, o mangá Dr. Slump, cujo personagem gosta de brincar com cocô. Tailandês tem cada ideia! Hoje o Modern Toilet é uma rede com mais de 12 filiais em Hong Kong, China e Japão.


No Modern Toilet a comida tem preços razoáveis e o restaurante está sempre cheio.

As cadeiras do restaurante são vasos sanitários, as mesas são banheiras e chuveiros adornam as paredes. E aí... já foi suficiente para abrir o seu apetite? Não? Então para ficar mais estranho e esquisito, toda comida é servida em vasos sanitários e as bebidas em mictórios que os clientes podem levar como souvenir. Se você já ficou com asco, então preparese porque para chocar e confundir os sentidos, no cardápio há opções de refeições inspiradas em excrementos. Os sorvetes tem formato de fezes e são servidos num prato semelhante a um pinico. Agora para te deixar com mais vontade de conhecer o Modern Toilet, algumas refeições tem nomes bastante atraentes, como por exemplo: Desinteria Verde, Diarréia com Fezes Secas e Cocô Sangrento. Mas não se preocupe, porque o restaurante-banheiro é bem limpinho, bonito e até moderninho. E você, tem coragem de encarar esses deliciosos excrementos, digo refeições?

www.moderntoilet.com.tw/en

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Cyro

Alm


meida “Um viajante que se serve da fotografia como forma de canalizar as experiências que vive em suas viagens” Por: Cyro Almeida


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No final do ano de 2009, inconformado com estilo de vida que eu estava levando, resolvi abrir mão de uma carreira convencional como psicólogo e acadêmico para seguir pelas estradas do Brasil apenas com a minha mochila. Não me considero um fotógrafo viajante, mas sobretudo um viajante que se serve da fotografia como forma de canalizar e organizar as experiências que sinto e vivo nessas viagens. Um dos primeiros destinos que busquei foi a região amazônica, em especial a cidade de Belém e seu entorno. Volto nesta região todos os anos desde 2009. A despeito da violência urbana tão mal-dita pelos que conhecem Belém, nunca me fur tei a andar por sua periferia e fotografar. Nesse processo conheci e passei a visitar frequentemente a feira do Guamá, onde convivi principalmente com os mercadores da carne, mas também verdureiros e farinheiros. A cidade de Belém dá acesso a uma enorme quantidade de ilhas com praias marítimas e fluviais, tais como Cotijuba, Marajó e Algodoal. As ilhas ainda nos dão a sensação de cer to isolamento e bucolismo, mas que se quebra quando as aparelhagens são ligadas, estruturas de som gigantescas que são típicas em quase todo o estado e uma das formas de lazer mais bem quistas pela população de baixa renda.


VIAGEM A DARJEELING Título Original: The Darjeeling Limited Diretor: Wes Anderson Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola e Jason Schwartzman Ano de lançamento: 2007 Duração: 91 min. Gênero: Drama / Comédia / Aventura Elenco: Owen Wilson, Adrien Brody, Jason Schwartzman e Anjelica Huston País: Estados Unidos Por: Igor C. Bersan

Francis (Owen Wilson), Peter (Adrien Brody) e Jack (Jason Schwar tzman) são três irmãos que após a mor te do pai ficam sem se ver por 1 ano. Depois de quase morrer em um acidente, Francis resolve convidar os outros dois irmãos para uma viagem espiritual e de quebra para que possam se aproximarem uns dos outros. É também uma viagem para encontrar a mãe, Patricia (Angelica Huston), que atravessando uma crise de meia-idade desaparece nas montanhas do Himalaia e se torna uma freira filantrópica. Seguindo os filmes anteriores do diretor Wes Anderson, o filme é uma tragicomédia sobre uma familia disfuncional. Em um trem fictício os três irmãos seguem viagem pela mística Índia, país este que 50

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exerce um cer to fascínio no ocidente, lugar repleto de sábios e místicos, atraindo todo tipo de pessoa a procura de alívio espiritual. O filme é precedido por um cur ta chamado “Hotel Chavelier”, que ajuda a preencher as lacunas do filme. É aquele típico filme com um humor inteligente, com diálogos totalmente surreais e situações comícas. Uma coisa interessante nos filmes de Wes Anderson é a sua assinatura visual e visão filosófica par ticular. Uma experiência visual com as cores e as formas. Impressionante também é o trabalho do diretor de fotografia e o cenógrafo Mark Friedberg, que no espaço reduzido do trem, e nas locações pela Índia, consegue criar uma atmosfera afetuosa e diver tida ao filme.

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LUX INTERNA “There is Light in the Body, There is Blood in the Sun” Gravadora: Pesanta Urfolk Ano de lançamento: 2013 Estilo: Dark folk/Experimental Folk Membros: Joshua Levi Ian, Kathryn Mary, Kris T. Force, Jeff Linsenmaie País: Estados Unidos Por: Igor C. Bersan

As indicações nesta edição terá como foco a diversidade, mesmo porque fica a cargo do leitor escolher qual o estilo que mais lhe estimula para suas viagens, ou mesmo ouvir em casa. Para quem procura algo mais bucólico e relaxante, um estilo que normalmente indico é o folk e o menos conhecido neofolk. Conheci o Lux Interna em 2004, quando gravou o disco “Ignis Mutat Res”, na época estava na minha saga de ouvir todos os discos da gravadora (Eis Und Licht), que indico a todos os leitores, responsáveis por gravar projetos como Parzival e Orplid só para citar alguns nomes expressivos da cena neofolk/militar industrial/dark ambient. Dominado quase em sua totalidade por projetos musicais da europa é uma grande surpresa saber que o Lux Interna vem das terras da américa do nor te, mais

