Caravela | Edição 03 | 1º Semestre de 2014

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EDIÇÃO

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SEMESTRE

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porque “navegar é preciso”

Ilustração: DiCastro

morte e viala periferia

“Somos muitos neguinhos, iguais em tudo e na sina: trabalhar na biqueira de pé no chão, corre dos home, como ensina os irmão.” Fora do sistema: educadora defende processo educativo sem a mediação escolar Memória: minorias sociais ganham pouco destaque nos registros históricos


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Mande seus textos, ilustrações, ensaios, comentários e sugestões de pauta para: redacao@revistacaravela.com. E acesse nosso blog: www.revistacaravela.com


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Periferia em versos

Tripulaçao

Editor Bruno Ferreira Projeto gráfico Manuela Ribeiro Arte Manuela Ribeiro Colaboradores desta edição Constance Belmar DiCastro Diego Balbino Manassés de Oliveira Marco Aurélio Cardoso Natalia Forcat Novaes Rafael Martini Roger Camacho Vanessa Balsanelli Jornalista Responsável Bruno Ferreira (MTb 62552/SP)

É chegado o momento de, uma vez mais, levantar âncora e içar velas para partir para mais uma jornada pelos mares de verso e prosa que a Caravela propõe. A grande novidade desta edição é a ousadia – se é que este é o termo mais apropriado – de colocarmos enquanto conteúdo de capa um poema. Talvez essa escolha represente uma inovação, pois raras são as revistas que trazem como conteúdo de destaque um trabalho em versos. Mas como a nossa proposta é diferente da maioria dos periódicos, que ainda privilegiam a linguagem jornalística para comunicar, queremos mesmo não apenas explorar as diferentes formas de expressão possíveis em uma revista, como também colocá-las em pé de igualdade. Por isso, Morte e Vida Periferia, de Marco Aurélio Cardoso Moura, é o conteúdo de capa desta edição. Inspirado em Morte e Vida Severina, do imortal João Cabral de Melo Neto, o poema do jovem morador da Brasilândia, zona sul da capital paulista, traz à tona o drama da juventude negra da periferia de São Paulo, vítima da truculência de um estado ainda rascista, que orienta a sua Polícia a reprimir com violência a negritude das quebradas, que resiste e se reinventa todos os dias. Os versos de Marco são ilustrados pelo artista curitibano DiCastro, que apresenta mais do seu trabalho nas páginas seguintes ao poema de capa. Há ainda uma entrevista inspiradora com a educadora Ana Thomaz, que acredita na desescolarização como forma de educar sem ameaça. Esperamos que aproveite mais essa viagem! Boa leitura!

Bruno Ferreira Editor


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Serviço de Bordo

06. Papo na Proa. Educadora opta pela desescolarização dos filhos

porque entende a escola como um espaço de ameaça e formatação de gente

12. O estilo Plus Size ainda é pouco explorada pelo mercado

da moda, para Vanessa Balsanelli

14.

Roger Camacho pensa sobre como as minorias são abordadas nos discursos históricos

16. E Manassés de Oliveira elenca suas Faltas 18. MORTE E VIDA PERIFERIA

Estudante do bairro Vila Brasilândia, em São Paulo, adapta Morte e Vida Severina à difícil realidade da juventude negra e periférica da cidade

22. E a abstração de DiCastro revela o talento de um jovem

artista curitibano

24. Rafael Martini celebra o centenário do imortal Vinicius de Moraes 26. E Diego Balbino apresenta seu trabalho fotográfico em Panning 30. Bruno Ferreira identifica o conservadorismo presente na comunicação cotidiana

33. Enquanto Rodrigo Nazca apresenta seu Meio e o Claro escuro

de suas dúvidas

34. Natália Forcat apresenta algumas de suas ilustrações 35. E Constance Belmar revela seus Divinos Devaneios.


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Ponto de Partida

Comunicação e mediação Um contraponto à ideia de que os meios de comunicação influenciam diretamente os receptores das mensagens midiáticas é uma das propostas da teoria apresentada pelo espanhol radicado na Colômbia Jesus Martín-Barbero, em sua obra Dos Meios às Mediações. O autor desconstrói a ideia de comunicação dos teóricos da antiga Escola de Frankfurt, no entendimento de que ela não pode ser entendida descontextualizada da cultura. Barbero discute a questão das negociações de sentido, afirmando que a relação estabelecida entre os discursos midiáticos e a sociedade vai além de uma oferta de consumo de informações. A ideologia transmitida nas mensagens dos meios, de acordo com o autor, fará sentido para quem recebe se o seu teor vai ao encontro de suas experiências concretas na realidade. “Assim, o eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades de matrizes culturais”, afirma Barbero em um trecho da obra.

Diferenciando conceitos O entendimento de comunicação costuma ser dúbio, no senso comum: pode significar informar ou dialogar. Para o pesquisador francês Dominique Wolton, o sentido de comunicação restringe-se ao segundo entendimento. Em sua obra Informar não é Comunicar, discute a mudança de paradigma com relação à comunicação, entendida por ele como negociação, própria da cultura democrática. “Ontem, comunicar era transmitir, pois as relações humanas eram frequentemente hierárquicas. Hoje, é quase sempre negociar, pois os indivíduos e os grupos se acham cada vez mais em situação de igualdade”, afirma Wolton.

Alegria e ativismo A mais recente produção de Pablo Larraín, diretor e roteirista chileno, reconstrói o cenário político do Chile no ano de 1988, em que um referendo foi convocado para consultar a população sobre a permanência do ditador Augusto Pinochet na presidência do país. O filme No mostra os bastidores da campanha pelo “não”, revelando as estratégias de comunicação adotadas pelo marqueteiro René Saavedra (interpretado por Gael Garcia Bernal), que priorizavam mensagens positivas em vez da abordagem das violações de direitos do governo Pinochet.