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precisamente de San Francisco e que já possui um tempo de estrada. Seu primeiro disco foi gravado em 2001 e agora em 2013 chega ao seu 6º lançamento. Musicalmente segue a estrutura básica do Neofolk, explorando a instrumentação acústica, vocal masculino em um acompanhamento lento e que não se sobrepõe ao instrumental. Um instrumento bem explorado aqui é o uso do violino, dando uma harmonia mais robusta em relação às músicas que não possuem o acompanhamento do instrumento. Outro instrumento inusitado é o banjo. Os destaques ficam para as músicas “Nida” com a melhor construção instrumental do disco e em segundo lugar “Wounded Stag” pela força que imprime já no meio do disco com o seu banjo e andamento que lembra quase um country.

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Hick Título Original: Hick Diretor: Derick Martini Roteiro: Andrea Portes Ano de lançamento: 2011 Duração: 99 min. Gênero: Drama Elenco: Chloë Grace Moretz, Blake Lively, Rory Culkin e Alec Baldwin País: Estados Unidos Por: Igor C. Bersan

Luli McMullen (Chloë Grace Moretz) é uma jovem de 13 anos que vive em uma cidadezinha do estado do Nebraska nos Estados Unidos, filha de pais alcoolatras, que brigam o tempo todo por qualquer coisa, aparentemente destinada a esta vida. Acreditando ter sido abandonada pela mãe e pelo pai e após ver uma propaganda na televisão, sabe aquela típica propaganda falando que Las Vegas é o paraíso, lugar onde se consegue dinheiro fácil, cheia de pessoas bonitas e blá blá blá, pois então, é essa mesma. Com essa perspectiva apresentada pela propaganda Luli resolve abandonar tudo e seguir viagem para Las Vegas e de carona pelas estradas que levam ao oeste americano pretente alcaçar a sua liber tação final. 52

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Dotada de uma personalidade for te, não encontrada em qualquer pré adolescente, porém ingênua, o que pode se identificar na atução de Moretz, embora com a força da personalidade a interpretação não se impõe, não é expressíva, exatamente para demostrar a ingênuidade da garota, que mesmo se imaginando uma mulher ainda é uma menina. Como um rito de passagem, essa viagem será para Luli o fim da inocência, a aprendizagem do convívio com outros seres humanos, os perigos do mundo, o encontro com os desabores das desilusões amorosas, o encontro de uma mãe substituta, mais atenta e amorosa que a mãe biológica. É a transformação da menina em mulher, através da experiência adquirida na estrada.

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ANGELS OF LIBERTY “Pinnacle Of The Draco” Gravadora: Secret Sin Records Ano de lançamento: 2012 Estilo: Gothic Rock/ Electronic Membros: Voe Saint-Clare, Scarlet Powers, Rod Hannah e Marc McCourt País: Reino Unido Por: Igor C. Bersan

As melhores bandas de Gothic Rock que eu conheço são “The Fields of the Nephilim” e o “Garden of Delight”, ambas possuindo uma cer ta similaridade. Poucos dias de fechar a edição da revista me deparei com esta banda. Estava eu procurando algo em uma linha mais eletrônica para indicar e totalmente sem querer apareceu este disco para eu ouvir, mesmo não sendo exatamente no estilo que procurava, resolvi ouvir. O que eu ouvi foi uma banda espetacular, algo maravilhoso e ainda por cima na linha do Fields e do Garden of Delight. estrutura de vocal, bateria e linhas de guitarra que me lembraram muito as bandas que eu gosto. Gostei tando dos discos, que ouvindo, já me imaginei viajando por uma estrada em um carro de preferêcia antigo e como indica

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o estilo da banda, na cor preta, em uma velocidade mediana, sem ser muito rápido e nem muito devagar, contemplando o céu cheio de estrelas e a lua em sua grandeza em um canto. Indiferente do estilo que vocês possam gostar, Angels of Liber ty é uma banda muito boa para se ouvir e já me explico por quê. Uma coisa que o Fields, Garden Of Delight e bandas de gothic rock possuem é um aspecto soturno em sua música, o que é normal, afinal estamos falando de um estilo que tem como tema o gótico, que é permeado do soturno, melancólico e obscuro, porém o Angels of Liber ty, conseguiu ser autenticamente gótico, mas tendo em sua proposta músical um elemento vibrante e as vezes até festivo, sem soar pop, tudo isso devido ao teclado e uma guitarra acústica muito bem executada.

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Madame Butterfly, de G. Puccini • Libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa • Direção musical e Regência Gabriel Rhein-Schirato • Direção de Cena Livia Sabag • Orquestra Sinfônica de Minas Gerais • Coral Lírico de Minas Gerais • Solistas: Cio-Cio-San (Butterfly) – Eiko Senda e Masami Ganev • Suzuki (criada de Butterfly) – Luciana Monteiro • Pinkerton (tenente da marinha dos Estados Unidos) - Fernando Portari • Sharpless (Cônsul dos Estados Unidos em Nagasaki) – Douglas Hans • Bonzo (tio de Cio-Cio-San) - Cristiano Rocha • Goro (agente imobiliário e matrimonial) – Wagner Moreira • Yamadori (príncipe prometido à mão de Cio-Cio-San) – André Fernando • Kate Pinkerton (esposa americana de Pinkerton) – Daiane Melo

Por: Graziela Marchezini / Imagens: Josélio Teixeira


Madame Butterfly, ópera de Giacomo Puccini, com libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, foi apresentada pela primeira vez em 17 de fevereiro de 1904, no teatro Scala de Milão – uma das casas de ópera mais famosas do mundo. Baseada em fatos reais, a história se passa no Japão, quando o país estava praticamente isolado do resto do mundo e, por volta de 1870, um presidente americano envia uma expedição de reconhecimento à Sua Majestade Imperial, com a real intenção de forjar laços de amizade entre os países. Nas décadas seguintes, vários oficiais da marinha americana visitaram o Japão e contraíram matrimônio temporário com jovens japonesas. A história de Cio-Cio-San/ Butterfly descreve as consequências trágicas de um desses relacionamentos: uma gueixa se apaixona por um tenente da marinha e aguarda seu retorno, acreditando que ele também estivesse apaixonado por ela. Levada ao palco pela segunda vez pela Fundação Clóvis Salgado, dessa vez teve a direção de Livia Sabag e direção musical e regência do maestro Gabriel Rhein-Schirato. A montagem trouxe grandes solistas, como as sopranos Eiko Senda e Masami Ganev – que intercalaram nas datas de apresentação a atuação da personagem principal – e o tenor Fernando Por tari, interpretando o tenente da marinha nor te-americana. A ópera contou com as ilustres par ticipações da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e o Coral Lírico de Minas Gerais. Em 2012 recebeu formato inovador trazendo nova apropriação do espaço público com a produção realizada no Jardim

Japonês da Fundação Zoo-botânica de Belo Horizonte. Foi montada nesse mesmo local no início de maio de 2013 e também repetiu o sucesso de bilheteria, tendo todos os ingressos esgotados poucas horas após o início da distribuição gratuita. O Jardim Japonês recebeu, no pacote inovador da ópera, luzes e efeitos produzidos com elas que davam o tom da trama. Suas cores mudavam de acordo com o sentimento passado pela potente voz da soprano Eiko Senda, que também interpretou Tosca em 2012, no Grande Teatro do Palácio das Ar tes. No segundo ato a diretora de cena, Lívia Sabag, surpeendeu a plateia com jogos de luz e sombra, criando uma atmosfera intrigante: parecia,


para nós, um sonho e para Butterfly, um pesadelo. Ela, sentada em frente à sua casa, desolada, espera pelo marido que não vê há três anos, as luzes diminuem de intensidade e o foco passa a ser três enormes lanternas japonesas colocadas em pontos estratégicos do jardim. Em cada lanterna, um casal encena o que simboliza o encontro e união do amado tenente americano com outra mulher nos Estados Unidos. Outro toque interessante, que pode ter passado despercebido para muitos, foi a projeção feita de dentro da casa que ilustrou. É claro que adaptar um espaço já formado para um fim determinado não é nada

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fácil. A utilização de todo o jardim para a encenação é um ponto forte, que no entanto impede a visualização da ópera completa de qualquer ponto em que a pessoa esteja. As árvores e os adornos do jardim, no final do segundo ato, tornam-se obstáculos visuais que fizeram com que eu tivesse que contar com a minha fértil imaginação para continuar a cena, já que não conseguia enxergar tudo. Mas tudo bem. O conjunto da obra faz com que esta seja mais uma bela ópera que eu tive o prazer de assistir, e esses obstáculos, são boas desculpas para que eu veja a montagem outras vezes, cada uma delas por um ângulo diferente.


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Alta velocidade, nudismo, batidas, rebeliĂŁo e violĂŞncia isto ĂŠ


Por: Jaqueline de Paula

Você pode até não saber o que é Carsploitation, mas cer tamente já assistiu ou já ouviu falar de algum filme do gênero. Suas características principais são as cenas de sexo, violência, batidas e altas velocidades protagonizadas por muscle cars e principalmente carros espor tes clássicos dos anos 70. O Carsploitation nada mais é que uma subcategoria do Exploitation Cinema, um gênero de filmes com um conceito apelativo que aborda de forma mórbida e sensacionalista a temática que trata. Suas características principais são a baixa qualidade técnica e o baixo custo de produção, a contratação de atores menos conhecidos, exploração de narrativas ancoradas em efeitos especiais exagerados, consumo de drogas, nudismo, esquisitices, rebelião, destruição e uso excessivo de sangue. Produzidos principalmente nos Estados Unidos e na Austrália, o Carsploitation ressalta o caráter contestador nos filmes da década de 70 e início de 80 que tinham o intuito de deflagrar uma cultura americana emergente formada por hippies. A estrada e as cenas de corridas simbolizam esta

contestação que representa uma fuga de valores desenfreada. Neste contexto também surgem cenas de enfrentamento a polícia, o stablishment. O Carsploitantion pode ser identificado em filmes como “A Prova de Mor te” (2007) do diretor Quentin Tarantino que é uma homenagem moderna ao gênero, com influências declaradas de Corrida Contra o Destino (Vanishing Point) e dos filmes do produtor e diretor Russ Meyer. Alguns filmes clássicos do gênero são: “Corrida Contra o Destino” (Vanish Point 1971); “Fuga Alucinada” (Dir ty Mary Crazy Larry) (1974); “Gone in 60 Seconds” (1974); “Corrida da Mor te - Ano 2000” (Death Race 2000) (1975); “Mad Max” (1979) e “A Mor te Pede Carona” (The Hitcher) (1996). Outros filmes recentes que se encaixam dentro do conceito de Carsploitation é “Corrida Mor tal”, protagonizado pelo ator Jason Statham e inspirado no “Death Race 2000” (já possui duas continuações) e ”Velozes e Furiosos”, franquia milionária protagonizada por Vin Diesel e Paul Walker. Apesar de toda a popularidade, os filmes atuais parecem ter perdido a essência caracterizada pelo perfil contestador se tornando cada vez mais focado nas produções comerciais.