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Papo na Proa ENTREVISTA: BRUNO FERREIRA | IMAGENS: DIVULGAÇÃO/PROGRAMA DIÁLOGOS

Outra educação é possível “A escola tem todo um processo ameaçador, como prova, reprovação, aceitação, reconhecimento e eu queria desescolarizar esse processo de ameaça do meu filho. Eu gostaria que a vida se tornasse um desafio pra ele, não uma ameaça.”

A

primeira vez que vi Ana Thomaz foi em um vídeo no Youtube, recomendado por uma amiga educadora. Confesso que demorei cerca de um mês para resolver abrir o link enviado por e-mail e indicado por ela com entusiasmo. Mas quando finalmente resolvi assistir a entrevista com Ana na íntegra, compreendi a sensação positiva que teve minha amiga. A fala da também educadora Ana Thomaz é sedutora. A paixão com que fala sobre seus filhos e o processo educativo em que estão inseridos é comovente. Ela e seu marido fizeram o que muitos pais deixam de fazer: ouvir e procurar

entender as queixas dos filhos com relação à escola. E ela foi além. Aceitou o desafio, com o marido, de assumir a responsabilidade de construir com o filho mais velho, Guto, o seu processo educativo sem a mediação escolar, logo depois que ele concluiu o ensino fundamental. A experiência bem sucedida com o jovem inspirou Ana a fazer o mesmo com suas filhas menores, que não devem ir à escola. A educadora dedica-se, em casa, à aplicação da Técnica Alexander, que a primeira vista parece uma sessão terapêutica, com toques relaxantes e firmes nas costas e cabeça, que levam a

quem se propõe a experimentá-la ao auto-conhecimento. Ana afirma que a Técnica ajudou a ela e ao filho a descobrirem e experimentarem novos caminhos no processo de desescolarização. Enquanto fazia a entrevista, Ana aplicava a técnica em mim. De início, foi difícil manter a concentração na fala dela, que respondeu às primeiras perguntas, tocando minha coluna e cabeça, o que me deixava embevecido e sonolento. Confira a agradável conversa que tive com a educadora, em sua casa, no bairro da Aclimação, em São Paulo, em uma tarde de sexta-feira, ainda em março de 2013.


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Talvez se eu tivesse ouvido falar em desescolarização há um tempo eu pensaria que fosse algo relacionado a não educação. Existe uma definição para o termo?

Na entrevista que assisti na internet, eu me lembro que você fala sobre o processo de desescolarização do seu filho. Esse foi um processo tranquilo?

Ana Thomaz: Eu tenho uma definição pessoal para o termo. Eu uso a palavra “desescolarização” como tirar o sistema escolar vigente de dentro da gente e unschooling é uma prática do desenvolvimento educacional fora da instituição escolar. É uma palavra em inglês e nos Estados Unidos é muito usada para determinar isso. Tem o homeschooling, em que a escola é levada para dentro de casa. E no unschooling você tem crianças que não vão à instituição e não levam a escola junto com elas para outro lugar. A desescolarização, no sentido que eu dou para ela, seria a desculturalização, o processo de criar outra cultura, outra maneira de processo educacional, mesmo que seja em escola. Eu posso até pensar em uma escola desescolarizada do sistema atual.

Não, foi um processo bem assustador. Um processo em que experimentei operar sem referência. E ficar sem referência é assustador, você pensa “e aí, como vai ser?”. Então, eu tive que criar referências muito próprias, tive que inventar. A escola tem todo um processo ameaçador, como prova, reprovação, aceitação, reconhecimento e eu queria desescolarizar esse processo de ameaça dele. Eu gostaria que a vida se tornasse um desafio pra ele, não uma ameaça. Então, eu tinha estes parâmetros: “Ele está alegre, com vontade de viver? Está sentindo que os problemas são desafiadores e não ameaçadores?”. Olhando agora eu posso dizer que foi tudo muito tranquilo, mas quando eu me lembro da época, percebo que perdi noites de sono. Eu me questionei seriamente por um ano.

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Mas quais eram as suas aflições? assim eu tinha um recusrso a mais para entender questões, os As minhas aflições eram ques- caminhos se abriam, eu ficava tões como: e se eu estiver fa- inspirada. Teve um dia em que zendo tudo errado, e se eu eu estava trabalhando com ele estiver fazendo meu filho virar eu perguntei se ele estava triste uma pessoa que não iria nunca com alguma coisa, se queria me mais se encaixar em nada, que falar alguma coisa. E ele disse um dia ele poderia virar pra que sim. Aí eu gelei e perguntei mim e dizer: “Mãe, foi uma o que estava acontecendo. Ele grande bobagem o que a gente perguntou por que eu não tinha fez e agora eu vou ter que co- nenhum interesse em que ele lher os frutos disso”. Enfim, eu fosse jogador de futebol (na tinha medo de ter escolhido o real, eu sempre achei que o decaminho errado, de nos perder- sejo dele em ser jogador de fumos nesse caminho. tebol vinha de uma cultura e não dele). Então eu perguntei: “Você tem interesse?”, e ele disse que sim. Perguntei o que E acabou dando muito certo, né? ele queria fazer a respeito, ele explicou que queria fazer uma Acabou dando muito certo! peneira no Juventos e eu conMuito mais do que eu imagi- cordei, tinha que legitimar o denava. Foi isso que me animou sejo dele. Aconteceu que a muito, porque se eu pudesse gente marcou, mas ele nem foi, imaginar o certo, não chegaria pois já havia perdido o inteaos pés do que aconteceu. resse. Foi o encontro com o corpo dele, pela Técnica, que me deu essas entradas. E assim passamos por vários momentos E como foi essa metodolo- de “desintoxicação”, em que ele gia? Eu entendo que encarar parou de ter o desejo de uma esse processo não deve ser cultura, para começar a ter defácil, porque exige muita dis- sejos genuínos. ciplina, tanto sua e do seu marido, quanto do seu filho. Mais do que disciplina, exige presença. Eu trabalhava com ele com a Técnica Alexander e

“A cabeça é o norte do corpo, mas todos os órgãos têm células pensantes, que nos fazem ter vontades, por exemplo. Mas a escola determina que a cabeça é pensante e o resto não é.”