Corrida Contra o Destino Título Original: Vanishing Point Diretor: Richard C. Sarafian Roteiro: Guilhermo Cabrera Infante, Malcolm Hart & Barry Hall Ano de lançamento: 1971 Duração: 99 min. Gênero: Carsploitation/Ação/Thriller Elenco: Barry Newman, Cleavon Little e Dean Jagger País: Estados Unidos Por: Igor C. Bersan

Clássico absoluto, constante na lista de todo cinéfilo que assiste carsploitation e inspiração para Quentin Tarantino fazer o seu filme “A Prova de Morte”, “Corrida Contra o Destino” segue o entregador Kowalski, que trabalha entregando as encomedas em um Dodge Challenger branco, isso mesmo que estão pensando, o mesmo usado por Tarantino no “A Prova de Morte”, dizem que até a placa é a mesma. A narrativa segue Kowalki na sua desenfreada tragetória para entregar o carro do Colorado até São Francisco em

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menos de 15 horas. Para vencer a aposta e entregar o carro, enfrentará a perseguição de policiais pilotando motos, patrulhas da estrada e um cerco para captura-lo e o levar sob custódia para a justiça. É ajudado por um DJ cego chamado Supersoul, que o vai guiando pelas estradas através do seu programa de rádio. Diversão e muita adrenalina até a chegada de Kowalski ao seu destino.

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TOP5

CARSPLOITATION

“Pato de Borracha” (Kris Kristofferson) tem uma velha rixa com o “Sherif Lyle” (Ernest Borgnine), “Mike Aranha” (Franklyn Ajaye) está com a mulher grávida com mais de nove meses, juntos com Máquina do Amor (Bur t Young) formam um grupo de caminhoneiros. Após uma briga em um restaurante de beira de estrada envolvendo esses personagens, o inescrupuloso Sherif Lyle passa a perseguir implacavelmente os três. Dirigido em 1978 por Sam Packinpath é um dos filmes seminais do gênero, constando na lista de refêrencia de vários cineastas. Em sua fuga desenfreada um comboio é formado com caminhoneiros dos mais diversos lugares.

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Alguns filmes com uma narrativa mais voltada para a aventura e a comédia foram produzidos na década de 80. O melhor exemplar deste período foi o filme “A Aparição”, dirigido por Mike Marvin em 1986. Uma gangue motorizada assombra as estradas em corridas onde o vencedor fica com o carro do perdedor. Comandados por Packard Walsh, jovem violento que mata à facadas o bonzinho Jamie Hankins por se relacionar com uma garota de quem gosta. O que Walsh não contava é que Jamie inexplicavelmente voltaria para acer tar as contas.

Com um David Carradine (Frankenstein) e um Sylvestre Stallone (Machine Gun Joe Viterbo) em início de carreira, “Carrida da Mor te - Ano 2000” é um filme que ao mesmo tempo que é cômico também é violento em sua proposta. Uma corrida brutal através do país é promovida e os pontos são marcados quando se mata os pedestres que estão pelo caminho. Os pontos são definidos durante a corrida, um exemplo é matar os religiosos que valem 80 pontos ou tentar eliminar o adversário. Em meio a uma conspiração para terminar com a corrida, inimigos antigos das pistas e uma sexy woman como copiloto, Frankenstei terá que usar de toda sua experiência para vencer essa corrida. Com cenas hilárias protagonizadas pelo playboy extremamente nervoso interpretado por Stallone. O filme possui um remake estrelado por Jason Statham em 2008 e já possui mais duas continuações, porém bem iferiores.


Maidrian Pace é um investigador de seguro que leva uma vida dupla como ladrão de carros e que comanda uma quadrilha formada por uma equipe que age como mecânicos na oficina de Maidrian. É interessante perceber a questão da formação da máfia dos carros roubados, composta por agentes de seguro, policiais, magnatas e etc. Qualquer semelhança com a realidade de hoje não é mera coincidência. Com direção de H. B. Halicki e lançado no ano de 1974 este filme tem uma das mais longas cenas de perseguição, aproximadamente uns 30 minutos. Um remake foi feito em 2000, protagonizado por Nicolas Cage e Angelina Jolie.

Um representante do cinema australiano e que despontou um ator conhecido do grande público, Mel Gibson. Dirigido em 1979 por George Miller e com duas continuações é talvez o filme mais conhecido do gênero. Todos os elementos do gênero estão presentes neste filme, rodado no deserto australiano Mel Gibson (Max) interpreta um policial em um futuro apocalíptico onde a decadência social e a marginalidade tomou conta. Os policiais como Max tentam a todo custo manter a lei, mas as gangues estão sempre dispostas a desafiar o sistema. Após o assassinato da esposa por uma dessas gangues Max decide enfrentá-las.

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Na Natureza

Selvagem Um Filme De Sean Penn Por: Igor C. Bersan


Baseado na vida real de Christopher Johnson McCandless, que abandona o confor to de uma vida de jovem da classe alta para se aventurar de carona e sem dinheiro em direção ao Alasca com o objetivo de viver uma vida mais próxima da “natureza selvagem”. Só o fato de ser um filme baseado em fato real já é suficientemente interessante para ser visto, pois é sempre bom podermos ver histórias e pensamentos alheios aos nossos. O livro cuja narrativa se inspirou foi publicado em 1996 pelo jornalista Jon Krakauer com o títiulo de “Into the Wild”, aqui no Brasil,”Na Natureza Selvagem”, foi posteriormente adaptado para o cinema em 2007 pelo ator e diretor Sean Penn. Que estado é este que faz com que o homem tenha necessidade de ser livre? Totalmente livre, numa fuga de todos os aspectos sociais, das relações humanas e principalmente da forma de se organizar em sociedade? Historicamente vemos vários casos desse tipo de compor tamento. A literatura está repleta de narrativas desta natureza,

tanto que o nosso protagonista, auto entitulado Alexander Super tramp, basea sua jornada exatamente nos escritos desses autores, que vai de Jack London a Henry David Thoreau. Não é de hoje que o homem busca essa liberdade, afastada das mentiras e falsidades das relações humanas e no caso da narrativa do filme em questão é exatamente isso que o pesonagem quer. Podemos perceber que o Super tramp deseja fugir da falsidade que é a vida idealizada, mas nunca vivida pelos seus pais, na busca ar tícial do confor to e da futilidade promovida pelo consumo materialista, produto das relações fracassadas das famílias americanas. O persongem pretende fazer isso, abandonando todo o rastro de sua vida social e saindo em uma jornada em busca de si mesmo e do encontro com a natureza.


Foto do verdadeiro Christopher McCandless

Título: Into the Wild Artista: Eddie Vedder Além da trilha do filme, o álbum “Into the Wild” é o primeiro disco solo do vocalista da emblemática banda de grunge Pearl Jam, Eddie Vedder. Produzida por Adam Kasper em 2007 no Studio X em Seatle. Após ver um corte inicial do filme, Eddie Vedder passa a escrever as músicas e posteriormente a dar continuidade ao trabalho junto com andamento do filme. Segundo Eddie, o diretor Sean Penn lhe deu muita liberdade para criar as músicas. Essa liberdade rendeu um excelente resultado. A trilha se adequa com perfeição e funcionalidade, as letras estão em sintonia com a narrativa, servindo como um instrumento tanto narrativo e de reflexão a medida que o filme vai transcorrendo na tela. A música em si, arriscaria dizer que é um folk, mas mais ainda um folk com uma roupagem mais moderna. Talvez poderiamos dizer que se trata de um neofolk. Uma trilha sonora deve servir como um persongem, acompanhando e conduzindo o expectador no aspecto narrativo e aqui podemos ver isso com clareza, boa utilização do ritmo, que da uma carga dramática as cenas e nos momentos certos uma energia, além das letras serem compotas de acordo com a narrativa.

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Não é um filme fácil de assimilar. Filosófico em quase toda a projeção, carregado de uma psicologia densa e complexa, centrado em um único personagem e que nos faz pensar nas relações estabelecidas pela sociedade e até mesmo se essa sociedade funciona e as pessoas que estão inseridas nela. O filme não apresenta uma montagem primorosa. A direção é segura e na minha opinião acer tada, é comedida para se adequar a proposta. O impor tante aqui é a narrativa e não a ténica cinematográfica. O que quer instigar é a forma como o protagonista encara a sua jornada e os motivos que levam a tomada de decisão do mesmo, em abandonar tudo para viver sozinho na natureza. Montado de maneira não linear, e isso é um dos pontos positivos na direção, dando um dinamismo para a narrativa e fazendo com que ela se torne menos cansativa, o que cer tamente seria se fosse contada de maneira linear. Outro elemento técnico de destaque é a direção de fotografia de Eric Gautier, responsável também por “Diários de Motocicleta” e “Na Estrada” do diretor Walter Salles. Gautier mostra a grandiosidade da natureza em relação ao homem, contrapondo nas cenas iniciais esse contraste em planos aber tos, diga-se de passagem, belíssimos. As locações são muito boas, escolhidas com cuidado e cujo aspecto da natureza acaba por cativar o expectador, novamente contrastando com a natureza selvagem e hostíl que vemos no final.

Por fim, temos as atuações que também são muito bem construídas. Todos os atores sem exceção, mas o destaque fica por conta de Emile Hirsch que interpreta (McClandless/Super tramp), segurando o papel do início ao fim de maneira convincente e o mais impor tante, fazendo com que aquele personagem, que para a maioria das pessoas foge completamente do estado ordinário de ser, seja verossímel e até mesmo aceitável diante de uma atitude tão radical. Em termos de aspectos técnicos gerais, esses são os elementos que mais se destacam no filme, obviamente tem escolhas acer tadas em ângulos de câmera, na escolha em apresentar a narrativa sobre uma ótica que nem todos vão concordar, mas no geral, é eficiente e funciona. Uma coisa impor tante de se destacar antes de entrarmos realemente na par te complexa que é o roteiro em si, é o fato do filme ter sido inspirado no livro, que foi uma investigação do autor, ao que tudo indica, a forma como a história apresenta o seu desfecho, tanto no livro como no filme, é uma conclusão de Jon Krakauer e o livro explora outros casos similares, não sendo centrado somente na pessoa de Chritopher McCandless. A trilha sonora é outra escolha acer tada, funcionando como elemento narrativo e até mesmo conduzindo e ajudando o expectador a refletir sobre a narrativa e as cenas que estão na tela. Sean Penn se mostra competente tanto como ator como diretor, sabendo escolher bem os projetos em que se envolve. 67