E com o seu toque ele também se situava? Sim, com o meu toque, através da Técnica Alexander, ele também entrava mais em contato com o corpo dele, com ele mesmo. Foi um processo muito mais abrangente do que seguir um plano.

Eu queria que você falasse mais sobre a Técnica Alexander. Eu vou dizer o que é a Técnica para mim, porque ela depende


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da experiência, que é sempre muito pessoal, então não é a mesma coisa para todo mundo. A gente tem uma estrutura corporal biológica, anatômica, fisiológica, que tem uma lógica própria e uma estrutura própria. A cabeça é o norte do corpo, mas todos os órgãos têm células pensantes, que nos fazem ter vontades, por exemplo. Mas a escola determina que a cabeça é pensante e o resto não é. E isso provoca uma sensação de que não temos norte nem corpo. Então, começamos a buscar tudo isso fora de nós. A técnica, para mim, é um recurso para voltar a coordenar cabeça e coluna e quando isso acontece, a gente entra em movimento, e começamos a viver de uma maneira muito mais inteira. Nós achamos que somos seres racionais, mas somos seres emocionais. Agimos conforme a nossa emoção, não conforme a nossa razão. Com relação ao meu filho, eu não tomei uma decisão racional. Eu me coordenei, me conectei e, desse processo, comecei a pensar na desescolarização. E aí entrou a razão, para cuidar da logística e organizar nossas vidas sem a escola.

segue o modelo da desesco- que são alfabetizadas e cultas? larização fazer um curso su- Claro. Durante a escola, você perior? treina para não fazer escolha nenhuma. Na escola, eu não esSim. É preciso deixar claro colho o que eu quero estudar, que tivemos esse processo de como eu quero estudar, onde uma maneira muito tranquila, eu quero por foco, eu não judicialmente, porque ele já tenho perguntas, porque a reshavia acabado o ensino fun- posta já está pronta. Não há um damental. E naquela época processo de elaboração. Agora, era obrigatório cursar até o o autodidatismo não se dá soziensino fundamental, o ensino nho. Por exemplo, meu filho é médio ainda não era obrigató- autodidata em mágica, porém rio. O que acontece é que o ele sempre teve muitos profesBrasil contempla o autodi- sores de mágica: amigos, mesdata. Quem é mais velho e tres, campeões mundiais. Ele é está estudando sozinho pode autodidata porque está escoprestar o Enem, e se ele tirar lhendo o que fazer, como fazer, nota mínima será aprovado e no tempo que quer fazer, e poro governo dá o diploma para que está escolhendo a coisa flui ele. Ele precisa ter a partir de com muito desejo, muita von21 anos para poder tirar o di- tade, não tem desgaste, as coiploma do ensino médio e sas estão sendo muito alegres poder prestar vestibular como para ele. qualquer estudante. Essa é uma possibilidade, mas o Guto é mágico, tem interesse por diversas matérias. Ele faz Pensando assim, a escola pocursos, vai a encontros, lê li- deria ser diferente, né? vros, participa de discussões, de uma maneira autônoma. A escola só poderia ser diferente se ela estivesse a serviço de algo diferente. A escola está sempre a serviço de algum sisVocê enxerga relação entre pes- tema. Se quisesse ser diferente, soas escolarizadas que sentem ela seria uma escola para seres dificuldade em aprender algo humanos, seguindo um sistema por conta própria, como é o meu biológico, que estivesse de caso, e pessoas mais antigas, acordo com a potencialização É possível para a pessoa que que nunca foram à escola, mas do ser humano e não que o re-


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duzisse a consumidor. Não dá para se iludir e dizer que uma escola que está a serviço desse sistema vai melhorar as pessoas. Vai melhorar o quê? Vai melhorar a maneira de servir ao sistema. Ou seja, é uma escola de formatação de gente e não de potencialização de gente.

“Ensinar é sempre um processo autônomo, em que eu só aprendo aquilo que passa por mim. Ninguém tem a capacidade de chegar ao outro e depositar nele qualquer informação.”

tásticas, são modos de conseguirmos sair do que está nos emperrando. Mas viemos de um processo escolarizado. É muito comum, mesmo sem perceber, colocá-lo nas entrelinhas. Ensinar é sempre um processo autônomo, em que eu só aprendo aquilo que passa por mim. Ninguém tem a capacidade de chegar ao outro e depositar nele qualquer informação. Não vai acontecer de um educador ter um ótimo plano para uma pessoa e dizer “confia em mim, que você vai se dar muito bem”. Isso é exercício de poder, em que, de alguma maneira, quero que o outro represente o que eu queria ser e não fui. Isso é um estupro. Todas as propostas e convites têm que ser construídos no encontro com o outro, isso quer dizer que não é o aluno que vai ditar a aula, mas também não é o professor.

E como foi o processo de aprendizagem do seu filho pela desescolarização? Ele tinha aula? O que você pensa de iniciativas não formais de educação, essas em que se reúnem grupos para discussão, debates e dinâmicas, por exemplo?

Ele tinha uma aula por dia pela manhã. Um dia era de música com um professor particular, artes plásticas com um grupo, filosofia com outro grupo de Eu acho que todas essas experi- jovens, aula da Técnica Alexanmentações e iniciativas são fan- der comigo, futebol em dois lu-

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gares e todos os dias, à tarde, Aikidô, para dar a ele a sensação física de existência, de fluidez. O resto do tempo era absolutamente livre, mas sem se distrair. Então, ele não podia assistir TV, ir para frente do computador nem jogar videogame, porque essa batalha é muito injusta. A televisão é feita para você ficar ali esperando o comercial, para você consumir uma informação. Ele não ficava à frente da televisão, assistindo um programa desinteressante, mas aceitando. Então, surgiu uma inquietação, uma fome, uma vontade. Ele passou por um processo de desintoxicação para ficar sensível, perceptível.

E suas pequenas, estão nesse processo também? Elas estão nesse processo, embora não estejam na idade escolar obrigatória e eu vejo que elas estão se desenvolvendo de uma maneira plena, singular. Elas têm muitos desejos genuínos. Uma delas tem um desejo enorme por cozinhar, só que na cozinha você pode se queimar, se cortar e isso pode virar uma ameaça. E nós fazemos de uma maneira que seja um desafio. Então, junto com o processo de


aprendizagem com a cozinha, onde ela aprende química, matemática, português, ela também está aprendendo o que é desafiador.

Ned Horton

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Você pretende alfabetizá-las em casa? Eu quero que elas fiquem fora da escola, desse sistema. No Brasil temos o problema de que não é legalizada [a desescolarização], embora não seja ilegal, já que são os pais que têm a responsabilidade pela educação dos filhos – ilegal seria se elas não estivessem num processo de desenvolvimento cognitivo, de abandono intelectual. Mas como passou uma reportagem triste no Fantástico, que deu a ideia de que as pessoas estão sendo processadas – embora estejam de fato, mas continuam com seus filhos fora da escola, felizes da vida, e não vão ser presas por isso, mas têm esse desgate, que eu não quero ter – então, é bem capaz que a gente entre em um processo novo, de volta ao mundo, no qual elas vão ter o desenvolvimento delas.

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VANESSA BALSANELLI

Plus Size, Plus Happy, Plus Conscious

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Vanessa Balsanelli

stilo de vida desejável e de exclusividade, esse é uns dos recados que a Moda transmite. Para tanto, se utiliza de modelos que tenham uma estética comumente tida como “agradável”. Mas esse massivo apelo comercial não transmite a ideia de corpo ‘real’. No entanto, essa mensagem propagada a tantos ventos começa a fraquejar e novos ares se abrem para outros biótipos, entre eles o Plus Size, denominação criada como referência a manequins acima do tamanho 44. Para acabar com a ditadura da magreza, convém consciência, e parece que estamos entrando nessa era, seja pelo crescente número de pessoas que são contra a alienação de exibir somente o biótipo magro, seguindo os padrões de beleza socialmente impostos, ou pelo aumento de consumo da moda Plus Size no Brasil. A verdade é que o que antes era um nicho de mercado, um segmento particular pouco explorado, há algum tempo vem ganhando força, movimentando um faturamento anual de 4,5 bilhões de reais em todo Brasil, segundo dados da Abravest (Associação Brasileira do Vestuário). Para a consumidora Clarissa G. Eleutério, de 28 anos, a diferença na oferta de vestuário para clientes Plus Size de hoje, comparada há uma década, é notável. “Durante minha adolescência, comprar roupas representava fazer uma via crucis e, em muitos casos, se conformar com a roupa que coubesse e fosse, no mínimo, confortável, pois estilo mesmo era difícil imprimir com o pequeno leque de roupas disponíveis em cortes, modelos, cores.” Atualmente, grandes magazines perceberam a demanda crescente por tamanhos maiores e investem em coleções com grande variedade de peças, melhores caimentos, e em informação sobre tendências de moda. Thais Sorrentino, de 27 anos, consumidora ávida por calças jeans, afirma que possui dificuldade para entender a grade de tamanhos de algumas marcas. Como o Brasil ainda não possui uma padronização feminina


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de tamanhos, cada marca possui suas medidas o que gera confusão e, para Thais, um amargor. “Tenho problemas com calças jeans que estão cada vez com modelos menores. O que me deprime mais é que, quando resolvo comprar alguma calça de marca renomada, acabo por comprar tamanho 48, sendo que uma calça jeans de marca mais popular seria 44.”. Não somente temos a diferenciação entre tamanhos que deveriam ser o mesmo, mas também biotipos de corpos diferentes a cada marca. Para Clarissa, “muitas das lojas Plus Size lançam peças feitas para um biótipo específico, estimo que manequim 48 e altura acima da média nacional, fazendo com que muitas das peças fiquem um pouco deformadas ou muito cumpridas no meu corpo, automaticamente reduzindo o leque de opções. Essencialmente, esse é o mesmo problema da relação entre as modelos de passarela e as mulheres ‘reais’. É curioso como essa relação do ‘modelo’ versus o ‘real’ existe mesmo no universo Plus Size”. No Brasil, há uma pluralidade de corpos femininos. Não há, portanto, um padrão de mulher brasileira. Devemos buscar celebrar essa diversidade e começar um processo de persuasão para convencer a mídia e a moda de que queremos marcas que expressem essa diversidade.

E as meninas deixam recado para os jovens que se cobram em busca desse ideal: “Não se sintam mal com suas medidas, o mais importante é manter a saúde do corpo e mente em ordem. Cada geração evolui um pouco em relação à anterior e hoje os exemplos de mulherões Plus Size são tão mais numerosos que em minha adolescência, que quase sinto inveja das adolescentes de hoje. Antes era muito menos comum uma mulher se assumir Plus Size e ser absolutamente feliz consigo mesma, era quase tabu ser feliz e realizada sendo gorda. Olha que absurdo!”, diz Clarissa. E Thais completa: “Se quiserem mudar, que seja de forma saudável e não cheguem a extremos, partindo sempre do amor próprio. Que a mudança seja por você e não pelos outros.” Agora, se você acha difícil ter referência de estilo para manequins maiores que te inspirem, separamos algumas das blogueiras plus size inspiradoras e estilosas para que você siga: hojevouassimplussize.com.br, grandesmulheres.com e meuespelhodiz.wordpress.com. Vanessa Balsanelli é designer de moda EDIÇÃO 03 | 1º SEMESTRE DE 2014