“Há um prazer nas florestas desconhecidas: Um entusiasmo na costa solitária: Uma sociedade onde ninguém penetra. Pelo mar profundo e música em seu rugir: Amo, não menos o Homem, mas mais a Natureza...” Lord Byron “Dois anos andou sobre a terra. Sem telefone, piscina, animais de estimação, sem cigarros. Liberdade total. Um viajante radicalmente naturalista que tem morada na estrada. Agora depois de perambular dois anos vem a aventura final e grandiosa, a apoteótica batalha para assassinar a falsa criatura interior e a conclusão vitoriosa da revolução espiritual. Sem ser envenenado pela civilização, ele escapa e vaga sobre a Terra para perder-se na natureza selvagem” Alexander Supertramp maio de 1992


“Não se pode negar que a liberdade sempre nos extasiou. Está asssociado em nossas mentes como fuga da história da opressão e das obrigações entediantes. Liberdade absoluta.”

“Há muito tempo desde que eu e Chris podemos lembrar, tem havido episódios diários de raiva em nossa casa. Violência que fomos forçados a testemunhar. Era real. Mas também algo teatral. Nos tinham como juízes e acusados... Lembro da primeira reunião de família para falar sobre seu plano de divórcio. Queriam que escolhêssemos com qual dos dois iríamos viver. Nos desesperamos. O divórcio nunca aconteceu, mas os conflitos e reuniões nunca pararam. Não demorou muito para eu e Chris nos isolarmos. Dissemos, vão em frente... divorciem-se.”

Retirado do filme, narração em off de Carine McCandless


“Estavam para se formar. Iriam se casar. Eram crianças. Eram tolos. Sabiam apenas que eram inocentes, nunca magoariam ninguém. Gostaria de chegar e dizer. Parem, não façam isto. Ela é a garota errada, ele não é o cara cer to. Vocês irão fazer coisas que nem imaginam. Irão tratar mal as crianças e sofrerão de maneiras que desconhecem. Vão desejar morrer. Gostaria de chegar lá e dizer naquele dia de maio ensolarado, mas não fiz. Queria viver.” Esse trecho foi retirado do filme e acredito que seja construido a par tir de citações de autores que Chris gostava. Refere-se aos pais do protagonista, que vivem uma mentira, são o esteriótipo do casal feliz e que vive uma falsa moralidade de retidão e verdades, mas no fundo vivem uma vida totalmente agressiva, tanto física como psicológicamente, e que desde o momento que iniciaram a sua vida juntos e por não levarem em consideração o futuro, levam de arrasto suas crianças, gerando assim um sofrimento inimaginado.

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Este é provavelmente todo o conflito do personagem. Por um lado a falta de acolhimento dos pais e desse relacionamento fracassado em que eles vivem, surge um outro elemento que é constante no compor tamento de Christopher, que é a dificuldade de acreditar nos relacionamentos humanos. São essas faltas que ele busca encontrar na natureza selvagem, acreditando que lá não exista mentiras e falsas verdades. Aqui já afirmo que concordo com essa sentença: A natureza, enquanto selvagem, sem a presença do homem é muito mais honesta e verdadeira, embora não seja fácil. Sufocado por essas mentiras, desinteressado pelas futilidades e falsas satisfações fornecidas pelo dinheiro, (coisa muito valorizada pelos pais), resolve abandonar tudo e ir ao encontro à sua jornada, da sua integração com essa verdade e principalmente para fugir da sociedade opressora da qual ele nunca havia se desvencilhado até aquele momento.


É provável que aqueles que se identificam com todos esses elementos que motivam o protagonista, irão entender o filme e digerir com maior facilidade toda essa carga dramática do personagem. Antes de qualquer coisa, McCandless pega todas as suas econômias e doa todo o dinheiro acumulado do fundo escolar para uma instituição de caridade, queima seus documentos e posteriormente o carro, nitidamente em uma atitude de se desligar completamente de suas ligações sociais e abandonar todo o passado. Passa dois anos viajando pelo país, trabalha temporariamente para ganhar um dinheiro mínimo para suas necessidades básicas e em busca de experienciar essa vida que ele nunca teve na presença do pais e em uma sociedade considerada por ele doente e fútil. No trajeto de sua ida para o Alasca para se encontrar com a natureza, agora já rebatizado com Alexander Super tramp, encontra várias pessoas que, cativadas por

seu carisma, tentam trazê-lo para próximo de si, porém ele se encontra obstinado em sua jornada e se desvencilha dessas relações, negando sexo a uma garota no acampamento hippie e de se tornar filho adotivo de um senhor, que nunca teve filhos e encontrou naquele garoto um refúgio para essa falta. O pensongem não acredita mais nas relações humanas, vê nelas falsidades, fruto do ambiente em que viveu com os pais, por tanto, segue obstinado em sua jornada de purificação. “Na Natureza Selvagem” é um filme que apresenta aquilo que muitos gostariam de dizer e até mesmo de fazer, mas que por seu motivos, não o fazem, deflagrando a realidade de muitas famílias disfuncionais e de uma sociedade hipócrita. Belo em sua visão e ao mesmo tempo triste em seu desfecho, onde o entendimento vem próximo a um fim trágico. Embalado por belas canções e atuações primorosas é o filme que carrega todo o conceito desta edição: Pegar a estrada e não olhar para trás.