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ROGER CAMACHO BARREIRO JÚNIOR

História Histórias: Minorias e suas experiências M

uitos pensam em História apenas por meio de pessoas tidas como possuidoras de “grande relevância”: reis, imperadores, presidentes ou intelectuais. Essas pessoas se lembram das massas de forma anônima ou como se fossem um grande bloco, no qual todos pensam de forma única. Esse olhar sobre o passado omite as experiências pessoais de cada um presente nesses processos, bem como seus diferentes pontos de vista. Se pararmos para pensar nisso, notamos que esse modo de pensar exclui do passado personagens como mulheres, negros, indígenas e homossexuais. No caso da exclusão dos negros, estes aparecem para muitos como associados ao período da escravidão, sem levar em conta as mobilizações e as diferentes hierarquias e etnias que existiam entre os próprios escravos. Os indígenas somem após a história do período colonial português na América, formando assim uma visão reduzida da História. Também são postos como um bloco homogêneo, em que não se leva em consideração as rivalidades étnicas e suas formas de se articular frente às suas necessidades. Não contam sobre a formação dos movimentos que lutaram pela delimitação de reservas, nos quais eles certamente têm participação. Engana-se quem pensa que isso não ocorre com outros setores tidos como minoritários. As mulheres trabalhadoras são esquecidas muitas vezes e o líder sindical aparece em diversos momentos (no que se refere aos trabalhadores) como aquele que levou a cabo determinada ação. Pensando a partir desse ponto de vista, elas também não recebem a atenção

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devida quando se trata do período colonial e novamente aparecem como personagens isolados que, com o passar do tempo, tiveram sua imagem construída para fazer parte da memória nacional. Mulheres das massas raramente aparecem em reflexões sobre o passado das classes populares. Isso é uma exclusão que também aparece na construção da história da esquerda. Se pararmos para analisar, são poucas as mulheres lembradas quando falamos da história dos movimentos operário-sindicais e partidários, se levarmos em consideração o número de homens. E os negros nesses movimentos? No Brasil também são negligenciados. Obviamente, devemos ter em mente que em determinados períodos havia, de fato, uma forte exclusão desses personagens em variados grupos (inclusive os de contestação), mas não devemos pensar que por isso eles não atuavam de alguma forma nas mobilizações populares. Não participa de uma greve apenas quem está nas ruas, há pessoas que muitas vezes deram fuga para militantes, como ajudaram a socorrer feridos ou cederam suas casas para reuniões e esconderijo. Elas também têm participação nesses eventos. Não podemos achar que grandes processos históricos são feitos por indivíduos especiais, como manda a regra de uma história nacionalista que por tanto tempo foi majoritária e ainda tem fortes traços no ensino de História. E os homossexuais? Só aparecem no século XX. Tudo bem que os movimentos em defesa de seus direitos ganharam peso após as mudan-


ças culturais dos anos 1960. Mas, por diversos momentos geraram alguma forma de resistência aos padrões sociais. Seja por meio da escrita ou da arte, como também pelas sutilezas do cotidiano. Aqui devemos ter em mente que a repressão da sociedade pesava sobre aqueles que eram tidos como degenerados e muitas vezes eles eram levados aos manicômios por não “se adequarem aos padrões” sociais da época, o que também ocorria com mulheres que não queriam ser submissas. A repressão não se fazia apenas pela violência física, mas também simbólica. Devemos saber filtrar o nosso ponto de vista para poder chegar à experiência desses setores sociais em determinadas épocas. O que devemos pensar ao refletir sobre o passado é que os fatos e processos históricos não são obras individuais ou de apenas um setor. A ação conjunta de diversas pessoas faz o protesto. Um personagem pode, ao mesmo tempo, se identificar com mais de um grupo (um mulher negra homossexual, por exemplo), como pode dar apoio sem se identificar com nenhum deles. Olhando para essas questões, devemos ver como era a sociedade da época para entender determinadas atitudes, mas nunca podemos pensar que determinados grupos surgem ou desaparecem do nada ou que não têm vontade própria. A história não pode nos ensinar como agir para moldar o futuro, mas por meio dela podemos (e devemos) conhecer diferentes pontos de vista sobre certos acontecimentos e com isso aprendermos a respeitar as diferentes visões de mundo, bem como aqueles que as têm. Roger Camacho Barrero Junior é mestrando em História pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), estuda Gênero e partidos políticos .

George A. Spiva Center for the Arts

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MANASSÉS DE OLIVEIRA

Faltas Falta o café da manhã, falta tênis pra ir à balada, o sapato, pra entrevista de emprego, falta emprego, falta casa. Falta muito pra sermos um pouco apenas. Falta apenas um incentivo para sermos quase nada. Falta aplicação, perseverança, esperança. Falta desejo, motivo, falta garra. Falta vontade política, administração devotada, político com espírito público que, do público, não leve nada. Falta um pouco de tudo e, em tudo, não sobra nada. Falta juiz honesto. Falta honestidade em toda vara. Vara com celeridade e celeridade para mover a vara. Falta de tudo um pouco. Falta tudo, na nossa cara. Falta a presença de Deus na missa já decorada. Falta relação com a prática. Falta a prática da relação que é pregada. Falta na missa a verdade. E a verdade que, pra missa, é sagrada.

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Falta uma escola bonita que para a vida prepara, no lugar de uma escola antiga que há muito tempo atrapalha, botando o talento no lixo e de frente pro lixo sentada. Cidadania é o que mais falta. Falta povo, falta palavra, falta atitude, falta virtude, falta diálogo, falta até fala. A fala minha, a fala sua, a fala nossa, a nossa fala. Falta um pouco ainda pra eu entender a xarada. Falta a metade de tudo em quase tudo e mais nada. Falta eu terminar esta frase pra ela ficar acabada. Falta motivo pra vida. Falta uma vida motivada. Pra acordar todo dia, dia a dia entusiasmada. Falta liberdade pra vida em vez de uma vida regrada. A falta pra nós é tão plena que dá pena viver nesta falta. Faltando o passado e o presente. Futuro? Só uma existência faltada. Será que num dia, dessa falta, Vamos poder sentir falta?

Manassés de Oliveira é jornalista EDIÇÃO 03 | 1º SEMESTRE DE 2014

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MARCO AURÉLIO CARDOSO MOURA | ILUSTRAÇÕES: DICASTRO


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Morte e vida periferia (auto de natal paulistano)

O pobre menino explica ao leitor quem é e a que vem. ___ Me chamam de neguinho, Nem sei o verdadeiro de pia. Como há muitos neguinhos, que é vapor de escadaria, deram então de me chamar neguinho de Maria. Como há muitos neguinhos, com mães chamadas Maria fiquei sendo o de Maria, do finado seu Fonseca que tinha uma canela fina e outra seca. Mas isso ainda diz pouco, há muitos na quebrada, por causa de um traficante, que se chamou Fonseca Grande e que foi o mais antigo comandante do meu quadrante. Como então dizer quem fala ora a vossas senhorias?

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Vejamos: é o neguinho da Maria do seu Fonseca, lá da quebrada do quadrante, com tiroteio a todo instante, nos limites do horizonte. Mas isso ainda diz pouco, ao menos mais cinco havia por conhecido neguinho, filhos de tantas Marias, mulheres de outros tantos seu Fonseca, das canelas finas e secas, vivendo na mesma dureza, magreza e sonharia em que eu vivia. Somos muitos neguinhos iguais em tudo na vida: na mesma costela aparente, no mesmo ventre crescido, sobre as mesmas pernas finas, iguais também no sangue que se derrama que possui pouca tinta devido a tantas anemias. E somos neguinhos, iguais em tudo na vida. morremos de morte igual, mesma morte por chacina, que é a morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia. Somos muitos neguinhos iguais em tudo e na sina: trabalhar na biqueira de pé no chão, corre dos home, como ensina os irmão. Tentar viver como ensinou mãe Maria, E que melhor conheçam vossa senhoria. Que na vossa presença sonha que um dia, teria um natal com alguma alegria.

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Neguinho presencia o natal de seu José, mestre carpina. ___ Seu José, mestre carpina que habita esse lamaçal, sabe me dizer como será esse natal? Sabe me dizer se será vermelho Pelas luzes piscando, Ou pelo sangue derramando? ___ Neguinho, de oficio vapor, jamais tive a sorte de dizer que a morte não fosse a cor que nos amargô. ___ Mas seu José, mestre carpina não falam de um tal menino que está pra nascer, menino homem, que nos permitiria viver. ___ Neguinho, de oficio vapor, esse menino de que falas já está pra nascer, mas por ser pobre não vos deixaram viver.


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___ Seu José, mestre carpina esse menino por causo é seu filho que em breve nascerá, que trará alguma alegria, ao menos ao teu lar? ___ Neguinho, de oficio vapor, Esse menino é um tal Jesus, Diferente no ser divino Igual no ser franzino. Dizem que nasceu há muito tempo e o retratam branco. sorte dele... por ser neguinho como tu e eu, não iria cear, talvez apenas beliscar aquilo que sobrar. ___ Seu José, mestre carpina, então o que fazer, passar o natal à míngua esperando a gente morrer? ___ Neguinho, de oficio vapor, trazer esperança pra cá é coisa de sonhador. Que Cristo, maior que já existiu tome cuidado por aí pra não morrer como o último com bala de fuzil, que não por acaso, sempre nos atraiu. ___ Seu José, mestre carpina será que um dia isso vai mudar? Ou será que teremos de esperar os cemitérios lotar? ___ Neguinho, de oficio vapor só acabará a dor no dia em que entendermos que a vida do outro não nos cabe valor. Trazer pra terra a paz É realizar o sonho do maior sonhador.

Marco Aurélio Cardoso Moura é estudante de Ciências Sociais e morador da Vila Brasilândia, São Paulo

(Adaptação de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto) EDIÇÃO 03 | 1º SEMESTRE DE 2014

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DICASTRO Quem sou eu? Um turbilhão de perguntas me rodeiam todos os dias, junto com elas, infinitas cores. Perguntas e mais perguntas. Transformar o que vejo em arte toma minha mente por completo. DiCastro, esse sou eu. Produzo meus trabalhos em Curitiba. Mas desde pequeno já me interessava por desenho, adorava riscar as paredes com os batons da minha irmã. Hoje estudo Gravura no Atelier Casa.

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DiCastro é estudante de Gravura na Faculdade de Belas Artes, em Curitiba EDIÇÃO 03 | 1º SEMESTRE DE 2014

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RAFAEL MARTINI

O Centenário de Vinicius V

ocê sabia que o compositor de Garota de Ipanema é um dos nomes mais reconhecidos do século passado no Brasil se chama Marcus? Pois é. Marcus Vinicius de Melo Moraes nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913. O poeta, compositor, advogado, diplomata, dramaturgo, jornalista... – já deu pra ver que faltarão linhas nesta folha - começou a trilhar seu caminho escrevendo versos na infância, mas foi em 1933, quando se formou na Faculdade Nacional de Direito, que lançou seu primeiro livro de poemas, “O Caminho para a Distância”. Apesar de não ter trilhado carreira com a advocacia, Vinicius conheceu na faculdade importantes figuras do cenário intelectual como Otávio de Faria, San Thiago Dantas e Plínio Doyle. Já com o diploma em mãos, exerceu no Ministério da Educação o cargo de censor cinematográfico. Já em 1938, Vinícius ganhou uma bolsa de estudos para estudar língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford e foi trabalhar na BBC londrina. A vida que poderia ter se encaminhado longe do solo e cultura brasileira teve vida curta. Em 1939, Vinicius foi obrigado a voltar para terras tupiniquins com o início da Segunda Guerra Mundial. De volta ao Brasil, passou a colaborar com a imprensa. Por já ter então um nome reconhecido como poeta, desenvolveu amizade com vários nomes importantes de nossa literatura, como Cecília