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Em Belo Horizonte, o fim da quaresma é esperado não só pelo feriadão, pelos ovos de chocolate e a possibilidade de se voltar a ter o churrasco do fim-de-semana, mas porque é, geralmente, nessa época que acontece o Primeiro Campeonato Mineiro de Surfe. Esse ano o festival chegou à sua 12ª edição, sem nunca deixar de ser o primeiro. Já pelo título nota-se um dos motivos de sua longevidade: o bom humor. Bem, e lá fomos nós pra 4 noites de diversão desenfreada. Na primeira noite a festa de aber tura, discotecagem 100% em vinil, algo inédito na história dos campeonatos, todos os tipos de ritmos selvagens passaram pelas pick ups e uma quar ta feira que, aparentemente, seria morna foi pura combustão e durou até ás 5:30H da quinta-feira. A quinta-feira, segunda noite do festival, era o dia dedicado à outras ondas sonoras, afinal nem só de surf music vive

o Campeonato. Das 4 bandas da noite, só uma delas poderia se dizer uma banda de surf. Como de praxe, por volta da meia-noite e meia subiu no palco a primeira banda, Drunk Demons, trio de Contagem, com seu psychobilly nervoso e doentio. show rápido, direto e sem firulas. Na sequência, Claudão Pilha, um dos donos d’A Obra, se apresentou com o seu projeto solo O Melda, um show que poderíamos dizer é, no mínino, inusitado. Canções como “Mexe a Bunda”, “Cervejinha Pro Papai” e “Bonita” “ Girls just want have fun” animaram o público. De uma monobanda para outra, após O Melda foi a vez de The Amazing One Man Band, do Uruguay, tocar. Com um som mais “trash blues” e as limitações de uma monobanda,

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o show do Amazing causou estranheza ao público que dizia:” mas isso não é surf...”. O ponto alto foi quando ele arrastou o bumbo para a pista d’A Obra e tocou no meio do público. Fechando a noite, a banda Vostok Deluxe, com o seu surf espacial, fez um ótimo show, mas, infelizmente, essa foi a sua última apresentação. A sexta-feira foi dedicada à Surf Music propriamente dita, 4 trios de 3 estados diferentes se revezaram no palco. Maniáticos do Reverb, de Londrina, surf instrumental competente com homenagens aos seus animais de estimação. Na sequência, Noventón y su Orquestra Típica, de Florianóplis, formada por ex-membros dos Cochabambas e Ambervisions. Footstep,


de Campinas, foi a terceira banda a subir no palco, e se no ano passado eles foram uma revelação no campeonato, o show desse ano não deixou por menos. Kozmic Gorillas, também de Londrina,banda que par ticipou da primeira edição do Campeonato, encerrou a terceira noite, embora a qualidade da banda fosse inegável, o cansaço me venceu e, lamentavelmente, não vi o show completo. O sábado, ahhh...o sábado. Churrasco.. encerramento... bandas veteranas... amigos e aí já viu. A banda Gasolines, de São Paulo, com sua nova formação, abriu a noite. Não vi (ou não me lembro) muita coisa do show deles. Em seguida foi a vez da Big Trep, do Rio, uma das bandas que eu já vi mais vezes ao vivo na minha vida e sempre shows incríveis, eles entremearam músicas próprias com covers garageiros e o público, inclusive eu, ensandecido, dançava, subia no palco, cantava, e na maioria das vezes,

atrapalhava o show o que deixava claro que a diversão estava garantida. Coube ao duo belo-horizontino Vô Diddley fechar o festival e fechou com chave de ouro. Em meio à insanidade causada pelo show da Big Trep, a banda que interpreta de maneira selvagem as músicas dos não menos selvagens The Cramps e Bo Diddley (aliás esqueci de mencionar que The Cramps era a banda homenageada deste ano) incendiou ainda mais os ânimos dos presentes, num show digno de um Napa State Mental Hospital. Por: Marcelo Howling Crasso

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conto

Por: Telma Borges

Cansada do cotidiano arrastado, dos dias mesquinhos, iguais, incapazes de descor tinar horizontes outros, ansiosamente inesperados, Teodora decidiu voar. Esse desejo de tal forma se introjetou em sua vontade, que até seu corpo processava uma gradual metamorfose. Durante seis dias, reclusa no quar to, assistia às sutis transformações pelas quais passava seu corpo. No sétimo, acordou outra. Aquele corpo aprisionado à lida diária com a casa, com os cuidados devotados ao marido e aos filhos dera lugar a um lindo e robusto cisne de alva plumagem. Da janela do apartamento ao topo do mais alto prédio da cidade ela voou em segundos. Ali, daquela altura deslumbrante e desafiadora, ela ousou voar. A largada foi um pouco desastrosa, mas logo seu corpo de cisne deslizava elegantemente pelo ar. Quanto mais se alçava às alturas, menor ficava o mundo lá em embaixo e ainda mais insignificante. Voar não era mais um sonho sonhado em noites obscuras. Voou para outras risonhas plagas, para outros céus, dias sem pouso. No trajeto ia aos poucos se desligando do mundo lá embaixo e suas exigências. Não precisava mais se preocupar em consumir um mundo de coisas que a consumiam. A preocupação desenfreada com a moda, com os últimos lançamentos de roupas, sapatos, perfumes; as tendências de cada estação; com a xepa no sacolão e promoções arrasadoras de supermercados, de lojas de eltrodomésticos; se seu celular era de última geração; se a vacina dos cães estava em dia, já que os filhos, crescidos, dispensavam tais cuidados, não outros; se a água fluvial não estava a molhar a casa da vizinha; se as contas estavam rigorosamente pagas; se a banqueta da sala, único prêmio de quando estudava design, estava exatamente disposta no mesmo lugar, no ângulo de sempre; se a última vez que o marido lhe penetrara ele usava camisinha; se os girassóis (não os da Rússia), suas flores prediletas, já tinham feito seu movimento rotacional de todo dia; se usava calcinha pelo avesso; se seu voto na última eleição tinha sido de fato 76


consciente, se não tinha eleito mais um corrupto; Se Johnny Depp, agora solteiro, concederia a ela uma chance de ser o grande amor da vida dele; se o desequilíbrio ambiental comprometeria a vida futura do planeta Terra; se o mundo, um dia, ficaria livre da corrupção; se a poeira dos dias pesava ou não sob sua face de mulher sempre preocupada em esconder as rugas de expressão; se o mito é verdade, se a verdade é um mito; se o amor – em tempos de cólera – é um confor to para os desenganados da vida; se Drummond, na curva dos 50, derrapou num novo amor; se um dia ela se declararia apaixonada por alguém com a canção “Dia branco”: Se você vier / Pro que der e vier / Comigo... / Eu lhe prometo o sol / Se hoje o sol sair / Ou a chuva... / Se a chuva cair / Se você vier / Até onde a gente chegar / Numa praça / Na beira do mar / Num pedaço de qualquer lugar... / Nesse dia branco / Se branco ele for / Esse tanto / Esse canto de amor / Oh! oh! oh... / Se você quiser e vier / Pro que der e vier / Comigo / Se você vier / Pro que der e vier / Comigo... / Eu lhe prometo o sol / Se hoje o sol sair / Ou a chuva... / Se a chuva cair / Se você vier / Até onde a gente chegar / Numa praça / Na beira do mar / Num pedaço de qualquer lugar... / E nesse dia branco / Se branco ele for / Esse canto / Esse tão grande amor / Grande amor... / Se você quiser e vier / Pro que der e vier / Comigo / Comigo, comigo... Enquanto as asas planavam errantes, seu pensamento errava erroso, à deriva, sem por to, sem pouso... Estava exausta, mas de uma exaustão diferente, livre, daquela que a liber tara do enclausuramento do trabalho e dos dias. Voou um pouco mais, agora em busca de pouso. Escolheu a nuvem mais macia e de alvura idêntica à de sua plumagem. Ali aconchegou seu corpo e dormiu um sono profundo nos braços de Morfeu. Acordou em sobressalto; olhou para um lado e para outro; para cima e para baixo; aquela comunidade de nuvens brancas eram agora furiosas nuvens-chumbo, pesadas, densas, prestes a se precipitarem sobre a terra. Tentou desvencilhar-se do destino fatal que lhe aguardava. Olhou para baixo, era um dia branco; não havia mais pontos indefinidos, pois a indefinição tomara conta de tudo. Por demais pesada, a nuvem que outrora lhe servira de abrigo precipitou em queda livre. Com ela, o lindo cisne branco. Olhava para baixo e tudo ficava mais per to, mais per to, mais per to... resolveu então cantar a canção de sua vida: SevocêvierProquederevierComigoEulheprometoosolSehojeosolsairOuachuvaSeachuvacairSevocêvier AtéondeagentechegarNumapraçaNabeiradomarNumpedaçodequalquerlugar...

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QUADRINHO Roteiro: Brian K. Vaughan Desenho: Pia Guerra

Todos os seres que possuem um cromossomo Y estão mor tos. Tentem imaginar a cena. Tentaram? Y - O Último Homem é quase isso, só que na narrativa ainda existem os dois últimos mamíferos do sexo masculino, um é Yorick Brown, um fracassado que não se adequa a nada e que nas horas vagas pratica truques de mágica, o outro Ampersand, um macaco adquirido por Yorick. Y - O Último Homem é o mais inventivo e interessante quadrinho para adultos dos últimos anos, cuja força reside em seu roteiro maduro, capaz de aproximar os

Imagens: Pia Guerra

Por: Igor C. Bersan


sexos feminino e masculino, demonstrando que os problemas humanos não são definidos por gênero, mas sim pela força das ideologias. Yorick e Ampersand são as únicas esperanças de repovoamento da Terra. Com todos os homens mor tos, as mulheres se organizam nos mais variados grupos, que defenderão com todas as forças suas visões de vida. Neste cenário temos as extremistas amazonas, grupo radical disposto a exterminar qualquer coisa que tenha relação com o sexo masculino, soldadas que tratam tudo com o rígido olhar de um militar ou até mesmo um grupo de mulheres que querem somente manter o rock vivo, relembrando grandes clássicos de bandas formadas somente por homens. Além da velha e boba discussão da briga dos sexos, Brian K. Vaughan nos apresenta as falhas humanas, o apego a ideais e o despreparo para muitas situações que não são do cotidiano feminino e que diante de uma situação como o extermínio de todos os homens, essas mesmas mulheres teriam de lidar, sem ninguém que as ajude. Viciante, provocante e polêmico, Y - O Último Homem é um quadrinho para ser apreciado por homens, mulheres, adolescentes e adultos, além de ser uma boa pedida para se colocar na bolsa e levar para qualquer viagem. Leitura rápida e dinâmica para ler no ônibus, avião ou mesmo sentado na beira da praia, deitado na rede e por que não, por pura diversão, pois é esse o espírito dos quadrinhos. LANÇADO NO BRASIL PELA PANINI COMICS

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