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Meireles , Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Nas décadas de 40 e 50, Vinicius percorreu o mundo como diplomata. Morou em Los Angeles, Paris e Montevidéu. Ao retornar ao Brasil, o quase cinquentão filho de músicos - o pai, um poeta e violonista e a mãe, uma pianista - passou a compor em parceria com grandes artistas como Baden Powell e Pixinguinha. Naquela década compôs os versos para canções como "Chega de Saudade", "Insensatez" e "Ela é Carioca", parcerias com Tom Jobim, "Samba em Prelúdio" e "Canto de Ossanha", com Baden Powell, e "Você e Eu", com Carlos Lyra. Claro que não esqueceria que em 1962 compôs com o maestro Antônio Carlos Jobim, o segunda música mais tocada de todos os tempos “Garota de Ipanema”. Para os curiosos, a primeira é “Yesterday”, dos “Beatles”. Em 1969, foi exonerado do Ministério das Relações Exteriores pelo regime militar. Se este ciclo se encerrava, a parceria mais famosa da vida de Vinicius estava pra começar. Vinicius de Moraes conheceu um jovem chamado Antonio Pecci Filho, mais conhecido como Toquinho. A amizade e parceria musical continuaria até o fim de sua vida. Os dois fizeram diversas excursões juntos mundo afora. Entre as várias composições da dupla se destacam “Tarde em Itapoã", "Regra Três" e "Como é Duro Trabalhar"


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Durante a vida, Vinicius também ficou famoso pela vida amorosa intensa. Casou-se nove vezes e teve cinco filhos. Suas esposas foram: Beatriz Azevedo, Regina Pederneira, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nellita de Abreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, Marta Rodrigues e, a última, Gilda Matoso. Alguns dos principais livros de poemas que lançou durante a vida são "O Caminho para a Distância" (1933), "Forma e Exegese" (1935), "Ariana, a Mulher" (1936), "Cinco Elegias" (1943), "Poemas, Sonetos e Baladas" (1946), "Para Viver um Grande Amor - Prosa e Poesia" (1965), e "Para uma menina com uma flor" (1966). Os problemas mais sérios de saúde começaram a aparecer em 1979. Voltando de uma viagem à Europa, Vinicius sofreu um derrame à bordo do avião. A morte aconteceu pouco tempo depois. Em 9 de julho de 1980, aos 67 anos, Vinicius de Moraes morreu de edema pulmonar, em sua casa, ao lado de Toquinho e da última esposa, Gilda Queirós Mattoso.

Rafael Martini é músico e jornalista

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DIEGO BALBINO

Congelar o movimento O

fotógrafo Diego Balbino trabalha com panning desde o início de sua carreira. Trata-se de uma técnica de fazer fotos com movimentos e a diferença desse estilo para uma foto borrada é o controle do borrão na fotografia, uma tarefa difícil, pois existe uma grande dificuldade em controlar o que tecnicamente muitos fotógrafos consideram como errado. “Ter controle de uma foto tremida é como dar pinceladas com luz em uma grande tela.” Essas fotos fizeram parte da exposição “Pra que marca d’água”, na galeria Artagora, na cidade de Sevilha, Espanha. O fotógrafo sempre teve anseio pela desconstrução da fotografia e realiza trabalhos com outras técnicas, com pinhole, caseina, marrom van dike e outros processos alternativos.


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BRUNO FERREIRA

Direito à expressão:

conflito e conciliação I

deias hegemônicas, reforçadas há décadas pela mídia, reverberam na sociedade que, mesmo capaz de avaliar, criticar e rejeitar o teor e conteúdo das mensagens disseminadas, ainda demonstra resistência a novos valores, conceitos e paradigmas. Nota-se essa realidade quando a questão envolve crime e violência. A punição, de acordo com a ideia hegemônica vigente, é consequência natural ao erro. Crianças ficam “de castigo” se desobedecem aos pais, alunos de todas as idades são reprovados se não atingem uma nota mínima ao término de um ciclo de aprendizagem escolar, pessoas que praticam a violência são privadas da liberdade, ou – como em países do Oriente Médio, África e alguns estados dos Estados Unidos – até mesmo condenadas à morte. Há, no entanto, paradigmas contra-hegemônicos que não entendem a punição como resposta eficaz ao erro. Defendem o diálogo e a sensibilização para filhos que desobedecem a regras, novas formas de acompanhamento pedagógico e ensino para que a diversidade de estudantes tenha condições de aprender coletivamente, e a educação para a ressocialização para pessoas em conflito com a lei. Os defensores dessas ideias, todavia, trabalham arduamente para propor a reflexão e a lógica de suas ideias para a sociedade, acostumada e condicionada ao paradigma hegemônico vigente. E os meios de

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comunicação evitam inserir em suas agendas esse tipo de discussão. Observa-se, atualmente, a onipresença do “senso comum” enrijecido pelo conservadorismo e pouco propenso ao diálogo, à aceitação de novos valores, e manifesto não apenas nos meios de comunicação de massa, mas também pelos cidadãos comuns, por meio, inclusive, das redes sociais, reforçando a hegemonia desses valores em sua comunicação cotidiana.

Vozes nas redes Períodos eleitorais, por exemplo, são importantes épocas para analisar de que forma os diferentes grupos sociais lidam com ideias e propostas divergentes, a partir das mensagens da grande mídia. Dilma Rousseff, quando candidata à presidência em 2010, foi acusada em diversas correntes pela internet de ter sido terrorista durante a juventude e de ser incompetente e “sem histórico” para


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exercer o cargo de presidente da república. E mais recentemente, inúmeros foram os compartilhamentos e comentários contrários, no Facebook, às polêmicas declarações sobre gays, negros e religião do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. É inegável que a internet possibilitou que cidadãos comuns tornassem suas opiniões públicas e abrangessem as possibilidades de diálogo sobre os acontecimentos da sociedade, em razão de suas ferramentas tecnológicas que possibilitam a interação. Mas é importante destacar o teor ofensivo das mensagens, em ambos os casos mencionados, e questionar se apenas a possibilidade de expor o pensamento em rede seria o auge da comunicação. As tecnologias da informação, cada vez mais acessíveis, permitem um intenso compartilhamento de ideias. Mas a igualdade da qual se desfruta em rede não garante a revisão ou

desconstrução de valores sociais hegemônicos e o estabelecimento de relações humanas baseadas no respeito e na solidariedade. O direito à expressão é exercido nesses espaços virtuais, no entanto, os sujeitos ainda são retransmissores de senso comum e de conservadorismo.


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Comunicação mediadora É preciso entender que os valores disseminados pelos meios de comunicação não exercem, necessariamente, influência direta sobre o sujeito social. As notícias sobre Dilma e Marco Feliciano ecoam distintamente em cada pessoa, pois cada um possui particularidades inerentes a fatores antropológicos, sociais, psicológicos e intelectuais, vivenciados em diferentes contextos. Por isso, a comunicação enquanto processo de interação com o diferente, seja no contato com as mensagens midiáticas, nas opiniões divergentes nas conversações cotidianas, na imersão em diferentes realidades, envolve, necessariamente, conflito. Então, o desafio que se coloca à comunicação não se limita à garantia de manifestação da diversidade de pontos de vista. É necessário que se reflita sobre o seu papel conciliador. Os meios de comunicação enfatizam a violência presente no cotidiano da juventude periférica, sugerindo em suas mensagens a redução da maioridade penal como solução. A indignação provocada a partir desses conteúdos, que reverberam no cotidiano de muitos jovens e adultos, faz com que essa proposta seja aceita como melhor alternativa ao enfrentamento da violência. No entanto, para que o paradigma da punição não persista hegemônico, é necessário pensar em uma comunicação mais mediadora, voltada às necessidades de revisão de valores, de questionamento

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da ordem vigente, que propicie uma constante reflexão sobre a vida cotidiana para desconstruir estruturas esgotadas que ainda fundamentam o pensamento coletivo. A escola, a família e a religião têm, portanto, o importante papel de promover o debate e a reflexão acerca dos valores sociais que a mídia reforça, especialmente entre crianças, adolescentes e jovens. Por isso, não é possível pensar em comunicação efetiva – mediadora, portanto – ignorandose o seu papel educativo (e vice-versa). Também não é possível falar em educação e desconsiderar o seu caráter dialógico – comunicacional, portanto – como sempre destacou Paulo Freire. Atualmente, são os movimentos sociais que assumem o papel mediador da comunicação, uma vez que são eles que mais insisivamente procuram dar o contraponto aos valores hegemônicos e conservadores da sociedade, amplamente reforçados pelos meios de comunicação de massa.

Bruno Ferreira é jornalista e educador


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RODRIGO NAZCA

Meu Meio Arrumar a casa? Quero uma casa minimalista Pouca coisa, muito espaço Fluído, móvel, Livre Começo por mim Me fazendo minimalista Mínimo ´Minino´...

Muito nada... Pra caber tudo Poder tudo Da dança de roda À brincadeira de corda Trança, tinta, madeira, giz Gente linda de tanto sorrir Aconchego, corpo, Água gelada, Rede, vela, palhaçada, Nesse canto sem jeito certo Só possibilidades de ser sincero...

Claro escuro Compreendendo a criação de laços, o que me falta? Por que me é algo tão desconhecido essa multiplicidade de próximos? Por que não se aproximam? Assusto? O que pareço? Estaria eu ocupado demais comigo, que não consigo me dar? Tantos planos e ideias, sonhos demais, que me custa parar e chegar? Ou seria porque caminho por fluxos e paisagens que doem caminhar e por isso não atraio caminhantes nessa trilha? O que digo quando não digo? O que ouvem de mim? O que significo? Incômodo, é a sensação que tenho, que causo... inquieto com meus próprios incômodos, levo-os, compartilho-os, afastando, assim... Então o que fazes ao meu lado? Contigo, quero cuidar, de um modo que não se pode cuidar de todos... Não dá para conhecer a todos como te conheço ou quero conhecer... por quê? Faltam ocasiões para de fato conhecer? Será isso? Não me conformo com as superfícies, n´uma mania desatinada de mergulhar... e, mergulhando, disturbo? Perturbo a limpidez da água? Intempestivo, balanço as raízes em volta? Cavo em busca de ar... Túneis em busca de lar... escureço para clarear... enlouqueço para salutar... enlouqueço para descarar... enlouqueço para desmandar... enlouqueço para acalmar... http://www.oceudaquelaterra.blogspot.com.br/ EDIÇÃO 03 | 1º SEMESTRE DE 2014

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NATĂ LIA FORCAT

http://natcartoons.daportfolio.com/


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CONSTANCE BELMAR

Divinos Devaneios Se faz presente a melancolia Soprando em minha vida eterna maresia, Com fortes tufões; Saudades explodindo corações E no final do horizonte além Não há nada nem ninguém...

Somente o árido deserto indiferente, A vida indo sempre para frente, Eu luto e não venço; E às vezes até penso Que serei assim dissimulada Rindo e chorando alucinada...

Sendo poeta, vivendo em mundo diverso, E é todo azul este meu universo, Cleópatra, Maria e Madalena; Amando, santificando e dando pena Rasgo a realidade e sonho gozando O paraíso que sempre estive almejando...

Constance Belmar é escritora

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Revista Caravela

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